ARTIGOS ORIGINAIS
GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA - TSBCP
JOSÉ HYPPÓLITO DA SILVA - RSBCP
EDUARDO FONSECA ALVES FILHO - FSBCP
IDBLAN CARVALHO DE ALBUQUERQUE - FSBCP
RESUMO: Sete doentes operados, sendo cinco por polipose adenomatosa familiar e dois por retocolite ulcerativa, foram avaliados, retrospectivamente, entre junho 1988 e maio 1997. A média de idade foi 27,4 anos e 57% eram do sexo masculino. A proctocolectomia abdominal (PCA) com ileostomia protetora foi realizada em 42,8% dos doentes; PCA sem ileostomia derivativa em 28,6% e colectomia total (CT) seguida de proctectomia em 28,6%. O trânsito intestinal foi reconstituído, em todos os doentes, por meio de bolsa ileal em J com anastomose ao canal anal. A complicação mais freqüente foi abscesso pélvico e o tempo médio para o fechamento da estomia foi de dez meses.
UNITERMOS: Polipose adenomatosa familiar, Retocolite ulcerativa, Bolsa ileal
Nas últimas décadas, tem-se observado uma larga
utilização da proctocolectomia com a realização da bolsa
ileal e anastomose bolsa-canal anal. A partir de várias
alterações e aperfeiçoamentos, esta técnica constitui-se,
atualmente, no tratamento eletivo de escolha para os
doentes que apresentam Polipose Adenomatosa Familiar (PAF)
e Retocolite Ulcerativa (RCU) (1,2,5-7). Este procedimento
cirúrgico possui a vantagem de ser o tratamento efetivo
dessas enfermidades, podendo ser feito sem o uso
de ileostomia definitiva (2,8).
Desde Utsonomiya (13), que idealizou e difundiu a
bolsa em J, diversas modificações técnicas foram feitas, o
que contribuiu para uma redução na prevalência de
morbidade e mortalidade, atribuídas inicialmente ao procedimento.
O uso dos grampeadores na confecção da bolsa e
da anastomose com o canal anal, tornou a operação mais
fácil, rápida e segura
(3,5,6,12).
O objetivo deste trabalho é relatar a experiência
inicial do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis -
São Paulo-SP com a indicação, a técnica e os resultados
da bolsa ileal no tratamento da PAF e da RCU.
PACIENTES E MÉTODOS
Foi realizado estudo retrospectivo de sete doentes,
com faixa etária entre 17 e 45 anos, dos quais cinco
apresentavam polipose adenomatosa familiar e dois,
retocolite ulcerativa. Todos foram submetidos a confecção de
bolsa ileal com anastomose bolsa-canal anal, como tempo
cirúrgico complementar à ressecção colorretal, entre junho
de 1988 e maio de 1997, no Serviço de Coloproctologia
do Hospital Heliópolis - São Paulo-SP.
Foi feita avaliação de idade, sexo, diagnóstico,
técnica cirúrgica utilizada na realização da bolsa e
da anastomose com o canal anal, complicações precoces
e tardias e o tempo médio para o fechamento da
ileostomia protetora. Os grampeadores utilizados na confecção da bolsa ileal foram o linear cortante de 55 e de 75 mm. Para anastomose bolsa-canal anal, foram usados o circular de 29 e de 33 mm. Os critérios locais considerados para o fechamento da ileostomia derivativa foram: ausência de afecções pelvi-perineais adjacentes à bolsa (abscessos, fístulas), bolsite, boa permeabilidade ao exame endoscópico e estudo radiológico normal (Figura 1). |
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Figura 1. Exame contrastado da bolsa ileal antes do fechamento da ileostomia derivativa. |
RESULTADOS
A média de idade dos doentes foi de 27,4 anos,
sendo 57,2% do sexo masculino e 42,8% feminino. Quanto
ao diagnóstico clínico que levou à indicação cirúrgica,
71,4% eram portadores de PAF e 28,6% de RCU, conforme
a Tabela 1.
Tabela 1: Características dos doentes. |
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Doente |
Idade | Sexo | Doença |
1 | 32 | M | PAF |
2 | 24 | F | PAF |
3 | 17 | F | PAF |
4 | 29 | M | PAF |
5 | 45 | F | RCU |
6 | 20 | M | PAF |
7 | 25 | M | RCU |
Quanto ao tipo de procedimento cirúrgico, 42,8% dos doentes foram submetidos a proctocolectomia abdominal (PCA) com ileostomia protetora, 28,6% a PCA sem ileostomia protetora e 28,6% a laparotomia exploradora por megacolo tóxico, sendo feita colectomia total com ileostomia terminal e fístula mucosa, em primeiro tempo operatório, e em segundo tempo, protectomia. Durante a reconstituição do trânsito intestinal, em todos os casos, foi feita bolsa ileal em J, de acordo com a Tabela 2.
Tabela 2: Procedimento cirúrgico. |
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Tipo | Nº | % |
PCA com bolsa mais ID | 3 | 42,8 |
PCA com bolsa sem ID | 2 | 28,6 |
CT com ileostomia e FM + Protectomia com bolsa e ID | 2 | 28,6 |
PCA = Proctocolectomia Abdominal ID = Ileostomia derivativa CT= Colectomia Total FM = Fístula Mucosa |
Para a realização da bolsa seccionou-se o íleo junto ao ceco e o reservatório foi construído dobrando-se a alça sobre si mesma e feita a sutura, ficando a bolsa com a forma de J (2,6,8). No primeiro doente desta série, a bolsa ileal foi confeccionada com sutura contínua, em plano único extra-mucoso e a anastomose bolsa-canal anal com pontos separados. A realização da bolsa com sutura mecânica ocorreu nos seis casos seguintes (85,70%), sendo com o grampeador linear cortante de 55 mm, em quatro (57,1%) (Figura 2).
Figura 2. Tipo de sutura na confecção da bolsa.
Na anastomose da bolsa com o canal anal, em cinco casos (71,4%), utilizou-se o grampeador circular de 29 mm (Figura 3).
Figura 3. Tipo de anastomose bolsa-canal anal.
Em relação às complicações precoces, houve um caso de deiscência de sutura de parede abdominal com evisceração no 3º PO, e em outro, abdome agudo hemorrágico no 2º PO. Não houve complicação relacionada diretamente à técnica de feitura da bolsa ileal. Dois doentes evoluíram tardiamente com abscesso pélvico, diagnosticados no 14º PO, que foram tratados com antibióticos de amplo espectro e drenagem trans-perineal. Outro apresentou reação tipo corpo estranho na incisão, que evoluiu com múltiplos abscessos em pele e subcutâneo, com retirada de fios cirúrgicos durante 30 meses. (Tabela 3).
Tabela 3. Complicações e procedimentos. |
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Complicações | Nº | Procedimentos |
Abscesso pélvico | 2 | Drenagem trans-perineal |
Abdome agudo hemorrágico | 1 | Lap. expl.+revisão hemostasia |
Granuloma CE incisional | 1 | Exerese de granulomas |
Deiscência / evisceração | 1 | Ressutura parede |
Total | 5 | - |
O tempo médio para o fechamento da ileostomia protetora foi de dez meses, variando de três a trinta meses.
DISCUSSÃO
Durante muitos anos, o tratamento cirúrgico de
escolha para as condições pré-neoplásicas - polipose
adenomatosa familiar e retocolite ulcerativa - foi a proctocolectomia
com ileostomia definitiva convencional
(7,8,11,14). Porém, a partir da década de 80, os procedimentos com preservação
da continuidade intestinal, da capacidade de
armazenamento dos reservatórios ileais e da função esfincteriana têm
sido considerados como o tratamento mais
indicado (1,2,8). A obtenção desse objetivo é de fundamental
importância, considerando a elevada incidência dessas doenças em
adultos jovens. A média de idade dos nossos doentes foi
de 27,4 anos.
Em 85,7% dos doentes, a bolsa ileal foi feita
com grampeador linear cortante. Este fato é concordante
com outros estudos (6,8,12), nos quais verificou-se que o uso
de grampeadores diminuiu o tempo cirúrgico e os índices
de complicações (6). Na realização da anastomose com o
ânus o grampeador mais utilizado, foi o circular 29, em
71,4% dos casos. A vantagem do uso do grampeador em
relação à anastomose manual é a menor lesão esfincteriana,
bem como a possibilidade de anastomosar a bolsa
praticamente ao nível da linha denteada ou um pouco acima, com
preservação da zona de transição anal, que apresenta
função sensorial importante na manutenção da freqüência das
evacuações e da continência anal
(1,3,5,7).
Em nossa casuística não foi observado óbito, fato
este concordante com a literatura, que relata índices de
mortalidade variando de 0 a 1,5% (2). Das complicações
precoces, um doente foi submetido a ressutura de parede
abdominal por evisceração, no 3º PO, e outro a laparotomia
exploradora com revisão de hemostasia, por abdome
agudo hemorrágico, no 1º PO. Dois doentes desenvolveram
abscesso pélvico, que foram diagnosticados por exame
clínico e tomografia pélvica e tratados com antibióticos de
largo espectro e drenagem transperineal. Em nenhum deles
foi necessária a remoção da bolsa ileal, quer de forma
temporária ou definitiva.
A ileostomia derivativa é normalmente realizada com
o objetivo de proteger as suturas da bolsa e da
anastomose com o ânus. Na ausência de complicações, estas
ostomias são fechadas normalmente entre o segundo e terceiro
mês (4), no entanto, esse fechamento pode ser postergado
por vários motivos, quais sejam: deiscência das
anastomoses, abscesso e fístula na bolsa ou pelvi-perineal, bolsite,
falta de condições clínicas ou mesmo por conveniência do
doente (4,6). Em nossa casuística, o tempo médio para o
fechamento da ileostomia derivativa foi de dez meses.
O retardo para a reconstituição do trânsito foi devido a
suspeita de fístula na bolsa, em um caso; infecção
incisional por granulomas, em outro, levando uma doente a
protelar a operação, durante dois anos.
CONCLUSÃO
A realização de bolsa ileal e anastomose
bolsa-canal anal, como complemento de proctocolectomia,
principalmente após o advento dos grampeadores, representa
uma excelente opção terapêutica para os doentes com
polipose adenomatosa familiar e retocolite ulcerativa, em função
dos resultados obtidos e por evitar a íleostomia definitiva.
SUMMARY: Seven patients with familial adenomatous polyposis and ulcerative colitis, were studied in the Coloproctological Service of Hospital Heliópolis - São Paulo-SP, from July 1988 to May 1997. The average age was 27,4 years with predominance of men (57,2%). The complementary procedure realized in all patients was ileal pouch-anal anastomosis.
KEYWORDS: Familial adenomatous polyposis, Ulcerative colitis, Ileal pouch.
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Endereço para correspondência:
Galdino José Sitonio Formiga
Serviço de Colo-Proctologia - Hospital Heliópolis
Rua Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
04231-030 São Paulo - SP
Tel.: (11) 274.7600 Ramal 244.
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo-SP.