ARTIGOS ORIGINAIS
Francisco Sérgio Pinheiro Regadas - TSBCP
Sthela Maria Murad Regadas - ASBCP
Lusmar Veras Rodrigues - TSBCP
Pedro Henrique Saraiva Leão - TSBCP
Francisco Jean Crispin Ribeiro - TSBCP
Janedson Bayma Bezerra - TSBCP
Miguel A. Arcoverde Nogueira
Romel Prata Regadas
RESUMO: O objetivo deste estudo foi realizar uma análise comparativa entre o acesso laparoscópico e o laparotômico, no tratamento de pacientes portadores de câncer colorretal no que concerne aos índices de recorrência e sobrevida em cinco anos. No período de 1993 a maio de 2000, foram operados 83 pacientes pelo acesso laparoscópico (LC) e 67 pelo laparotômico (LT), com idade média de 63 e 64,2 anos respectivamente. O sexo feminino predominou discretamente no grupo LC (49 / 59,0%), enquanto o masculino foi mais freqüente no LT (39 / 58,2%). Os tumores localizaram-se com mais freqüência no reto (LC=54 / 65,0% LT=44 / 65,6%). A ressecção anterior foi o procedimento mais freqüente em ambos os grupos (LC=38 / 52,0% LT=33 / 49,2%). Para análise dos resultados, os pacientes foram divididos em três grupos: Vivos sem doença, vivos com doença e óbitos, sendo excluídos aqueles sem seguimento (LC=22 / LT=15). Após o tempo de seguimento variando de 6 a 84 meses, considerando-se os tumores de todos os estágios (TNM), 48 (78,6%) pacientes do grupo LC e 38 (73,0%) do grupo LT encontram-se vivos sem doença, seis (9,8%) do grupo LC e 5 (9,6%) do LT encontram-se vivos com recidiva à distância e o índice global de óbitos foi de 10 (16,3%) do grupo LC e 9 (17,3%) do LT. Em conclusão, no tratamento do câncer colorretal, o acesso LC produz os mesmos resultados que o LT no que concerne aos índices de recidiva loco-regional e sobrevida em cinco anos, desde que os pacientes sejam devidamente selecionados.
UNITERMOS: Câncer colorretal, laparoscopia
INTRODUÇÃO
Tem sido demonstrado, ao longo destes últimos
nove anos, que as ressecções vídeo-laparoscópicas para
o tratamento do câncer colorretal assemelham-se às
realizadas pelo acesso laparotômico no que concerne ao tamanho
das peças ressecadas, às margens de ressecção proximal e
distal e ao número de linfonodos
(1)(2)(3)(4)(5)(6). Também, as vantagens auferidas pelo acesso laparoscópico têm
sido sobejamente mencionadas na literatura, tais como
a possibilidade de estadiamento abdominal nos
tumores avançados, menor dor pós-operatória, retorno mais
rápido da função gastrintestinal, menor índice de
complicações pulmonares e trombo-embólicas, menor
permanência hospitalar e melhor resultado cosmético
(6)(7)(8).
O objetivo deste estudo foi, portanto, analisar
os resultados relacionados com a recidiva loco-regional
e sobrevida em cinco anos, comparando dois grupos
de pacientes com câncer colorretal operados pelos
acessos laparoscópico e laparotômico.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Durante o período de 1993 a maio de 2000,
foram operados 83 pacientes pelo acesso laparoscópico (LC) e
67 pelo laparotômico (LT), com idade média de 63 e 64,2
anos respectivamente. O sexo feminino predominou
discretamente no grupo LC (49 / 59,0%) enquanto o masculino foi
mais freqüente no LT (39 / 58,2%) (Tabela 1). Em 54
(65,0%) pacientes do grupo LC e em 44 (65,6%) do LT, os
tumores localizavam-se no reto, seguindo-se o cólon direito -
LC=12 (14,4%) LT=10 (14,9%), sigmóide - LC=8 (9,6%)
LT=5 (7,4%), cólon descendente (LC=4 LT=4),
retossigmoide (LC=1 LT=4), cólon transverso (LC=2) e canal anal
(LC=2) (Tabela 2). A ressecção anterior foi o procedimento
mais freqüente em ambos os grupos (LC=38 / 52,0%) (LT=33
/ 49,2%), seguindo-se a amputação abdomino-perineal do
reto (LC=19 / 12,0%) (LT=17 / 25,3%), a colectomia
direita (LC=12 / 14,4%) (LT=8 / 11,9%), a sigmoidectomia
(LC=8 / LT=5), a colectomia esquerda ((LC=4 / LT=4) e
transverso (LC=2) (Tabela 3). Para análise dos resultados, os
tumores foram comparados de acordo com cada estágio (TNM).
No entanto, neste estudo, os resultados comparativos
são apresentados de forma geral, independente da
classificação do tumor e os pacientes foram divididos em três
grupos: Vivos sem doença, Vivos com doença e óbito;
excluídos aqueles sem seguimento (LC=22 / LT=15)).
Tabela 1: Distribuição com relação à idade e sexo
LC | LT | |||
Idade Média | 63 | 64,2 | ||
Sexo | Masc | 34 | 39 (58,2%) | |
Fem | 49 | 28 (59,0%) | ||
Total | 83 | 67 |
Tabela 2: Localização do tumor
LC | LT | |
Reto | 54 (65,0%) | 44 (65,6%) |
Cólon Direito | 12 (14,4%) | 10 (14,9%) |
Sigmoide | 8 ( 9,6%) | 5 ( 7,4%) |
Cólon Descendente | 4 ( 4,8%) | 4 ( 5,9%) |
Retossigmoide | 1 ( 1,2%) | 4 |
Cólon Transverso | 2 ( 2,4%) | - |
Canal anal | 2 | - |
Total | 83 | 67 |
Tabela 3: Tipos de Procedimentos Cirúrgico
Ressecção Anterior | 38 (52,0%) | 33 (49,2%) |
Operação de Miles | 19 (12,0%) | 17 (25,3%) |
Colectomia Direita | 12 (14,4%) | 8 (11,9%) |
Sigmoidectomia | 8 ( 9,6%) | 5 ( 7,4%) |
Colectomia Esquerda | 4 ( 4,8%) | 4 ( 5,9%) |
Colectomia Transverso | 2 ( 2,4%) | - |
Total | 83 | 67 |
RESULTADOS
Após o tempo de seguimento variando de 6 a 84
meses, considerando-se os tumores de todos os estágios, 48
(78,6%) pacientes do grupo LC e 38 (73,0%) do grupo LT
encon-tram-se vivos sem doença (Tabela 4). Seis (9,8%) do
grupo LC e 5 (9,6%) do LT encontram-se vivos com recidiva
à distância (Tabela 5). O índice global de óbitos foi de
10 (16,3%) no grupo LC e 9 (17,3%) do LT (Tabela 6).
Tabela 4: Pacientes Vivos, livres de doença
(Incluindo os tumores de todos os estágios I,II,III,IV)
LC | LT | |
48 (78,6%) | 38 (73,0%) |
Tabela 5: Pacientes Vivos, com recidiva
(Incluindo os tumores de todos os estágios I,II,III,IV)
LC | LT | |
6 (9,8%) | 5 (9,6%) |
Tabela 6: Incidência global de óbitos
(Incluindo os tumores de todos os estágios I,II,III,IV)
LC | LT | |
10 (16,3%) | 9 (17,3%) |
DISCUSSÃO
Nos primeiros dois anos da década de 90, quando
se desenvolviam as técnicas para ressecção
laparoscópica de afecções colorretais benignas, não se conseguia
ainda imaginar a possibilidade de se utilizar tal acesso
no tratamento das afecções malignas. No entanto, na
medida em que os cirurgiões colorretais aprimoravam a
técnica, familiarizavam-se com os equipamentos e
novos instrumentais cirúrgicos, as manobras para
mobilização do cólon e ligaduras vasculares tornaram-se factíveis
e, logo cedo, transformou-se em rotina, possibilitando,
a partir daí, ampliar-se as indicações do acesso
laparoscópico para o tratamento do câncer, preservando os
mesmos princípios de radicalidade oncológica que há
décadas orientavam as ressecções pelo acesso laparotômico. E
esta radicalidade foi demonstrada com as primeiras publicações, demonstrando semelhança no tamanho
das peças, nas margens distais e proximais de ressecção e
no número de linfonodos ressecados através de
ambos acessos (1)(2)(3)(4)(5)(6). Surgiram, em seguida,
publicações demonstrando semelhança nos índices de sobrevida
nos primeiros anos (3)(5)(6)(8)(9) e outras ainda
apresentando resultados distintos
(10)(11). Neste estudo comparando os dois acessos, após sete anos de seguimento, no
tempo médio de 44 meses, constata-se que não ocorreu
diferença entre os dois grupos no que concerne à recidiva
loco-regional, à sobrevida após cinco anos e ao número
de óbitos ocorridos. Esses resultados tem sido
relatados também por outros autores
(3)(4)(7). Até aproximadamente a metade da década de 90, surgiram
publicações mencionando implante tumoral em ferida de
trocarte (12)(13)(14)(15), atribuindo-se esta complicação
provavelmente à ação do pneumoperitônio. No entanto, em
estudos comparando os dois acessos, foram demonstradas
a mesma incidência de recidiva de tumor em
parede abdominal (16)(17)(18) ou ausência desta complicação
durante os procedimentos laparoscópicos
(19)(20)(21). No presente estudo, não ocorreu recidiva na parede abdominal
em nenhum paciente de ambos os grupos. Parece-nos, portanto, que o tipo de acesso não interfere na
produção de implante em ferida cirúrgica, devendo
relacionar-se mais intimamente com as lesões avançadas e/ou com
a prática de má técnica operatória, independente do
acesso utilizado. Portanto, o acesso laparoscópico
apresenta-se como uma alternativa para o tratamento do
câncer colorretal em pacientes selecionados, ou seja,
naqueles com tumores pequenos (22)(23) ou mesmo com invasão
de toda a parede do intestino mas sem comprometer
órgãos vizinhos. Exceção é feita aos tumores localizados no
reto inferior, pois a área infiltrada pelo tumor é
ressecada durante o tempo perineal da Operação de Miles, de
forma convencional. No entanto, alguns cuidados pré e
trans-operatórios são necessários durante os
procedimentos laparoscópicos. Quando se tratar de pequenas lesões,
sem infiltração da serosa ou em tumores localizados no
cólon transverso, é necessária a tatuagem
trans-colonoscópica pré-operatória com tinta nanquim distalmente à lesão
para que possa ser identificada durante o procedimento
laparoscópico. Deve-se ainda evitar a manipulação do tumor
e proteger a ferida da parede abdominal durante a
retirada do espécime cirúrgico para evitar implante de
células tumorais. É ainda aconselhável, nos tumores
avançados com infiltração de serosa, que se realize a
desinsuflação lenta do pneumoperitônio para evitar dispersão de
células nas feridas dos trocartes.
Conclusão
No tratamento do câncer colorretal, o acesso
laparoscópico produz os mesmos resultados que o
laparotômico no que concerne aos índices de recidiva loco-regional
e sobrevida em cinco anos em pacientes devidamente
selecionados, segundo a nossa avaliação.
Summary: The aim of this paper was to do a comparative analysis between laparoscopic and laparotomic approach in treatment of patients with colorectal cancer concerning to recurrence and survival rates in five years follow up period. Between 1993 to may, 2000, 83 patients were operated on by laparoscopic approach (LC) and 67 by laparotomic approach (LT)), with mean age of 63 and 64,5 years respectively. Female sex was commoner in LC group (49/59,0%) while male sex was more frequent in laparotomic group (39/58.2%). Tumors were located more frequently in the rectum (LC=54/65,0% LT=44 / 65,6%). Anterior resection was the most frequent procedure in both groups (LC=38/52,0% LT=33/49,2%). In order to evaluate the results, the patients were divided in three groups: Alive with disease free, alive with recurrence and mortality rate, excluding the patients without follow up (LC=22 / LT=15). After a follow up period between 6 to 84 months, considering tumors of all stages (TNM), 48 (78,6%) patients from LC group and 38 (73,0%) from LT group were alive with disease free, six (9,8%) from LC group and 5 (9,6%) from LT group were alive with distance recurrence and the general mortality rate was 10 (16,3%) patients from LC group and 9 (17,3%) from laparotomic group. In conclusion, treatment of colorectal cancer, the LC approach produces the same results of laparotomic approach concerning to local recurrence and survival rates in five years follow up in a selected group of patients.
KEY WORDS : Colorectal cancer, laparoscopy
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Buchmann, P, Christen D, Flury R, Luthy A, Bischofberger U
Does laparoscopic colonic carcinoma surgery satisfy the radicality criteria
of open surgery ? Schweiz Med Wochenschr, 125(39):1825-9, 1995.
2- Bessler, S, Whelan RL, Halverson A, Allendorf JDF, Treat MR.
Controlled trial of laparoscopic-assisted vs. Open cólon resection in a porcine
model. Surg. Endosc., 10(7):732-5, 1996.
3- Franklin, M.E.Rosenthal D, Abrego-Medina D, Dorman JP, Glass JL,
Norem R, Diaz A Prospective comparison of open vs. Laparoscopic cólon
surgery for carcinoma. Five-year results. Dis. Cólon
Rectum, 39(10):835-46, 1996.
4- Stage, J.G, Schulze S, Moller P, Overgaard H, Andersen M,
Rebsdorf-Pedersen VB, Nielsen HJ. Prospective randomized study of
laparoscopic versus open colonic resection for adenocarcinoma.
Br. J. Surg., 84(3):391-6, 1997.
5- Reis Neto, JA, Quilici, FA, Cordeiro, F, Reis Junior JA, Kagohara,
O Videolaparoscopia em câncer do reto baixo.
Rev. bras. Colo-Proct., 1997;17(4):234-8.
6- Ramos JR. Ressecção Abdominoperineal do reto por via
laparoscópica. In: Ramos JR, Regadas FSP, Souza JS. Cirurgia Colorretal
por Videolaparoscopia. Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 1997
7- Tate, J.J, Kwok S, Dawson JW, Lau WY, Li AK Prospective comparison
of laparoscopic and conventional anterior resection
Br. J. Surg., 80(11):1396-8, 1993.
8- Delgado F, Bolufer JM, Grau E, Domingo C, Gomez S.
Laparoscopic Colorectal Cancer Resection: Initial Follow-up Results. Surg
Lap. Endoscopy & Percutaneous Techniques 1999;9(2):91-8.
9- Monson, JRT, Hill, ADK, Darzi, A. Laparoscopic colonic surgery
[Review]. Br. J. Surg, 82:150-7, 1995.
10- Goh YC, Eu KW, Seow-Choen F. Early postoperative results of
a prospective series of laparoscopic vs. Open anterior resections
for rectosigmoid cancers. Dis Cólon Rectum, 40:776-80, 1997.
11- Bokey EL, Moore WE, Keating JP, Zelas P, Chapuis PH, Newland
RC. Laparoscopic resection of the colon and rectum for cancer. Br. J.
Surg., 84:822-5, 1997.
12- Alexander RJT, Jaques BC, Mitchell KG. Laparoscopically
assisted colectomy and wound recurrence [Letter]. Lancet, 341:249-50, 1993.
13- O'Rourke N, Price PM, Kelly S, Sikora K. Tumour inoculation
during laparoscopy [Letter]. Lancet, 343:368, 1993.
14- Wexner, SD, Cohen SM. Port site metastases after laparoscopic
colorectal surgery for cure of malignancy. Br. J. Surg., 82:295-8, 1995.
15- Cook TA, Dehn TCB. Port-site metastases in patients
undergoing laparoscopy for gastrointestinal malignancy. Br J. Surg., 83:1419-20, 1996.
16- Regadas, FSP, Ramos JR, Souza JVS, Reis Neto, JA, Gama, AH, Campos,
F, Pandini, LC, Marchiori, M., Cutait R, Pupo Neto, JA, Salgado Neto,
T, Regadas, SMM. Laparoscopic Colorectal Procedures: A
Multicenter Brazilian Experience. Surg. Lap. Endosc & Percutaneous Techniques,
1999; 9(6):395-8.
17- Ramos JM, Gupta S, Anthone GJJ, Orgega AE, Simons AJ, Beart
RW. Laparoscopy and colon cancer. Is the port site at risk? A
preliminary report. Arch. Surg. 1994; 129:897-9.
18- Kwok SP, Lau WY, Carey PD, Kelly SB, Leung SL, Li, AK.
Prospective evaluation of laparoscopic-assisted Large-bowel excision for cancer.
Ann Surg. 1996;223:170-6.
19- Lord, AS, Larach SW, Ferrara A, Williamson PR, Lago CP, Lube,
MW. Laparoscopic resections for colorectal carcinoma. A three year
experience. Dis Cólon Rectum 1996;39:148-54.
20- Hoffmann GC, Baker JW, Dowey, JB, Hubbard GW, Ruffin WK, Wishner
J. Minimally invasive surgery for colorectal cancer. Initial follow-up.
Ann Surg 1996;223:790-8.
21- Reinan-Ramos J, Petrosemolo RH, Valory EA, Polania SC, Peçanha
R. Abdominoperineal resection: laparoscopic versus conventional.
Surg Laparosc Endosc 1997:7:148-52.
22- Adachi Y, Sato K, Shiraishi N, Kakisako K., Kitano S. Tumor Size
of Colorectal Cancer: Indication for Laparoscopic Surgery. Surg Lap
& Endoscopy 1998;8(4):269-72.
23- Kakisako K, Sato K, Adachi Y, Shiraishi N, Kitano S.
Laparoscopic Colectomy for Dukes A Colon Cancer. Surg Lap Endocopy
& Percutaneous Techniques. 2000;10(2):66-70.
Endereço para correspondência:
Francisco Sérgio Pinheiro Regadas
Av. Edilson Brasil Soares, 1892
Edson Queiroz
60834-220 Fortaleza - CE
* Trabalho realizado no Serviço de Colo-Proctologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Ceará e Centro de Colo-Proctologia do Ceará (Clínica São Carlos). Fortaleza-Ceará.