ARTIGOS ORIGINAIS
Angelita Habr-Gama - TSBCP
JOSÉ MÁRCIO JORGE - FSBCP
RESUMO: Devido à necessidade de um mecanismo ou dispositivo eficaz no tratamento da incontinência anal grave, e estimulado pelos resultados satisfatórios obtidos no tratamento da incontinência urinária, com o esfíncter artificial, o interesse pelo método tem sido recentemente reavivado. O objetivo deste estudo é relatar a experiência, pioneira na América Latina, com a técnica, descrever o método e os resultados preliminares em três pacientes. O EAA é constituído de três principais mecanismos: cinta oclusiva ou "cuff", reservatório e bomba de controle. O "cuff" é implantado ao redor do canal anal e quando inflado, oclui o canal anal através de aplicação circunferencial de pressão. O reservatório ou balão regulador de pressão é implantado no espaço pré-vesical, sendo responsável pelo controle da pressão exercida pelo "cuff". A bomba de controle é implantada na bolsa escrotal ou no grande lábio e contém um resistor e válvula que regula a transferência de fluído do reservatório para o "cuff". A operação para a implantação foi realizada com o paciente em posição de litotomia, sob anestesia geral e com antibioticoterapia profilática. Os cuidados pós-operatórios incluíram dieta líquida sem resíduos e antibioticoterapia sistêmica por 5 dias. Os cuidados locais com a ferida operatória incluíram limpeza mecânica frequente e antibiótico tópico. Os pacientes eram do sexo masculino, com idade de 16, 20 e 23 anos, e apresentavam como etiologia da incontinência, ânus imperfurado, tendo sido submetidos na infância ao abaixamento do reto precedido por colostomia. Todos apresentavam incontinência total a fezes sólidas aos mínimos esforços. A ausência do esfíncter anorretal foi caracterizada pelo exame físico e manométrico. Dois pacientes apresentavam ectrópio mucoso, tendo sido submetidos à ligadura elástica da mucosa prolapsada 3 semanas antes da operação. Os valores médios de pressão de repouso (mmHg) , pressão de contração do esfíncter externo do ânus (mmHg) e comprimento do canal anal funcional (cm) foram 8, 15, e 1,7 respectivamente. A prótese foi ativada na 8o semana pós-operatória, não se observando complicações técnicas ou infecciosas. O aprendizado do manejo da prótese foi considerado fácil pelos três pacientes. Todos apresentam-se continentes a fezes sólidas, 1 apresenta incontinência a fezes líquidas e 2 incontinentes à gases. O valor médio do índice de incontinência no pós-operatório foi de 7,0 (6o mês) e 6,6 (12o mês). Os valores médios dos seguintes parâmetros: pressão intra-anal de repouso com "cuff" aberto (mmHg), pressão intra-anal de repouso com "cuff" fechado (mmHg) e comprimento do canal anal funcional (cm) foram de 30, 48,3 e 3,0 no 6o mês pós-operatório e 29, 47,3 e 3,2 no 12o mês pós-operatório, respectivamente. O EAA representa método simples seguro e representa uma perspectiva aos portadores de incontinência anal grave.
UNITERMOS: Incontinência anal, Incontinência fecal, Esfíncter anal artificial
INTRODUÇÃO
O objetivo do tratamento cirúrgico da incontinência anal é
a restauração da função esfincteriana compatível com a vida
social normal. Nos casos de lesões localizadas do esfíncter,
detectadas ao exame físico, ou mapeadas através
da ultrassonografia, eletromiografia ou manometria,
a esfincteroplastia ou reparo esfincteriano atinge índices de
sucesso de 70 a 80%1,2. Por outro lado, quando existe lesão
extensa do esfíncter de natureza traumática, congênita
ou neurogênica, o reparo esfincteriano é ineficaz ou mesmo
tecnicamente impossível. Os índices de sucesso com o reparo
pós-anal, por exemplo, variam de 30 a 50 %, e os resultados com
a transposição dos músculos grácil ou glúteo máximo,
independentemente da técnica utilizada, são
insatisfatórios3,4. As duas técnicas atualmente disponíveis para o tratamento da
incontinência anal grave, com perda irreversível do
aparelho esfincteriano, são a transposição muscular sob
eletroestimulação contínua e o
esfíncter anal artificial. A transposição do
músculo grácil eletricamente estimulado (neoesfíncter)
embora com resultados iniciais promissores, implica em
metodologia complexa e de alto custo, e maiores dados são
aguardados dos estudos multicêntricos em
andamento5.
O esfíncter anal artificial (EAA) é uma prótese
destinada a simular a função esfincteriana normal, sendo a
abertura do canal anal mecanicamente acionada pelo paciente. O
EAA foi idealizado há aproximadamente 20 anos, e os
primeiros resultados de sua aplicação clínica foram publicados há
cerca de 10 anos6-13. O desenvolvimento desta prótese foi
partilhado com a urologia, e os avanços obtidos com o
EAA utilizado atualmente se devem à alterações técnicas
realizadas em modelo análogo utilizado no tratamento da
incontinência
urinária14-17.
Recentemente, sob os estímulos da necessidade de
um mecanismo ou dispositivo eficaz no tratamento da
incontinência fecal grave, e do sucesso obtido com a prótese
para incontinência urinária, o interesse pelo EAA foi reavivado
e estudos experimentais e clínicos em vários centros estão
sendo realizados com a proposição de determinar sua segurança
e eficácia no tratamento da incontinência
anal18-20. Apesar do custo relativamente alto, o esfíncter anal artificial
representa opção terapêutica muito atraente no tratamento da
incontinência anal grave, para a qual existem poucas alternativas
à derivação fecal. O esfíncter anal artificial caracteriza-se
principalmente pela simplicidade, tanto no que tange ao
mecanismo de funcionamento quanto à técnica necessária
para sua implantação. No entanto, torna-se ainda
necessária maior experiência com o método para determinar a sua
real contribuição no tratamento da incontinência anal grave.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo foi relatar experiência com
o esfíncter anal artificial na incontinência anal grave em
nosso meio, descrever a técnica e os resultados
preliminares em três pacientes. Especificamente procurou-se
determinar a eficácia, através de avaliação clínica e funcional, e
a segurança do método.
MATERIAL E MÉTODO
Critérios de seleção
O EAA está indicado em pacientes de ambos os
sexos, com incontinência anal idiopática grave caracterizada
pelo exame proctológico e manometria anorretal de ambos
os sexos. Incluem-se portanto lesões graves do
esfíncter anorretal, de natureza traumática, neurogênica ou
congênita, nas quais não existe a possibilidade de restauração
do aparelho esfincteriano.
Entre as contra-indicações, incluem-se:
· Pacientes de elevado risco cirúrgico devido à doenças
físicas ou quando o médico ou paciente optam por não
usar implantes médicos que contenham silicone.
· Pacientes com deficiência mental que impossibilite a
compreensão do procedimento.
· Presença de fibrose excessiva na área do implante,
podendo dificultar ou impossibilitar a implantação da cinta
oclusiva ao redor do canal anal
· Distúrbios afetando a destreza manual ou a
motivação podem dificultar o manejo apropriado da prótese.
· Moléstias agudas do intestino, como a diarréia ou
constipação podem interferir com o funcionamento adequado
do dispositivo ou requerer o uso de proteção das vestes ou
manipulações para assistir a evacuação. As doenças
inflamatórias ou outras condições associadas a baixa complacência
ou estenose intestinal podem requerer intervenção, incluindo,
a construção de reservatório intestinal ou dilatação
intestinal antes de implantar-se a prótese.
· Doenças degenerativas progressivas afetando o
intestino, como a esclerose múltipla, podem limitar a utilização
futura da prótese implantada.
· Paciente com história prévia de reação alérgica à
solução de contraste. Neste caso o fluído utilizado na prótese
deverá ser a solução salina.
Avaliação Clínica
A avaliação clínica incluiu questionário sobre a
qualidade de vida e dados para obtenção do índice de
incontinência, preenchidos pelo paciente após 6 e 12 meses
decorridos do procedimento. Com a finalidade de caracterizar
clinicamente o grau de incontinência, os dados clínicos
foram compilados de forma a obter-se o índice de
incontinência anal. Este índice inclui os parâmetros: tipo
e frequência dos episódios de incontinência, uso de
proteção das vestes e a repercussão social do sintoma. O índice
de incontinência foi determinado pela soma de pontos de
acordo com os critérios referidos no Quadro 1,
considerando-se o tipo, a freqüência e as repercussões da
incontinência anal sobre a qualidade de
vida.4
Os pacientes foram submetidos a exame proctológico
e enema opaco ou colonoscopia para exclusão de
outras afecções. Ao exame proctológico, a presença de defeito
do esfíncter anorretal caracterizado por adelgaçamento do
septo retovaginal ou de falhas do restante da circunferência
anal foi pesquisada através da inspeção e palpação.
Quadro 1: Índice de incontinência anal4 |
|||||
Parâmetros | Nunca | Raro | Às vezes | Usual | Sempre |
Gases | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 |
Líquidos | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 |
Sólidos | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 |
Proteção das vestes | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 |
Alteração da qualidade de vida | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 |
0=continência perfeita Nunca=0 Às vezes=<1/semana e > 1/mês Sempre=> 1/dia |
20=incontinência total Raramente=<1/mês Usualmente=<1/dia e > 1/semana |
Avaliação Funcional
A manometria anorretal foi realizada no
pré-operatório e, a fim de caracterizar a atividade da prótese,
também no 6o e 12o mês pós-operatório. O exame foi
realizado pelo método de perfusão hídrica, com o
paciente em decúbito lateral
esquerdo21. Como sensor, será
utilizado catéter plástico flexível com 8 canais
radialmente distribuídos (MUI Scientific, Mississauga, Ontario,
Canadá). Cada canal foi perfundido com fluxo constante
de 0,5 ml de água por minuto aplicado por
um sistema de infusão capilar hidráulica para 8 canais
(Arndorfer, Milwaukee, Wisconsin). O canal 1
(0o) foi posicionado posteriormente no canal anal, e a partir deste canal
os demais foram numerados no sentido horário. Em
cada indivíduo, após a inserção do catéter no reto,
procedeu-se a coleta de pressões pelo método de retirada
intermitente do catéter de 6,0 a 1,0 cm da borda anal tanto
em repouso quanto durante a contração máxima
voluntária do esfíncter. Os valores médios e máximos de
pressão, comprimento do canal anal funcional foram obtidos
através de análise computadorizada dos traçados de
repouso e de contração voluntária (Lower GI Polygram,
Sinetics Medical Inc., Suécia).
ABS prótese esfíncter artificial |
A Prótese O EAA (American Medical Systems, Inc.) é um dispositivo de silicone, constituído de três componentes fundamentais: cinta oclusiva ou "cuff", balão reservatório e bomba de controle (Figura 1). · A cinta oclusiva ("cuff") é implantada ao redor do canal anal e quando inflada oclui o canal anal através da distribuição circunferencial de pressão. · O reservatório ou balão regulador de pressão é implantado no espaço pré-vesical, sendo responsável pelo controle da pressão exercida pela cinta oclusiva. · A bomba de controle é implantada no escroto ou grande lábio. Contém um resistor e válvulas que regulam a transferência de fluído para a cinta oclusiva. |
Fig. 1 _ Esquema da prótese utilizada |
O MECANISMO DE FUNCIONAMENTO
O "cuff" mantém-se em situação basal preenchido por fluído
o que promove a oclusão do canal anal. Para atender o chamado
à evacuação, através da compressão da bomba reguladora, o
paciente promove a transferência de fluido do "cuff" para o
balão reservatório. Assim, após várias compressões, o "cuff" se
esvazia, e o canal anal se abre, permitindo que o paciente possa
evacuar. Após a evacuação, o fluído automaticamente retorna do balão
para o "cuff" para ocluir o canal anal novamente após a evacuação.
O PROCEDIMENTO
O EAA foi implantado através de um procedimento
relativamente simples, requerendo apenas dois sítios de
incisão: perineal e abdominal (Figura 2). O acesso perineal
consiste de duas incisões laterais ao ânus, seguidas de dissecção
romba ao redor do canal anal para criação de túnel para
implantação do "cuff". A incisão abdominal, transversa em
região suprapúbica, é utilizada para implantar o balão
reservatório, o qual é posicionado no espaço pré-vesical, e a bomba
reguladora, posicionada no escroto ou no grande lábio através
de tunelização subcutânea. O sistema fica em sua
totalidade implantado dentro do organismo, e a conexão entre os
componentes pode ser facilmente realizada através de
dispositivos especializados que integram o sistema.
A implantação do EAA foi realizada com o paciente
em posição de litotomia, sob anestesia geral, preparo de
cólon convencional, antibioticoterapia profilática (cefoxitina
e metronidazol) e cateterismo vesical.
Colocação de Prótese ABS |
|
Homem |
Mulher |
Figura 2 _ Esquema da maneira de colocação da prótese |
O Pós-Operatório
Após sua implantação, a prótese ficou desativada
durante 6 a 8 semanas, para permitir cicatrização dos
tecidos durante o período pós-operatório. Os cuidados
pós-operatórios incluiram dieta líquida sem resíduos
e antibioticoterapia sistêmica (cefoxitina e metronidazol)
durante 5 dias. Os cuidados locais com a ferida
operatória consistiram de limpeza mecânica frequente com jato
dágua e antibiótico tópico sob forma de creme (bacitracina).
Resultados
Os três doentes estudados eram do sexo
masculino, com idade de 16, 20 e 23 anos. Apresentavam queixa
de incontinência total a fezes sólidas aos mínimos
esforços, com índice de incontinência médio de 15,7. Todos
apresentavam ânus imperfurado como etiologia, tendo
sido submetidos na infância a operação de abaixamento
do reto. Dois pacientes apresentavam ectrópio da
mucosa, sendo submetidos à ligadura elástica antes da operação.
Os valores médios de pressão de repouso (mmHg) ,
pressão de contração do esfíncter externo do ânus (mmHg)
e comprimento do canal anal funcional (cm) foram 8, 15,
e 1,7 respectivamente.
Os pacientes foram operados em Junho de 1998 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. A duração aproximada do
procedimento, incluindo o preparo dos componentes da
prótese, foi de duas horas. A prótese foi ativada na
8o semana pós-operatória, não se observando complicações técnicas
ou infecciosas. O aprendizado do manejo da prótese foi
considerado fácil pelos três pacientes. Todos
apresentam-se continentes a fezes sólidas, 1 apresenta incontinência a
fezes líquidas e 2 incontinentes à gases. Em 1 paciente
ocorreu piora do "soiling" no pós-operatório O valor médio
do índice de incontinência no pós-operatório foi de 7,0
(6o mês) e 6,6 (12o mês).
Os valores médios dos parâmetros pressóricos:
pressão intra-anal de repouso com " cuff" aberto
(mmHg), pressão intra-anal de repouso com "cuff"
fechado (mmHg) e comprimento do canal anal funcional
(cm) foram de 30, 48,3 e 3,0 no 6o mês pós-operatório
e 29, 47,3 e 3,2 no 12o mês pós-operatório,
respectivamente.
Discussão
O tratamento cirúrgico de escolha na incontinência
anal, a esfincteroplastia, pode resultar em cura ou melhora
significativa em aproximadamente 70 a 80% dos
casos1,2. No entanto estes resultados são obtidos nos casos de
defeito segmentar do esfincter, sendo o restante do músculo
íntegro, incluindo o seu suprimento nervoso. A investigação
funcional pré-operatória é essencial nesta seleção e deve
incluir métodos de mapeamento esfincteriano, como
manometria anorretal (índice de assimetria esfincteriana),
ultrassonografia endoanal e eletromiografia do esfíncter externo do
ânus4.
Em casos de lesões musculares mais extensas ou
lesões neurológicas significativas, o princípio do tratamento
cirúrgico será o de "construção de um novo esfíncter",
através de transposição muscular ou do uso de uma prótese.
Várias técnicas de transposição muscular têm sido
descritas, frequentemente incluindo o músculo grácil ou o
glúteo máximo. O principal problema encontrado com estas
operações é que tais músculos, ao contrário dos que
compõem o esfíncter anorretal e o assoalho pélvico, não
são bioquimicamente apropriados para a função de
contração contínua, necessitando, no pós-operatório da
manutenção de um processo de estimulação elétrica
prolongada5. Ainda nos dias atuais, este processo demanda uma
tecnologia, limitada a alguns centros devida, sobretudo, à sua
complexidade e alto custo. Desta forma, até recentemente, os
pacientes com lesão grave do esfíncter, de origem
congênita, neurogênica ou traumática não tinham alternativa
realística à derivação fecal. Por esta razão, a idéia de
desenvolver um esfíncter anal protético, embora datando de
aproximadamente duas décadas, teve o entusiasmo de suas
pesquisas reduzido por muito tempo, devido as frequentes
complicações, sobretudo de ordem técnica.
A continência anal no homem depende da ação
coordenada dos esfíncteres, produzindo oclusão
circunferencial, e da musculatura do assoalho pélvico, mais
especificamente do puborretal, produzindo angulação entre o reto e
o canal anal. No entanto a contribuição relativa de cada
um destes mecanismos na manutenção da continência
permanece incerta. Os princípios de dinâmica de fluidos
demonstram que não é necessário selar completamente um
tubo para interromper o fluxo de material sólido ou
semi-sólido se um ângulo for incorporado ao sistema. Além
disso, Hajivassiliou et al22 demonstraram que a inclusão
de angulação em um tubo reduz a pressão de oclusão
necessária para reter sólidos e semi-sólidos, porém não é
eficaz para gases ou líquidos. O sucesso obtido com uma
prótese com "cuff" circular aplicado ao redor da camada
externa da uretra no tratamento da incontinência urinária
reativou o interesse pelo assunto.
Subsequentemente, uma prótese de concepção
semelhante foi aplicada ao reto. A preocupação com esta
prótese era de que causasse isquemia, pois o reto não é uma
estrutura "circular" como a uretra, e consequentemente
um "cuff" circular poderia produzir pontos de maior
pressão em dobras da parede do reto. Várias modificações
técnicas foram feitas nesta prótese urinária a fim de
transformá-la em esfíncter anal, e complicações de natureza
isquêmica não têm sido observadas na literatura. Além disto,
estudo utilizando modelo experimental em porcos demonstrou
eficácia na obtenção da continência em pelo menos
75%, sem evidência clínica ou histológica de isquemia no
cólon adjacente ao implante20.
A implantação do EAA consiste em procedimento
relativamente rápido e simples, requerendo apenas dois
sítios de incisão: perineal e abdominal. A incisão
perineal consiste de incisão única anterior, técnica mais
utilizada em centros europeus, ou de duas incisões laterais,
modificação técnica utilizada nos E.U.A., seguido de
dissecção romba ao redor do canal anal para criação de
túnel para implantação do "cuff".
Esta é a etapa mais delicada do procedimento, pois eventual lesão do
anorectum pode inviabilizar o prosseguimento da operação. O tempo
operatório, de aproximadamente 2 horas, pode ser
minimizado com o auxílio simultâneo de outra equipe cirúrgica
no campo abdominal.
A implantação do EAA não requer derivação
intestinal, no entanto, os cuidados pré e pós-operatórios, como
preparo intestinal , antibioticoterapia sistêmica em "regime
terapêutico", emprego de limpeza mecânica e antibiótico
tópico no períneo, deverão ser cumpridos à risca. Além
disto recomenda-se manter a prótese desativada por período de
6 a 8 semanas após a operação para permitir a
cicatrização das feridas perineais, e o paciente deverá ser informado
que permanecerá incontinente durante este período. Mesmo
com todos estes cuidados, a infeção e consequente perda
da prótese, assim como as complicações mecânicas,
ocorrem em aproximadamente 30% dos
casos18.
O índice de sucesso com o EAA de 75% tem
sido relatado na literatura, e esse resultado funcional tem
sido atribuído ao estabelecimento, pela prótese, de uma
zona de alta pressão no canal
anal18. No presente estudo, esta barreira pressórica de repouso determinada pela
presença do "cuff", foi comprovada pela eletromanometria no
6o e 12o mês pós-operatório. Assim como no esfíncter
humano, espera-se que o dispositivo seja menos efetivo em
controlar fezes líquidas e gases. Isto foi observado nos
casos relatados neste estudo, pois embora a continência a
sólidos e a criação de barreira pressórica tenham sido obtidas
em todos os doentes, houve persistência de eventuais
episódios de incontinência a fezes líquidas em um doente e
a gases em 2 doentes. Embora de maneira geral o
resultado tenha sido considerado satisfatório pelos doentes neste
estudo, maior casuística é necessária para determinar o
real valor do EAA no tratamento da incontinência anal grave.
Conclusões:
A experiência inicial com o esfíncter artificial
demonstra que a continência pode, em grande parte,
ser restaurada, e está relacionada à criação de uma
zona de alta pressão pela prótese. Embora maior
casuística seja necessária para determinar sua eficácia, o
procedimento é simples e seguro. Ainda que eventuais
escapes de gases e fezes líquidas possam ocorrer, o
esfíncter anal artificial representa uma nova perspectiva para
os pacientes com incontinência anal grave, para os
quais existe uma escassez de alternativas eficazes à
derivação fecal.
Agradecimento:
* O Projeto "O Esfíncter Artificial no tratamento da Incontinência Anal"
está sendo realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP)
Summary: The interest for the artificial anal sphincter has been recently renewed, motivated by both, the success obtained with a similar prosthesis for urinary incontinence, and the need of an efficacious solution to replace the functional or anatomic loss of the anal sphincter. The aim of this study is to describe the experience with this technique, pioneering in Latin America, and specifically to detail the method and the functional results in three patients. All patients were male, with ages of 16, 20 and 23 years. Imperforated anus was the etiology of anal incontinence in all cases and all of them had undergone a pull-through procedure preceded by colostomy during childhood. All patients were incontinent to solid stool and the absence of the anal sphincter was confirmed during both, physical and manometric examination. Two patients had mucosa ectropium, and underwent band ligation 3 weeks before the operation. The prosthesis consists of three components: a cuff, a control pump and a pressure-regulating balloon, attached to each other with kink-resistant tube. The components can be implanted during a two hour procedure that requires two incision sites: perineal to implant the occlusive cuff, and supra pubic, to implant both, the pressure regulating balloon, into the prevesical space, and the control pump, in the scrotum. The device is activated six to eight weeks after the surgery. Although long term results are still needed, this new procedure is simple safe, effective, and therefore represents a valid therapeutic alternative for patients with severe anal incontinence.
Key words: Anal incontinence, Fecal incontinence, Surgical technique, Artificial anal sphincter
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Endereço para correspondência:
Angelita Habr-Gama
Rua Tucumã, 401/7º andar - Cidade Jardim
01416-010 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 9405-6991