RELATO DE CASO
Lúcio Sarubbi Fillmann - FSBCP
Francesca Perondi _ FSBCP
Henrique Sarubbi Fillmann _ ASBCP
Érico Ernesto Pretzel Fillmann - TSBCP
RESUMO: Apresentamos o caso de um homem de 42 anos portador de uma duplicação do cólon transverso diagnosticada na infância, mas que só veio a ser tratada em uma fase mais avançada na vida. Realizamos também uma revisão da literatura a respeito deste achado incomum, sua explicação embriológica e alternativas para o tratamento adequado desta mal-formação congênita.
Unitermos: Duplicação intestinal, cólon, adulto
Introdução
Duplicações intestinais são mal-formações
extremamente incomuns no ser humano. A maioria delas é observada
em crianças, com um pequeno número de casos descritos
em adultos. A apresentação clínica depende do segmento
do intestino em que se localiza a duplicação, sendo
necessário um elevado grau de suspeita clínica para que se
estabeleça o diagnóstico. A seguir, apresentamos um caso de
duplicação do cólon transverso em um adulto, seguido de
uma breve revisão da literatura a respeito deste achado,
sua explicação embriológica e possíveis formas de tratamento.
Relato de caso
F.B.C.S, 42 anos, masculino, branco, casado.
Paciente consultou com queixas de constipação e
desconforto abdominal desde os 14 anos. Relatava que,
desde esta época, procurou auxílio médico tendo realizado
alguns exames que não evidenciaram alteração muito
significativa, mas lembrava-se que um médico chegou a
lhe dizer que eventualmente teria que realizar tratamento
cirúrgico caso houvesse evolução dos sintomas. Foi
tratado para a constipação com diversos laxantes.
O desconforto abdominal progrediu juntamente
com crises de distensão abdominal e surgimento de
uma tumoração na região epigástrica.
Em 1994 realizou enema opaco com duplo
contraste que demonstrou grande imagem cística na porção
central do abdômen, acompanhando o cólon transverso,
que foi interpretado como duplicação do cólon
transverso (Figura 1).
Chegou à consulta no Serviço de Colo-proctologia
do HSL-PUCRS apresentando diarréia
pós-prandial, meteorismo , importante distensão abdominal e
tumoração no hemi-abdômen esquerdo, com massa sólida
palpável do mesmo lado e timpanismo contra-lateral. Não
havia evidência de peritonismo.
Figura 1: Enema opaco revelando grande dilatação de segmento adjacente ao cólon transverso sugestivo de duplicação intestinal. |
Figura 2: Fotografia da peça cirúrgica revelando segmento duplicado do tipo tubular para-enteral (8). |
O paciente foi encaminhado à cirurgia de
caráter eletivo. Realizou-se laparotomia exploradora onde
observou-se grande dilatação de alça intestinal
comunicando-se cranialmente com cólon transverso, formando
ângulo sob a hemicúpula diafragmática esquerda, rebatendo
o mesocólon no sentido cranial e terminando em fundo
cego junto ao hipocôndrio direito.
Foi realizada ressecção de cólon esquerdo que incluiu
a duplicação, e anastomose término-terminal do cólon
transverso e sigmóide. O pós-operatório transcorreu sem
complicações.
O laudo anátomo-patológico demonstrou espécime
cirúrgico de colectomia parcial, medindo 46,2 cm, com
acentuada dilatação em fundo cego do segmento duplicado,
que apresentava parede regularmente estratificada e mucosa
lisa e brilhante (Figura 2). Do tecido adiposo foram
dissecados 2 linfonodos medindo o maior 0,5 cm de diâmetro. O
diagnóstico microscópico foi de duplicação ao nível de
cólon, constituída por mucosa, submucosa, camada muscular
e plexos mioentéricos. Os linfonodos tinham
estrutura histológica preservada.
Discussão
As primeiras descrições de duplicação do intestino
datam de 1876 por Suppinger e de 1892 por Piccoli (1).
Em 1940, Gray descreveu um caso de triplicação
intestinal(1), esta uma alteração bastante rara. A incidência deste tipo
de defeito congênito não é conhecida. Duffy em um
estudo retrospectivo, encontrou 67 casos de duplicação
intestinal em um período de 22 anos(2). Gross, em 10 anos,
relatou 63 pacientes portadores dessa alteração (2). Além
destes autores, outros relataram que duplicações do intestino
ocorrem aproximadamente em 1 de cada 5000 nascidos
vivos(3), não há propensão familiar ou racial (1), e,
aparentemente, mulheres são mais afetadas que os homens
numa proporção de 2:1 (1).
Hackam e colaboradores definiram duplicação
intestinal como um grupo de lesões que contém uma parede
de músculo liso, mucosa entérica e que são encontradas
somente na borda mesentérica do intestino (4). Tal
achado as diferencia de outras alterações, como por exemplo,
o divertículo de Meckel (4).
A origem embriológica das duplicações intestinais
não é completamente conhecida. A teoria mais
amplamente difundida para explicar a ocorrência desta alteração
se baseia na possibilidade de falha na recanalização do
intestino (1,5,6). Normalmente, por volta da quinta ou
sexta semana, células epitelias obliteram completamente
a luz intestinal. Entretanto, no final do período
embrionário, surgem vacúolos entre essas células que, com o
desenvolvimento do embrião, confluem para
dar permeabilidade à luz do intestino. Neste momento,
ocorreria um agrupamento desses vacúolos em dois pólos
separados dentro de um segmento intestinal. Dessa
maneira desenvolveriam-se dois segmentos independentes,
com ou sem comunicação entre si (figura 3). Entretanto,
tal teoria não explica a ocorrência de outras alterações
simultâneas muitas vezes associadas a duplicação
intestinal. Isto é especialmente importante para as
mal-formações do intestino posterior, que freqüentemente são
associadas a alterações genito-urinárias e ano-retais
(3).
Figura 3: Origem embiológica das duplicações intestinais. Adaptado de Moore e Reid (5). |
Em relação à localização das duplicações, o
território definido como intestino médio, ou seja, o irrigado
pela artéria mesentérica superior, é o mais propenso a
conter segmentos duplicados . Dados obtidos de registros
do Royal Hospital for Sick Children ( Glasgow,
1947-78), demonstraram que, entre 60 casos de duplicação, 10
situavam-se no esôfago, 9 no estômago, 32 no
intestino delgado, 4 no cólon e 5 no reto (7). Fuyou e
colaboradores descreveram, em 1997, 84 casos de duplicação
intestinal, em que 49 estavam localizados no intestino
delgado, 21 na região íleo-cecal, 11 no cólon e 3 no
reto(8). Nixon, em um estudo na população de Liverpool,
observou que 50% dos casos eram localizados no
intestino médio, e Gross, em Boston, encontrou 35% das
alterações nesse mesmo segmento (7).
Fuyou e colaboradores(8) propuseram uma
classificação morfológica das duplicações (figura 4). As
mal-formações seriam subdivididas em septo-enteral,
cisto parietal, tipo tubular para-enteral, tipo cisto
para-enteral e cisto solitário. Os tipos cisto para-enteral e tubular
para-enteral foram os mais comumente observados (84%
da amostra). Kottra e Dodds (9) propuseram uma
classificação específica para as duplicações de cólon e reto
(figura 5). Os casos definidos como tipo 1 eram aqueles
de duplicação parcial limitada ao cólon ou reto e os do
tipo 2 envolviam todo o cólon e freqüentemente se
associavam a outras anomalias.
Cisto solitário |
Cisto para-enteral |
|
|
||
Tipo septo-enteral |
Tipo cisto parietal |
Tipo tubular para-enteral |
Figura 4: Classificação morfológica das duplicações intestinais segundo Fuyou e colaboradores (8). |
Tipo 1 |
Tipo 2 |
Figura 5: Classificação das duplicações de cólon segundo Kottra e Dods (9). |
Nos estudos anátomo-patológicos, a maioria das
duplicações intestinais apresenta estrutura histológica
semelhante ao segmento intestinal que lhe deu origem,
com parede muscular lisa e mucosa (10). Ainda assim, por
se tratar de um segmento muitas vezes excluído do
trânsito intestinal, e, portanto de difícil acesso para os meios
diagnósticos, sempre existe a preocupação quanto
ao surgimento de complicações nesse segmento
duplicado. Beyer, em uma revisão da literatura, encontrou 3
casos de carcinoma originados em duplicações de cólon
(1). Hackam observou que de 20 a 30% das
duplicações continham mucosa ectópica, mais freqüentemente a
gástrica, fato este associado a ocorrência de sangramento
e perfuração intestinal (4). Além das complicações no
próprio segmento, a ocorrência de outras alterações
dignas de investigação têm sido observadas. Fuyou e
colaboradores(8) observaram que 14,3% dos casos analisados
em sua amostra tinham mal-formações associadas, sendo
que tal número chegou a 75% na série relatada por Hocking
e Young (7). Duplicações tubulares do cólon são os
tipos mais freqüentemente relacionados a duplicações de
bexiga, uretra e genitália (10).
A apresentação clínica mais freqüente é a de
transtornos funcionais, acompanhada de massa abdominal
(8). Hocking e Young (7) observaram sintomas variados
associados a este tipo de mal-formação. Entre os mais
importantes, relataram vômitos, distensão,
bloqueio evacuatório, constipação, diarréia e hematoquezia.
Fuyou e colaboradores (8) observaram também a ocorrência
de perfuração intestinal associada
à presença de mucosa gástrica ectópica, achado que também se correlacionou
com quadros de sangramento por via anal.
Segundo Hackam (4), o tratamento cirúrgico das
duplicações intestinais é mandatório em todos os casos.
Na opinião deste autor, é através da intervenção
cirúrgica que se obtém o melhor alívio do ponto de vista
sintomático, além de se evitar o risco de sangramento e
perfuração associado a presença de mucosa gástrica ectópica
e de se realizar a profilaxia de possíveis
transformações malignas do epitélio colônico do segmento duplicado.
Apesar desta última complicação ser aparentemente um
evento raro, segundo Orr e Edwards, o cólon duplicado foi
o segmento mais associado a ocorrência de
degeneração maligna quando comparado a duplicações localizadas
em outras porções do tubo digestivo(11). As opções em
termos de abordagem operatória variam da simples
derivação da duplicação por anastomose lateral com o
intestino, passando pelas ressecções isoladas de segmentos
duplicados, podendo finalmente chegar até a
abordagens mais radicais como colectomia segmentar ou total
em função da vascularização comum entre o intestino e
a sua duplicação (1).
A abordagem cirúrgica, entretanto não é
recomendada universalmente na literatura. Beyer (1) em sua revisão
sobre duplicações intestinais, ressaltou que o tratamento
cirúrgico não é recomendado para os casos não
complicados, ou seja, aqueles em que a mal-formação é um
achado ocasional.
Summary: This is a case report of 42-year-old man with a colonic duplication located at the transverse colon. The diagnosis was stablished in childhood, but treatment was delayed. We also present a brief review of the literature about this uncommun clinical finding, it's embriological origin and treatment alternatives.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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J Ped Surg 1996; 31(10):1435-1437.
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Radiol 1998; 28: 20-22.
11. Orr MM, Edwards AJ. Neoplastic change in duplications of the alimentary
tract, Br J Surg 1975; 62: 269-274
Endereço para correspondência:
Dr. Lucio Sarubbi Fillmann
Av. Ipiranga 6690, sala 307
Porto Alegre, RS
CEP 90610-000