ARTIGOS ORIGINAIS
LÚCIO SARUBBI FILLMANN - ASBCP
GILMARA PANDOLFO
HENRIQUE SARUBBI FILLMANN - TSBCP
GUSTAVO BORN
eRICO Ernesto pretzel FILLMANN - TSBCP
JOÃO RUBIÃO HOEFEL FILHO
MAURICIO BARREIRA MARQUES
FILLMANN LS; PANDOLFO G; FILLMANN HS; BORN G; FILLMANN eEP; HOEFEL FILHO JR; MARQUES
MB. O Uso da Ressonância Nuclear Magnética no Diagnóstico de Fístulas Anais. Rev bras Coloproct, 2004; 24(1):45-48.
RESUMO : O sucesso do manejo das fístulas anais depende da correta identificação do trajeto fistuloso bem como de sua abertura no canal anal. O uso da ressonância nuclear magnética pode colaborar na avaliação de casos complexos, facilitando a abordagem cirúrgica. Desenvolvemos um estudo prospectivo, avaliando a qualidade das imagens obtidas pela ressonância e comparado-as com os achados cirúrgicos. Foram analisados 22 pacientes tratados no Serviço de Coloproctologia do Hospital São Lucas da PUCRS por fístula anal, tendo sido os mesmos submetidos a ressonância nuclear magnética pré-operatória. Observamos uma sensibilidade de 80% no diagnóstico de fístulas anais, com especificidade de 100% e valor preditivo positivo de 100%. Os achados da ressonância e da cirurgia foram coincidentes em 80% dos casos. A ressonância se mostrou um método seguro e útil no diagnóstico de fístulas anais.
Unitermos: Fistula retal, Imagem por ressonância magnética; Fistula retal/radiologia
INTRODUÇÃO
O adequado tratamento das fístulas da
região anal envolve a identificação completa do
trajeto fistuloso, sua relação com a musculatura
esfincteriana e, principalmente, o local da abertura interna do
mesmo no ânus. A maioria destas lesões é facilmente
avaliada pelo proctologista, não sendo necessário o uso
de exames auxiliares de diagnóstico. Entretanto,
algumas destas fístulas envolvem porções consideráveis
da massa muscular do esfíncter anal e a identificação
do orifício interno pode se tornar bastante
complicada, resultando em trauma sobre o mecanismo
de continência fecal e resultados terapêuticos
insatisfatórios. O uso da ressonância nuclear magnética,
por sua adequada definição de tecidos, tornou-se
atrativa no sentido de avaliar adequadamente
pacientes suspeitos de serem portadores de fístulas
anais complexas ou então como complemento naqueles
casos em que o resultado terapêutico foi inadequado,
tendo ocorrido recidiva dos sintomas no período
pós-operatório.
O nosso objetivo neste estudo é,
portanto, avaliar a eficiência diagnóstica da ressonância
nuclear magnética em casos de fístulas da região anal,
através do estudo das imagens obtidas no período
pré-operatório, comparando-as com os achados
trans-operatórios.
Pacientes e métodos
Foram estudados 22 pacientes consecutivos
atendidos no Serviço de Coloproctologia do Hospital São
Lucas da PUCRS, no período de outubro de 2001 a
novembro de 2002, com diagnóstico clínico de fístula da
região anal. Os pacientes foram informados sobre os
objetivos do estudo e inquiridos quanto ao interesse em
participar do mesmo. Os que aceitaram ingressar
foram submetidos inicialmente à avaliação rotineira
para casos de patologia anal que incluiu inspeção anal,
toque retal, anuscopia e reto-sigmoidoscopia rígida.
Neste momento, foram excluídos indivíduos com suspeita
de fístulas anais secundárias a outras patologias,
como tuberculose e doença de Crohn, pelo fato de
que freqüentemente tais pacientes não são operados.
Após esta avaliação inicial, os
indivíduos incluídos no protocolo foram encaminhados ao
Centro de Diagnóstico por Imagem do Hospital São Lucas
da PUCRS para realização da Ressonância
Nuclear Magnética da região pelvi-perineal. O resultado
desta avaliação não foi informado ao proctologista
assistente do caso, caracterizando então o cegamento.
Os pacientes foram então submetidos a
exploração cirúrgica da fístula anal e fístulotomia simultânea
sob anestesia geral. Os dados referentes aos achados
trans-operatórios foram então comparados ao relato do
estudo de imagem previamente obtido. Para inclusão na
análise final, foi necessário observar a completa
cicatrização da fístula anal operada, como forma de assegurar
a correta identificação do trajeto no momento
da exploração cirúrgica. As seguintes variáveis
foram então avaliadas: Idade, sexo, localização do
orifício externo, descrição trans-operatória e radiológica
do trajeto fístuloso, localização do orifício interno
na radiologia e na cirurgia e ocorrência de recidiva
pós-cicatrização.
Resultados
Foram incluídos na análise final todos os
22 pacientes originalmente avaliados nas consultas ambulatoriais. A média de idade desta amostra foi
de 39 anos, sendo 82% do sexo masculino e 18% do
sexo feminino. A maioria dos casos consistia de
trajetos fistulosos relativamente simples, sendo que um
cordão fibroso era palpável em 16 indivíduos. Na
avaliação inicial constatou-se que 4 pacientes já haviam
sido operados, apresentando recidiva da fístula anal.
A comparação entre os resultados
da ressonância nuclear magnética e da
exploração cirúrgica demonstrou concordância em 18 dos 22
casos analisados (80%). Três pacientes que na
exploração cirúrgica tiveram identificados orifícios de linha
média anterior, na radiologia os trajetos foram
identificados como tendo abertura interna na junção dos
quadrantes laterais (2 casos) e no quadrante anterior direito
(1 caso). Um indivíduo com fistula originada na
cripta da linha média posterior teve o diagnóstico por
imagem como tendo o orifício interno na linha média
anterior. As Figuras-1 e 2 estabelecem um quadro
comparativo entre os diagnósticos trans-operatórios e
radiológicos. Em um paciente com quadro clínico sugestivo de
fístula anal e no qual não se demostrou à ressonância
um orifício interno no ânus, na exploração
cirúrgica, constatou-se que se tratava de um pequeno
cisto epidérmico sem trajeto fístuloso demonstrável.
Os resultados obtidos demonstraram que a ressonância nuclear magnética do ânus apresenta
uma sensibilidade de 80% e especificidade de 100%,
no diagnóstico de fístulas anais, com valor
preditivo positivo de 100%. É interessante ressaltar também
que as falhas diagnósticas observadas no nosso
estudo ocorreram entre os primeiros 7 casos avaliados,
sendo que a concordância entre os resultados da radiologia
e da exploração cirúrgica nos 15 pacientes seguintes
foi de 100%.
Figura 1 - Localização do orifício interno na RNM |
Figura 2 - Localização do orifício interno na cirurgia. |
Discussão
O tratamento das fístulas anais constitui
um dos grandes desafios para o proctologista.
Utilizam-se como critérios de avaliação da qualidade do
resultado da cirurgia os índices de recidiva e o impacto que
a mesma tem sobre o mecanismo esfincteriano anal e
a continência fecal. Uma vez que a morbidade
pode comprometer significativamente a qualidade de
vida do indivíduo tratado, é fundamental uma
avaliação criteriosa da extensão do problema para
um planejamento cirúrgico cuidadoso. Khubchandani
(1) relata que mesmo aquelas fístulas descritas
como simples, ou seja, de trajeto superficial, subcutâneo
ou transesfincteriano baixo, que representam aproximadamente 95% das fístulas tratadas, têm,
após a fistulotomia, índices de complicação elevados
em função da presença de trajetos secundários ou de
falhas na identificação do orifício interno primário.
Vários estudos analisaram o resultado
de métodos de imagem na identificação de
trajetos fístulosos perianais. A razão do uso destes
métodos está em auxiliar o cirurgião na identificação
completa das fístulas e assim melhorar o resultado da
abordagem cirúrgica posterior. Reconhecemos que, na maioria
dos indivíduos tratados, enfrentamos situações
de complexidade menor nas quais os exames de
imagem acrescentariam custos sem um grande impacto
sobre os resultados. No entanto, ao abordarmos
fístulas complexas ou recidivadas, o cuidado na
identificação dos trajetos e sua relação com o esfíncter anal
podem resultar em menor trauma sobre o aparelho esfíncteriano e consequentemente menos
morbidade para o paciente.
A ressonância nuclear magnética, em
função de sua alta resolução de imagem e boa
identificação de tecidos moles, surgiu como um exame de
eleição nos casos mais complexos de fístulas anais. Chapple
e colaboradores (2) observaram sensibilidade de 81%
e especificidade de 73% para a ressonância
no diagnóstico de fístulas da região anal. Da mesma
forma, Zbar e colaboradores (3) observaram uma
elevada concordância entre os resultados dos estudos
de imagem com ressonância e os achados trans-operatórios, recomendando o uso da mesma
como auxílio no diagnóstico de fístulas anais
complexas. Phillips (4), em estudo realizado no Hospital
São Marcos, em Londres, relatou um índice
de concordância entre exame e exploração cirúrgica
de 85% para identificação do trajeto primário, 91%
para a presença de trajetos secundários, 94% para
a ocorrência de trajetos em ferradura e 80% para
a identificação do orifício interno. O mesmo autor
relatou também que a ressonância, quando comparada
à ecografia trans-anal, mostrou concordância
superior com os achados trans-operatórios, apesar de a
diferença não ter atingido níveis de significância estatística.
Para Phillips, a ultrassonografia fornece informação
limitada ao esfíncter, enquanto que a ressonância, mesmo
que mais cara, possibilita um estudo mais adequado
dos trajetos extra-esfincterianos e deve ser
recomendada naqueles casos de fístulas complexas ou recorrentes.
Para nós, a ressonância nuclear magnética da
região peri-anal constitui um método seguro e útil na
avaliação de trajetos fistulosos do ânus. Não recomendamos
o seu uso indiscriminado, mas reconhecemos que
há inequivocamente um benefício significativo para
os pacientes portadores de lesões complexas
ou recorrentes, que serão assim melhor
avaliados, aumentando suas chances de cura.
SUMMARY: Magnetic resonance imaging of the anal canal has been shown to predict surgical anatomy accurately and to identify complex fistula-in-ano. We investigated whether preoperative magnetic resonance correlates with surgical findings. Twenty two patients with anal fistula underwent magnetic resonance before surgical treatment. We found out that magnetic resonance had a sensitivity of 80%, specificity of 100% and positive predictive value of 100%. Surgical and radiological findings were the same in 80% of the cases. In conclusion, magnetic resonance imaging is a safe and valuable method to evaluate fistula-in-ano.
Key words: Rectal fistula, Magnetic resonance imaging; Rectal fistula/RA
Referências Biliográficas
1. Sangwan YP, Rosen L, Riether RD, Stasik JJ, Sheets
JÁ, Khubchandani IT. Is simple fistula-in-ano simple?
Dis Colon Rectum 1994; 37:885-889.
2. Chapple KS, Spencer J, Windsor, A, Wilson D, Ward
J, Ambrose N. Prognostic value of magnetic resonance
imaging in the management of fistula-in-ano. Dis Colon
Rectum 2000; 43:511-516.
3. Zbar A, de Souza N, Puni R, Kmiot W. Comparison
of endoanal magnetic resonance imaging with surgical
findings in perirectal sepsis. Br J Surg 1998; 85: 111-114.
4. Lunniss P, Barker P, Sultan A, Armstrong P, Reznek R,
Bartram C, Cottam K, Phillips R. Magnetic resonance imaging of
fistula-in-ano. Dis Colon Rectum 1994; 37:708-718.
5. Schäfer A, Enck P, Fürst G, Kahn Th, Frieling T, Lübke
H. Anatomy of the anal sphincters: Comparison of
anal endosonography to magnetic resonance imaging.
Dis Colon Rectum 1994; 37:777-781.
6. De Souza N, Hall A, Puni R, Gilderdale D, Young I, Kmiot
W. High resolution magnetic resonance imaging of the
anal sphincter using dedicated endoanal coil: Comparison of
magnetic resonance imaging with surgical findings.
Dis Colon Rectum 1996; 39:926-934.
Endereço para correspondência:
Av. Ipiranga, 6690/307
Jardim Botânico
90610-000 - Porto Alegre (RS)
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital São Lucas - PUCRS.