RELATO DE CASO


ABDÔMEN AGUDO COMO COMPLICAÇÃO TARDIA DE ANASTOMOSE DE BOLSA ILEAL EM J AO ÂNUS.

Italo Accetta
Pietro Acetta
Accyoli Moreira Maia
Alfredo
Jorge Vasconcelos Duarte
José Carlos Vieira Trughi


ACCETTA I., ACETTA P., MAIA A.M., DUARTE A.J.V., TRUGHI J.C.V.- Abdômen Agudo como Complicação Tardia de Anastomose de Bolsa Ileal em J ao Ânus. Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2001; 21(3): 153-155.

RESUMO: Os autores reportam um caso de abdômen agudo por microperfurações no íleo distal remanescente, o qual apresentava sinais inflamatórios e dilatação intestinal.
   
O paciente era um homem de 21 anos, submetido a proctocolectomia com anastomose bolsa ileal em J ao anus, quando o mesmo tinha 13 anos de idade com polipose familiar adenomatosa.

UNITERMOS: abdomen agudo, bolsa ileal.

INTRODUÇÃO
A proctocolectomia total tem sido amplamente indicada para os pacientes portadores de retocolite ulcerativa ou de polipose adenomatosa familiar. Apesar de se enquadrarem como doenças benignas, o seu tratamento cirúrgico, tão necessário quanto agressivo, pode ser acompanhado de consideráveis índices de complicações imediatas e a longo prazo.
    Descrever um caso de abdômen agudo, conseqüente a rara complicação tardia em um paciente submetido a colectomia total com proctomucosectomia e anastomose endorretal de bolsa ileal em J ao ânus, constitui o principal objetivo deste relato.

RELATO DO CASO
Paciente branco, masculino, com 21 anos, deu entrada no Serviço de Emergência do Hospital Universitário Antônio Pedro, com queixa de dor abdominal contínua nos dois quadrantes inferiores e febre alta, com evolução de 48 horas e piora progressiva.
    Em seu prontuário médico constava que havia sido submetido, aos 13 anos de idade, a colectomia total com proctomucosectomia e anastomose endorretal de bolsa ileal em J ao ânus, (Esquema no 1) em decorrência de ser portador de polipose adenomatosa familiar. Havia ainda registros de vários episódios de infecção do reservatório ileal, todos tratados clinicamente, sendo que em um deles foi necessária internação hospitalar.
    Ao exame apresentava-se lúcido, orientado, corado, hemodinamicamente estável. O abdômen estava pouco distendido, doloroso à palpação superficial e profunda e com sinais de irritação peritoneal nos quadrantes inferiores. A rotina radiológica para abdômen agudo revelou níveis hidro aéreos e pneumoperitoneo bilateral.
    Com diagnóstico de abdômen agudo por perfuração de víscera oca, iniciamos antibioticoterapia venosa com metronidazol e aminoglicosídeo. Indicamos laparotomia exploradora que foi realizada através de via de acesso mediana supra e infra-umbilical. Uma vez aberta e explorada a cavidade abdominal, encontramos fibrina na pelve e um "coto" do íleo distal à bolsa intestinal, com cerca de 7 x 5 cm de extensão, com paredes extremamente delgadas, bastante inflamado e com microperfurações, (Esquema no 2) confirmadas pela manobra de borracheiro, ou seja insuflação de ar através de cateter previamente colocado pelo ânus e soro fisiológico na cavidade pélvica. Como todo o processo inflamatório encontrava-se restrito ao "coto" ileal, optamos pela ressecção do mesmo, ao nível da bolsa ileal e sutura da abertura intestinal com fio vicrylR 000 em dois planos (Esquema no 3). A evolução foi satisfatória, sem nenhuma intercorrência tendo recebido alta hospitalar no sexto dia de pós-operatório.

Esquema No 1: 1-canal anal; 2- bolsa ileal em J; 3- "coto" da bolsa ileal Esquema no 2. 1- canal anal; 2- bolsa ileal em J; 3- "coto" da bolsa ileal inflamado, dilatado, de paredes delgadas e com microperfurações Esquema no 3: 1- canal anal; 2- bolsa ileal em J; 3 -sutura da abertura ileal após a retirada do "coto" perfurado.

 

DISCUSSÃO
A unanimidade da indicação de proctocolectomia total para o tratamento da retocolite ulcerativa e da polipose adenomatosa familiar não se repete em relação ao tipo de reconstrução do trânsito intestinal que seja capaz de assegurar um baixo índice de complicações, assim como um nível de qualidade de vida aceitável pelos pacientes. Neste aspecto, a elaboração de diversas modalidades de reservatórios através de bolsas ileais imediatamente antes da anastomose íleo anal, tem evoluído de forma bastante positiva. Atualmente estima-se que em 70% dos pacientes submetidos a proctocolectomia total, o trânsito intestinal seria reconstituído através de anastomose de bolsa ileal em J ao ânus (6 e 7).
    Embora de ampla aceitação, este modelo de reservatório ileal também está sujeito a diversas complicações imediatas ou tardias (1, 3 e 5). Dentre estas, uma das mais freqüentes seria a infecção da bolsa ileal, conseqüente a intensa multiplicação bacteriana devido à estase prolongada do conteúdo intestinal na bolsa ileal, por dificuldades no seu esvaziamento.
    PEZIM e col.(4) descreveram a ocorrência de rara complicação em dois pacientes submetidos a proctocolectomia total e anastomose de bolsa ileal em J ao ânus. Esta complicação seria decorrente da não inclusão da parte mais distal do íleo terminal na confecção do reservatório. Esta falha técnica acarretaria a formação de um "coto" que poderia torcer sobre si mesmo, obstruir ou até perfurar esta porção intestinal.
    No paciente por nós tratado, o segmento de íleo distal não incluído na confecção da bolsa ileal em J, media cerca de 1,5 cm no momento da realização do primeiro procedimento. Decorridos oito anos da realização da cirurgia e tendo apresentado neste período vários episódios de infecção do reservatório ileal, o paciente apresentou um quadro de abdômen agudo com indicação de laparotomia exploradora, quando verificamos que o pequeno "coto" do íleo distal aumentara consideravelmente de tamanho, atingindo cerca de 7x5 cm, além de apresentar-se francamente inflamado e com microperfurações. Entendemos que o crescimento do "coto" ileal distal causou, por provável acúmulo de fezes, a sua inflamação e conseqüente perfuração, mas também permitiu o seu tratamento de forma bem simples, através da amputação de toda a área comprometida e perfurada a nível da bolsa ileal, com preservação total da mesma, sem nenhuma necessidade de desfazê-la.
    O exame histopatológico do segmento intestinal ressecado confirmou a presença de processo inflamatório transmural inespecífico com parede intestinal extremamente delgada e peritonite fibrino purulenta. Não foi encontrada no espécime nenhuma evidência de doença inflamatória intestinal crônica do tipo Crohn que, de acordo com GUSTAVSON e col. (2 ), poderia ser causa futura de complicação na bolsa ileal.

ABSTRACT: The authors report a case of acute abdomen due to microperforations in the distal ileum remnant wich presented intense inflammatory signs as well as great bowel dilatation. This was a 21 year old male patient submitted to total proctocolectomy with J pouch anal anastomosis when he was thirteen years old with previous diagnosis of familial adenomatous polyposis.

KEY WORDS: acute abdomen, ileal pouch.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
1- Galandiuk, S.; Scott, N. A. ; Dozois, R. R.; Kelly, K.A.; Ilstrup, D. M.; Beart, R. W.; Wolff, B. G.; Pemberton, J. H.; Nivatvongs,S. & Devine, R. M. Ileal pouch anal anastomosis. Reoperation for pouch related complications. ANN. SURG. 1990; 212(4); 446-54.
2- Gustavson, S.; Weiland, L.S.; Kelly, K. Relationship of backwash ileitis to ileal pouchitis after ileal pouch anal anastomosis. DIS. COL.& RECT. 1987, 30(1); 25-8.
3- Lavery, J. C.; Sirimarco, M. T.; Ziv, Y. & Fazio, V. W. Anal canal inflamation after ileal pouch anal anastomosis. The need for treatment. DIS. COL. & RECT. 1995, 38(8); 803-6.
4- Pezim, M. E.; Taylor, B. A.; Davis, C. J. & Beart, R. V. Perforation of terminal ileal appendage of pelvic ileal reservoir. DIS. COL. & RECT. 1987, 30(3); 161-3.
5- Shoetz, D. J.; Coller, J. A. & Veidenheimer, M. C. Can the pouch be saved? DIS. COL. & RECT. 1988, 31(9); 671-75.
6- Trugilho, J. C. V. Contribuição ao tratamento cirúrgico da polipose adenomatosa familiar. Tese de mestrado em cirurgia gastroenterológica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, 56 p., 1996
7- Utsunomiya, J. & Shoghi, Y. Surgical management of total ulcerative colitis and familial adenomatous polyposis. J. Formos. Med. Assoc. 1995, 94(5); 213-20.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:
Italo Accetta
Rua Mariz e Barros, 51 apto 1201 - Icaraí
24.220-120 - Niterói (RJ)

Trabalho realizado pela Disciplina de Cirurgia de Urgência, pelo Curso de mestrado em Cirurgia Gastroenterológica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense e pela Disciplina de Clínica Cirúrgica 2 da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho