RELATO DE CASO


RE-ANASTOMOSE COLORRETAL SEM LAPAROTOMIA

LUSMAR VERAS RODRIGUES - TSBCP
FRANCISCO SÉRGIO PINHEIRO REGADAS _ TSBCP
PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO - TSBCP
STHELA MARIA MURAD REGADAS - ASBCP
CARMEN CECÍLIA GUILHON LÔBO
MIGUEL A. ARCOVERDE NOGUEIRA
PATRÍCIA MARIA BARROS CAVALCANTI - FSBCP
CYNTHIA MARIA PONTE SOARES


RODRIGUES LV, REGADAS FSP, LEÃO PHS, REGADAS SMM, LÔBO CCG, ARCOVERDE MAN, CAVALCANTI PMB, SOARES CMP. - Re-Anastomose Colorretal sem Laparotomia. - Rev bras Coloproct, 2001; 21(1): 23-25.

RESUMO: O uso de grampeadores na confeccção de anastomoses colorretais tem permitido a realização de anastomoses mais baixas, ao mesmo tempo, porém causou um aumento da incidência de estenoses anastomóticas. Os autores relatam um caso de obstrução intestinal baixa por estenose de anastomose mecânica tratado sem laparotomia. A técnica consistiu da ressecção da zona estenótica com uso de um grampeador circular aplicado por via anal. Esta técnica demonstrou-se simples e eficaz.

UNITERMOS: anastomose cirúrgica, grampeadores cirúrgicos, obstrução intestinal.

As anastomoses intestinais constituem um dos segmentos mais estudados na cirurgia. No entanto, as deiscências e estenoses são complicações ainda freqüentes. Ambas estão correlacionadas e podem decorrer de irrigação sangüínea inadequada, de processo inflamatório persistente ou de técnica cirúrgica imperfeita.. As anastomoses colorretais baixas e colo-anais com ou sem bolsa ileal apresentam estenose que varia de 15 a 40% (1, 2, 3). O tratamento dessas estenoses varia desde dilatações digitais ou com velas; dilatações endoscópicas com balões; confecção de nova anastomose por laparotomia ou por aplicação de grampeador circular ou linear, por via retal (3, 4, 5, 6, 7); pela sutura manual após secção da fibrose (1) ou simplesmente pela ressecção endoscópica parcial por via anal da área de estenose com uso do eletrocautério (8). O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de obstrução intestinal por estenose de anastomose colorretal tratada sem laparotomia pela aplicação por via anal de grampeador circular.

RELATO DO CASO
Paciente masculino, 47 anos, foi submetido à laparotomia exploradora, em caráter emergencial, há 12 meses, por diverticulite perfurada do sigmóide e peritonite generalizada. Foi realizada sigmoidectomia e colostomia à Hartmann. Evoluiu com infecção e deiscência da parede abdominal, permanecendo internado por 30 dias. Seis meses após, foi realizada reconstituição do trânsito intestinal, por via laparotômica, com anastomose colorretal por grampeador circular número 33, Ethicon. Um mês após, o paciente evoluiu com episódios de semi-oclusão intestinal baixa. Foi detectada por exame endoscópico estenose acentuada de anastomose colorretal, distando aproximadamente 12 cm da borda anal. Foram realizadas várias sessões de dilatação com balão hidráulico sempre com recidivas imediatas dos sintomas de constipação. A persistência da estenose colorretal culminou com quadro clínico de oclusão intestinal, com distensão abdominal e vômitos fecalóides.
    Após a rotina pré-operatória própria para obstrução intestinal, o paciente foi submetido à anestesia geral, colocado em posição de litotomia e realizadas antissepsia e assepsia da região perianal. A estenose não tocável foi localizada com auxílio da ótica de videolaparoscopia, através de trocarte aplicado no ânus. Após secção da fibrose com eletrocautério e tesoura laparoscópica, foi possível introduzir a ogiva do grampeador circular número 28 através da estenose (figura 1). Após isso, fez-se a reaproximação da ogiva e tração em direção ao períneo, permitindo visualizar a estenose (figura 2). Foi feito, então o disparo com realização de anastomose ampla.

 

Fig. 1: Introdução do grampeador circular por via anal. Passagem da ogiva através da zona estenótica. Fig. 2: Reaproximação da ogiva para realizar secção da zona de estenose.


    O paciente evoluiu sem complicações, sem perda do peristaltismo e evacuando de imediato à confecção da anastomose. No primeiro dia de pós-operatório, deambulou normalmente sem apresentar dor ou comemorativos de operação recente. Encontra-se com dois anos de seguimento após a re-anastomose, assintomático, tendo se submetido à colonoscopia para controle que evidenciou anastomose ampla, sem necessidade de dilatação.

DISCUSSÃO
O uso de grampeadores na confecção de anastomoses colorretais está associado a uma maior incidência de estenoses anastomóticas. No entanto, a maioria destas estenoses é assintomática ou de fácil tratamento (9) .
    Em alguns casos, apesar de tentativas da aplicação de técnicas simples como a dilatação, os pacientes evoluem para quadros de oclusão intestinal sendo necessária terapêutica mais invasiva.
    Benoist e col. (1) apresentaram uma técnica para casos de estenose colo-anal ou colorretal baixa, utilizando pontos absorvíveis na área estenótica após dilatação com velas. Dos 16 pacientes operados, houve cinco recidivas em dois meses, sendo então submetidos novamente à mesma técnica com sucesso. Diz que a vantagem do procedimento foi não usar grampeadores.
    Morrison Jr. e Jacobs(7) descreveram dois casos de ampliação de anastomoses término-laterais estenóticas com uso de grampeador linear ETS, por via anal, assistido por videolaparoscopia. Em um dos casos, foi tentada a dilatação previamente sem sucesso. No outro caso, as condições das alças a serem anastomosadas primariamente só permitiram o uso de um grampeador de 25mm, fazendo-se necessária a aplicação imediata do grampeador linear ETS. No seguimento pós-operatório os pacientes permaneceram assintomáticos e sem estenose à colonoscopia. (7).
    Buhr e col.(1) demonstram um caso de estenose benigna de anastomose colorretal tratado com uso de um grampeador linear ELC 35 seis meses após uma anastomose colorretal término-lateral. O paciente evoluiu bem tendo alta no segundo dia pós-operatório e permaneceu sem sinais de recidiva da estenose 5 meses após o procedimento cirúrgico(6).
    Hinton e Celestin(4) apresentaram dois casos de pacientes com estenose de anastomose colorretal tratados pela ressecção parcial da zona de fibrose com uso de um grampeador circular, sendo que a identificação do sítio e da natureza da estenose foi realizada por sigmoidoscopia. Um dos paciente faleceu sem sinais de recidiva da estenose 5 meses após o tratamento e o outro paciente permaneceu assintomático e com enema opaco normal 3 meses após a intervenção(4) .
    Lausten e Sakso(5) relataram um caso de estenose de anastomose alguns meses após a reconstrução do trânsito pós-Hartmann em que foi tentada inicialmente dilatação, sendo que após 7 meses foi finalmente tratado por técnica de re-anastomose com uso de grampeador circular via anal monitorizado por colonoscopia. Seis meses após a operação, o paciente permaneceu assintomático e sem redução do diâmetro da anastomose(5).
    Hunt e Kelly(8) relataram 5 casos de estenose de anastomose por grampeamento tratados com sucesso e sem complicações através da ressecção parcial por via anal com uso de eletrocautério. O tempo operatório era de cerca de 5 minutos, sendo que 4 pacientes foram considerados curados e 1 melhorado. O seguimento pós-operatório médio foi de 15 meses sem evidência de recidiva da estenose (8) .
    Diante da variedade de procedimentos descritos para o tratamento de quadros oclusivos decorrentes de estenoses anastomóticas cabe ao cirurgião escolher a opção mais adequada para cada caso.
    Em relação ao caso clínico apresentado a importância desta técnica foi permitir a solução da obstrução intestinal sem laparotomia, num paciente com passado de peritonite generalizada e deiscência total da parede abdominal, o que tornaria difícil o acesso à cavidade peritoneal por via laparotômica.
    A incidência importante de estenoses de anastomoses realizadas com grampeadores circulares torna necessário maior critério na sua indicação e utilização.

CONCLUSÃO
A simplicidade e eficácia do procedimento utilizado favorecem a realização de novos casos para conclusões definitivas.

SUMMARY: The use of stapling devices in colorectal anastomosis has brought beneficts like allowing low rectal anastomosis but it also has increased the number of anastomotic stenosis. The authors report a case of obstruction of the large intestine caused by anastomotic stenosis treated without laparotomy. Resection of the anastomotic stricture using a circular stapler inserted transanally was performed. The technique was simple and effective.

KEY WORDS: Anastomotic stenosis, Circular stapler, Colorectal anastomosis, Intestinal obstruction.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Benoist S, Panis Y, Berdah S, Hautefeuille P, Valleur P. New treatment for ileal pouch-anal or coloanal anastomotic stenosis. Dis Colon Rectum 1998; 41: 935-937.
2. Lewis WG, Kuzu A, Sagar PM, Holdsworth PJ, Johnston D. Stricture at the pouch-anal anastomosis after restorative proctocolectomy. Dis Colon Rectum 1994; 37: 120-125.
3. Mclean Ross AH. Rectum stricture ressection using the EEA autostapler. Br J Surg 1980; 67: 281-82.
4. Hinton CH, Celestin LR. A new technique for excision of recurrent anastomotic strictures of the rectum. Ann R Coll Surg Engl 1986;68: 260-261.
5. Lausten SB, Sakso P. Treatment of stenotic colorectal anastomosis by trasanal use of an endoscopic stapler. Br J Surg 1994; 81: 144.
6. Buhr J, Hürtgen M, Kelm C, Henneking K. Use of an endoscopic stapler for transanal widening of rectal anastomotic stenosis. Chirurg 1995; 66: 428-430.
7. Morrison Jr. JE, Jacobs VR. Laparoscopy-assisted endoscopic bowel anastomosis stenosis revision with stapler. Report of two cases. Surg Laparosc Endosc 1998; 8 (3): 211-214.
8. Hunt TM, Kelly MJ. Endoscopic transanal resection (ETAR) of colorectal strictures in stapled anastomosis. Ann R Coll Surg Engl 1994; 76: 121-22.
9. MacRae HM, McLeod RS. Handsewn vs. Stapled anastomosis in colon and rectal surgery: a metanalysis. Dis Colon Rectum 1998; 41 (2): 180-189.

Endereço para Correspondência
Lusmar Veras Rodrigues
Rua: Arthur Façanha, 75, Apto 1702, Mucuripe - Fortaleza / CE
CEP 60.175/130

Trabalho realizado pelo Serviço de Colo-Proctologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará