ARTIGOS ORIGINAIS
Marcelo Averbach _ TSBCP
Esdras Camargo Andrade Zanoni
Paulo Alberto Falco Pires Corrêa _ TSBCP
José Luiz Paccos
Giulio Fábio Rossini
Raul Cutait - TSBCP
RESUMO: Um dos mais importantes e decisivos aspectos no tratamento dos tumores vilosos do reto (TVR) é a presença de
adenocar-cinoma invasivo, o qual necessita de uma abordagem mais agressiva. O ultra-som endoscópico (USE) permite um estadiamento
local apropriado, diminuindo os índices de sub ou superestadiamento, evitando uma abordagem terapêutica inicial inadequada.
Entre junho de 1997 a outubro de 2000, doze pacientes com diagnóstico de TVR foram submetidos ao USE, a fim de se estabelecer
a profundidade de invasão da lesão na parede retal. Houve concordância diagnóstica em 11 de 12 casos: 10, onde o USE mostrou
lesões restritas à mucosa e 1 com invasão da gordura peri-retal. No caso discordante, com suspeita de invasão da submucosa, houve
um superestadiamento, quando na realidade o tumor se restringia à mucosa. Essa experiência inicial permite concluir que o USE
tem grande sensibilidade e pode ser importante na definição do estadiamento dos TVR.
UNITERMOS: tumor viloso do reto, ultra-som endoscópico, câncer do reto-diagnóstico.
INTRODUÇÃO
Os tumores vilosos do reto (TVR) são
endoscopicamente avaliados quanto ao seu tamanho e seus aspectos
endos-cópicos. Biópsias múltiplas devem ser realizadas de
rotina, com o intuito de se confirmar o diagnóstico histológico
e de se identificar eventual carcinoma invasivo. Uma
vez que a impressão é de que se trata de uma lesão benigna
ou com atipias superficiais, indica-se a ressecção local por
via transretal (1) ou colonoscópica
(2). Esta pode, no entanto, ser insuficiente caso o exame anatomopatológico de todo
o espécime mostre a presença de câncer invasivo. Assim,
é desejável que se possa definir, previamente ao
tratamento local, característica do tumor viloso que possa
indicar malignidade. Para tanto, exames de imagem, como a
tomo-grafia computadorizada, a ressonância magnética e o
ultra-som endoscópico (USE) têm sido avaliados em
diversos centros, com a finalidade de se definir o estadiamento
loco-regional e a invasão da camada submucosa da parede
retal pelo tumor viloso (3,4).
O USE, quando utilizado para a análise da parede
do tubo digestivo, com transdutores de 7,5 ou 12 MHz,
mostra cinco camadas, onde a 1ª e 2ª correspondem à mucosa,
a 3ª à submucosa, a 4ª demonstra a muscular própria e a
5ª correspondendo à serosa ou gordura adjacente no caso
do reto, pois este não possui serosa. A 1ª, 3ª e 5ª camadas
são hiperecogênicas e a 2ª e 4ª são camadas
hipoecogênicas. As lesões da parede retal habitualmente se mostram
como imagens hipoecogênicas, conseguindo-se, dessa
forma, detectar a presença da lesão e o nível da invasão na
parede retal.(5)
O objetivo deste estudo é apresentar nossa
experiência inicial com o uso do USE na avaliação dos TVR e
sua sensibilidade para estabelecer características de
malignidade dessas lesões.
PACIENTES E MÉTODOS
Entre junho de 1997 e outubro de 2000, 12
pacientes portadores de TVR foram examinados no serviço
de Endoscopia do Hospital Sírio Libanês. Destes, 9 eram
do sexo masculino e 3 do sexo feminino, sendo que a
idade variou de 46 a 80 anos. Após a realização de
colonoscopia para identificação e avaliação das
características morfológicas da lesão (figura 1), o conteúdo gasoso
era aspirado e instilava-se água através do canal
de procedimento do aparelho, com a finalidade de se
criar uma interface favorável à realização do USE.
FIGURA 1: TUMOR VILOSO DO RETO DISTAL |
Em todos os casos, utilizou-se o USE radial de
marca Olympus, modelo UM 20, que opera com as
freqüências de 7,5 e 12 MHz.
Após a identificação das túnicas da parede do reto e
da lesão, era verificada a profundidade de invasão pela
lesão. As lesões eram então submetidas à ressecção
colonoscópica ou cirúrgica e enviadas para estudo anatomopatológico.
Os achados ecoendoscópicos foram comparados com
os resultados histopatológicos das lesões ressecadas.
RESULTADOS
O USE mostrou lesões limitadas à mucosa (figura
2) em dez pacientes, detectou infiltração da submucosa
em um, e identificou o comprometimento do tecido
gorduroso peri-retal em outro.
FIGURA 2: ULTRA-SOM ENDOSCÓPICO MOSTRANDO LESÃO VILOSA DO RETO RESTRITA À MUCOSA (FREQUÊNCIA DE 7,5 MHz) |
Nos dez casos com lesões restritas à mucosa, houve
a confirmação histopatológica, correspondendo ao
exame ecoendoscópico. Já no paciente que apresentava sinais
de invasão da submucosa, não houve
equivalência histopatológica, uma vez que a lesão era também restrita
à mucosa. Quanto ao exame que mostrava
lesão comprometendo a gordura peri-retal, pôde-se confirmar
o achado (Figuras 3-A eB).
FIGURA 3: TUMOR VILOSO INVADINDO GORDURA PERI-RETAL |
|
A- Utilizando freqüência de 7,5 MHz | B- Utilizando freqüência de 12 MHz |
DISCUSSÃO
Embora as lesões vilosas do reto sejam
pouco freqüentes, apresentam uma propensão de
sofrerem transformação maligna bem reconhecida e mais
elevada do que os adenomas tubulares ou
tubulovilosos(6). Sabe-se que o nível de degeneração é diretamente
proporcional ao seu tamanho, ao grau de displasia apresentado e
à fração de tecido viloso presente na lesão
(7). O risco de malignização, incluindo-se os fatores supracitados e
mais algumas características macroscópicas tais como
ulceração e enduração, pode alcançar índices de 24%
a 40%(6,8,9,10).Entretanto, conforme alguns autores,
pelo menos 10% dos TVR possuem malignidade
já estabelecida quando do diagnóstico endoscópico(11,12).
As possibilidades terapêuticas disponíveis
para portadores dessas lesões são múltiplas, como
ressecção endoscópica, excisão local transanal, ressecção
retal transesfincteriana e até procedimentos mais agressivos
e de maior complexidade como a ressecção anterior
baixa do reto, assim como cirurgias amputativas, implicando
na execução de uma colostomia
definitiva(1,13,14,15). A
decisão terapêutica depende do tamanho da lesão, da distância
da borda anal e da presença de degeneração
maligna. Portanto, a identificação de uma lesão invasiva, ou
seja, que compromete a camada submucosa, é importante
e decisiva para o estabelecimento correto do
tratamento inicial, pois na invasão da submucosa já existe
a possibilidade de metástases linfonodais em 3,6% a
16% dos casos (16,17). Em situações onde se observa
o comprometimento da submucosa por tumores pouco diferenciados, com invasão neural/venosa ou com
margens de ressecção exíguas ou comprometidas, uma
abordagem endoscópica ou transanal torna-se insuficiente
e inadequada, necessitando de ressecção complementar
do reto(18). Deve-se portanto valorizar a informação sobre
a invasividade da lesão já no primeiro contato com o
TVR, pois a partir disso, evita-se a realização de um
procedimento inadequado como a excisão
endoscópica ou transrretal.
Alguns autores como Glaser e cols., utilizaram o
USE para o diagnóstico de adenocarcinoma não somente
pelo grau de penetração da lesão na parede retal, mas
também pela diferenciação de ecogenicidade, onde os focos
de adenocarcinoma eram hipoecogênicos em meio ao
tecido viloso hiperecogênico(19).
Admite-se portanto, que uma avaliação
pré-operatória adequada e correta, minimizaria as situações de sub
ou super estadiamento, baseadas em dados
clínico-endoscópicos e de biópsias. Nos últimos anos, o
USE tem tido papel fundamental na avaliação das
neoplasias do reto, verificação de integridade esfincteriana e na
sepsis anoretal (20). Em relação ao câncer do reto e
seu estadiamento loco-regional, a ecoendoscopia
é considerada, atualmente, superior à
tomografia computadorizada e à ressonância magnética
nuclear (3,21,22). Sabe-se que a sensibilidade do USE
na determinação do grau de penetração dessas
lesões avançadas na parede retal alcança 89% em algumas
séries (23,24), o mesmo ocorrendo para os TVR, onde os
índices de sensibilidade variam de 71% a 96%
(13,20,25), podendo haver um decréscimo global nesses índices quando
se trata de lesões com grandes componente exofítico e
ao nível dos esfíncteres anais, onde alguns artefatos
são produzidos na imagem ultra-sonográfica
(9).
Embora níveis mais baixos de sensibilidade
possam ocorrer na determinação específica do estadiamento T,
o USE facilita o planejamento cirúrgico e melhora
os resultados cirúrgicos, bem como deve diminuir a
incidência de recorrência local após ressecções locais,
sejam endoscópicas ou transanais.
CONCLUSÃO
O ultra-som endoscópico é método útil e
apropriado para a avaliação dos TVR, pois determina com altos
níveis de sensibilidade o grau de penetração das lesões
vilosas na parede retal, direcionando, dessa maneira, uma
melhor abordagem inicial, a fim de se evitar
procedimentos endoscópicos ou transrretais inadequados, bem
como tratamentos cirúrgicos agressivos desnecessários.
ABSTRACT: One of the most important and decisive aspects on the therapy of rectal villous tumors (RVT) is the presence of invasive adenocarcinoma which demands a more aggressive approach. Endoscopic Ultrasound (EUS) allows an appropriate local staging decreasing rates of under or overstaging avoiding an inadequate initial therapeutic approach. Between June 1997 and October 2000, 12 patients with diagnosis of RVT were submitted to EUS in order to establish the depth of lesion invasion in the rectal wall. There was diagnosis correlation in 11 of 12 cases: 10, where USE showed lesions restricted to the mucosa and 1 with perirectal fat tissue invasion. In the disagreeing case where submucosa invasion was suspected there was overstaging because the tumor was restricted to the mucosa. This initial experience allows us to conclude that USE has high sensibility and can be important in the definition of staging of RVT.
KEY WORDS: rectal villous tumor, endoscopic ultrasound, rectal cancer-diagnosis.
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Endereço para correspondência:
Marcelo Averbach
Rua Dona Adma Jafet, 50, 6° andar, Cerqueira César,
CEP 01308-050, São Paulo-SP
Trabalho realizado no Centro de Endoscopia do Hospital Sírio Libanês São Paulo - SP