RELATO DE CASO


LEIOMIOMA DE RETO TRATADO POR RESSECÇÃO TRANSRETAL

joaquim josé FERREIRA - tsbcp
rogério de oliveira gonçalves
tatiana cunha marques


FERREIRA J.J., GONÇALVES R.O., MARQUES T.C. - Leiomioma de reto tratado por ressecção transretal. - Rev bras Coloproct, 2000; 20(4): 243-245.

RESUMO: Relato de um caso de leiomioma de reto com diagnóstico histopatológico pre-operatório tratado por ressecção local transretal no Hospital Municipal Miguel Couto, Rio de Janeiro, com follow-up de um ano. Este raro tumor deve ser lembrado no diagnóstico diferencial das lesões retais que levam a proctalgia, mudanças do hábito intestinal e outros sintomas locais. Exames simples como toque retal, anuscopia e biópsia, podem ser concludentes no diagnóstico. O diagnóstico histopatológico, no intuito de se diferenciar lesões benígnas das malígnas, requer patologista com especial interesse nesse tipo tumoral.

UNITERMOS: Leiomioma, Reto, Ressecção Transretal.

Introdução
O primeiro leiomioma de reto confirmado histopatologicamente foi relatado por Malassez em 1872, e após este, aproximadamente apenas 200 casos foram relatados.1
   
O tumor benígno que se origina da musculatura lisa pode surgir em qualquer parte do corpo; sua incidência no trato gastrointestinal ocorre mais frequentemente no estômago e instestino delagado (90%), é raro no cólon (3%) e no reto (7%).6
   
A diferenciação entre leiomioma e leiomiossarcoma é difícil. Os parâmetros histopatológicos importantes são o grau de pleomorfismo celular e a quantidade de atividade mitótica presente4,5, porém há uma ausência de critérios que determinam a malignidade e a tendência de recidiva local destes tumores, tornando seu prognóstico duvidoso.
    O tratamento de escolha para todos autores é sem dúvida a excisão, seja ela transretal ou por via endoscópica.3,5
   
Recentemente diagnosticamos em nosso serviço um caso de leiomioma de reto que pela sua rara incidência nos motivou a publicação deste relato.

Relato de Caso

R.L.N., sexo feminino, prontuário n° 3159/98 de 66 anos de idade, admitida no Hospital Municipal Miguel Couto em abril de 1998. Procurou atendimento médico há 2 meses com queixa de proctalgia e evacuação de muco. O exame proctológico mostrou plicoma de margem anal e tumoração palpável extramucosa em parede posterior e lateral esquerda de 5 a 7 cm de diâmetro e endurada .A ultrassonografia transretal mostrou a presença de lesão sólida hipoecogênica de contornos discretamente lobulados na parede lateral esquerda com comprometimento da mucosa e extensão extra-luminal (Fig. 1 e 2).

Fig. 1 e 2: Ultrassonografia transretal mostrando, na seta, a proeminência tumoral.

A lesão mede cerca de 3,6 x 2,4 cm. À ultrassonografia transvaginal, pólipo endometrial de mais ou menos 10 mm; presença de massa sólida, heterogênica, contornando posteriormente o canal vaginal, em contiguidade com a parede retal. Clister opaco foi normal. Submeteu-se a biópsia transretal em março de 1998 cujo diagnóstico histopatológico foi de tumor leiomiomatoso, com baixo índice mitótico e áreas de hipercelularidade (Fig. 3 e 4).

 

Fig. 3 e 4: Aspecto microscópico do leiomioma, caracterizado pela baixa atividade mitótica e presença de fibras musculares lisas.


    Realizou-se em 04 de maio de 1998 a excisão transretal do tumor. No pós-operatório imediato apresentou apenas dor à palpação profunda no terço inferior do abdome. Obteve alta em 06 de maio, assintomática.
    Retornou em uma semana, seis meses e um ano, quando então solicitamos ultrassonografia transretal, exame que acreditamos ser o mais indicado para acompanhar a evolução deste tipo de lesão. Em todas as revisões a paciente manteve-se assintomática. Em recente revisão em 02 de agosto de 1999, está assintomática e mostra ao toque retal, pequeno nódulo no local da excisão.

Discussão
Apesar do primeiro relato de Malassez sobre leiomioma de reto, ser datado de um século atrás, a raridade do tumor e a ausência de follow-up impede que se conheça inteiramente o comportamento deste tumor benígno, que por vezes se apresenta recidivante e outras evolui para malignidade.
    De acordo com Serra et al, os tumores da musculatura lisa se originam da muscular da mucosa, da camada muscular externa ou da camada muscular arterial. Seu crescimento pode ser: 1) Endorretal, em geral sub-mucoso; 2) Extrarretal; 3) lntramural ou intersticial. Seu tamanho pode variar de pequenas (0,5 - 8 cm) até grandes dimensões (23 cm)6. Alguns autores consideram que tumores originais maiores que 5 cm têm forte tendência a recidiva1 ou a possibilidade de degeneração a leiomiossarcoma.
    O paciente pode apresentar-se assintomático com diagnóstico incidental de massa retal1, porém o mais comum na literatura é o achado de sangramento transretal, constipação ou mudança do hábito intestinal, e proctalgia. Como em geral ocorrem no 1/3 inferior do reto são de fácil acesso ao toque o que possibilita biópsia pré-operatória5.
    A paciente em questão foi submetida a biópsia pré-operatória, apresentando um tumor submucoso, de fácil acesso e pequenas dimensões porém, contestando o que propõem alguns autores, apresentava ulcerações não sangrativas, perfeitamente compatíveis também com tumores benígnos13. O clister opaco só é expressivo em tumores maiores e/ou que acometem a mucosa. Já a ultrassonografia endorretal identifica as cinco camadas da parede do reto, esclarecendo precocemente invasão local e excedência da submucosa6.
    O diagnóstico diferencial deve ser feito com outros tumores do reto e do septo retovaginal; neste sentido a ultrassonografia transvaginal deve ser considerada na identificação de ambos os tipos tumorais.
    A dificuldade em se determinar o limite entre leiomioma e leiomiossarcoma é puramente histopatológico, sendo a baixa atividade mitótica referência a tumores benígnos5,6,7, porém não diminuindo a possibilidade de apresentarem recidivas locais, metástases regionais e a distância, e degeneração maligna7,13. O tratamento é essencialmente cirúrgico devido a dificuldade em se determinar se a natureza da lesão é definitivamente benígna ou maligna. Muitos autores1,2,5,8,10,12,13, então propõem a extirpação radical de ambas as lesões, principalmente nos tumores acima de 5 cm ou nas recidivas locais. Tem sido demonstrado que os fatores determinantes de recidiva local ou metástases são a forma original da primeira cirurgia e o tumor propriamente dito10. Optamos no caso descrito pela excisão local do tumor por via transretal, abordagem favorável a tumores pequenos (até 3 cm de diâmetro), bem diferenciados, considerado tratamento definitivo por muitos autores1,13,8,6,3. Nesta situação, é mandatório o acompanhamento pós-operatório por ultrassonografia transretal, como vem sendo realizado em nosso serviço. A radioterapia e a criocirurgia têm sido empregadas sem resposta eficaz12.

Conclusão
A raridade do tumor é demonstrada pela escassez de trabalhos na literatura, confirmando-se a necessidade de novos relatos literários e o acompanhamento criterioso pós operatório, para que se possa estabelecer o comportamento deste tumor após sua ressecção e determinar, desta forma, o melhor tratamento e exames a serem solicitados no follow up destes pacientes.

REFERÊNCIAS
1 KUMINSKY, R.E. ; BAILEY, W. - Leiomyomas of the rectum e anal canal: report of six cases and review of the literature. Dis. Col. & Rect., 20:580-99,1977.
2 CORMAN & MARVIN - Retal Leiomioma. Surgery of the colon and rectum. 1998, 4° edição: 904.
3 KADAKIA, S.C.; KADAKIA, A.S.; SEARGENT, K. - Endoscopic Removal of Colonic Leiomyoma. J. Clin Gastroenteral, 15:59- 62, 1992.
4 WARKEL, R.L.; STEWART, J.B.; PATH, M.R.C. - Leiomyosarcoma of the Colon: Report of a Case and Analysis of the Relationship of Histology to Prognosis. Dis. Col. & Rect., 18:501-6,1975.
5 KEANE, P.F; FARMER, I.: CROSBIE, R.; ARNOLD, A.J. Leyomiosarcoma of the colon and Rectum. Irish Med J, 79:190, 1986.
6 SERRA, J.; RUIZ, M. ; LLOVERAS, B.; GUILLAUMES, S.; GARRIGA, J.; TRIAS, R. - Surgical Outlook Regarding Leiomyoma of the Rectum: Report of three cases. Dis. Col. & Rect., 32:884-7,1989.
7 MACKENZIE, D.A.; MCDONALD, J.R.; WAUGH, J.M. - Leiomyoma and Leiomyosarcoma of the Colon. Ann Surg., 139:67-75,1954.
8 STEWART, E.A.; LIAU, A.S.; FRIDMAN, A.J. - Operative Laparoscopy Followed by Colpotomy for Resecting a Colonic Leiomyosarcoma. A Case Report. Journal of Reproductiv Medicine, 883-84,1984.
9 IW ASA, K.; TANIGUCHI, K.; NOGUCHI, M.; YAMASHIT A, H.; KITAGAWA, M. - Leiomyosarcoma of the Colon presenting as acute Suppurative peritonitis. Jpn. J: Surg., 27:337-44, 1997.
10 WOLFSON, P.; OH, C. - Leiomyosarcoma of the Anus: Report of a Case. Dis. Col. & Rect., 20:600-02, 1977.
11 MOREIRA, H. - Atualidades em Coloproctologia , São Paulo, 1996.
12 LABOW, S.B.; HOEXTER, B. - Leiomyosarcoma of the Rectum: Radical vs Conservative therapy and Report of three cases. Dis. Col. & Rect., 20:603-05, 1977.
13 VEMER, F.D.; STOECKINGER, J.M.; EVANS, T. - Smooth muscle Rectal Tumors: A therapeutic Dilemma. Dis. Col. & Rect., 20:405-13,1977.
14 JACKMAN, R.J.; BEAHRS, O.H. - Tumores del Intestino Grueso. Editorial Científico-Médica, Barcelona, 1971.

Endereço para correspondência:
Joaquim José Ferreira
Rua Barão de Itapagipe, 623 / 101
Tijuca - Rio de Janeiro - RJ
20261-000 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (11) 234-6309

Trabalho realizado no Hospital Municipal Miguel Couto - Rio de Janeiro - RJ.