ARTIGOS ORIGINAIS
João Carlos Costa de Oliveira - FSBCP
Nelson Blank
Ernesto Francisco Damerau
RESUMO:
Introdução: A infecção do sítio cirúrgico (ISC) é complicação pós-operatória com conseqüências danosas, tanto para
o paciente quanto para a instituição. Em cirurgia colorretal este fato tem maior significância devido às elevadas taxas de incidência
do problema, apesar dos esforços para sua redução.
Objetivo: Estimar em que medida alguns fatores considerados como de risco apresentam associação com ISC, na cirurgia
colorretal eletiva.
Método: Foi realizado um estudo de coorte concorrente, com tempo zero no início do ato cirúrgico e tempo de risco estipulado de
30 dias. Foram estudados todos os pacientes submetidos à cirurgia colorretal eletiva no Hospital Universitário da Universidade Federal
de Santa Catarina, no período de setembro de 1996 a setembro de 1998. O diagnóstico de ISC foi realizado pelos critérios do sistema
NNIS (National Nosocomial Infection Surveillance System) do CDC (Center for Disease Control - EUA). Os fatores considerados como
de risco para o estudo foram: sexo , escore de ASA (American Society Anesthesiologists), idade, obesidade , tabagismo, transfusão
sangüínea, tempo de internação pré-operatório, tempo de cirurgia, desnutrição, hipotermia transoperatória, presença de colostomia e
malignidade. Como medida de efeito foi utilizado o risco relativo (RR), calculado pelo método de Mantel-Haenszel. Para a possibilidade do erro
tipo I, assumiu-se um nível de significância de p< 0,05. Após a realização da análise univariada, as variáveis que apresentaram efeito
significativo foram submetidas a uma análise estratificada.
Resultados: 74 pacientes foram incluídos no estudo. A incidência geral de ISC foi de 36,5% (27 pacientes). Das doze variáveis
analisadas, apenas cinco apresentaram proporção de incidência elevadas: hipotermia com RR= 4,6 (2,4-8,9), tempo de cirurgia com RR=
2,9 (1,6-5.4), obesidade com RR= 2,3 (1,3-4,2), transfusão sangüínea com RR= 2,3 (1,3-4,2) e tempo de internação com RR= 2,1 (1,1-4,0).
Conclusões: Em cirurgia colorretal eletiva, os seguintes fatores de risco apresentaram associação com a incidência de ISC, em
ordem decrescente de risco: hipotermia transoperatória, tempo de cirurgia, obesidade, transfusão sangüínea e tempo de internação
pré-operatório.
UNITERMOS: Infecção do sítio cirúrgico, Infecção de ferida operatória, Cirurgia de cólon e reto, Hipotermia
As infecções de sítio cirúrgico (ISCs) representam
24% do total de infecções hospitalares, sendo o segundo
tipo mais freqüente1,2.
A incidência de ISC, de maneira
geral, nos EUA é de 2,8%, representando mais de 500.000
novos casos por ano3. A ocorrência de ISC depende
de interação complexa entre: (1) fatores relacionados ao
paciente, tais como imunidade, estado nutricional,
doenças associadas etc.; (2) fatores relacionados à ferida, tais
como magnitude do trauma tecidual, espaço morto,
hematoma etc.; e (3) fatores relacionados ao agente microbiano,
tais como enzimas que medeiam a invasão tecidual, ou
protegem o agente agressor das defesas do hospedeiro
ou contra agentes farmacológicos
antimicrobianos4. Até o presente, o uso correto de antibióticos profiláticos e
sistemas organizados de vigilância são os meios mais
efetivos para reduzir as taxas de ISC5. Em ISC após
cirurgia colorretal a presença de múltiplos agentes microbianos
é comum, com média de cinco espécies recuperadas
por caso, porém Escherichia coli e
Bacteroides fragilis são os patógenos mais comuns em feridas cirúrgicas
após procedimentos
colorretais4,6,7. Embora numerosas
fontes de bactérias para as ISCs possam ser implicadas, é
virtualmente impossível identificar, com certeza, a origem e
a rota da contaminação. No entanto, a inoculação direta
de uma flora endógena no momento da cirurgia é aceita
como o mecanismo mais comum4.
Todos os pacientes submetidos à cirurgia
colorretal eletiva, que é considerada uma cirurgia do tipo
limpo-contaminada8, têm risco significante de apresentar
infecção pós-operatória devido ao grande número de
bactérias na microflora
colônica3, sendo o tipo de cirurgia
eletiva em que a infecção pós-operatória se constitui na
complicação mais freqüente e
relevante9.
Apesar das técnicas de limpeza do cólon, dos
antibióticos profiláticos e de todas as melhorias na estrutura
hospitalar nos últimos tempos, persiste a alta freqüência
e gravidade das ISCs nas cirurgias colorretais, mostrando
a necessidade da redução de tais índices. O primeiro
passo é identificar os fatores de risco que determinam esse
problema. Este trabalho tem como objetivos: Estimar em
que medida alguns fatores considerados como de risco
apresentam associação com ISC, na cirurgia colorretal
eletiva; e avaliar a importância relativa dos principais fatores
de risco para ISC.
MÉTODO
Foi realizado um estudo de coorte concorrente,
cujo tempo zero é o momento de início do ato cirúrgico, e
o tempo de risco estipulado em 30 dias. A população
estudada incluiu todos os pacientes submetidos a cirurgia
colorretal eletiva no Hospital Universitário (HU) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no período de
setembro de 1996 a setembro de 1998, totalizando 74
pacientes. Foram excluídos:
· Pacientes submetidos a cirurgias colorretais de urgência.
· Pacientes com infecções prévias no momento da cirurgia.
· Pacientes imunossuprimidos por doença associada ou
por uso de drogas.
· Preparo de cólon inadequado ou contaminação
grosseira durante a cirurgia.
· Recusa do paciente em participar do estudo.
Os pacientes foram submetidos a um questionário
para identificação de fatores de risco associados ao próprio
paciente (escore da American Society of
Anesthesiologists (ASA), idade, obesidade, desnutrição, malignidade,
presença de colostomia e tabagismo). Este questionário
foi aplicado logo após a internação hospitalar, na
enfermaria do Hospital Universitário (HU), quando também
foram mensurados peso e altura e coletadas amostras para
exames laboratoriais. Posteriormente os pacientes foram
observados durante os períodos pré, trans e
pós-operatório para identificar possíveis exposições a fatores de
risco ambientais (tempo de internação pré-operatório
e hipotermia) ou terapêuticos (tempo de cirurgia e
transfusão sangüínea). Decorrido o tempo de trinta dias de
observação após a cirurgia, cada paciente recebeu o
diagnóstico da presença ou não de ISC, e os casos de ISC foram
subdivididos em infecções superficiais e profundas.
O diagnóstico de ISC foi realizado por um dos
autores, utilizando os critérios diagnósticos preconizados pelo
sistema NNIS (National Nosocomial Infections
Surveillance) do CDC (Center for Disease Control -
EUA)10. E a validação do diagnóstico foi realizada utilizando a base de
dados da Comissão de Controle de Infecçõao Hospitalar
(CCIH) do HU. Durante a observação, todos os pacientes
foram submetidos às rotinas de preparo intestinal do Serviço
de Colo-proctologia que consistiu em: limpeza mecânica
com dieta líquida sem resíduos nos dois dias que precedem
a cirurgia, 05 comprimidos de Dulcolax®
na antevéspera da cirurgia e ingestão de 1500 ml de uma solução de manitol
a 10%, na véspera; a antibiotico-profilaxia era parenteral,
com 2g de cefoxitina, 30 minutos antes da
cirurgia9 e uma segunda dose quando a cirurgia se prolongasse por mais
de 120 minutos. O quadro I apresenta as variáveis que
foram utilizadas como fatores de risco para ISC. (v. página
seguinte)
Quadro I: Variáveis utilizadas como possíveis fatores de risco para ISC |
||
Variável | Definição Operacional | Escala de Medida |
Sexo | Arbitrariamente foi considerado com risco o sexo masculino | 0= sexo feminino |
1= sexo masculino | ||
Escore da American Society Anesthesiology (ASA) | Foram considerados com risco pacientes com escores 3, 4 e 5 | 0= escores 1 e 2 |
1= escores 3, 4 e 5 | ||
Idade | Foram considerados com risco pacientes com idade superior a 50 anos | 0= idade < ou = 50 anos |
1= idade > 50 anos | ||
Obesidade | Foram considerados com risco pacientes com índice de massa corporal (IMC)72 superior a 27. As medições de altura e peso foram realizadas no momento da internação, sempre na mesma balança, previamente calibrada | 0= IMC < ou = 27 |
1= IMC > 27 | ||
Tabagismo | Foram considerados com risco os pacientes tabagistas, durante pelo menos um ano | 0= não fumante |
1= fumante | ||
Transfusão Sangüínea | Foram considerados de risco pacientes que receberam transfusões de sangue ou derivados, no período de internação antes da cirurgia, no trans-operatório e até 48 horas de pós-operatório | 0= não recebeu transfusão |
1= recebeu transfusão | ||
Tempo de Internação, em dias | Foram considerados com risco pacientes internados por 10 dias ou mais antes da cirurgia | 0= internação < ou igual a 10 dias |
1= internação > 10 dias | ||
Tempo de Cirurgia, em minutos | Foram considerados com risco pacientes em que a cirurgia durou 180 minutos ou mais, a contar da incisão cirúrgica ao término do fechamento da parede abdominal minutos | 0= tempo de cirurgia < ou igual a 180 minutos |
1= tempo de cirurgia > 180 | ||
Desnutrição | Foram considerados com risco pacientes com perda de peso de 10%, ou mais, nos últimos seis meses, e/ou níveis de albumina sérica inferior a 3,5 mg/dl, com medições realizadas pelo Laboratório de Análises Clínicas do HU, pelo método colorimétrico da Bromo Cresosulfon Ftaleína | 0= sem perda de peso, ou < 10%, ou albumina sérica > 3,5 mg/dl |
1= perda de peso> ou = 10%, ou albumina sérica < ou = 3,5 mg/dl | ||
Hipotermia | Foram considerados de risco pacientes que tiveram hipotermia leve no transoperatório, definida como temperatura central média inferior a 35,5o C. As medições foram realizadas a cada 30 minutos, por Termômetro esofageano Novasonics® Monitor LS - 14000 | 0= temperatura média > ou = 35,5oC |
1= temperatura < 35,5o C | ||
Colostomia | Foram considerados de risco pacientes portadores de colostomia no momento da cirurgia | 0= com colostomia |
1= sem colostomia | ||
Malignidade | Foram considerados de risco pacientes com indicação cirúrgica por doença maligna | 0= sem doença maligna |
1= com doença maligna |
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foram calculadas as proporções de incidência de
ISC para os expostos e não-expostos aos fatores
considerados de risco, dividindo-se o número de pacientes que
apresentaram ISC e estavam expostos a um fator
considerado de risco pelo número total de pacientes considerados
expostos durante o ato cirúrgico. O mesmo
procedimento foi realizado para os pacientes que desenvolveram
ISC mas não estavam expostos. Como medida de efeito
foi utilizado o risco relativo (RR), com um intervalo de
confiança de 95% (IC 95%), calculado pelo método
de Mantel-Haenszel. Para a probabilidade de se estar
cometendo um erro do tipo I, assumiu-se um nível
de significância de p<0,05.
As variáveis que mostraram na análise univariada
um efeito significativo em relação ao risco de o paciente
desenvolver ISC foram submetidas ao teste do
qui-quadrado de Mantel-Haenszel com o objetivo de verificar
possíveis associações entre os fatores de risco
considerados no estudo, controlando para possíveis variáveis de
confusão11. As variáveis que mostraram associação
significativa foram então submetidas a análise estratificada e
calculado o RR pelo método de Mantel Haenszel com
intervalos de confiança de 95%. Para testar se o acúmulo
de fatores de risco em um mesmo paciente aumenta
linearmente as chances de ele desenvolver ISC, foi
construída nova variável em escala ordinal (0= nenhum ou 1
fator de risco; 1= 2 a 4 fatores; 3= 5 ou mais fatores) e
aplicado o teste do qui-quadrado para tendência com 1 grau
de liberdade11.
RESULTADOS
Durante o período de estudo, 81 pacientes foram
submetidos a cirurgia colorretal, no Serviço de
Colo-proctologia do HU. Destes, 07 pacientes foram
excluídos: 02 por terem sido submetidos a procedimento
cirúrgico em caráter de urgência, 02 por possuírem
infecção prévia durante a mesma internação (um com
infecção urinária e o outro, respiratória), e 03 por
contaminação grosseira do campo operatório durante a cirurgia,
devido a extravazamento do conteúdo colorretal nas
estruturas adjacentes.
Restaram 74 pacientes para inclusão nas avaliações
do estudo. Destes, 35 eram do sexo masculino e 39 do
feminino; a média de idade foi de 56,8 anos; quanto à raça,
70 eram da raça branca e apenas 04 da negra (Tabela 1).
A ISC ocorreu em 27 (36,5%), sendo 16 (21,6%)
infecções superficiais e 11 (14,9%) infecções profundas. Óbitos
ocorreram em dois pacientes que, além de ISC, tiveram
diversas outras complicações de ordem cardiorrespiratória
e metabólica.
As cirurgias realizadas nos pacientes submetidos
ao estudo compõem, de maneira geral, o espectro de
procedimentos colorretais normalmente realizados na
Colo-proctologia, quando em caráter eletivo. (Tabela 2)
Tabela 1 - Características demográficas da população estudada | ||||
Infecção | Sem infecção | Total | ||
Idade média | 56,7 | 57,1 | 56,8 | |
(mín - máx) | (19 - 83) | (29 - 82) | (19 - 83) | |
desvio-padrão | 17,8 | 15,8 | 17,0 | |
Sexo | M (%) | 12 | 23 | 35 |
(16,22) | (31,08) | (47,30) | ||
F (%) | 15 | 24 | 39 | |
(20,27) | (32,43) | (52,70) | ||
Raça | B (%) | 26 | 44 | 70 |
(35,13) | (59,45) | (94,60) | ||
N (%) | 01 | 03 | 04 | |
(1,35) | (4,05) | (5,40) | ||
Total | 27 (36,48) | 47 (63,51) | 74 (100) |
Tabela 2 - Procedimentos cirúrgicos realizados na população estudada |
|||
Infecção | Sem infecção | Total | |
Retossigmoidectomia abdominal | 5 | 10 | 15 |
Colectomia parcial | 7 | 7 | 14 |
Fechamento de colostomia | 4 | 9 | 13 |
Amputação de reto | 3 | 9 | 12 |
Reconstrução pós-Hartmann | 3 | 6 | 9 |
Sigmoidectomia | 4 | 4 | 8 |
Colotomia + excisão pólipo / CE | 0 | 2 | 2 |
Proctocolectomia e bolsa ileal | 1 | 0 | 1 |
Total | 27 | 47 | 74 |
CE - corpo estranho |
Os resultados obtidos em relação às doze variáveis
testadas como fatores de risco para ISC, em
análise univariada, demonstraram que em apenas cinco a
diferença foi estatisticamente significante (p< 0,05) em favor
da exposição a tais fatores contra a não exposição.
Destas cinco, a que teve maior proporção de incidência foi
a hipotermia, dos 32 pacientes que estiveram expostos a
esta variável, 21 (65,6%) evoluíram com ISC, enquanto
que dos 42 pacientes não-expostos à hipotermia, apenas
6 (14,3%) tiveram ISC, determinando um risco relativo
de 4,6 (2,4 - 8,9). As demais variáveis, em ordem
decrescente de risco, foram: tempo de cirurgia, com 2,9 (1,6 -
5,4); transfusão sangüínea e obesidade, que tiveram o
mesmo risco 2,3 (1,3 - 4,2); e tempo de internação, com 2,1
(1,1 - 4,0). (Tabela 3)
Tabela 3 _ Proporção de incidência e risco relativo para ISC em relação às variáveis estudadas | |||||
Variáveis |
Proporção de incidência |
Risco relativo (IC 95%) | p= | ||
N | % | ||||
Sexo | M | 12 | 34,3 | 0,9 (0,5 - 1,6) | 0,709 |
F | 15 | 38,5 | |||
Idade | >50 anos | 20 | 37,5 | 1,1 (0,7 - 2,7) | 0,365 |
<50 anos | 09 | 34,6 | |||
Tempo internação (dias) | >10 | 17 | 51,5 | 2,1 (1,1 - 4,0) | 0,016 |
<10 | 10 | 24,4 | |||
Tempo cirurgia (minutos) | >180 | 18 | 60,0 | 2,9 (1,6 - 5,4) | 0,001 |
<180 | 09 | 20,5 | |||
Transfusão sangue | sim | 12 | 63,1 | 2,3 (1,3 - 4,2) | 0,005 |
não | 15 | 27,3 | |||
Obesidade (IMC) | >27 | 13 | 61,9 | 2,3 (1,3 - 4,2) | 0,004 |
<27 | 14 | 26,5 | |||
Hipotermia (oC) | <35,5 | 21 | 65,6 | 4,6 (2,4 - 8,9) | 0,001 |
>35,5 | 06 | 14,3 | |||
Tabagismo | sim | 11 | 44,0 | 1,3 (0,7 - 2,5) | 0,338 |
não | 16 | 32,6 | |||
Desnutrição | sim | 05 | 62,5 | 1,9 (0,9 - 4,0) | 0,106 |
não | 22 | 33,3 | |||
Malignidade | sim | 20 | 43,5 | 1,7 (0,9 - 3,4) | 0,109 |
não | 15 | 38,5 | |||
Colostomia | sim | 08 | 29,6 | 0,7 (0,4 - 1,4) | 0,353 |
não | 19 | 40,5 | |||
ASA | I e II | 14 | 46,7 | 1,6 (0,9 - 2,9) | 0,133 |
III - V | 13 | 29,5 |
Como em vários pacientes muitas das variáveis
eram superponíveis, e partindo do princípio que tais
variáveis eventualmente poderiam apresentar influências umas
sobre as outras, foi necessário testar estas associações.
Para estimar as possíveis associações entre as variáveis
utilizadas no estudo, foi utilizado o teste de qui-quadrado.
O quadro 2 mostra o nível de significância estatística
(valor de p) encontrado para associação entre as variáveis
estudadas. As variáveis que apresentaram associação
com maior número de outras variáveis foram tempo
de internação, tempo de cirurgia, escore de ASA e
presença de doença maligna.
O quadro 3 mostra o risco relativo obtido para
cada uma das variáveis que individualmente se associaram
a ISC, controlando-se para o efeito das variáveis que
também mostraram associação entre si. Por exemplo,
a hipotermia que na análise univariada apresentara
risco relativo RR= 4,6, quando controlada para tempo
de internação, o risco relativo diminuiu para RR= 3,7
(-19,1%) e para 3,2 (-30%) quando controlada para
tempo de cirurgia, sugerindo que parte do efeito da
hipotermia no desenvolvimento de ISC pode ser atribuído
àquelas variáveis. Quando tempo de internação e tempo de
cirurgia são controlados ao mesmo tempo, o risco relativo
para hipotermia é reduzido para 2,9 (36,9%). Escore de
ASA e malignidade, entretanto, não apresentaram
efeito "confounder" em relação à hipotermia.
Quadro 2 _ Nível de significância estatística para associação entre as variáveis estudadas | ||||||||
Idade | T intern. | T cirurg. | Hipot. | Sangue | Obesid | ASA | Malign | |
Idade | - | 0,001 | ||||||
T internação | - | 0,028 | 0,026 | 0,003 | 0,001 | 0,008 | ||
T cirurgia | - | 0,001 | 0,004 | 0,067 | 0,005 | 0,009 | ||
Hipotermia | - | 0,004 | 0,013 | |||||
Sangue | - | 0,033 | 0,074 | 0,004 | ||||
Obesidade | - | |||||||
ASA | - | 0,002 | ||||||
Malignidade | - |
Quadro 3 - Risco relativo (IC 95%) para hipotermia, tempo de internação, tempo de cirurgia, transfusão de sangue e obesidade, controlado para as variáveis a elas associadas (conforme quadro 2) | |||||
Variáveis | Hipotermia | T internação | T cirurgia | Sangue | Obesidade |
Hipotermia | - | 1,5 (0,9-2,4) | 1,6 (1,0-2,8) | ||
T internação | 3,7 (2,0-7,0) | - | 2,5 (1,4-4,5) | 1,9 (1,0-3,5) | |
T cirurgia | 3,2 (1,7-5,9) | 1,6 (0,9-2,9) | - | 1,7 (1,0-2,9) | 1,9 (1,1-3,3) |
T int+T cir | 2,9 (1,5-5,4) | ||||
Sangue | 1,7 (0,9-3,3) | 2,5 (1,3-4,6) | 1,9 (1,1-3,2) | ||
ASA | 1,8 (1,0-3,5) | ||||
Malignidade | 1,9 (1,0-3,5) | ||||
T cir + Hipo | 1,4 (0,8-2,3) | ||||
Sang + Hipo | 1,2 (0,7-2,2) | ||||
Obesidade | 2,6 (1,4-4,7) | 1,8 (1,1-3,1) | |||
T cir+Sang | 1,7 (1,0-2,8) |
A tabela 4 mostra a proporção de indivíduos que apresentaram infecção de acordo com quantidade de fatores de risco presentes dentre aqueles que mostraram associação com ISC (hipotermia, tempo de cirurgia, tempo de internação, transfusão de sangue, obesidade, doença maligna, escore de ASA). Assim, observou-se 11,5% de ISC em pacientes com até 1 fator de risco, 35,5% nos que apresentaram 2 a 4 fatores de risco e 76,5% nos pacientes com mais de 4 fatores.
Tabela 4 - Proporção de pacientes com ISC de acordo com a quantidade de fatores de risco presentes | ||||||
Quantidade de fatores de risco | Infecção |
Sem infecção |
Total | |||
N | % | N | % | N | % | |
0 a 1 | 3 | 11,54 | 23 | 88,46 | 26 | 35,14 |
2 a 4 | 11 | 35,48 | 20 | 64,52 | 31 | 41,89 |
5 e mais | 13 | 76,47 | 4 | 23,53 | 17 | 22,97 |
Total | 27 | 47 | 74 | 100 | ||
c2 para tendência = 17,925 1 g.l p < 0,001 |
DISCUSSÃO
Apesar dos múltiplos esforços de controle e
vigilância, da adoção de rotinas e padronização de técnicas e da
evolução dos antibióticos em sua aplicação profilática, a
cirurgia colorretal eletiva está ainda associada com taxas
de morbidade e até mesmo de mortalidade relacionadas à
ISC. Existem variações de acordo com o centro médico onde
os estudos tenham sido feitos; porém, de maneira
genérica, podem ser considerados elevados.
Para especular sobre as possíveis causas que
determinaram uma incidência tão elevada de ISC no
presente estudo, pode-se relacionar: (1) vigilância ativa no
diagnóstico da afecção, minimizando a possibilidade de
diagnóstico falso negativo; (2) o HU - UFSC é hospital
público de nível terciário que serve de referência
estadual, e conseqüentemente atrai pacientes com doenças
mais avançadas e complexas, de maneira similar a um
estudo realizado na Austrália12, onde as taxas de ISC foram
maiores em hospitais públicos que em privados; no
presente estudo foi constatado que 65% dos pacientes
estudados acumulavam dois ou mais fatores de risco para ISC.
Em 1992, o CDC modificou a divisão das ISCs
de acordo com a
localização10, classificando-as em três
tipos: (1) incisional superficial, que envolve apenas a
pele e subcutâneo; (2) incisional profunda, que envolve
tecidos mais profundos da incisão, como fáscias e
músculos; (3) órgão-espaço, que envolve quaisquer outros
espaços abertos ou manipulados durante a cirurgia, que não os
da incisão, como as cavidades abdominal e pélvica e
órgãos atingidos. Apesar dos esforços em utilizar esta nova
classificação, já nos primeiros casos houve grande
dificuldade e incerteza em se classificar na segunda
categoria (incisional profunda), adotando-se assim a
classificação anterior13, obtendo-se 14,86% de infecções
profundas (órgão-espaço) e 21,62% de superficiais (incisional
superficial + incisional profunda).
A hipotermia transoperatória leve (cerca de
2o C abaixo da temperatura corporal central) é comum em
cirurgia colorretal14, e é causada por perda dos mecanismos
de termorregulação, induzida pela anestesia, por
distribuição alterada do calor corporal e por exposição ao
frio15-17. A vasoconstricção é conseqüente à hipotermia e
se manifesta tanto no período transoperatório quanto no
pós-operatório18, 19; o evento seqüencial à vasoconstricção
é a diminuição da pressão parcial de oxigênio nos
tecidos, baixando a resistência a
infecções20. A hipotermia
também reduz diretamente as funções do sistema
imune, como a quimiotaxia e a fagocitose dos granulócitos,
a motilidade dos macrófagos e a produção de
anticorpos21. Em um estudo controlado e randomizado, a
incidência de ISC foi tão superior no grupo submetido à
hipotermia, em relação ao grupo que era aquecido ativamente
(p< 0,01), que o estudo foi interrompido
precocemente22. No presente estudo, a hipotermia leve apresentou risco
relativo elevado (RR= 4,6), sendo também a variável com
o risco relativo mais elevado dentre todas as
estudadas. Tais dados reforçam a hipótese de que a
hipotermia transoperatória tem forte influência na ocorrência de
ISC em cirurgias colorretais eletivas. Dos 74 pacientes
observados neste estudo, 32 experimentaram hipotermia
durante a cirurgia (43,25% do total), dos quais 22
evoluíram com ISC. Na análise multivariada a hipotermia
apresentou redução do risco relativo quando controlado
para tempo de cirurgia e tempo de internação, e também
com estes dois fatores controlados ao mesmo tempo,
porém mesmo assim o risco relativo se manteve elevado. É
esperado que pacientes com tempo de cirurgia
prolongado tenham maior probabilidade de passar por períodos
de hipotermia do que pacientes submetidos a cirurgias
de curta duração, já que aqueles permanecem mais
tempo sob os efeitos das drogas anestésicas e expostos à
temperatura ambiente. Já o tempo de internação não parece
ter relação direta com a hipotermia. Porém, é sabido
que, em nosso meio, pacientes que apresentam maior
complexidade em suas doenças básicas e associadas
permanecem mais tempo internados no período
pré-operatório para exames e avaliações múltiplas.
O risco de ISC tem sido implicado repetidas
vezes como sendo proporcional à duração do procedimento
cirúrgico24,25,26. Cruse e
Foord24,25 estimaram que a incidência de ISC aumenta aproximadamente duas vezes
a cada hora de duração da cirurgia. No presente estudo,
o tempo de cirurgia se mostrou fator de risco
importante para ISC, apresentando risco relativo de 2,9
(1,6-5,4). Mesmo em análise multivariada o risco se manteve
presente, apesar de sofrer reduções quando controlado
para outras variáveis. Quando a variável controlada para
tempo de cirurgia foi transfusão de sangue, a redução
do risco foi para 2,5 (1,3-4,6). A associação entre estas
duas variáveis se aplica porque hemotransfusão
normalmente é indicada em cirurgias mais laboriosas, com maior
trauma tecidual e perda hemática mais volumosa, o
mesmo ocorrendo quando associado a obesidade (RR 2,6
(1,4-4,7)), com conseqüente prolongamento do tempo de
cirurgia. A terceira variável que apresentou risco para
ISC foi o tempo de internação no período pré-operatório,
teoricamente devido a colonização por organismos
multi-resistentes5. Este fator de risco é bem conhecido e
vem por diversas vezes sendo implicado com
ISC23-27. Os estudos de Cruse e
Foord25,28 suportam estes achados:
eles encontraram que em cirurgias limpas a taxa ISC
aumentou de 1,2% quando o tempo de internação
pré-operatório foi de até um dia, para 3,4% quando foi mais de
duas semanas. No presente estudo, o tempo de internação
pré-operatório, quando estudado como fator de risco
para ISC em análise univariada apresentou risco relativo
de 2,1 (1,1-4,0), e quando controlado para as demais
variáveis isoladamente ou associadas, manteve-se como
de risco, porém com queda importante. Com estes
dados, pode-se concluir que tempo de internação é
importante fator de risco, porém apresenta múltiplas associações
com outras variáveis, com forte redução do seu risco,
podendo-se também especular que com maior número de
casos e em modelo de regressão logística, levando em
conta múltiplas variáveis ao mesmo tempo, este risco
pode cair ainda mais e se aproximar da nulidade. As
transfusões sangüíneas são causa de grande número de
alterações nas funções do sistema imune, "in
vitro"29. A associação entre transfusões sangüíneas, imunidade e
complicação séptica tem sido
relatada30, além de redução
da sobrevida a longo prazo em pacientes submetidos
à ressecção colorretal eletiva para o tratamento de
câncer colorretal31,32. No
estudo, a variável transfusão de sangue exerceu seu efeito e alcançou um risco relativo
de 2,3 (1,3-4,2). Da mesma maneira quando esta
variável foi controlada para outras, as quais apresentaram
associação, houve redução do risco, porém de pequena
magnitude. Apesar de presumivelmente ser fator de risco
para ISC, a obesidade em estudos prévios não tem
apresentado resultados
definitivos33,34. Cruse e
Foord24 encontraram taxa elevada de ISC em pacientes obesos, mas
não conseguiram concluir que se tratasse de variável
independente. No presente estudo a obesidade foi um
dos cinco fatores de risco que se associaram a ISC, com
risco relativo de 2,3 (1,3-4,2), dentre os doze estudados,
e se manteve com risco mesmo quando controlado
para outras vasriáveis. O escore de avaliação do estado
físico pré-operatório de acordo com a
ASA35 é amplamente aceito como fator de risco altamente preditivo
para ISC23,27,36. No presente estudo, o escore de ASA não
se mostrou como de risco para ISC, apesar de ter
influenciado outros fatores. Seu risco relativo foi de 1,6
(0,9-2,9), tendendo a ser considerado significante, se o
número de casos fosse maior. As demais variáveis
estudadas, que foram incluídas no estudo pelo fato de em
estudos prévios terem demonstrado associações com ISC,
não se mostraram aqui, como fatores de risco
significantes. Porém, observou-se que o acúmulo de fatores de
risco implica em uma maior probabilidade de o paciente
desenvolver ISC.
Com base nos resultados obtidos neste estudo é
possível sugerir medidas que possam atuar em alguns
fatores de risco, que podem ser modificados. Por exemplo:
(1) aquecer ativamente os pacientes no
período transoperatório, (2) reduzir, dentro de parâmetros de
segurança, o tempo de duração das cirurgias, evitando
perdas desnecessárias de tempo; (3) não permitir que
pacientes eletivos permaneçam internados antes da
cirurgia; (4) evitar ao máximo a utilização de
transfusões sangüíneas. Os demais fatores, em que não se pode
atuar, devem ser pesquisados para que se identifiquem
os pacientes de maior risco, buscando com tais medidas
reduzir a incidência dessa importante complicação,
que, apesar dos enormes avanços da medicina, permanece
fortemente presente em nossos dias.
CONCLUSÕES
Em cirurgia colorretal eletiva, os seguintes fatores
de risco apresentaram associação com a incidência de
ISC, em ordem decrescente de risco:
· hipotermia trans-operatória;
· tempo de cirurgia;
· obesidade;
· transfusão sangüínea;
· tempo de internação pré-operatório.
ABSTRACT: Introduction: The surgical site infection (SSI) is post-operative complication with damaging consequences for both
patient and institution. In colorectal surgery this fact has greater significance due to high incidence rates of the problem, despite of the
efforts for its reduction.
Objective: To estimate in which measure some factors considered as risk represent association with SSI, in the elective
colorectal surgery.
Method: It was held a study of concurrent cohort, with zero time at the beginning of the surgery act and stipulated risk time of 30
days. It was studied all the patients submitted to an elective colorectal surgery on the Federal University Hospital of Santa Catarina,
from September, 1996 to September, 1998. The SSI diagnosis was held through the criteria of the NNIS system (National Nosocomial
Infection Surveillance System) of CDC (Center for Disease Control - USA). The factors considered as risk for the study were: sex, score
of ASA (American Society of Anesthesiologists), age, obesity, tobaccoism, blood transfusion, time of pre-operative internment,
surgery time, malnutrition, perioperative hypothermia, presence of colostomy and malignity. As an effect measure was used a relative risk
(RR), calculated by Mantel-Haenszel method. For the possibility of the type I error, it was assumed a significant level of p<0,05. After
the realization of the one-varied analysis, the variables that represented significant effect were submitted to a stratification
analysis.
Results: 74 patients were included in the study. The general incidence of SSI was 36,5% (27 patients). From the twelve
variables analyzed, only five presented high incidence rates: hypothermia with RR= 4,6 (2,4-8,9), surgery time with RR= 2,3 (1,3-4,2),
blood transfusion with RR= 2,3 (1,3-4,2) and internment time with RR= 2,1 (1,1-4,0).
Conclusion: In elective colorectal surgery, the following risk factors represented associations with SSI incidence, in decreased order
of risk: perioperative hypothermia, surgery time, obesity, blood transfusion and time of pre-operative
internment.
KEYWORDS: Surgical site infection, Surgical wound infection, Colon and rectal surgery, Hipothermia
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Correspondência para:
João Carlos Costa de Oliveira.
Rua Abílio Costa, 262 _
Jardim Anchieta, Florianópolis SC -
CEP: 88037-150.
Tel.: 0XX482341258.
E-mail: joaoc@ccs.ufsc.br
Trabalho realizado no Hospital Universitário Federal de Santa Catarina.