TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO


Fernando Cordeiro - TSBCP
Francisco Sérgio Pinheiro Regadas - TSBCP
Geraldo Magela Gomes da Cruz - TSBCP
Plinio Conte de Faria Júnior - TSBCP

CORDEIRO F, REGADAS FSP, CRUZ GMG, FARIA JUNIOR PC. Tribuna Livre: Como eu faço. Rev bras Coloproct, 2001; 21(3): 196-201

Como sempre, gostaríamos de agradecer aos nossos colegas a participação nesta seção, pois, sem eles, ela não existiria. Lembramos sempre que o nosso objetivo é favorecer a participação de todos, permitindo assim que emitam suas opiniões livremente.
    Além destes agradecimentos, gostaríamos de lembrar aos colegas que esta é uma TRIBUNA LIVRE e não há necessidade de convites para que sua opinião seja discutida. Enquanto houver distintos posicionamentos dos apresentados, o tema será mantido ou retornará à discussão, porém não serão publicados os textos considerados contestatórios.
    Gostaríamos ainda de solicitar aos colegas que queiram participar, que enviem sugestões de novos temas ou perguntas, bem como suas condutas nos casos discutidos.
    Àqueles interessados em colaborar, manteremos sempre um canal aberto pelo fax 019.32543839 ou E.mail: fernandocordeiro@globo.com

Nesta edição discutiremos o tema: "Hemorragia Digestiva Baixa na urgência", com a colaboração de membros da nossa Sociedade:

1. Como você inicia a avaliação diagnóstica do doente com hemorragia digestiva baixa?
Dr.Francisco Regadas
Inicio através do exame proctológico, procurando afastar as causas anais, sobretudo as hemorróidas. Segue-se a colonoscopia após o preparo anterógrado do intestino com solução fosfatada.

Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz A nossa avaliação está centrada nos seguintes aspectos:
1. EXAMES CLÍNICOS:
a. Anamnese ou História da Moléstia Atual: o médico deverá coletar sintomas que possibilitem encaminhar os diagnósticos causal e topográfico: sintomas dispépticos (náuseas, azia, refluxo, epigastralgia, hematêmese), colônicos (cólicas abdominais, alteração do hábito intestinal, modificações das fezes), retais (sensação de plenitude retal, sensação de evacuação incompleta, sensação premente de evacuar, exteriorização anal aos atos defecatórios), anais (dificuldade para evacuar, dor anal às evacuações, presença de mamilos anais), relacionados ou não ao ato defecatório, bem como o aspecto físico do sangue (melena, sangue coagulado, semicoagulado, vermelho vivo em estrias, esborrifado, em gotas ou em jato). Paralelamente à coleta de sintomas, o médico colherá, ao exame físico e ectoscópico, dados inestimáveis para a colimação do diagnóstico, principalmente de intensidade da hemorragia: estado de consciência e orientação, reflexos musculares, anemia, edema, perfusão, ritmo respiratório, dispnéia, pulso, pressão arterial e tantos outros...
b. Antecedentes Mórbidos Pessoais: ainda compondo o exame clínico, é de fundamental importância a exploração clínica dos antecedentes mórbidos pessoais. Entre os antecedentes pessoais estão as doenças do próprio cólon (e.g. doença diverticular, RCUI, colopatias neuropsicogênicas), doenças anais (e.g. hemorróidas, fissura anal), doenças gastrointestinais (e.g. hérnia de hiato, úlcera péptica, gastrite), doenças sistêmicas extracolônicas (e.g. arteriosclerose, cardiopatias, mieloma, linfoma, uremia, infecções), síndromes hemorrágicas (e.g. púrpuras, leucemias, hemofilia, trombocitopenias), uso de certos medicamentos (e.g. anticoagulantes, aspirina, corticóides, quimioterápicos, anti-inflamatórios). Todas estas doenças e condições podem ser determinantes de uma HDB e, como tal, devem ser avaliadas dentro de suas importâncias em cada caso. Da mesma forma, acometimentos familiares podem interferir no desenca-deamento de hemorragia, marcando as doenças que apre-sentam caráter hereditário (e.g. casos de hemofilia, de cardiopatia, de púrpura, de colagenoses e tantas outras). Em suma, tudo é importante na abordagem de uma HDB.
2. Exame hematológico:
Paralelamente ao exame clínico é de suma importância o exame hematológico, visando dois principais aspectos, quais sejam o volume de sangue perdido pelo paciente ou intensidade da hemorragia e o coagulograma básico. No exame hematológico, a contagem de hemácias, a dosagem de hemoglobina e o hematócrito traduzem a intensidade da HDB, conforme foi caracterizado anteriormente: HDB inaparente (valores hematimétricos normais ou discre-tamente baixos), HDB leve ou de pequeno porte (contagem baixa de hemácias superior a 3.500.000/mm3, dosagem de hemoglobina baixa acima de 10,0 g% e hematócrito baixo acima de 30%), HDB de médio porte ou moderada (contagem de hemácias entre 2.500.000/mm3 e 3.000.000/mm3, dosagem de hemoglobina entre 7,0 e 10,0 g% e hematócrito entre 25% e 30%) e HDB grave ou maciça ou de grande porte (contagem de hemácias abaixo de 2.500.000/mm3, dosagem de hemoglobina abaixo de 7,0 g% e hematócrito abaixo de 25%). Um coagulograma básico e simples, constituido pela contagem de plaquetas, determinações do tempo de sangria, tempo de protrombina e tempo parcial de tromboplastina (PTT) deve compor a rotina da abordagem clínica e hematológica do paciente com HDB.
3. Exame Proctológico:
É absolutamente indispensável, devendo ser realizado imediatamente após o exame clínico, em decorrência de sua simplicidade, de sua disponibilidade universal, e de um elevado poder de resolução diagnóstica, abrangendo as doenças ano-reto-colônicas até 30 cm de altura. O exame proctológico visa, não apenas dar um diagnóstico causal da HDB localizada ao seu alcance, mas, também, dar orientações propedêuticas sobre a seqüência e a evolução da hemorragia. Assim, o exame proctológico pode ter os seguintes resultados no tocante ao diagnóstico da HDB:
a. Exame Proctológico Positivo: é quando o exame encontra a patologia causadora da hemorragia, fazendo os diagnósticos causal ou etiológico e topográfico, quer pela simples inspecção (e.g. hemorróida, prolapso ou procidência retais, tumores anais ou tumores retais exteriorizados pelo ânus), pelo toque retal (e.g. tumores retais, pólipos retais) ou pela retossigmoidoscopia (e.g. câncer ou pólipo no sigmóide, RCUI, óstios diverticulares).
b. Exame Proctológico Parcialmente Positivo: é quando o exame encontra a causa da hemorragia, mas se
 evidenciar o local do sangramento, pelo fato de a doença hemorrágica ser difusa ou múltipla (e.g. doença diverticular colônica difusa, RCUI, poliposes colônicas, pólipos colônicos múltiplos).
c. Exame Proctológico Indiretamente Positivo: é quando o exame não encontra a patologia causadora da hemorragia, mas constata a presença de sangue na região retossigmoi-deana. Sendo o sangue vermelho vivo, a conclusão lógica é a de que se trata de alguma patologia de hemicólon esquerdo e que o sangramento é atual, processando-se durante o próprio exame, estando a hemorragia em curso. O encontro, ao exame proctológico, de sangue coagulado e semicoagulado, faz suspeitar de alguma patologia hemorrágica à altura do hemicólon direito, se a história do paciente era de que apresentava, antes do exame, evacuações de sangue com o mesmo aspecto. O mesmo achado de sangue coagulado e semicoagulado pode traduzir alguma patologia de hemicólon esquerdo, no caso de o paciente trazer história de eliminação de sangue vermelho vivo prévio ao exame. O encontro de melena significa hemorragia oriunda de estômago ou duodeno, se foi precedida de hematêmese ou de sintomas dispepti-formes; pode significar, também, hemorragia oriunda do intestino delgado, na ausência de quaisquer sintomas dispépticos prévios; pode, excepcionalmente, indicar hemorragia de hemicólon direito, em casos de pacientes que apresentem acentuada constipação intestinal que não muda com o processo hemorrágico.
d. Exame Proctológico Negativo: é quando o exame proctológico não detecta patologia hemorrágica e nem a presença de sangue na ampola retal, ainda que demonstre alguma patologia concomitante (e.g. hemorróidas, fissura anal, retites). A primeira suspeita é a de que a hemorragia cessou, qualquer que tenha sido a fonte ou a causa, e o paciente eliminou todo o sangue extravasado antes do exame proctológico. Pode significar ainda que a hemorragia decorre de alguma patologia acima de 30 cm de altura do ânus, ainda persiste, mas o paciente já exonerou o sangue que chegou até a região retossigmoideana.
4. Colonoscopia:
A colonoscopia é um exame de indubitável valor na propedêutica das HDB, embora durante algum tempo tivesse sido relegada a segundo plano, em decorrência da exigência de um bom preparo intestinal para sua execução. Atualmente é vista, por muitos, como a melhor arma propedêutica na abordagem de tais hemorragias. A colonoscopia pode encontrar a causa e o local da hemorragia, efetuando os diagnósticos causal e topográfico (e.g. câncer no sigmóide, pólipo colônico, doença de Crohn ileocecal). Pode, também, fazer o diagnóstico causal, falhando no diagnóstico topográfico da hemorragia (e.g. polipose intestinal, RCUI, doença diverticular colônica difusa), e, mesmo, não fazer o diagnóstico (e.g. patologias vasculares), demonstrando que também tem suas limitações. A colonoscopia assume papel importantíssimo nas HDB ocasionadas por pólipos intestinais e mesmo outros tumores intestinais (e.g. lipomas, câncer), extirpando-os, constituindo-se em arma propedêutica e terapêutica ao mesmo tempo. Pode, também, em casos de hemorragias em cânceres, traumatismos, arrancamento de pólipos, pós-operatório de polipectomias, assumir ares de arma terapêutica, cauterizando ou coagulando o ponto hemor-rágico.
    Não sendo o diagnóstico da HDB feito pelo exame proctológico, persistindo a hemorragia, o próximo passo propedêutico, havendo tal exame disponível, é a colonoscopia. Vista inicialmente como uma arma propedêutica precária frente a uma HDB, por motivos de falta de preparo intestinal, a aceitação da colonoscopia como importantíssimo meio propedêutico das HDB é incontestável, embora ainda seja negada por alguns autores. A colonoscopia pode detectar a causa e a topografia da hemorragia (e.g. pólipo intestinal, câncer colorretal, estenose colorretal), a causa e não a topografia (e.g. doença diverticular colônica difusa, RCUI) e nem a causa ou a topografia (e.g. angiodisplasias). Detectando a colonoscopia a causa e a topografia da hemorragia, como no caso dos pólipos, em que ela reina soberana, pode remover a causa durante o próprio exame (e.g. polipecto-mia), ou estancar a hemorragia por cauterização sem remo-ver a causa por impossibilidade (e.g. câncer) ou inexis-tência de doença (e.g. traumatismo, soltura de ligaduras de pólipos em polipectomias endoscópicas).
5. Angiografias Seletivas:
Dispondo o hospital deste recurso, é o que deve seguir a colonoscopia, ante o insucesso deste meio propedêutico. Passado o cateter pela artéria ilíaca e penetrando a aorta e os ramos da mesentérica superior e inferior, conforme a suspeita topográfica, o contraste injetado poderá fluir para dentro da luz intestinal da região drenada, revelando o local da hemorragia sem revelar sua causa (e.g. RCUI, doença diverticular colônica difusa, câncer, pólipo). Poderá, também, revelar, não apenas o local da hemorragia, mas também encher um tufo hemangiomatoso ou microfístulas arteriovenosas, demonstrando a existência de alguma angiodisplasia intraparietal. Em determinados casos, pode-se tentar, algumas vezes com sucesso, a embolização do ponto de sangramento através de instilação, pelo próprio cateter, de substâncias coagulantes tópicas (pó de Gelfoam®) ou de vasoconstrictores tópicos (vasopressina). Frente ao insucesso da arteriografia, persistindo a hemorragia, surge a cintilografia como o passo propedêutico seguinte.
6. Cintilografia:
Dispondo o hospital deste recurso, poderá ser tentada a injeção, no paciente, de certo volume de seu próprio sangue previamente removido, com hemácias marcadas com Tecnécio 99m. A passagem de tais hemácias para a luz intestinal será captada pelo cintilógrafo, denunciando o local, nunca a causa, da HDB, dependendo, para tal, do débito de perda sangüínea. Nas HDB usam-se os radionuclídeos de alta concentração e rápido desapare-cimento, e os radionuclídeos marcadores de elementos figurados sangüíneos. Os primeiros foram adaptados à propedêutica das hemorragias por alavi & Mclean e winzelberg et als.: O elemento radionuclear que melhor se presta para este exame é o Tecnécio 99m (Tc99m), pois tem as características exigidas: alta concentração e rápido desaparecimento do sangue circulante. Os segundos, os radionuclídeos marcadores de elementos sangüíneos figurados, o radionuclídeo que melhor se adapta a tal procedimento é, também, o Tecnécio 99m, em decorrência de sua capacidade de marcar as hemácias circulantes do receptor. Saindo hemácias marcadas do espaço vascular para o interior dos cólons, está automaticamente demonstrado o local da hemorragia. Os sangramentos gastrointestinais são avaliados com hemácias marcadas com o mesmo agente da cintigrafia hepática e do baço e da medula óssea, o colóide de enxofre - Tc99m, podendo avaliar sangramentos de vazão acima de 0,05 mL/minuto. A hemorragia ativa é demonstrada pelo acúmulo do radioisótopo no local do sangramento, devendo ser diferenciada do acúmulo no fígado e no baço e na medula óssea, que também captam este radioelemento, na proporção de fígado 85%, medula óssea 10% e baço 5%.
7. Trânsito Digestivo:
Nunca constitui um exame complementar convencional na abordagem propedêutica das HDB, uma vez que visa, basicamente, o estudo do intestino delgado, sede excepcional de causas de hemorragias diagnosticáveis por esta técnica (e.g. lipomas, divertículos). Destarte, pode o trânsito digestivo inserir-se na propedêutica de doenças hemorrágicas do tubo digestivo que não põem em risco iminente a vida do paciente.
8. Enema Opaco:
Recurso propedêutico inestimável, reinou soberano ao lado do exame clínico e exame proctológico durante muitas décadas, possibilitando os diagnósticos das HDB. O enema opaco exige, da mesma forma que a colonoscopia, um razoável preparo intestinal para sua viabilização. Pode apresentar 3 resultados: visualizar o local e a causa da hemorragia (e.g. pólipos, câncer, estenoses), visualizar a causa e não detectar o local da hemorragia (e.g. doença diverticular dos cólons, RCUI, poliposes intestinais) e não visualizar causas ou locais da hemorragia (e.g. angiodis-plasias, traumatismo). O advento da colonoscopia e das arteriografias digitais seletivas deslocou este exame para casos especiais. Mas continua, em um pais ainda sem recursos financeiros condizentes com as exigências da área de saúde, a imperar, sem concorrentes, após o exame proctológico. Não há dados estastísticos, mas, certamente, em mais de 90% dos hospitais brasileiros, a propedêutica das HDB passa do exame clínico e exame proctológico para o enema opaco, por indisponibilidade de colonoscopia, arteriografia digital e cintilografia.
9. Laparotomia:
A laparotomia se impõe quando a HDB é grave, não é debelada pelas medidas clínicas disponíveis, a vida do paciente está em risco iminente, os recursos propedêuticos e terapêuticos se esgotaram, sendo ela levada a termo em 3 circunstâncias distintas.
    Laparotomia visando tratamento cirúrgico de uma patologia hemorrágica diagnosticada causal e topograficamente (e.g. câncer no sigmóide, doença de Crohn ileocecal, pólipo no cólon ascendente), em que a hemorragia não cessa, sendo as colectomias segmentares e colectomias totais as melhores opções, estas últimas dominando o cenário das preferências atuais.
    Laparotomia visando tratamento cirúrgico de uma patologia colorretal hemorrágica diagnosticada causalmente, mas com topografia incerta (e.g. doença diverticular colônica difusa, polipose intestinal, RCUI), em que a colectomia total com anastomose ileo-retal é a melhor opção.
    Laparotomia exploradora, em que não foram feitos diagnósticos causal ou topográfico, visando a laparotomia elucidar a nosologia hemorrágica. Nesta circunstância, em que a laparotomia assume ares inquestionáveis de arma propedêutica, sempre se deve ter em mente que o intestino grosso está repleto da maior e mais perigosa cepa de bactérias do corpo humano, misturada a sangue apodrecido, que constitui o melhor meio de cultura existente. Assim, todo cuidado e toda experiência cirúrgica são poucos diante de tal adversidade: qualquer tentativa de colotomia propedêutica é condenada. No inventário da cavidade abdominal, jamais se deve esquecer que o intestino delgado também pode ser sede de doenças hemorrágicas detectáveis à simples apalpação (e.g. divertículos, lipomas, pólipos).ou às arteriografias simples peroperatórias (e.g. angiodisplasias congênitas ou adquiridas).

Dr. Plinio Conte de Faria Jr.- A avaliação diagnóstica em pacientes com hemorragia digestiva baixa (HDB) deve ser iniciada por anamnese, exame físico e solicitação de dosagem de hemoglobina e hematócrito, juntamente com o restabelecimento das condições volêmicas, que sempre devem preceder a propedêutica propriamente dita.
    Considerando a situação específica da HDB, iniciaria com exame proctológico bem feito, seguido de endoscopia digestiva alta, pois 11% dos casos de HDB têm origem no trato digestório superior (para esse exame não é necessário preparo, somente jejum de 4 a 6 horas).
    Se após esses procedimentos ainda não tivermos o diagnóstico, estariam indicados colonoscopia e, se essa for inconclusiva, realizaríamos a cintilografia com hemácias marcadas com Tc 99m.

2. Quais as limitações do exame colonoscópico?
Dr.Francisco Regadas
A principal limitação é a dificuldade em preparar o colon, principalmente nos pacientes que continuam sangrando pois, apesar do uso da solução fosfatada ou manitol, permanecem coágulos na luz intestinal, dificultando a visualização da mucosa colônica.

Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz - Considerando-se que quem deve fazer o exame colonoscópico não deve ser um proctologista ou um colonoscopista, mas quem tem experiência em fazer colonoscopia em vigência de HDB. Pois uma perfuração intestinal pelo colonoscópio é mais grave que a HDB. Assim a primeira limitação é do próprio médico, que deve ser experiente na abordagem de tais casos. A colonoscopia, na vigência de uma HDB deve ser sempre feita dentro de blocos cirúrgicos, e jamais em clínicas divorciadas de um hospital, pois tanto pode ocorrer uma grave complicação (perfuração), como pode a hemorragia se intensificar e ocorrerem complicações decorrentes dela, como choque, parada cardíaca, entre outras. Além do mais, a necessidade de sangue, plasma, soroterapia, cardiotônicos, entre outros medicamentos, impedem tais exames em clínicas. Assim, as limitações podem ser do médico, do paciente e dos insumos oferecidos pelo hospital.

Dr.Plinio Conte de Faria Jr.- Após a estabilização hemodinâmica do paciente, não creio haver limitações para o exame colonoscópico, pois em sendo o sangue um excelente catártico, o cólon normalmente já deverá estar limpo de fezes; pelo uso de laxantes por via oral ou através de sonda nasogástrica, como manitol a 10% em volume de 750 a 1000 ml, administrados rapidamente ( por volta de 1 hora); ou mesmo pela realização de enemas com soro fisiológico morno (1 a 2 litros), conseguiríamos retirar os coágulos existentes, garantindo com isso um exame adequado.

3. Como proceder no doente hipotenso e que não recupera a condição hemodinâmica após a reposição volêmica?
Dr.Francisco Regadas
Constatar inicialmente se a hipotensão é exclusivamente de origem hipovolêmica. Se confirmado, indicamos laparotomia exploradora.

Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz - Se o paciente não recupera a condição hemodinâmica após a reposição volêmica é porque deve a hemorragia estar em curso, não estancada., o que pode ser confirmado pela eliminação de sangue vermelho vivo pelo ânus com a aplicação de pequenos clisteres destinados a remover o sangue. Caso após todas as tentativas de estancar a hemorragia ela persiste, colocando em risco iminente a vida do paciente, a opção cirúrgica deve ser pensada. Neste caso há duas alternativas iniciais: há diagnóstico causal da HDB ou não. Havendo diagnóstico causal, como uma doença diverticular colônica difusa, uma RCUI, uma polipose, e não tendo sido a hemorragia visível e estancada pelo colonoscopista, surge a opção da arteriografia seletiva, que pode fazer o diagnóstico do local do sangramento e intervir por embolização, estancando o processo hemorrágico. Não havendo disponibilidade deste recurso no hospital, a opção cirúrgica é inevitável, devendo-se optar pela colectomia ou retocolectomia total, conforme se trate de uma doença diverticular (que poupa o reto) ou de uma RCUI ou uma polipose.

Dr.Plinio Conte de Faria Jr.- Um paciente com o quadro descrito aparentemente continua perdendo volume sangüíneo, apesar das medidas terapêuticas instituídas. Apesar disso, ainda devemos tentar realizar o exame colonoscópico, com o preparo descrito na resposta 2, seja em ambiente de UTI, ou até mesmo na sala cirúrgica, como tentativa de identificação do sítio de sangramento. Não sendo possível a identificação do local da hemorragia e tendo sido afastadas as causas proctológicas e do trato digestório superior, possivelmente a melhor conduta seria a ressecção cirúrgica do cólon, com ileo-reto anastomose.

4. Quando indica cintilografia e quais as vantagens e desvantagens do método? E a arteriografia?
Dr.Francisco Regadas
CINTILOGRAFIA: Nunca tivemos a oportunidade de indicá-la pois é um exame de acesso mais difícil e requer tempo muito prolongado para realizá-lo, enquanto que o doente com hemorragia digestiva baixa necessita de decisão rápida.
- ARTERIOGRAFIA: É o exame de escolha caso a colonoscopia seja inconclusiva e persista o sangramento.

Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz - Arterio-grafia: Não é um recurso rotineiro e inexiste na maioria absoluta dos hospitais. Havendo um arteriografista experiente (e de plantão dentro do hospital), é a arteriografia seletiva um excelente método propedêutico e frequentemente terapêutico, desde que o sangramento enseja um débito acima de 0,5 ml por minuto. A arteriografia nem sempre revela a causa da HDB, à exceção das malformações vasculares; revela o local dela, podendo intervir com embolização de seu suprimento sangüíneo, seja com drogas isquemiantes ou vasopressoras, seja com pó de Gelfoam.
    Cintilografia: É outro recurso que não se insere na rotina da maioria absoluta dos hospitais. Somente deve ser tentada quando a causa da HDB não foi detectada pela colonoscopia ou mesmo pela arteriografia seletiva. Da mesma forma que a arteriografia seletiva, a cintilografia não revela a causa, mas apenas o local da hemorragia. E tem uma grande desvantagem: não pode intervir, resumindo-se ao ato propedêutico. Há necessidade de um débito sangüíneo mínimo para que a hemorragia seja detectada, seja por radioisótopos seja por hemácias ou mesmo colóide marcados.

Dr. Plinio Conte de Faria Jr.- A cintilografia estaria indicada quando, tanto o exame proctológico quanto os endoscópicos, incluindo a endoscopia digestiva alta e a colonoscopia, não tiverem tido êxito diagnóstico. A cintilografia com Tc 99, deve ser o primeiro método a ser utilizado, pois pode ser positivo com perdas sangüíneas tão pequenas quanto 0,1 ml/min, enquanto na arteriografia o volume necessário é de, no mínimo, 0,5 ml/min. A desvantagem da cintilografia é que, em aproximadamente metade dos pacientes, tal exame é negativo, sendo necessário que o paciente apresente sangramento ativo no momento do exame, representado pela perda de sangue rutilante, o que aumentaria a acurácia do método. Outra desvantagem seria quanto à indicação de procedimentos cirúrgicos, com base apenas no diagnóstico cintilográfico, tendo sido descritos, inclusive, casos de pessoas com sangramento recorrente após o procedimento cirúrgico ter sido realizado baseado somente no estudo cintilográfico. Desse modo, é importante que a confirmação da localização do sítio de sangramento seja feita através do estudo angiográfico.
    Como vantagem, além da identificação de perdas sangüíneas de pequenas proporções, estaria a de reconhecer a população de pacientes que, apresentando exame negativo, possivelmente não necessitariam de procedimentos terapêuticos.

5. Comentários adicionais?
Dr. Geraldo Magela Gomes da Cruz
- Frente a um paciente com HDB a abordagem propedêutica visa identificar três questões fundamentais: volume de sangue perdido, local do sangramento e a sua etiopatogenia. Da definição destas questões depende a conduta a ser seguida.
    Os principais métodos propedêuticos utilizados para o diagnóstico da HDB são:
- Exame clínico criterioso
- Exame proctológico
- Exame hematológico
- Colonoscopia
- Angiografia, através da cateterização seletiva da artéria mesentérica superior e/ou da mesentérica inferior
- Exame radiológico contrastado - enema opaco
- Exame radiológico contrastado - trânsito digestivo
- Cintilografia, com hemácias marcadas com Tecnécio 99m e outros marcadores
- Laparotomia, nos enfermos com indicação para abordagem cirúrgica da HDB
    Nos doentes com HDB moderada ou grave a hospitalização é imperativa e o atendimento deve ser feito em caráter de urgência: jejum, repouso no leito, monito-rização (pulso, da pressão arterial e da pressão venosa central e sondagem urinária), venóclise, exames labora-toriais (hematócrito, hemoglobina, plaquetas, uréia, creatinina, pCO2, CO2, Na, K e Cl), limpeza intestinal, utilização sistêmica de antimicrobianos de amplo espectro, restabelecimento dos dados vitais que se fizerem necessá-rios e início da propedêutica, visando determinação do local, da causa e da intensidade do sangramento. Havendo parada da HDB, os métodos propedêuticos devem ser suspensos e aguardar a evolução. Continuando a HDB, os métodos propedêuticos devem seguir a ordem algorít-mica assinalada, podendo, durante algum ato propedêu-tico, como o exame proctológico, a colonoscopia ou a arteriografia, se sobrepor o ato terapêutico. A cirurgia laparotomia para colectomias deve ser encarada como uma possibilidade heróica e fora de cogitação na grande maioria das HDB.

Esta rodada de perguntas e respostas encerra esta seção da TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO. Agradecemos novamente a inestimável colaboração dos colegas que prontamente responderam à nossa solicitação e tornaram possível a realização de mais uma tribuna.
   
Este tema é amplo e nossa intenção é a de dar um rápido enfoque do tratamento da enfermidade em vários locais alcançados por nossa Sociedade.
   
Se você tem alguma opinião divergente ou gostaria de completar aquilo que foi aqui referido, escreva-nos.
   
Gostaríamos de ter sua participação efetiva independente de sua titulação dentro da sociedade e mais uma vez agradecer àqueles que de maneira tão rápida, gentil e extremamente concisa colaboraram para manter acesa conosco a chama desta TRIBUNA.

Novamente, o nosso fax é: 019.32543839 e E.mail: fernandocordeiro@globo.com.

Participe.

Fernando Cordeiro