RELATO DE CASO
joaquim josé FERREIRA - tsbcp
rogério de oliveira gonçalves
tatiana cunha marques
RESUMO: Relato de um caso de leiomioma de reto com diagnóstico histopatológico pre-operatório tratado por ressecção local transretal no Hospital Municipal Miguel Couto, Rio de Janeiro, com follow-up de um ano. Este raro tumor deve ser lembrado no diagnóstico diferencial das lesões retais que levam a proctalgia, mudanças do hábito intestinal e outros sintomas locais. Exames simples como toque retal, anuscopia e biópsia, podem ser concludentes no diagnóstico. O diagnóstico histopatológico, no intuito de se diferenciar lesões benígnas das malígnas, requer patologista com especial interesse nesse tipo tumoral.
UNITERMOS: Leiomioma, Reto, Ressecção Transretal.
Introdução
O primeiro leiomioma de reto confirmado
histopatologicamente foi relatado por Malassez em 1872, e
após este, aproximadamente apenas 200 casos foram
relatados.1
O tumor benígno que se origina da musculatura
lisa pode surgir em qualquer parte do corpo; sua incidência
no trato gastrointestinal ocorre mais frequentemente no
estômago e instestino delagado (90%), é raro no cólon (3%)
e no reto (7%).6
A diferenciação entre leiomioma e leiomiossarcoma
é difícil. Os parâmetros histopatológicos importantes são
o grau de pleomorfismo celular e a quantidade de
atividade mitótica presente4,5, porém há uma ausência de
critérios que determinam a malignidade e a tendência de
recidiva local destes tumores, tornando seu prognóstico duvidoso.
O tratamento de escolha para todos autores é sem
dúvida a excisão, seja ela transretal ou por via
endoscópica.3,5
Recentemente diagnosticamos em nosso serviço
um caso de leiomioma de reto que pela sua rara incidência
nos motivou a publicação deste relato.
Relato de Caso
R.L.N., sexo feminino, prontuário n° 3159/98 de 66 anos de idade, admitida no Hospital Municipal Miguel Couto em abril de 1998. Procurou atendimento médico há 2 meses com queixa de proctalgia e evacuação de muco. O exame proctológico mostrou plicoma de margem anal e tumoração palpável extramucosa em parede posterior e lateral esquerda de 5 a 7 cm de diâmetro e endurada .A ultrassonografia transretal mostrou a presença de lesão sólida hipoecogênica de contornos discretamente lobulados na parede lateral esquerda com comprometimento da mucosa e extensão extra-luminal (Fig. 1 e 2). | |
Fig. 1 e 2: Ultrassonografia transretal mostrando, na seta, a proeminência tumoral. |
A lesão mede cerca de 3,6 x 2,4 cm. À ultrassonografia transvaginal, pólipo endometrial de mais ou menos 10 mm; presença de massa sólida, heterogênica, contornando posteriormente o canal vaginal, em contiguidade com a parede retal. Clister opaco foi normal. Submeteu-se a biópsia transretal em março de 1998 cujo diagnóstico histopatológico foi de tumor leiomiomatoso, com baixo índice mitótico e áreas de hipercelularidade (Fig. 3 e 4).
Fig. 3 e 4: Aspecto microscópico do leiomioma, caracterizado pela baixa atividade mitótica e presença de fibras musculares lisas. |
Realizou-se em 04 de maio de 1998 a excisão
transretal do tumor. No pós-operatório imediato apresentou
apenas dor à palpação profunda no terço inferior do
abdome. Obteve alta em 06 de maio, assintomática.
Retornou em uma semana, seis meses e um ano,
quando então solicitamos ultrassonografia transretal, exame
que acreditamos ser o mais indicado para acompanhar
a evolução deste tipo de lesão. Em todas as revisões a
paciente manteve-se assintomática. Em recente revisão em 02
de agosto de 1999, está assintomática e mostra ao toque
retal, pequeno nódulo no local da excisão.
Discussão
Apesar do primeiro relato de Malassez sobre
leiomioma de reto, ser datado de um século atrás, a raridade do tumor
e a ausência de follow-up impede que se conheça
inteiramente o comportamento deste tumor benígno, que por vezes
se apresenta recidivante e outras evolui para malignidade.
De acordo com Serra et al, os tumores da
musculatura lisa se originam da muscular da mucosa, da camada
muscular externa ou da camada muscular arterial. Seu
crescimento pode ser: 1) Endorretal, em geral sub-mucoso;
2) Extrarretal; 3) lntramural ou intersticial. Seu tamanho
pode variar de pequenas (0,5 - 8 cm) até grandes dimensões
(23 cm)6. Alguns autores consideram que tumores
originais maiores que 5 cm têm forte tendência a
recidiva1 ou a possibilidade de degeneração a
leiomiossarcoma.
O paciente pode apresentar-se assintomático com
diagnóstico incidental de massa
retal1, porém o mais comum na literatura é o achado de sangramento
transretal, constipação ou mudança do hábito intestinal, e
proctalgia. Como em geral ocorrem no 1/3 inferior do reto são
de fácil acesso ao toque o que possibilita biópsia
pré-operatória5.
A paciente em questão foi submetida a biópsia
pré-operatória, apresentando um tumor submucoso, de fácil
acesso e pequenas dimensões porém, contestando o que
propõem alguns autores, apresentava ulcerações
não sangrativas, perfeitamente compatíveis também com
tumores benígnos13. O clister opaco só é expressivo em
tumores maiores e/ou que acometem a mucosa. Já
a ultrassonografia endorretal identifica as cinco camadas
da parede do reto, esclarecendo precocemente invasão local
e excedência da submucosa6.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com
outros tumores do reto e do septo retovaginal; neste sentido
a ultrassonografia transvaginal deve ser considerada na
identificação de ambos os tipos tumorais.
A dificuldade em se determinar o limite entre
leiomioma e leiomiossarcoma é puramente histopatológico, sendo
a baixa atividade mitótica referência a tumores
benígnos5,6,7, porém não diminuindo a possibilidade de
apresentarem recidivas locais, metástases regionais e a distância, e
degeneração maligna7,13. O tratamento é
essencialmente cirúrgico devido a dificuldade em se determinar se a
natureza da lesão é definitivamente benígna ou maligna.
Muitos autores1,2,5,8,10,12,13, então propõem a
extirpação radical de ambas as lesões, principalmente nos tumores
acima de 5 cm ou nas recidivas locais. Tem sido
demonstrado que os fatores determinantes de recidiva
local ou metástases são a forma original da primeira cirurgia e
o tumor propriamente dito10. Optamos no caso descrito
pela excisão local do tumor por via transretal,
abordagem favorável a tumores pequenos (até 3 cm de diâmetro),
bem diferenciados, considerado tratamento definitivo por
muitos autores1,13,8,6,3. Nesta situação, é
mandatório o acompanhamento pós-operatório por ultrassonografia
transretal, como vem sendo realizado em nosso serviço. A
radioterapia e a criocirurgia têm sido empregadas
sem resposta eficaz12.
Conclusão
A raridade do tumor é demonstrada pela escassez de
trabalhos na literatura, confirmando-se a necessidade de novos
relatos literários e o acompanhamento criterioso
pós operatório, para que se possa estabelecer o comportamento deste tumor após
sua ressecção e determinar, desta forma, o melhor tratamento e
exames a serem solicitados no follow up destes pacientes.
REFERÊNCIAS
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14 JACKMAN, R.J.; BEAHRS, O.H. - Tumores del Intestino Grueso.
Editorial Científico-Médica, Barcelona, 1971.
Endereço para correspondência:
Joaquim José Ferreira
Rua Barão de Itapagipe, 623 / 101
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Tel.: (11) 234-6309
Trabalho realizado no Hospital Municipal Miguel Couto - Rio de Janeiro - RJ.