ATUALIZAÇÃO


RASTREAMENTO DO CÂNCER COLO-RETAL EM PACIENTES COM RETOCOLITE ULCERATIVA

RENATO ARAÚJO BONARDI - TSBCP


Eaden JA, Ward BA, Mayberry JF. How gastroenterologists screen for colonic cancer in ulcerative colitis: analysis of performance. Gastrointest Endosc 51:123-128, 2000.

Abstrato
Pelo fato de que pacientes com retocolite ulcerativa idiopática (RCUI) apresentam um risco maior para o desenvolvimento do câncer colo-retal, muitos gastroenterologistas têm realizado a colonoscopia como método de vigilância para aqueles pacientes. Entretanto se este programa de vigilância é eficaz e de custo-benefício razoável ainda é bastante discutível. Eaden e colaboradores avaliaram a prática de vigilância de gastroenterologistas britânicos em pacientes com RCUI, na tentativa de esclarecer melhor este assunto.
    Foram enviados questionários para avaliar as práticas de vigilância em pacientes com RCUI para 413 gastroenterologistas do Reino Unido. O questionário incluiu desde situações clínicas até métodos de tratamento no caso de displasia de baixo grau (DAG) encontradas nas colonoscopias. Além destes itens o questionário continha seis fotos coloridas de eventuais achados de colonoscopias, perguntando aos gastroenterologistas quais os achados os motivaram a tomar novas biópsias além daquelas que já seriam feitas normalmente em pacientes com RCUI.
    Dos 413 questionários enviados, 298 foram respondidos e enviados para análise. Noventa e quatro por cento dos gastroenterologistas praticam alguma forma de vigilância do câncer colo-retal em pacientes com RCUI, e 35% mantêm um registro de todos os exames e dos seus pacientes. Todos os gastroenterologistas realizam vigilância nos pacientes com pancolite; 24% realizam em pacientes com comprometimento do cólon esquerdo, e 2% em pacientes com proctite ulcerativa. No resultado geral, 65% dos gastroenterologistas realizam colonoscopias de vigilância e em 45%, especialistas em patologia gastrintestinal fazem a revisão das lâminas das biópsias. A duração média da doença antes do início da vigilância foi de 9,2 anos para a pancolite e 12,4 anos para a colite à esquerda. Somente 4% dos gastroenterologistas oferecem a colectomia profilática em pacientes com doença com mais de 10 anos de duração. Quatro por cento indicam a colectomia com achados de DBG, e 53% indicam a operação com achados de DAG. O significado de DALM era desconhecido para 16% dos gastroenterologistas.
    No momento não existe ainda entre os gastroenterologistas do Reino Unido uma prática uniforme de vigilância de câncer colo-retal em pacientes com RCUI. Concluem os autores que há necessidade de protocolos padronizados e cursos de educação continuada para melhorar o processo de vigilância da RCUI.

Comentário
A propaganda de produtos comerciais é geralmente bastante questionada e regulada pelo público, porém a promoção de programas médicos é na grande maioria das vezes aceita como verdade por profissionais respeitáveis e bem intencionados. A vigilância do câncer colo-retal em pacientes com RCUI com protocolos de colonoscopias, é um exemplo do que foi discutido no presente trabalho de Eaden e colaboradores. Estes protocolos de vigilância têm sido aceitos como dogmas, de tal maneira que não é possível atualmente randomizar pacientes com RCUI em um estudo que possa avaliar a evolução e o custo-benefício desta vigilância.
    A teoria de que pacientes com 8 a 10 anos de pancolite ou 15 a 20 anos de colite esquerda deverão ser submetidos a colonoscopia em intervalos regulares de 1 a 2 anos com a finalidade de identificar a presença de displasia, é bem aceita entre gastroenterologistas e colo-proctologistas. A displasia é precursora do desenvolvimento do câncer colo-retal e quando diagnosticada, indica-se o tratamento cirúrgico. Presumivelmente algumas vidas serão salvas. Porém esta afirmativa seria realmente verdadeira?
    Muitos trabalhos atualmente questionam a validade e a dificuldade da interpretação da displasia. A variação dos valores preditivos e a inabilidade da prevenção do câncer de maneira uniforme, mostram a falta de evidência do benefício, associado a adesão parcial dos pacientes aos programas de vigilância.
    Tem sido geralmente assumido pelos pacientes e provavelmente pelos colegas não especialistas que as práticas de vigilância utilizadas pelos gastroenterologistas e colo-proctologistas são organizadas para garantir uma uniformidade de intervalo dos exames endoscópicos, biópsias, interpretação uniforme da histologia, e critérios firmes de recomendação da indicação do tratamento cirúrgico. Eaden e colaboradores mostraram que este conceito não é verdadeiro e que a maioria dos gastroenterologistas consultados realizam uma vigilância desorganizada com uma ampla variação do manejo das displasias. Isto também ocorre em outras sociedades bem organizadas onde não se conseguiu uma orientação segura e uniforme do acompanhamento dos pacientes com RCUI.
    Por que então especialistas com boa formação e bem intencionados continuam aceitando uma maneira tão desorganizada de vigilância na RCUI. Os autores mencionam o fato de que programas de educação continuada possam melhorar esta situação. Acredito porém que uma explicação alternativa seja a real falta de credibilidade da displasia, como indicativo seguro para prevenir o desenvolvimento do câncer colo-retal em pacientes com RCUI. Temos conduzido protocolos de acompanhamento como maneira mais atraente do que não fazer nada.
    Freqüentemente acreditamos no que queremos que seja verdadeiro, em vez de enfrentarmos a realidade desagradável do que seja verdadeiro. Até que tenhamos um marcador de malignidade confiável e seguro para a RCUI melhor do que a displasia, o estado atual da vigilância vai continuar de maneira desorganizada.

Referências Consultadas:
1. Lewis JD, Deren JJ, Lichtenstein GR. Cancer risk in patients with inflammatory bowel disease, Gastroenterol Clin North Am, v. 28, n. 2, p459-477, 1999.
2. Itzkowitz SH. Inflammatory bowel disease and can cer, Gastroenterol Clin North Am, v - mail: 26, n 1, p. 129-139, 1997.

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