RELATO DE CASO


DUPLICAÇÃO DO CÓLON: RELATO DE UM CASO E REVISÃO DA LITERATURA

Lúcio Sarubbi Fillmann - FSBCP
Francesca Perondi _ FSBCP
Henrique Sarubbi Fillmann _ ASBCP
Érico Ernesto Pretzel Fillmann - TSBCP


FILLMANN LS, PERONDI F, FILLMANN HS, FILLMANN EEP. - Duplicação do cólon: Relato de um caso e revisão da literatura. - Rev bras Coloproct, 2001; 21(1): 26-30.

RESUMO: Apresentamos o caso de um homem de 42 anos portador de uma duplicação do cólon transverso diagnosticada na infância, mas que só veio a ser tratada em uma fase mais avançada na vida. Realizamos também uma revisão da literatura a respeito deste achado incomum, sua explicação embriológica e alternativas para o tratamento adequado desta mal-formação congênita.

Unitermos: Duplicação intestinal, cólon, adulto

Introdução
Duplicações intestinais são mal-formações extremamente incomuns no ser humano. A maioria delas é observada em crianças, com um pequeno número de casos descritos em adultos. A apresentação clínica depende do segmento do intestino em que se localiza a duplicação, sendo necessário um elevado grau de suspeita clínica para que se estabeleça o diagnóstico. A seguir, apresentamos um caso de duplicação do cólon transverso em um adulto, seguido de uma breve revisão da literatura a respeito deste achado, sua explicação embriológica e possíveis formas de tratamento.

Relato de caso
F.B.C.S, 42 anos, masculino, branco, casado.
    Paciente consultou com queixas de constipação e desconforto abdominal desde os 14 anos. Relatava que, desde esta época, procurou auxílio médico tendo realizado alguns exames que não evidenciaram alteração muito significativa, mas lembrava-se que um médico chegou a lhe dizer que eventualmente teria que realizar tratamento cirúrgico caso houvesse evolução dos sintomas. Foi tratado para a constipação com diversos laxantes.
    O desconforto abdominal progrediu juntamente com crises de distensão abdominal e surgimento de uma tumoração na região epigástrica.
    Em 1994 realizou enema opaco com duplo contraste que demonstrou grande imagem cística na porção central do abdômen, acompanhando o cólon transverso, que foi interpretado como duplicação do cólon transverso (Figura 1).
    Chegou à consulta no Serviço de Colo-proctologia do HSL-PUCRS apresentando diarréia pós-prandial, meteorismo , importante distensão abdominal e tumoração no hemi-abdômen esquerdo, com massa sólida palpável do mesmo lado e timpanismo contra-lateral. Não havia evidência de peritonismo.

 

Figura 1: Enema opaco revelando grande dilatação de segmento adjacente ao cólon transverso sugestivo de duplicação intestinal.

Figura 2: Fotografia da peça cirúrgica revelando segmento duplicado do tipo tubular para-enteral (8).


    O paciente foi encaminhado à cirurgia de caráter eletivo. Realizou-se laparotomia exploradora onde observou-se grande dilatação de alça intestinal comunicando-se cranialmente com cólon transverso, formando ângulo sob a hemicúpula diafragmática esquerda, rebatendo o mesocólon no sentido cranial e terminando em fundo cego junto ao hipocôndrio direito.
    Foi realizada ressecção de cólon esquerdo que incluiu a duplicação, e anastomose término-terminal do cólon transverso e sigmóide. O pós-operatório transcorreu sem complicações.
    O laudo anátomo-patológico demonstrou espécime cirúrgico de colectomia parcial, medindo 46,2 cm, com acentuada dilatação em fundo cego do segmento duplicado, que apresentava parede regularmente estratificada e mucosa lisa e brilhante (Figura 2). Do tecido adiposo foram dissecados 2 linfonodos medindo o maior 0,5 cm de diâmetro. O diagnóstico microscópico foi de duplicação ao nível de cólon, constituída por mucosa, submucosa, camada muscular e plexos mioentéricos. Os linfonodos tinham estrutura histológica preservada.

Discussão
As primeiras descrições de duplicação do intestino datam de 1876 por Suppinger e de 1892 por Piccoli (1). Em 1940, Gray descreveu um caso de triplicação intestinal(1), esta uma alteração bastante rara. A incidência deste tipo de defeito congênito não é conhecida. Duffy em um estudo retrospectivo, encontrou 67 casos de duplicação intestinal em um período de 22 anos(2). Gross, em 10 anos, relatou 63 pacientes portadores dessa alteração (2). Além destes autores, outros relataram que duplicações do intestino ocorrem aproximadamente em 1 de cada 5000 nascidos vivos(3), não há propensão familiar ou racial (1), e, aparentemente, mulheres são mais afetadas que os homens numa proporção de 2:1 (1).
    Hackam e colaboradores definiram duplicação intestinal como um grupo de lesões que contém uma parede de músculo liso, mucosa entérica e que são encontradas somente na borda mesentérica do intestino (4). Tal achado as diferencia de outras alterações, como por exemplo, o divertículo de Meckel (4).
    A origem embriológica das duplicações intestinais não é completamente conhecida. A teoria mais amplamente difundida para explicar a ocorrência desta alteração se baseia na possibilidade de falha na recanalização do intestino (1,5,6). Normalmente, por volta da quinta ou sexta semana, células epitelias obliteram completamente a luz intestinal. Entretanto, no final do período embrionário, surgem vacúolos entre essas células que, com o desenvolvimento do embrião, confluem para dar permeabilidade à luz do intestino. Neste momento, ocorreria um agrupamento desses vacúolos em dois pólos separados dentro de um segmento intestinal. Dessa maneira desenvolveriam-se dois segmentos independentes, com ou sem comunicação entre si (figura 3). Entretanto, tal teoria não explica a ocorrência de outras alterações simultâneas muitas vezes associadas a duplicação intestinal. Isto é especialmente importante para as mal-formações do intestino posterior, que freqüentemente são associadas a alterações genito-urinárias e ano-retais (3).

 

Figura 3: Origem embiológica das duplicações intestinais. Adaptado de Moore e Reid (5).

    Em relação à localização das duplicações, o território definido como intestino médio, ou seja, o irrigado pela artéria mesentérica superior, é o mais propenso a conter segmentos duplicados . Dados obtidos de registros do Royal Hospital for Sick Children ( Glasgow, 1947-78), demonstraram que, entre 60 casos de duplicação, 10 situavam-se no esôfago, 9 no estômago, 32 no intestino delgado, 4 no cólon e 5 no reto (7). Fuyou e colaboradores descreveram, em 1997, 84 casos de duplicação intestinal, em que 49 estavam localizados no intestino delgado, 21 na região íleo-cecal, 11 no cólon e 3 no reto(8). Nixon, em um estudo na população de Liverpool, observou que 50% dos casos eram localizados no intestino médio, e Gross, em Boston, encontrou 35% das alterações nesse mesmo segmento (7).
    Fuyou e colaboradores(8) propuseram uma classificação morfológica das duplicações (figura 4). As mal-formações seriam subdivididas em septo-enteral, cisto parietal, tipo tubular para-enteral, tipo cisto para-enteral e cisto solitário. Os tipos cisto para-enteral e tubular para-enteral foram os mais comumente observados (84% da amostra). Kottra e Dodds (9) propuseram uma classificação específica para as duplicações de cólon e reto (figura 5). Os casos definidos como tipo 1 eram aqueles de duplicação parcial limitada ao cólon ou reto e os do tipo 2 envolviam todo o cólon e freqüentemente se associavam a outras anomalias.

 

Cisto solitário

Cisto para-enteral

  

 

Tipo septo-enteral

Tipo cisto parietal

Tipo tubular para-enteral

Figura 4: Classificação morfológica das duplicações intestinais segundo Fuyou e colaboradores (8).

 

 

Tipo 1

Tipo 2

Figura 5: Classificação das duplicações de cólon segundo Kottra e Dods (9).


    Nos estudos anátomo-patológicos, a maioria das duplicações intestinais apresenta estrutura histológica semelhante ao segmento intestinal que lhe deu origem, com parede muscular lisa e mucosa (10). Ainda assim, por se tratar de um segmento muitas vezes excluído do trânsito intestinal, e, portanto de difícil acesso para os meios diagnósticos, sempre existe a preocupação quanto ao surgimento de complicações nesse segmento duplicado. Beyer, em uma revisão da literatura, encontrou 3 casos de carcinoma originados em duplicações de cólon (1). Hackam observou que de 20 a 30% das duplicações continham mucosa ectópica, mais freqüentemente a gástrica, fato este associado a ocorrência de sangramento e perfuração intestinal (4). Além das complicações no próprio segmento, a ocorrência de outras alterações dignas de investigação têm sido observadas. Fuyou e colaboradores(8) observaram que 14,3% dos casos analisados em sua amostra tinham mal-formações associadas, sendo que tal número chegou a 75% na série relatada por Hocking e Young (7). Duplicações tubulares do cólon são os tipos mais freqüentemente relacionados a duplicações de bexiga, uretra e genitália (10).
    A apresentação clínica mais freqüente é a de transtornos funcionais, acompanhada de massa abdominal (8). Hocking e Young (7) observaram sintomas variados associados a este tipo de mal-formação. Entre os mais importantes, relataram vômitos, distensão, bloqueio evacuatório, constipação, diarréia e hematoquezia. Fuyou e colaboradores (8) observaram também a ocorrência de perfuração intestinal associada à presença de mucosa gástrica ectópica, achado que também se correlacionou com quadros de sangramento por via anal.
    Segundo Hackam (4), o tratamento cirúrgico das duplicações intestinais é mandatório em todos os casos. Na opinião deste autor, é através da intervenção cirúrgica que se obtém o melhor alívio do ponto de vista sintomático, além de se evitar o risco de sangramento e perfuração associado a presença de mucosa gástrica ectópica e de se realizar a profilaxia de possíveis transformações malignas do epitélio colônico do segmento duplicado. Apesar desta última complicação ser aparentemente um evento raro, segundo Orr e Edwards, o cólon duplicado foi o segmento mais associado a ocorrência de degeneração maligna quando comparado a duplicações localizadas em outras porções do tubo digestivo(11). As opções em termos de abordagem operatória variam da simples derivação da duplicação por anastomose lateral com o intestino, passando pelas ressecções isoladas de segmentos duplicados, podendo finalmente chegar até a abordagens mais radicais como colectomia segmentar ou total em função da vascularização comum entre o intestino e a sua duplicação (1).
    A abordagem cirúrgica, entretanto não é recomendada universalmente na literatura. Beyer (1) em sua revisão sobre duplicações intestinais, ressaltou que o tratamento cirúrgico não é recomendado para os casos não complicados, ou seja, aqueles em que a mal-formação é um achado ocasional.

Summary: This is a case report of 42-year-old man with a colonic duplication located at the transverse colon. The diagnosis was stablished in childhood, but treatment was delayed. We also present a brief review of the literature about this uncommun clinical finding, it's embriological origin and treatment alternatives.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Beyer D, Friedmann G & Müller J. Duplication of the colon: Report of two cases and review of the literature. Gastrointest Radiol 1981. 6: 151-156.
2. Otter MI, Marks CG & Cook MG. An unusual presentation of intestinal duplication with literature review. Dig Dis & Sci 1996. 41(3): 627-629.
3. Mcneill SA, Rance CH & Stewart RJ. Fecolith impactation in a duplex vermiform appendix: an unusual presentation of colonic duplication. J Ped Surg 1996; 31(10):1435-1437.
4. Hackam DJ, Zalev A, Burnstein M, Rotstein OD & Koo J. Enteric duplication in the adult, derived from the foregut, midgut and hindgut: Presentation, patterns and literature review. CJS 1997; 40(2): 129-133.
5. Moore KL & Reid G. Embriologia clínica. 3~ed.. Rio de Janeiro, Interamericana, 1984.
6. Morson B. Enfermidades del colon, recto y ano. 1~ed.. Barcelona, Elicien, 1972.
7. Hocking M & Young DG. Duplications of the alimentary tract. Br J Surg 1981; 68: 92-96.
8. Fuyou H, Shurong J, Yan S, Zhaozhu L & Wenfang T. Pathological classification and diagnosis of intestinal duplication. Chin Med J 1997; 110(5): 332-334.
9. Kottra JJ & Dodds WJ. Duplication of the large bowel. AJR 1971. 113; 310-315.
10. Dutheil-Doco A, Le Pointe HD, Larroquet M, Lagha NB & Montagne J. A case of perforated cystic duplication of the transverse colon. Pediatr Radiol 1998; 28: 20-22.
11. Orr MM, Edwards AJ. Neoplastic change in duplications of the alimentary tract, Br J Surg 1975; 62: 269-274

Endereço para correspondência:
Dr. Lucio Sarubbi Fillmann
Av. Ipiranga 6690, sala 307
Porto Alegre, RS
CEP 90610-000