ARTIGOS ORIGINAIS


ÍNDICES DE RECIDIVA E SOBREVIDA NO TRATAMENTO DO CÂNCER COLORRETAL COMPARANDO OS ACESSOS LAPAROSCÓPICO E LAPAROTÔMICO EM CINCO ANOS

Francisco Sérgio Pinheiro Regadas - TSBCP
Sthela Maria Murad Regadas - ASBCP
Lusmar Veras Rodrigues - TSBCP
Pedro Henrique Saraiva Leão - TSBCP
Francisco Jean Crispin Ribeiro - TSBCP
Janedson Bayma Bezerra - TSBCP
Miguel A. Arcoverde Nogueira
Romel Prata Regadas


REGADAS F.S.P., REGADAS S.M.M., RODRIGUES L.V., LEÃO P.H.S., RIBEIRO F.J.C., BEZERRA J.B., NOGUEIRA M.A.A., REGADAS R.P. - Índices recidiva e sobrevida no tratamento do câncer colorretal comparando os acessos laparoscópico e laparotômico em cinco anos. - Rev bras Coloproct, 2001; 21(3): 144-147.

RESUMO: O objetivo deste estudo foi realizar uma análise comparativa entre o acesso laparoscópico e o laparotômico, no tratamento de pacientes portadores de câncer colorretal no que concerne aos índices de recorrência e sobrevida em cinco anos. No período de 1993 a maio de 2000, foram operados 83 pacientes pelo acesso laparoscópico (LC) e 67 pelo laparotômico (LT), com idade média de 63 e 64,2 anos respectivamente. O sexo feminino predominou discretamente no grupo LC (49 / 59,0%), enquanto o masculino foi mais freqüente no LT (39 / 58,2%). Os tumores localizaram-se com mais freqüência no reto (LC=54 / 65,0% LT=44 / 65,6%). A ressecção anterior foi o procedimento mais freqüente em ambos os grupos (LC=38 / 52,0% LT=33 / 49,2%). Para análise dos resultados, os pacientes foram divididos em três grupos: Vivos sem doença, vivos com doença e óbitos, sendo excluídos aqueles sem seguimento (LC=22 / LT=15). Após o tempo de seguimento variando de 6 a 84 meses, considerando-se os tumores de todos os estágios (TNM), 48 (78,6%) pacientes do grupo LC e 38 (73,0%) do grupo LT encontram-se vivos sem doença, seis (9,8%) do grupo LC e 5 (9,6%) do LT encontram-se vivos com recidiva à distância e o índice global de óbitos foi de 10 (16,3%) do grupo LC e 9 (17,3%) do LT. Em conclusão, no tratamento do câncer colorretal, o acesso LC produz os mesmos resultados que o LT no que concerne aos índices de recidiva loco-regional e sobrevida em cinco anos, desde que os pacientes sejam devidamente selecionados.

UNITERMOS: Câncer colorretal, laparoscopia

INTRODUÇÃO
Tem sido demonstrado, ao longo destes últimos nove anos, que as ressecções vídeo-laparoscópicas para o tratamento do câncer colorretal assemelham-se às realizadas pelo acesso laparotômico no que concerne ao tamanho das peças ressecadas, às margens de ressecção proximal e distal e ao número de linfonodos (1)(2)(3)(4)(5)(6). Também, as vantagens auferidas pelo acesso laparoscópico têm sido sobejamente mencionadas na literatura, tais como a possibilidade de estadiamento abdominal nos tumores avançados, menor dor pós-operatória, retorno mais rápido da função gastrintestinal, menor índice de complicações pulmonares e trombo-embólicas, menor permanência hospitalar e melhor resultado cosmético (6)(7)(8).
    O objetivo deste estudo foi, portanto, analisar os resultados relacionados com a recidiva loco-regional e sobrevida em cinco anos, comparando dois grupos de pacientes com câncer colorretal operados pelos acessos laparoscópico e laparotômico.

CASUÍSTICA E MÉTODO
Durante o período de 1993 a maio de 2000, foram operados 83 pacientes pelo acesso laparoscópico (LC) e 67 pelo laparotômico (LT), com idade média de 63 e 64,2 anos respectivamente. O sexo feminino predominou discretamente no grupo LC (49 / 59,0%) enquanto o masculino foi mais freqüente no LT (39 / 58,2%) (Tabela 1). Em 54 (65,0%) pacientes do grupo LC e em 44 (65,6%) do LT, os tumores localizavam-se no reto, seguindo-se o cólon direito - LC=12 (14,4%) LT=10 (14,9%), sigmóide - LC=8 (9,6%) LT=5 (7,4%), cólon descendente (LC=4 LT=4), retossigmoide (LC=1 LT=4), cólon transverso (LC=2) e canal anal (LC=2) (Tabela 2). A ressecção anterior foi o procedimento mais freqüente em ambos os grupos (LC=38 / 52,0%) (LT=33 / 49,2%), seguindo-se a amputação abdomino-perineal do reto (LC=19 / 12,0%) (LT=17 / 25,3%), a colectomia direita (LC=12 / 14,4%) (LT=8 / 11,9%), a sigmoidectomia (LC=8 / LT=5), a colectomia esquerda ((LC=4 / LT=4) e transverso (LC=2) (Tabela 3). Para análise dos resultados, os tumores foram comparados de acordo com cada estágio (TNM). No entanto, neste estudo, os resultados comparativos são apresentados de forma geral, independente da classificação do tumor e os pacientes foram divididos em três grupos: Vivos sem doença, Vivos com doença e óbito; excluídos aqueles sem seguimento (LC=22 / LT=15)).

Tabela 1: Distribuição com relação à idade e sexo
      LC   LT
Idade Média 63  64,2
Sexo  Masc 34  39 (58,2%)
Fem 49  28 (59,0%)
  Total    83  67


Tabela 2: Localização do tumor
  LC  LT
Reto  54 (65,0%) 44 (65,6%)
Cólon Direito 12 (14,4%) 10 (14,9%)
Sigmoide  8 ( 9,6%) 5 ( 7,4%)
Cólon Descendente 4 ( 4,8%) 4 ( 5,9%)
Retossigmoide  1 ( 1,2%) 4
Cólon Transverso 2 ( 2,4%) -
Canal anal -
Total  83  67


Tabela 3:
Tipos de Procedimentos Cirúrgico
Ressecção Anterior 38 (52,0%) 33 (49,2%)
Operação de Miles 19 (12,0%) 17 (25,3%)
Colectomia Direita 12 (14,4%) 8 (11,9%)
Sigmoidectomia  8 ( 9,6%) 5 ( 7,4%)
Colectomia Esquerda 4 ( 4,8%) 4 ( 5,9%)
Colectomia Transverso 2 ( 2,4%) -
Total  83  67


RESULTADOS
Após o tempo de seguimento variando de 6 a 84 meses, considerando-se os tumores de todos os estágios, 48 (78,6%) pacientes do grupo LC e 38 (73,0%) do grupo LT encon-tram-se vivos sem doença (Tabela 4). Seis (9,8%) do grupo LC e 5 (9,6%) do LT encontram-se vivos com recidiva à distância (Tabela 5). O índice global de óbitos foi de 10 (16,3%) no grupo LC e 9 (17,3%) do LT (Tabela 6).

Tabela 4: Pacientes Vivos, livres de doença
(Incluindo os tumores de todos os estágios I,II,III,IV)
  LC  LT
  48 (78,6%) 38 (73,0%)

Tabela 5: Pacientes Vivos, com recidiva
(Incluindo os tumores de todos os estágios I,II,III,IV)
  LC  LT
  6 (9,8%) 5 (9,6%)

Tabela 6: Incidência global de óbitos
(Incluindo os tumores de todos os estágios I,II,III,IV)
  LC  LT
  10 (16,3%) 9 (17,3%)

 

DISCUSSÃO
Nos primeiros dois anos da década de 90, quando se desenvolviam as técnicas para ressecção laparoscópica de afecções colorretais benignas, não se conseguia ainda imaginar a possibilidade de se utilizar tal acesso no tratamento das afecções malignas. No entanto, na medida em que os cirurgiões colorretais aprimoravam a técnica, familiarizavam-se com os equipamentos e novos instrumentais cirúrgicos, as manobras para mobilização do cólon e ligaduras vasculares tornaram-se factíveis e, logo cedo, transformou-se em rotina, possibilitando, a partir daí, ampliar-se as indicações do acesso laparoscópico para o tratamento do câncer, preservando os mesmos princípios de radicalidade oncológica que há décadas orientavam as ressecções pelo acesso laparotômico. E esta radicalidade foi demonstrada com as primeiras publicações, demonstrando semelhança no tamanho das peças, nas margens distais e proximais de ressecção e no número de linfonodos ressecados através de ambos acessos (1)(2)(3)(4)(5)(6). Surgiram, em seguida, publicações demonstrando semelhança nos índices de sobrevida nos primeiros anos (3)(5)(6)(8)(9) e outras ainda apresentando resultados distintos (10)(11). Neste estudo comparando os dois acessos, após sete anos de seguimento, no tempo médio de 44 meses, constata-se que não ocorreu diferença entre os dois grupos no que concerne à recidiva loco-regional, à sobrevida após cinco anos e ao número de óbitos ocorridos. Esses resultados tem sido relatados também por outros autores (3)(4)(7). Até aproximadamente a metade da década de 90, surgiram publicações mencionando implante tumoral em ferida de trocarte (12)(13)(14)(15), atribuindo-se esta complicação provavelmente à ação do pneumoperitônio. No entanto, em estudos comparando os dois acessos, foram demonstradas a mesma incidência de recidiva de tumor em parede abdominal (16)(17)(18) ou ausência desta complicação durante os procedimentos laparoscópicos (19)(20)(21). No presente estudo, não ocorreu recidiva na parede abdominal em nenhum paciente de ambos os grupos. Parece-nos, portanto, que o tipo de acesso não interfere na produção de implante em ferida cirúrgica, devendo relacionar-se mais intimamente com as lesões avançadas e/ou com a prática de má técnica operatória, independente do acesso utilizado. Portanto, o acesso laparoscópico apresenta-se como uma alternativa para o tratamento do câncer colorretal em pacientes selecionados, ou seja, naqueles com tumores pequenos (22)(23) ou mesmo com invasão de toda a parede do intestino mas sem comprometer órgãos vizinhos. Exceção é feita aos tumores localizados no reto inferior, pois a área infiltrada pelo tumor é ressecada durante o tempo perineal da Operação de Miles, de forma convencional. No entanto, alguns cuidados pré e trans-operatórios são necessários durante os procedimentos laparoscópicos. Quando se tratar de pequenas lesões, sem infiltração da serosa ou em tumores localizados no cólon transverso, é necessária a tatuagem trans-colonoscópica pré-operatória com tinta nanquim distalmente à lesão para que possa ser identificada durante o procedimento laparoscópico. Deve-se ainda evitar a manipulação do tumor e proteger a ferida da parede abdominal durante a retirada do espécime cirúrgico para evitar implante de células tumorais. É ainda aconselhável, nos tumores avançados com infiltração de serosa, que se realize a desinsuflação lenta do pneumoperitônio para evitar dispersão de células nas feridas dos trocartes.

Conclusão
No tratamento do câncer colorretal, o acesso laparoscópico produz os mesmos resultados que o laparotômico no que concerne aos índices de recidiva loco-regional e sobrevida em cinco anos em pacientes devidamente selecionados, segundo a nossa avaliação.

Summary: The aim of this paper was to do a comparative analysis between laparoscopic and laparotomic approach in treatment of patients with colorectal cancer concerning to recurrence and survival rates in five years follow up period. Between 1993 to may, 2000, 83 patients were operated on by laparoscopic approach (LC) and 67 by laparotomic approach (LT)), with mean age of 63 and 64,5 years respectively. Female sex was commoner in LC group (49/59,0%) while male sex was more frequent in laparotomic group (39/58.2%). Tumors were located more frequently in the rectum (LC=54/65,0% LT=44 / 65,6%). Anterior resection was the most frequent procedure in both groups (LC=38/52,0% LT=33/49,2%). In order to evaluate the results, the patients were divided in three groups: Alive with disease free, alive with recurrence and mortality rate, excluding the patients without follow up (LC=22 / LT=15). After a follow up period between 6 to 84 months, considering tumors of all stages (TNM), 48 (78,6%) patients from LC group and 38 (73,0%) from LT group were alive with disease free, six (9,8%) from LC group and 5 (9,6%) from LT group were alive with distance recurrence and the general mortality rate was 10 (16,3%) patients from LC group and 9 (17,3%) from laparotomic group. In conclusion, treatment of colorectal cancer, the LC approach produces the same results of laparotomic approach concerning to local recurrence and survival rates in five years follow up in a selected group of patients.

KEY WORDS : Colorectal cancer, laparoscopy

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Buchmann, P, Christen D, Flury R, Luthy A, Bischofberger U Does laparoscopic colonic carcinoma surgery satisfy the radicality criteria of open surgery ? Schweiz Med Wochenschr, 125(39):1825-9, 1995.
2- Bessler, S, Whelan RL, Halverson A, Allendorf JDF, Treat MR. Controlled trial of laparoscopic-assisted vs. Open cólon resection in a porcine model. Surg. Endosc., 10(7):732-5, 1996.
3- Franklin, M.E.Rosenthal D, Abrego-Medina D, Dorman JP, Glass JL, Norem R, Diaz A Prospective comparison of open vs. Laparoscopic cólon surgery for carcinoma. Five-year results. Dis. Cólon Rectum, 39(10):835-46, 1996.
4- Stage, J.G, Schulze S, Moller P, Overgaard H, Andersen M, Rebsdorf-Pedersen VB, Nielsen HJ. Prospective randomized study of laparoscopic versus open colonic resection for adenocarcinoma. Br. J. Surg., 84(3):391-6, 1997.
5- Reis Neto, JA, Quilici, FA, Cordeiro, F, Reis Junior JA, Kagohara, O Videolaparoscopia em câncer do reto baixo. Rev. bras. Colo-Proct., 1997;17(4):234-8.
6- Ramos JR. Ressecção Abdominoperineal do reto por via laparoscópica. In: Ramos JR, Regadas FSP, Souza JS. Cirurgia Colorretal por Videolaparoscopia. Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 1997
7- Tate, J.J, Kwok S, Dawson JW, Lau WY, Li AK Prospective comparison of laparoscopic and conventional anterior resection Br. J. Surg., 80(11):1396-8, 1993.
8- Delgado F, Bolufer JM, Grau E, Domingo C, Gomez S. Laparoscopic Colorectal Cancer Resection: Initial Follow-up Results. Surg Lap. Endoscopy & Percutaneous Techniques 1999;9(2):91-8.
9- Monson, JRT, Hill, ADK, Darzi, A. Laparoscopic colonic surgery [Review]. Br. J. Surg, 82:150-7, 1995.
10- Goh YC, Eu KW, Seow-Choen F. Early postoperative results of a prospective series of laparoscopic vs. Open anterior resections for rectosigmoid cancers. Dis Cólon Rectum, 40:776-80, 1997.
11- Bokey EL, Moore WE, Keating JP, Zelas P, Chapuis PH, Newland RC. Laparoscopic resection of the colon and rectum for cancer. Br. J. Surg., 84:822-5, 1997.
12- Alexander RJT, Jaques BC, Mitchell KG. Laparoscopically assisted colectomy and wound recurrence [Letter]. Lancet, 341:249-50, 1993.
13- O'Rourke N, Price PM, Kelly S, Sikora K. Tumour inoculation during laparoscopy [Letter]. Lancet, 343:368, 1993.
14- Wexner, SD, Cohen SM. Port site metastases after laparoscopic colorectal surgery for cure of malignancy. Br. J. Surg., 82:295-8, 1995.
15- Cook TA, Dehn TCB. Port-site metastases in patients undergoing laparoscopy for gastrointestinal malignancy. Br J. Surg., 83:1419-20, 1996.
16- Regadas, FSP, Ramos JR, Souza JVS, Reis Neto, JA, Gama, AH, Campos, F, Pandini, LC, Marchiori, M., Cutait R, Pupo Neto, JA, Salgado Neto, T, Regadas, SMM. Laparoscopic Colorectal Procedures: A Multicenter Brazilian Experience. Surg. Lap. Endosc & Percutaneous Techniques, 1999; 9(6):395-8.
17- Ramos JM, Gupta S, Anthone GJJ, Orgega AE, Simons AJ, Beart RW. Laparoscopy and colon cancer. Is the port site at risk? A preliminary report. Arch. Surg. 1994; 129:897-9.
18- Kwok SP, Lau WY, Carey PD, Kelly SB, Leung SL, Li, AK. Prospective evaluation of laparoscopic-assisted Large-bowel excision for cancer. Ann Surg. 1996;223:170-6.
19- Lord, AS, Larach SW, Ferrara A, Williamson PR, Lago CP, Lube, MW. Laparoscopic resections for colorectal carcinoma. A three year experience. Dis Cólon Rectum 1996;39:148-54.
20- Hoffmann GC, Baker JW, Dowey, JB, Hubbard GW, Ruffin WK, Wishner J. Minimally invasive surgery for colorectal cancer. Initial follow-up. Ann Surg 1996;223:790-8.
21- Reinan-Ramos J, Petrosemolo RH, Valory EA, Polania SC, Peçanha R. Abdominoperineal resection: laparoscopic versus conventional. Surg Laparosc Endosc 1997:7:148-52.
22- Adachi Y, Sato K, Shiraishi N, Kakisako K., Kitano S. Tumor Size of Colorectal Cancer: Indication for Laparoscopic Surgery. Surg Lap & Endoscopy 1998;8(4):269-72.
23- Kakisako K, Sato K, Adachi Y, Shiraishi N, Kitano S. Laparoscopic Colectomy for Dukes A Colon Cancer. Surg Lap Endocopy & Percutaneous Techniques. 2000;10(2):66-70.

Endereço para correspondência:
Francisco Sérgio Pinheiro Regadas
Av. Edilson Brasil Soares, 1892
Edson Queiroz
60834-220 Fortaleza - CE

* Trabalho realizado no Serviço de Colo-Proctologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Ceará e Centro de Colo-Proctologia do Ceará (Clínica São Carlos). Fortaleza-Ceará.