ARTIGOS ORIGINAIS


RESSECÇÃO ALARGADA EM PACIENTES COM CÂNCER COLORRETAL LOCALMENTE INVASIVO

Thaisa Barbosa-Silva
Eduardo Eustáquio S. Carvalho
Johnson Emílio Gabriel O. Campos
Rodrigo Gomes da Silva
Sérgio Alexandre da Conceição
Antônio Lacerda-Filho- TSBCP


Barbosa-Silva T, Carvalho EES, Campos JEGO, Silva RG, Conceição SA, Lacerda-Filho A. Ressecção alargada em pacientes com câncer colorretal localmente invasivo. Rev bras Coloproct, 2002;22(1):27-32.

RESUMO: O tratamento mais adequado para o paciente portador de carcinoma colorretal localmente invasivo é a ressecção alargada, com retirada em bloco do tumor e vísceras acometidas, com margens cirúrgicas livres da lesão. O presente trabalho é um estudo retrospectivo envolvendo 45 pacientes nessas condições, submetidos à ressecção alargada. Vinte e um pacientes foram classificados como Dukes C e 24, como Dukes B. A invasão neoplásica dos órgãos retirados em bloco com o tumor, confirmada pelo estudo anatomopatológico, ocorreu em apenas 14 pacientes (31%). Vinte e cinco pacientes apresentaram complicações pós operatórias (55,5%) e 02 pacientes faleceram em decorrência do tratamento cirúrgico. A morbidade da ressecção alargada não foi influenciada pela idade do paciente. A média de sobrevida global foi de 32 meses, aumentando para 50,5 meses quando consideramos os pacientes sem invasão linfonodal.

Unitermos: câncer colorretal localmente avançado, ressecção alargada, invasão tumoral

INTRODUÇÃO
O carcinoma colorretal é uma causa importante de óbito entre as doenças malignas existentes. Cerca de 5 a 12 % são diagnosticados em estádio avançado, localmente invasivos, envolvendo órgãos adjacentes por contigüidade, mas sem metástase à distância. Nesses casos, o tratamento mais adequado é a ressecção alargada, com retirada em monobloco do tumor e vísceras acometidas, devendo resultar em margens cirúrgicas livres.
    Sugarbaker, em 1946, publicou o primeiro trabalho envolvendo um número considerável de pacientes com câncer colorretal localmente invasivo, com bons resultados a longo prazo após ressecção alargada5. A suspeita pré-operatória de envolvimento linfonodal não contraindica a ressecção alargada, embora reduza a sobrevida global desses pacientes2,3,4.
    A sobrevida a longo prazo, quando é feita a ressecção alargada, depende mais do acometimento linfonodal do que do grau de invasão local, segundo a maioria dos autores, com média de sobrevida de 76 meses para os casos em que não há invasão linfonodal e de 18 meses para aqueles com linfonodos acometidos3.
    Os objetivos do presente trabalho foram determinar os principais órgãos acometidos por invasão direta do tumor (contigüidade), a porcentagem de invasão neoplásica dos mesmos, confirmada pelo estudo anatomopatológico, e a sobrevida global dos pacientes com e sem invasão linfonodal, em um grupo de pacientes portadores de câncer colorretal (CCR) localmente invasivo submetidos à ressecção alargada.

PACIENTES E MÉTODOS
Foram analisados retrospectivamente 45 pacientes com neoplasia maligna colorretal localmente invasiva, classificados como Dukes B ou C (T4N0M0 e T4N1Mo), tratados no Serviço GEN-CAD no período entre fevereiro de 1979 e dezembro de 1999. Todos os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico com ressecção alargada. Os dados foram colhidos dos prontuários médicos de cada paciente e os contatos foram feitos por telefone e/ou carta. Atenção especial foi dada à descrição da cirurgia para definição do grau de invasão local macroscópica e ao resultado anatomopatológico, confirmando-se ou não a invasão neoplásica dos órgãos retirados em bloco com o tumor. Em nenhum caso foi realizado, durante a cirurgia, o exame de corte de congelação do local de invasão para evitar a disseminação tumoral. Também não foi feita nenhuma tentativa de desfazer aderências, mesmo as mais frouxas, para não comprometer a radicalidade oncológica.
    Além da anamnese, exame físico geral e proctológico, em 42% dos casos, um método de imagem (Tomografia Computadorizada e/ou Ultra-som abdominal) foi realizado para estadiamento do tumor.
    Vinte e quatro pacientes foram submetidos à terapia adjuvante, com a associação de radioterapia e quimioterapia em 50% desses pacientes.
    Os resultados foram analisados de acordo com o teste t de Student e as proporções foram comparadas usando o teste do Qui-quadrado e exato de Fisher. Os valores de sobrevida foram calculados de acordo com o método de Kaplan-Meier, sendo analisados usando o teste log-Rank. Valores de p <0,05 foram aceitos como estatisticamente significativos.

RESULTADOS
Dos 45 pacientes com câncer colorretal localmente invasivo, em apenas 32 pacientes foi possível colher as informações completas. O tempo de seguimento médio foi de 27,3 meses. A idade dos pacientes variou entre 32 e 89 anos ( média = 58,4 anos), sendo 34 do sexo feminino (75%) e 11 do sexo masculino (25%). O tempo de internação hospitalar variou de 06 a 90 dias (média = 29 dias ). A distribuição das lesões no cólon e reto pode ser observada na figura 1. Vinte e dois pacientes apresentaram a lesão no reto e junção reto-sigmóide (49%), 8 no sigmóide (18%), 5 no cólon direito e ceco (11%), 5 no cólon esquerdo (11%) e 5 no transverso (11%).

 

Figura 1 - Distribuição anatômica dos tumores em 45 pacientes submetidos a ressecção alargada por CCR.


    A média de duração dos sinais e sintomas desde o seu aparecimento até a realização do diagnóstico foi de 9,3 meses. As manifestações clínicas mais freqüentes foram: emagrecimento (71%), dor abdominal (65%) e hematoquezia (65%). Anemia estava presente em 52% dos pacientes, hiporexia em 23% e massa palpável em 26%. Do total de pacientes, apenas 16% apresentavam tenesmo e 10%, perda de muco nas fezes. Dois pacientes eram portadores de polipose colônica familial malignizada.
    O adenocarcinoma foi o tipo histológico predominante, ocorrendo em 44 pacientes (97,8%), sendo feito o diagnóstico de linfoma em 01 caso. Quanto ao grau de diferenciação, 57,1% dos casos foram considerados moderadamente diferenciados, 35,7% bem diferenciados e 7,1% pouco diferenciados.
    Todos os 45 pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico com ressecção em bloco dos órgãos envolvidos por contigüidade pelo tumor. A colectomia esquerda foi feita em 11 pacientes, a retossigmoidectomia em 09, a amputação abdominoperineal em 06, a colectomia transversa em 05, a colectomia direita em 05, o abaixamento endoanal em 05, a sigmoidectomia em 03 e tumorectomia em 01 paciente (Quadro 1).

Quadro 1 - Tipo de cirurgia realizada em 45 pacientes submetidos a ressecção alargada por CCR.

Tratamento Cirúrgico %
Retossigmoidectomia  11 21,4
Colectomia Esquerda 9 20,0
Amputação Abdominoperineal 6 13,3
Abaixamento Endoanal 5 11,1
Colectomia Direita  5 11,1
Colectomia Transversa  5 11,1
Sigmoidectomia  3 6,7
Tumorectomia  1 2,2

    Os principais órgãos ressecados devido à invasão direta pelo C.C.R. foram os anexos uterinos em 28 casos, o útero em 10, a bexiga em 08 e o intestino delgado em 06 (Quadro 2). Invasão neoplásica dos órgãos retirados aderidos ao tumor foi confirmada em 14 pacientes (31%), apresentando o restante (69%) apenas reação inflamatória. Vinte e um pacientes (46%) apresentaram metástase linfonodal e 24 pacientes (54%) não apresentaram acometimento linfonodal.

Quadro 2 - Órgãos e estruturas ressecadas em monobloco com o CCR e porcentagem de invasão neoplásica em 45 pacientes submetidos à ressecção alargada.

Órgãos  n Invasão Neoplásica
Anexos  28 4 (14,3%)
Útero  10 3 (30,0%)
Bexiga  8 5 (62,5%)
Intestino Delgado 6 3 (50,0%)
Vagina  5 3 (60,0%)
Estômago  4 1 (25,0%)
Próstata / Vesícula Seminal 3 2 (66,6%)
Parede Abdominal 3 3 (100,0%)
Ureter  2 1 (50,0%)
Apêndice  2 0 (0,0 %)
Baço  1 0 (0,0 %)


    Vinte e cinco pacientes apresentaram complicações no pós operatório, com uma morbidade de 55,5% (Quadro 3). As complicações incluíram obstrução intestinal, infecção de ferida cirúrgica, abscesso pélvico, fístula anastomótica e pneumonia.

Quadro 3 - Complicações pós-operatórias em pacientes com CCR submetidos à ressecção alargada

Complicações  n
Infecção de ferida operatória  8
Fístula vesical / colônica 4
Obstrução intestinal 3
Sepse  2
Evisceração  2
Abcesso Abdominal  2
Pneumonia  1
Trombose venosa profunda 1
Deiscência de sutura 1
Íleo funcional  1

Morbidade Operatória: 25 casos (55,5%)

 

    Dos 09 pacientes do estudo com idade superior a 65 anos, apenas 03 apresentaram complicações no pós operatório. Quando comparamos com os pacientes de idade inferior ou igual a 65 anos, não encontramos diferença estatisticamente significativa em relação à morbidade (p = 0,67).
    A mortalidade operatória (até 30 dias após o procedimento cirúrgico) foi de 4,4% (2 casos). Um paciente apresentou pneumonia e outro sepse de origem abdominal.
    A sobrevida dos pacientes foi avaliada a partir da data da cirurgia até maio de 2000 (data da conclusão desse estudo), incluindo a mortalidade operatória.
    A sobrevida global dos pacientes variou entre 0 e 135 meses, com média de 32 meses. Quando consideramos a classificação de Dukes, os pacientes com Dukes B apresentaram uma média de sobrevida de 50,5 meses e os pacientes Dukes C de 15,2 meses (p < 0,05) (Figura 2). Nos 24 pacientes com Dukes B submetidos à ressecção alargada com finalidade curativa, a média de sobrevida do grupo com invasão inflamatória dos órgãos adjacentes foi semelhante à do grupo com invasão neoplásica (p = 0,98). Na análise da curva de sobrevida de Kaplan-Meier, 81% dos pacientes Dukes B estavam vivos em 12 meses, enquanto para os pacientes Dukes C essa porcentagem foi de 50% no mesmo período. No grupo dos pacientes Dukes B, 50% dos pacientes ainda permaneciam vivos em 28 meses; por outro lado, mais de 90% dos pacientes Dukes C tinham falecido no mesmo período.

 

Survival Probabilities

Figura 2 - Curva de probabilidade de sobrevida em 45 pacientes com CCR submetidos a ressecção alargada.

 

DISCUSSÃO
Embora o câncer colorretal localmente invasivo seja com frequência associado a metástases à distância, há um grupo bem definido de tumores que têm comportamento biológico diferente, invadindo órgãos adjacentes por contigüidade, mas sem evidência de metástases à distância13. Na maioria das vezes, é impossível avaliar com segurança, no transoperatório, se a infiltração é causada por aderência inflamatória ou neoplásica. Por causa disso, nenhuma tentativa de desfazer aderências potencialmente causadas por invasão neoplásica deve ser feita. Isso poderia comprometer a radicalidade oncológica do procedimento e definir, de forma desfavorável, o prognóstico do paciente.
    O acometimento tumoral varia entre 16% e 84% 1,3,4,6,8,11. O Quadro 4 mostra as incidências de invasão neoplásica observadas em diversas séries. No presente estudo, a invasão neoplásica dos órgãos ressecados em bloco com o tumor foi confirmada pelo estudo anatomopatológico em 31% dos pacientes.
    O melhor tratamento e o único com intenção curativa para esse tipo de paciente é a ressecção alargada. A retirada em bloco do tumor e dos órgãos invadidos por contigüidade deve resultar em margens cirúrgicas livres, sem evidência de tumor residual1-6,9. Butcher e Spjut relataram 5% de sobrevida em 05 anos em pacientes submetidos à ressecção limitada para tumores localmente invasivos, contrastando com 33% de sobrevida nos tratados com ressecção alargada9. Hunter et al avaliaram retrospectivamente pacientes com neoplasia colorretal submetidos a tratamento cirúrgico. A sobrevida em 05 anos para os pacientes submetidos a colectomia padrão, ressecção alargada e colectomia com separação dos órgãos aderidos foi 55%, 61% e 23% respectivamente, com um alto índice de recorrência local para o último grupo (69%)10.

Quadro 4 - Porcentagem de invasão neoplásica de vísceras e estruturas adjacentes em pacientes com CCR submetidos a ressecção alargada.

Autores  Período de Número de Aderência (% ) Mortalidade  Morbidade
   Estudo  Pacientes  Inflamatória  Neoplásica  Operatória (%) (%)
Kelley et al. 1957 - 1972 66 - - 9 -
Pittam et al. 1962 - 1978 44 67 33 13 -
Eldar et al. 1964 - 1980 84 32 68 6 28
Eisenberg et al. 1964 - 1980 58 16 84 1,7 31
Mcglone et al. 1972 - 1976 24 34 66 8 25
Hunter et al. 1975 - 1979 28 61 39 1,7 -
Izbicki et al. 1986 - 1993 83 46 54 1,2 44
Presente est. 1979 -1999 45 69 31 4,4 55,5


    O acometimento linfonodal e o comprometimento tumoral das margens cirúrgicas são os fatores prognósticos de adversidade mais importantes nesses pacientes. Não se sabe, porém, se a linfadenectomia radical pode melhorar a sobrevida. Apesar de o envolvimento tumoral de órgãos adjacentes parecer influenciar o prognóstico, a ressecção radical faz desaparecer essa diferença 4.
    No presente estudo, os pacientes sem invasão linfonodal submetidos à ressecção alargada apresentaram sobrevida média semelhante aos pacientes com invasão neoplásica e inflamatória, mostrando a importância da ressecção em bloco nos tumores localmente avançados. Esses resultados também foram encontrados por Kelley e McGlone6. Em contraste, Heslov e Frost encontraram um alto índice de recorrência locorregional em pacientes com adesão carcinomatosa comparados com os pacientes com adesão inflamatória12.
    No presente trabalho, a média de sobrevida global foi de 32 meses, sendo maior nos pacientes classificados como Dukes B (p < 0,05). Eisenberg encontrou média de sobrevida de 100 meses nos pacientes sem invasão linfonodal submetidos à ressecção alargada, com 0% de sobrevida em 05 anos para os pacientes com Dukes C4.
    Izbicki publicou os resultados de 83 pacientes submetidos a ressecção em bloco, com média de sobrevida global de 44 meses, sendo os principais fatores de mau prognóstico o acometimento linfonodal e a presença ou não de tumor residual. Nos casos onde foi constatada a presença de tumor residual microscópico, a sobrevida média foi de 14 meses3.
    A distribuição das lesões foi semelhante à encontrada nos trabalhos bibliográficos já publicados, com a maioria dos casos ocorrendo no reto e no sigmóide.
    A morbidade de 55,5% pode ser considerada elevada em relação à literatura que oscila em torno de 31%1,3,4. Além disso, a idade mais avançada não aumentou a morbidade e mortalidade operatórias, não sendo, portanto, contraindicação para a ressecção alargada. A mortalidade operatória de 4,4% está de acordo com os resultados publicados na literatura, que têm oscilado entre 1,7 e 13%1-4.

SUMMARY: Multivisceral resection has been accepted as the best treatment for patients with locally advanced colorectal carcinoma. We present our experience of 45 patients with locally invasive colorectal lesions that have been treated surgically with excision en bloc of the adjacent organs.
   
Carcinomatous invasion of the resected contiguous organs was confirmed in 14 patients (31%). The operative morbidity and mortality rates were 55% and 4,4% respectively. The morbidity was not influenced by the age. The mean survival time for all patients was 32 months, but in patients without lymph node metastase it was 50,5 months.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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5. Sugarbaker ED. Coincident removal of additional structures in resections for carcinoma of the colon and rectum. Ann Surg 1946;123:1036-46.
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11. Pittam MR, Thornton H, & Ellis H. Survival after extended resection for locally advanced carcinomas of the colon and rectum. Ann R Coll Surg Engl 1984;66:81-4.
12. Heslov SF,& Frost DB. Extended resection for primary colorectal carcinoma involving adjacent organs or structures. Cancer 1988;62:1637-40.
13. Spratt JS Jr, Watson FR,& Pratt JL. Characteristics of a variant of colorectal carcinoma that does not metastatize to lymph nodes. Dis Colon Rectum 1970;13:243-6.
14. Gordon - Colon, rectum & anus. 2a ed., Missouri, 1999.
15. Gall FP, Tonak J, & Altendorf A. Multivisceral resections in colorectal cancer. Dis Colon Rectum 1987;30:337-41.

Endereço para correspondência:
Antônio Lacerda-Filho
Rua Juiz de Fora 1268/1103 - Santo Agostinho
30180-061 Belo Horizonte _ MG
Email: alacerda@medicina.ufmg.br
Tel.: (31) 3297-7695
Tel/Fax: (31) 3291-9878

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais/ Grupo de Coloproctologia do Serviço de Gastroenterologia, Nutrição, Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo (GEN-CAD), Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais.