OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Júlio César Monteiro dos Santos
Júnior - TSBCP
SANTOS JÚNIOR JCM. Melanose Coli - Causa, Efeitos e Significados
Mórbidos. Rev bras Coloproct, 2004;24(4):375-378.
RESUMO: Antigas teorias formuladas para explicar a melanose e depois abandonadas deram lugar às concepções mais atuais
a respeito da pigmentação da mucosa cólica. As mais recentes estão centradas em dois fatores: o primeiro diz respeito aos
distúrbios das funções intestinais, mormente a constipação e, o segundo, à ingestão crônica de laxantes que, sem dúvida causam danos para
as células do epitélio intestinal, cuja intensidade parece ter relação com a maior pigmentação epitelial, reflexo da maior quantidade
de lipofucsina fagocitada conseqüente a mais intensa apoptose decorrente do dano celular, podendo estar associada a alterações
da musculatura lisa em função de uma miopatia mitocondrial que, diga-se de passagem, não é um aspecto encontrado apenas
no intestino grosso, mas em vários outros segmentos do trato digestivo, inclusive no apêndice cecal, lugar em que, na maioria das
vezes, esteve associada a doenças dos cólons.
Não foram raras as associações feitas entre a melanose (lipofucsinose) e câncer do intestino grosso, mas o
prejuízo prevalente que tem sido relacionado ao fenômeno da coloração pardo-acastanhada da mucosa intestinal, decorrente do uso
crônico de laxantes antracênicos, são as alterações neurológicas e musculares - nesses casos a melanose é apenas um indicador e não a
causa _ que perpetuam e agravam a constipação intestinal idiopática.
Unitermos: melanose coli, constipação intestinal, laxantes, antraquinônicos
Os antraquinônicos ou antracênicos
são drogas que incluem 1,8
dihidroxiantraquinona (danthron _ não mais disponível para uso humano)
e seus derivados glicosídeos contidos em vegetais
como a Babosa (Alue vera), Ruibarbo (família
das poligonáceas que contém os seguintes
compostos antracênicos: crisofaneína, crisofanol,
alizarina, emodina, isoemodina, aloemodina, reocrisina
e fisciona), Senna (Cássia angustifólia), Cáscara
sagrada (Rhamnus purshiana -
com ácidos graxos,
glicosídeos, antraquinonas, glicosídeo _ shesterina - e
o ramnicosideo), entre outros, e têm efeitos
purgativos catárticos quando usados em doses
altas1.
Os vegetais mais comumente usados para prover as "drogas" com os efeitos laxativos
da antraquinona são a Senna e a Cáscara sagrada que,
diga-se de passagem, tem sido usada de forma abusiva
na composição de chá ou infusões para uso oral, com
a promessa de embelezamento da pele e
emagrecimento, mas, por mal empregado, podem ter os seguintes
efeitos adversos imediatos*: cólicas estomacais,
náusea, vômito, diarréia prolongada ou efeitos crônicos,
tais como: diarréia crônica, dor, constipação devida
a dependência do laxativo ou alterações mais
graves como fraqueza, desidratação e desordens
eletrolíticas e, em determinadas circunstâncias, lesões hepáticas
que se traduzem por colestase intra-hepática
com conseqüente hipertensão
portal2 e inclusive a morte.
Outro tipo de alteração atribuída à
ingestão de antraquinônicos, restrita à mucosa do intestino, é
a melanose _ denominada Melanose coli _ por causa
da coloração semelhante quando há acúmulo de
melanina nos tecidos. Os pigmentos vistos no interior
dos macrófagos, no entanto, são provavelmente
originários de restos de organelas celulares ou dos
próprios macrófagos "destruídos" pelos agentes antracênicos
e têm ultra estrutura e dão reações
histoquímicas semelhantes à
lipofuccina3,4, de significado
clínico incerto.
O fenômeno do qual decorre esse pigmento tem sido creditado à apoptose celular _ "forma
distinta de morte celular caracterizada morfologicamente
por contração citoplasmática, marginalização da
cromática em massas grosseiramente definidas a que sucede
a fragmentação nuclear e celular formando os
corpos apoptótoicos que são rapidamente fagocitados
pelos macrófagos5".
O fenômeno é fisiológico mas pode
ocorrer em situações adversas induzidas por
estímulos patológicos que podem incluir agentes
invasores, toxinas ou outras substâncias
químicas6.
Nos experimentos em animais, o fenômeno observado com uso de 1,8
dihidroxiantraquinona (danthron) é semelhante ao que se observa na
melanose coli de pessoas que fizeram ou fazem uso crônico
de laxantes (sene e cáscara sagrada).
Esses achados e a caracterização do
agente que participa para a coloração marrom do epitélio
cólico ensejaram a mudança do nome melanose
para Lipofuccinose coli5, embora nem sempre seja
esse pigmento que aparece na melanose de outros
segmentos do tubo digestivo7. Todavia não está na questão
da nomenclatura o interesse atual sobre o fenômeno.
Em seres humanos, além da piora da constipação, a relação de causa e efeito
estabelecida junta a melanose ao uso prolongado de
laxativos antracênicos8-10 e, ainda que careça de comprovação,
a eventualidade do aparecimento do
adenocarcinoma9 por causa do suposto mecanismo de ação, não
bem conhecido, de indução da apoptose sugerida por
uma forte ligação ao DNA com danos irreversíveis
de características
mutagênicas11,12 e
carcinogenéticas13, o que seria mais um motivo, mesmo com
opiniões contrárias14,15 para se desencorajar o uso de
laxativos que contém substâncias antracóides. Aliás, para nós,
o motivo maior para não se usar laxativos, qualquer
que seja, prende-se, simplesmente, ao fato de que se
trata de remédio com finalidade terapêutica para
nada16.
Embora não haja um estudo estabelecendo relação direta entre as constipações
idiopáticas intratáveis associadas ao trânsito lento decorrente
das alterações neurais nos plexos nervosos
mioentéricos17,18 e o uso crônico de laxativos, é possível pensar
que aquelas alterações _ denominadas de melanose
ou lipofucsinose - decorrentes dos efeitos das
drogas laxativas possam indicar, em menor ou maior grau,
os efeitos de alguns laxantes (antracênicos) sobre
a inervação visceral intrínseca ou sobre a
musculatura lisa dos colóns, assim, participando na etiologia ou
no agravamento da constipação.
Antigas teorias formuladas para explicar a melanose e depois abandonadas deram lugar
às concepções mais atuais a respeito da pigmentação
da mucosa cólica. As mais recentes estão centradas
em dois fatores: o primeiro diz respeito aos distúrbios
das funções intestinais, mormente a constipação e,
o segundo, à ingestão crônica de laxantes que,
sem dúvida, causam danos para as células do
epitélio intestinal, cuja intensidade parece ter relação com
a maior pigmentação epitelial, reflexo da
maior quantidade de lipofucsina fagocitada conseqüente
a mais intensa apoptose decorrente do dano
celular, podendo estar associada a alterações da
musculatura lisa em função de uma miopatia
mitocondrial19,20 que, diga-se de passagem, não é um aspecto
encontrado apenas no intestino grosso, mas em vários
outros segmentos do trato
digestivo21,22, inclusive no
apêndice cecal, lugar em que, na maioria das vezes,
esteve associada a doenças dos
cólons22.
Não há um estudo estabelecendo
correlação entre a melanose e as alterações estruturais
relacionadas a danos da musculatura lisa ou a terminações
nervosas, simpáticas ou parassimpáticas do intestino grosso,
para explicar o agravamento do distúrbio funcional
da constipação intestinal. Contudo, é possível
que, existindo relação entre constipação intratável e
uma miopatia ou uma neuropatia
visceral17,18, seja lógico pensar na possibilidade dessas alterações terem
sido agravadas pelo uso de certos tipos de laxantes,
em especial os antracênicos, independente da presença
ou não dos pigmentos de lipofucsina fagocitados
pelos macrófagos, contribuindo para a cor marrom da
mucosa intestinal, em geral mais intensa nos segmentos
direitos do intestino grosso do que nas suas partes mais
distais23.
A questão, em alguns aspectos, está em aberto
_ melanose é, em última análise, uma das cores
da apoptose celular, no caso induzida por laxativos
que pioram a constipação por mecanismos ainda
não definitivamente estabelecidos _ miopatica?,
neuropatia mitocondrial? _ mas que deveria servir para que
os médicos, adeptos das panacéias em que os
laxantes fazem parte _ desde a hipotética catarse
cólica (colonterapia) até como auxiliar para
o emagrecimento, como se o esvaziamento do
intestino grosso de seu conteúdo fecal servisse para
eliminar toxinas que o excremento nem sempre possui,
ou promover perdas de eventuais contribuintes ou responsáveis para o aumento da massa corpórea.
Se assim fosse, deveríamos voltar aos tempos de
nossas bisavós e aderir a lavagens intestinais mensais
ou trimensais, feitas com infusões vegetais ou grãos
de origens variadas, inclusive com o café, por
exemplo, que curavam não só os males do corpo como
também os do espírito.
Algumas drogas laxativas, como antracênicos, óleo de rícino e fenolftaleína, produzem diarréia secretora por estimularem o sistema adenil-ciclase/AMP cíclico e também por aumentarem a motilidade intestinal. Algumas delas só agem após desconjugação bacteriana no cólon.
SUMMARY: Melanosis coli associated with anthraquinone laxatives is due to accumulation of pigmented macrophages containing granules that has histochemical and ultrastructural features of lipofuscin occurring after apoptosis. Those phagocytosed lipofucsin granules are residual bodies containing undigested oxidized lipidic residues. Melanosis coli does not produce specific symptomatology or another things on its own, but being due to chronic ingestion of anthraquinone purgative it has been related to idiopathic constipation probably because of mitochondrial neuropathy or intestinal miopathy caused by anthracene laxatives and to the carcinoma because of the mechanism by which anthraquinone selectively induces apoptosis binding strongly to DNA being mutagenic and carcinogenic.
Key words: Melanosis coli, idiopathic constipation, anthracene laxatives.
Referências Biliográficas
1. Brunton LL. Agents affecting gastrointestinal water flux
and motility; emesis and antiemetics; bile acids and
pancreatic enzymes. - chapter 38. In Goodman & Gilman's
Ed. The pharmacological basis of
therapeutics. Ninth edition. McGraw-Hill, 1996, pg 927-936.
2. Nadir A, Reddy D, Van Thiel DH. Cascara sagrada
-induced intrahepatic cholestasis causing portal hypertension:
case report and review of herbal hepatotoxicity.
Am J Gastroenterol 2000;95:3634-37.
3. Ghadially FN, Parry EW. An electron microscope and
histochemical study of melanosis coli. J Pathol
Bacteriol. 1966,92:313-317.
4. Steer HW, Colin-Jones DG. Melanosis coli: studies of
the toxic effects of irritant purgatives. J
Pathol 1975,115:199-205.
5. Walker NI, Bennett R, and Axelsen RA. Mecanosi coli.
A consequence of anthraquinone-induced apoptosis of
colonic epithelial cells. Am J Pathol 1988, 131:465-76.
6. Wyllie AH, Kerr JFR, Currie AR. Cell death: The
significance of apoptosis. Int Rev Cytol 1980,68:251-306.)
7. Ghadially FN, Walley VM. Pigments of the
gastrointestinal tract: a comparison of light microscopic and electron
microscopic findings. Ultrastruct Pathol 1995; 19:213-9.
8. Walker NI, Smith MM, and Smithers BM. Ultrastructure
of human melanosis coli with reference to its pathogenesis.
Pathology, 1993;25:120-23.
9. van Gorkom BA, Karrenbeld A, van der Sluis T, et
al. Apoptosis induction by sennoside laxatives in man;
escape from a protective mechanism during chronic sennoside
use? J Pathol 2001; 194:493-9.
10. Willems M, van Buuren HR, de Krijger R. Anthranoid
self-medication causing rapid development of melanosis coli.
Neth J Med 2003; 61:22-4.
11. Brown JP. A review of the genetic effects of naturally
occurring flanovonoids, anthraquinones and related
compounds. Mutat Res 1980;75:243-77.
12. Tikkanen L, Matsushima T, Natori S. Mutagenicity of
anthraquinones in the salmonela preincubation test.
Mutat Res 1983;116:297-304.
13. Mori H, Sugie S, Niwa K, et al. Carcinogenicity of
chrysazin in large intestine and liver of mice.
Jpn J Cancer Res, 1986;77:871-76.
14. Nusko G, Schneider B, Schneider I, et al. Anthranoid
laxative use is not a risk factor for colorectal neoplasia: results of
a prospective case control study. Gut 2000; 46:651-5.
15. Nascimbeni R, Donato F, Ghirardi M, et al.
Constipation, anthranoid laxatives, melanosis coli, and colon cancer: a
risk assessment using aberrant crypt foci. Cancer
Epidemiol Biomarkers Prev, 200211:753-7.
16. Santos JCM. Laxantes e purgativos _ O paciente e
a constipação intestinal. Rev bras Coloproct,
2003;23:13-34.
17. Schouten WR, ten Kate FJ, de Graaf EJ, et al. Visceral
neuropathy in slow transit constipation: an
immunohistochemical investigation with monoclonal antibodies
against neurofilament. Dis Colon Rectum 1993;36:1112-17.
18. Park HJ, Kamm MA, Abbasi AM, Talbot IC.
Immunohistochemical study of the colonic muscle and innervation
in idiopathic chronic constipation. Dis Colon
Rectum 1995;38:509-13.
19. Foster CS. The Brown bowel syndrome: a possible
smooth muscle mitocondrial myopathy. Histopathology
1979;3:1-17.
20. Manzione CR, Manzione TS. Melanose colônica.
Achado endoscópico ou sinal de distúrbio funcional induzido
por medicação? Anais da XIV Assembléia Cirúrgica
Oncológica do Colégio Brasileiro de
Cirurgiões, Sessão de temas
livres _ Coloproctologia São Paulo, 2004; pg 63-64.
21. Ghadially FN, Walley VM. Melanoses of the
gastrintestinal tract. Histopathology 1994;25:197-207.
22. Rutty GN, Shaw PAV. Melanosis of the appendix:
prevalence, distribution and review of the pathogenesis of 47 cases.
Histopathology 1997;30:319-23.
23. Koskela E, Kulju T, Collan Y. Melanosi Coli -
Prevalence, distribution, and histologic features in 200 consecutive
autopsies at Kuopio University Central Hospital.
Dis Colon Rectum 1989;32:235-39.
Endereço para correspondência:
Instituto de Medicina
Av Min. Urbano Marcondes, 516
12.515-230 - GUARATINGUETÁ (SP)
instmed@provale.com.br
* Alerta feito, em 1995, pelo FDA