ARTIGOS ORIGINAIS


APLICAÇÃO DO ULTRA-SOM ENDOSCÓPICO NA AVALIAÇÃO DOS TUMORES VILOSOS DO RETO

Marcelo Averbach _ TSBCP
Esdras Camargo Andrade Zanoni
Paulo Alberto Falco Pires Corrêa _ TSBCP
José Luiz Paccos
Giulio Fábio Rossini
Raul Cutait - TSBCP


AVERBACH M., ZANONI E.C.A., CORRÊA P.A.F.P., PACCOS J.L., ROSSINI G.F., CUTAIT R. _ Aplicação do ultra-som endoscópico na avaliação dos tumores vilosos do reto. _ Rev bras Coloproct, 2001; 21(3): 131-134.

RESUMO: Um dos mais importantes e decisivos aspectos no tratamento dos tumores vilosos do reto (TVR) é a presença de adenocar-cinoma invasivo, o qual necessita de uma abordagem mais agressiva. O ultra-som endoscópico (USE) permite um estadiamento local apropriado, diminuindo os índices de sub ou superestadiamento, evitando uma abordagem terapêutica inicial inadequada.
   
Entre junho de 1997 a outubro de 2000, doze pacientes com diagnóstico de TVR foram submetidos ao USE, a fim de se estabelecer a profundidade de invasão da lesão na parede retal. Houve concordância diagnóstica em 11 de 12 casos: 10, onde o USE mostrou lesões restritas à mucosa e 1 com invasão da gordura peri-retal. No caso discordante, com suspeita de invasão da submucosa, houve um superestadiamento, quando na realidade o tumor se restringia à mucosa. Essa experiência inicial permite concluir que o USE tem grande sensibilidade e pode ser importante na definição do estadiamento dos TVR.

UNITERMOS: tumor viloso do reto, ultra-som endoscópico, câncer do reto-diagnóstico.

INTRODUÇÃO
Os tumores vilosos do reto (TVR) são endoscopicamente avaliados quanto ao seu tamanho e seus aspectos endos-cópicos. Biópsias múltiplas devem ser realizadas de rotina, com o intuito de se confirmar o diagnóstico histológico e de se identificar eventual carcinoma invasivo. Uma vez que a impressão é de que se trata de uma lesão benigna ou com atipias superficiais, indica-se a ressecção local por via transretal (1) ou colonoscópica (2). Esta pode, no entanto, ser insuficiente caso o exame anatomopatológico de todo o espécime mostre a presença de câncer invasivo. Assim, é desejável que se possa definir, previamente ao tratamento local, característica do tumor viloso que possa indicar malignidade. Para tanto, exames de imagem, como a tomo-grafia computadorizada, a ressonância magnética e o ultra-som endoscópico (USE) têm sido avaliados em diversos centros, com a finalidade de se definir o estadiamento loco-regional e a invasão da camada submucosa da parede retal pelo tumor viloso (3,4).
    O USE, quando utilizado para a análise da parede do tubo digestivo, com transdutores de 7,5 ou 12 MHz, mostra cinco camadas, onde a 1ª e 2ª correspondem à mucosa, a 3ª à submucosa, a 4ª demonstra a muscular própria e a 5ª correspondendo à serosa ou gordura adjacente no caso do reto, pois este não possui serosa. A 1ª, 3ª e 5ª camadas são hiperecogênicas e a 2ª e 4ª são camadas hipoecogênicas. As lesões da parede retal habitualmente se mostram como imagens hipoecogênicas, conseguindo-se, dessa forma, detectar a presença da lesão e o nível da invasão na parede retal.(5)
   
O objetivo deste estudo é apresentar nossa experiência inicial com o uso do USE na avaliação dos TVR e sua sensibilidade para estabelecer características de malignidade dessas lesões.

PACIENTES E MÉTODOS
Entre junho de 1997 e outubro de 2000, 12 pacientes portadores de TVR foram examinados no serviço de Endoscopia do Hospital Sírio Libanês. Destes, 9 eram do sexo masculino e 3 do sexo feminino, sendo que a idade variou de 46 a 80 anos. Após a realização de colonoscopia para identificação e avaliação das características morfológicas da lesão (figura 1), o conteúdo gasoso era aspirado e instilava-se água através do canal de procedimento do aparelho, com a finalidade de se criar uma interface favorável à realização do USE.

FIGURA 1: TUMOR VILOSO DO RETO DISTAL


    Em todos os casos, utilizou-se o USE radial de marca Olympus, modelo UM 20, que opera com as freqüências de 7,5 e 12 MHz.
    Após a identificação das túnicas da parede do reto e da lesão, era verificada a profundidade de invasão pela lesão. As lesões eram então submetidas à ressecção colonoscópica ou cirúrgica e enviadas para estudo anatomopatológico. Os achados ecoendoscópicos foram comparados com os resultados histopatológicos das lesões ressecadas.

RESULTADOS
O USE mostrou lesões limitadas à mucosa (figura 2) em dez pacientes, detectou infiltração da submucosa em um, e identificou o comprometimento do tecido gorduroso peri-retal em outro.

FIGURA 2: ULTRA-SOM ENDOSCÓPICO MOSTRANDO LESÃO VILOSA DO RETO RESTRITA À MUCOSA (FREQUÊNCIA DE 7,5 MHz)


    Nos dez casos com lesões restritas à mucosa, houve a confirmação histopatológica, correspondendo ao exame ecoendoscópico. Já no paciente que apresentava sinais de invasão da submucosa, não houve equivalência histopatológica, uma vez que a lesão era também restrita à mucosa. Quanto ao exame que mostrava lesão comprometendo a gordura peri-retal, pôde-se confirmar o achado (Figuras 3-A eB).

 

FIGURA 3: TUMOR VILOSO INVADINDO GORDURA PERI-RETAL

A- Utilizando freqüência de 7,5 MHz B- Utilizando freqüência de 12 MHz


DISCUSSÃO
Embora as lesões vilosas do reto sejam pouco freqüentes, apresentam uma propensão de sofrerem transformação maligna bem reconhecida e mais elevada do que os adenomas tubulares ou tubulovilosos(6). Sabe-se que o nível de degeneração é diretamente proporcional ao seu tamanho, ao grau de displasia apresentado e à fração de tecido viloso presente na lesão (7). O risco de malignização, incluindo-se os fatores supracitados e mais algumas características macroscópicas tais como ulceração e enduração, pode alcançar índices de 24% a 40%(6,8,9,10).Entretanto, conforme alguns autores, pelo menos 10% dos TVR possuem malignidade já estabelecida quando do diagnóstico endoscópico(11,12).
    As possibilidades terapêuticas disponíveis para portadores dessas lesões são múltiplas, como ressecção endoscópica, excisão local transanal, ressecção retal transesfincteriana e até procedimentos mais agressivos e de maior complexidade como a ressecção anterior baixa do reto, assim como cirurgias amputativas, implicando na execução de uma colostomia definitiva(1,13,14,15). A decisão terapêutica depende do tamanho da lesão, da distância da borda anal e da presença de degeneração maligna. Portanto, a identificação de uma lesão invasiva, ou seja, que compromete a camada submucosa, é importante e decisiva para o estabelecimento correto do tratamento inicial, pois na invasão da submucosa já existe a possibilidade de metástases linfonodais em 3,6% a 16% dos casos (16,17). Em situações onde se observa o comprometimento da submucosa por tumores pouco diferenciados, com invasão neural/venosa ou com margens de ressecção exíguas ou comprometidas, uma abordagem endoscópica ou transanal torna-se insuficiente e inadequada, necessitando de ressecção complementar do reto(18). Deve-se portanto valorizar a informação sobre a invasividade da lesão já no primeiro contato com o TVR, pois a partir disso, evita-se a realização de um procedimento inadequado como a excisão endoscópica ou transrretal.
    Alguns autores como Glaser e cols., utilizaram o USE para o diagnóstico de adenocarcinoma não somente pelo grau de penetração da lesão na parede retal, mas também pela diferenciação de ecogenicidade, onde os focos de adenocarcinoma eram hipoecogênicos em meio ao tecido viloso hiperecogênico(19).
    Admite-se portanto, que uma avaliação pré-operatória adequada e correta, minimizaria as situações de sub ou super estadiamento, baseadas em dados clínico-endoscópicos e de biópsias. Nos últimos anos, o USE tem tido papel fundamental na avaliação das neoplasias do reto, verificação de integridade esfincteriana e na sepsis anoretal (20). Em relação ao câncer do reto e seu estadiamento loco-regional, a ecoendoscopia é considerada, atualmente, superior à tomografia computadorizada e à ressonância magnética nuclear (3,21,22). Sabe-se que a sensibilidade do USE na determinação do grau de penetração dessas lesões avançadas na parede retal alcança 89% em algumas séries (23,24), o mesmo ocorrendo para os TVR, onde os índices de sensibilidade variam de 71% a 96% (13,20,25), podendo haver um decréscimo global nesses índices quando se trata de lesões com grandes componente exofítico e ao nível dos esfíncteres anais, onde alguns artefatos são produzidos na imagem ultra-sonográfica (9).
    Embora níveis mais baixos de sensibilidade possam ocorrer na determinação específica do estadiamento T, o USE facilita o planejamento cirúrgico e melhora os resultados cirúrgicos, bem como deve diminuir a incidência de recorrência local após ressecções locais, sejam endoscópicas ou transanais.

CONCLUSÃO
O ultra-som endoscópico é método útil e apropriado para a avaliação dos TVR, pois determina com altos níveis de sensibilidade o grau de penetração das lesões vilosas na parede retal, direcionando, dessa maneira, uma melhor abordagem inicial, a fim de se evitar procedimentos endoscópicos ou transrretais inadequados, bem como tratamentos cirúrgicos agressivos desnecessários.

ABSTRACT: One of the most important and decisive aspects on the therapy of rectal villous tumors (RVT) is the presence of invasive adenocarcinoma which demands a more aggressive approach. Endoscopic Ultrasound (EUS) allows an appropriate local staging decreasing rates of under or overstaging avoiding an inadequate initial therapeutic approach. Between June 1997 and October 2000, 12 patients with diagnosis of RVT were submitted to EUS in order to establish the depth of lesion invasion in the rectal wall. There was diagnosis correlation in 11 of 12 cases: 10, where USE showed lesions restricted to the mucosa and 1 with perirectal fat tissue invasion. In the disagreeing case where submucosa invasion was suspected there was overstaging because the tumor was restricted to the mucosa. This initial experience allows us to conclude that USE has high sensibility and can be important in the definition of staging of RVT.

KEY WORDS: rectal villous tumor, endoscopic ultrasound, rectal cancer-diagnosis.

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Endereço para correspondência:
Marcelo Averbach
Rua Dona Adma Jafet, 50, 6° andar, Cerqueira César,
CEP 01308-050, São Paulo-SP

Trabalho realizado no Centro de Endoscopia do Hospital Sírio Libanês São Paulo - SP