TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO
Como sempre, gostaríamos de agradecer aos
nossos colegas a participação nesta seção, pois, sem eles, ela
não existiria. Lembramos sempre que o nosso objetivo
é favorecer a participação de todos, permitindo assim
que emitam suas opiniões livremente.
Além destes agradecimentos, gostaríamos de
lembrar aos colegas que esta é uma TRIBUNA
LIVRE e não há necessidade de convites para que sua opinião seja
discutida. Enquanto houver distintos posicionamentos
dos apresentados, o tema será mantido ou retornará à
discussão, porém não serão publicados os textos
considerados contestatórios.
Gostaríamos ainda de solicitar aos colegas que
queiram participar, que enviem sugestões de novos temas
ou perguntas, bem como suas condutas nos casos discutidos.
Àqueles interessados em colaborar, manteremos
sempre um canal aberto pelo fax 019.32543839
ou E.mail: fernandocordeiro@globo.com
Nesta edição discutiremos o tema: "Hemorragia Digestiva Baixa na urgência", com a colaboração de membros da nossa Sociedade:
1. Como você inicia a avaliação diagnóstica
do doente com hemorragia digestiva baixa?
Dr.Francisco Regadas Inicio através do
exame proctológico, procurando afastar as causas anais,
sobretudo as hemorróidas. Segue-se a colonoscopia após o
preparo anterógrado do intestino com solução fosfatada.
Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz A nossa avaliação está centrada nos seguintes aspectos:
1. EXAMES CLÍNICOS:
a. Anamnese ou História da Moléstia Atual: o
médico deverá coletar sintomas que possibilitem encaminhar
os diagnósticos causal e topográfico: sintomas
dispépticos (náuseas, azia, refluxo, epigastralgia,
hematêmese), colônicos (cólicas abdominais, alteração do hábito
intestinal, modificações das fezes), retais (sensação de plenitude
retal, sensação de evacuação incompleta, sensação premente
de evacuar, exteriorização anal aos atos defecatórios),
anais (dificuldade para evacuar, dor anal às evacuações,
presença de mamilos anais), relacionados ou não ao ato
defecatório, bem como o aspecto físico do sangue (melena,
sangue coagulado, semicoagulado, vermelho vivo em
estrias, esborrifado, em gotas ou em jato). Paralelamente à
coleta de sintomas, o médico colherá, ao exame físico
e ectoscópico, dados inestimáveis para a colimação
do diagnóstico, principalmente de intensidade da
hemorragia: estado de consciência e orientação, reflexos
musculares, anemia, edema, perfusão, ritmo respiratório, dispnéia,
pulso, pressão arterial e tantos outros...
b. Antecedentes Mórbidos Pessoais: ainda compondo
o exame clínico, é de fundamental importância a
exploração clínica dos antecedentes mórbidos pessoais. Entre
os antecedentes pessoais estão as doenças do próprio cólon
(e.g. doença diverticular, RCUI, colopatias
neuropsicogênicas), doenças anais (e.g. hemorróidas, fissura anal),
doenças gastrointestinais (e.g. hérnia de hiato, úlcera péptica,
gastrite), doenças sistêmicas extracolônicas (e.g.
arteriosclerose, cardiopatias, mieloma, linfoma, uremia, infecções),
síndromes hemorrágicas (e.g. púrpuras, leucemias,
hemofilia, trombocitopenias), uso de certos medicamentos
(e.g. anticoagulantes, aspirina, corticóides, quimioterápicos,
anti-inflamatórios). Todas estas doenças e condições podem
ser determinantes de uma HDB e, como tal, devem ser
avaliadas dentro de suas importâncias em cada caso. Da mesma
forma, acometimentos familiares podem interferir no
desenca-deamento de hemorragia, marcando as doenças que
apre-sentam caráter hereditário (e.g. casos de hemofilia,
de cardiopatia, de púrpura, de colagenoses e tantas outras).
Em suma, tudo é importante na abordagem de uma HDB.
2. Exame hematológico:
Paralelamente ao exame clínico é de suma
importância o exame hematológico, visando dois principais
aspectos, quais sejam o volume de sangue perdido pelo paciente
ou intensidade da hemorragia e o coagulograma básico.
No exame hematológico, a contagem de hemácias, a
dosagem de hemoglobina e o hematócrito traduzem a intensidade
da HDB, conforme foi caracterizado anteriormente:
HDB inaparente (valores hematimétricos normais ou
discre-tamente baixos), HDB leve ou de pequeno porte
(contagem baixa de hemácias superior a
3.500.000/mm3, dosagem de hemoglobina baixa acima de 10,0 g% e hematócrito
baixo acima de 30%), HDB de médio porte ou
moderada (contagem de hemácias entre
2.500.000/mm3 e
3.000.000/mm3, dosagem de hemoglobina entre 7,0 e 10,0 g%
e hematócrito entre 25% e 30%) e HDB grave ou maciça
ou de grande porte (contagem de hemácias abaixo
de 2.500.000/mm3, dosagem de hemoglobina abaixo de
7,0 g% e hematócrito abaixo de 25%). Um coagulograma
básico e simples, constituido pela contagem de
plaquetas, determinações do tempo de sangria, tempo de
protrombina e tempo parcial de tromboplastina (PTT) deve compor
a rotina da abordagem clínica e hematológica do
paciente com HDB.
3. Exame Proctológico:
É absolutamente indispensável, devendo ser
realizado imediatamente após o exame clínico, em decorrência
de sua simplicidade, de sua disponibilidade universal, e de
um elevado poder de resolução diagnóstica, abrangendo
as doenças ano-reto-colônicas até 30 cm de altura. O
exame proctológico visa, não apenas dar um diagnóstico causal
da HDB localizada ao seu alcance, mas, também,
dar orientações propedêuticas sobre a seqüência e a
evolução da hemorragia. Assim, o exame proctológico pode ter
os seguintes resultados no tocante ao diagnóstico da HDB:
a. Exame Proctológico Positivo: é quando o
exame encontra a patologia causadora da hemorragia, fazendo
os diagnósticos causal ou etiológico e topográfico, quer
pela simples inspecção (e.g. hemorróida, prolapso ou
procidência retais, tumores anais ou tumores retais exteriorizados
pelo ânus), pelo toque retal (e.g. tumores retais, pólipos
retais) ou pela retossigmoidoscopia (e.g. câncer ou pólipo
no sigmóide, RCUI, óstios diverticulares).
b. Exame Proctológico Parcialmente Positivo: é
quando o exame encontra a causa da hemorragia, mas se
evidenciar o local do sangramento, pelo fato de a
doença hemorrágica ser difusa ou múltipla (e.g. doença
diverticular colônica difusa, RCUI, poliposes colônicas,
pólipos colônicos múltiplos).
c. Exame Proctológico Indiretamente Positivo: é
quando o exame não encontra a patologia causadora da
hemorragia, mas constata a presença de sangue na região
retossigmoi-deana. Sendo o sangue vermelho vivo, a conclusão lógica
é a de que se trata de alguma patologia de hemicólon
esquerdo e que o sangramento é atual, processando-se durante
o próprio exame, estando a hemorragia em curso. O
encontro, ao exame proctológico, de sangue coagulado e
semicoagulado, faz suspeitar de alguma patologia hemorrágica à altura
do hemicólon direito, se a história do paciente era de
que apresentava, antes do exame, evacuações de sangue com
o mesmo aspecto. O mesmo achado de sangue coagulado
e semicoagulado pode traduzir alguma patologia de
hemicólon esquerdo, no caso de o paciente trazer história de
eliminação de sangue vermelho vivo prévio ao exame. O encontro
de melena significa hemorragia oriunda de estômago ou
duodeno, se foi precedida de hematêmese ou de sintomas
dispepti-formes; pode significar, também, hemorragia oriunda
do intestino delgado, na ausência de quaisquer
sintomas dispépticos prévios; pode, excepcionalmente, indicar
hemorragia de hemicólon direito, em casos de pacientes
que apresentem acentuada constipação intestinal que não
muda com o processo hemorrágico.
d. Exame Proctológico Negativo: é quando o
exame proctológico não detecta patologia hemorrágica e nem
a presença de sangue na ampola retal, ainda que
demonstre alguma patologia concomitante (e.g. hemorróidas,
fissura anal, retites). A primeira suspeita é a de que a
hemorragia cessou, qualquer que tenha sido a fonte ou a causa, e
o paciente eliminou todo o sangue extravasado antes do
exame proctológico. Pode significar ainda que a hemorragia
decorre de alguma patologia acima de 30 cm de altura do
ânus, ainda persiste, mas o paciente já exonerou o sangue
que chegou até a região retossigmoideana.
4. Colonoscopia:
A colonoscopia é um exame de indubitável valor
na propedêutica das HDB, embora durante algum
tempo tivesse sido relegada a segundo plano, em decorrência
da exigência de um bom preparo intestinal para sua
execução. Atualmente é vista, por muitos, como a melhor
arma propedêutica na abordagem de tais hemorragias.
A colonoscopia pode encontrar a causa e o local da hemorragia, efetuando os diagnósticos causal e
topográfico (e.g. câncer no sigmóide, pólipo colônico, doença de
Crohn ileocecal). Pode, também, fazer o diagnóstico
causal, falhando no diagnóstico topográfico da hemorragia
(e.g. polipose intestinal, RCUI, doença diverticular
colônica difusa), e, mesmo, não fazer o diagnóstico (e.g.
patologias vasculares), demonstrando que também tem
suas limitações. A colonoscopia assume papel
importantíssimo nas HDB ocasionadas por pólipos intestinais e
mesmo outros tumores intestinais (e.g. lipomas, câncer),
extirpando-os, constituindo-se em arma propedêutica e terapêutica
ao mesmo tempo. Pode, também, em casos de
hemorragias em cânceres, traumatismos, arrancamento de pólipos,
pós-operatório de polipectomias, assumir ares de
arma terapêutica, cauterizando ou coagulando o ponto
hemor-rágico.
Não sendo o diagnóstico da HDB feito pelo
exame proctológico, persistindo a hemorragia, o próximo
passo propedêutico, havendo tal exame disponível, é
a colonoscopia. Vista inicialmente como uma arma propedêutica precária frente a uma HDB, por motivos
de falta de preparo intestinal, a aceitação da
colonoscopia como importantíssimo meio propedêutico das HDB
é incontestável, embora ainda seja negada por
alguns autores. A colonoscopia pode detectar a causa e
a topografia da hemorragia (e.g. pólipo intestinal,
câncer colorretal, estenose colorretal), a causa e não a
topografia (e.g. doença diverticular colônica difusa, RCUI) e nem
a causa ou a topografia (e.g. angiodisplasias). Detectando
a colonoscopia a causa e a topografia da hemorragia,
como no caso dos pólipos, em que ela reina soberana,
pode remover a causa durante o próprio exame (e.g.
polipecto-mia), ou estancar a hemorragia por cauterização sem
remo-ver a causa por impossibilidade (e.g. câncer) ou
inexis-tência de doença (e.g. traumatismo, soltura de
ligaduras de pólipos em polipectomias endoscópicas).
5. Angiografias Seletivas:
Dispondo o hospital deste recurso, é o que deve
seguir a colonoscopia, ante o insucesso deste meio
propedêutico. Passado o cateter pela artéria ilíaca e penetrando a
aorta e os ramos da mesentérica superior e inferior, conforme
a suspeita topográfica, o contraste injetado poderá fluir
para dentro da luz intestinal da região drenada, revelando
o local da hemorragia sem revelar sua causa (e.g.
RCUI, doença diverticular colônica difusa, câncer,
pólipo). Poderá, também, revelar, não apenas o local
da hemorragia, mas também encher um tufo
hemangiomatoso ou microfístulas arteriovenosas, demonstrando a
existência de alguma angiodisplasia intraparietal. Em
determinados casos, pode-se tentar, algumas vezes com sucesso,
a embolização do ponto de sangramento através
de instilação, pelo próprio cateter, de substâncias
coagulantes tópicas (pó de
Gelfoam®) ou de vasoconstrictores
tópicos (vasopressina). Frente ao insucesso da
arteriografia, persistindo a hemorragia, surge a cintilografia como
o passo propedêutico seguinte.
6. Cintilografia:
Dispondo o hospital deste recurso, poderá ser
tentada a injeção, no paciente, de certo volume de seu
próprio sangue previamente removido, com hemácias
marcadas com Tecnécio 99m. A passagem de tais hemácias para
a luz intestinal será captada pelo cintilógrafo,
denunciando o local, nunca a causa, da HDB, dependendo, para
tal, do débito de perda sangüínea. Nas HDB usam-se
os radionuclídeos de alta concentração e rápido
desapare-cimento, e os radionuclídeos marcadores de
elementos figurados sangüíneos. Os primeiros foram adaptados
à propedêutica das hemorragias por alavi &
Mclean e winzelberg et als.: O elemento radionuclear
que melhor se presta para este exame é o Tecnécio
99m (Tc99m), pois tem as características exigidas:
alta concentração e rápido desaparecimento do
sangue circulante. Os segundos, os radionuclídeos
marcadores de elementos sangüíneos figurados, o radionuclídeo
que melhor se adapta a tal procedimento é, também, o
Tecnécio 99m, em decorrência de sua capacidade de marcar
as hemácias circulantes do receptor. Saindo
hemácias marcadas do espaço vascular para o interior dos
cólons, está automaticamente demonstrado o local da
hemorragia. Os sangramentos gastrointestinais são avaliados
com hemácias marcadas com o mesmo agente da
cintigrafia hepática e do baço e da medula óssea, o colóide de
enxofre - Tc99m, podendo avaliar sangramentos de vazão
acima de 0,05 mL/minuto. A hemorragia ativa é
demonstrada pelo acúmulo do radioisótopo no local do
sangramento, devendo ser diferenciada do acúmulo no fígado e no
baço e na medula óssea, que também captam
este radioelemento, na proporção de fígado 85%, medula
óssea 10% e baço 5%.
7. Trânsito Digestivo:
Nunca constitui um exame complementar
convencional na abordagem propedêutica das HDB, uma vez que
visa, basicamente, o estudo do intestino delgado, sede
excepcional de causas de hemorragias diagnosticáveis por esta
técnica (e.g. lipomas, divertículos). Destarte, pode o
trânsito digestivo inserir-se na propedêutica de
doenças hemorrágicas do tubo digestivo que não põem em
risco iminente a vida do paciente.
8. Enema Opaco:
Recurso propedêutico inestimável, reinou soberano
ao lado do exame clínico e exame proctológico durante
muitas décadas, possibilitando os diagnósticos das HDB. O
enema opaco exige, da mesma forma que a colonoscopia,
um razoável preparo intestinal para sua viabilização.
Pode apresentar 3 resultados: visualizar o local e a causa
da hemorragia (e.g. pólipos, câncer, estenoses), visualizar
a causa e não detectar o local da hemorragia (e.g.
doença diverticular dos cólons, RCUI, poliposes intestinais) e
não visualizar causas ou locais da hemorragia (e.g.
angiodis-plasias, traumatismo). O advento da colonoscopia e
das arteriografias digitais seletivas deslocou este exame
para casos especiais. Mas continua, em um pais ainda
sem recursos financeiros condizentes com as exigências da
área de saúde, a imperar, sem concorrentes, após o
exame proctológico. Não há dados estastísticos, mas,
certamente, em mais de 90% dos hospitais brasileiros, a
propedêutica das HDB passa do exame clínico e exame
proctológico para o enema opaco, por indisponibilidade
de colonoscopia, arteriografia digital e cintilografia.
9. Laparotomia:
A laparotomia se impõe quando a HDB é grave, não
é debelada pelas medidas clínicas disponíveis, a vida
do paciente está em risco iminente, os recursos
propedêuticos e terapêuticos se esgotaram, sendo ela levada a termo
em 3 circunstâncias distintas.
Laparotomia visando tratamento cirúrgico de
uma patologia hemorrágica diagnosticada causal
e topograficamente (e.g. câncer no sigmóide, doença de
Crohn ileocecal, pólipo no cólon ascendente), em que a
hemorragia não cessa, sendo as colectomias segmentares e
colectomias totais as melhores opções, estas últimas dominando o
cenário das preferências atuais.
Laparotomia visando tratamento cirúrgico de
uma patologia colorretal hemorrágica diagnosticada
causalmente, mas com topografia incerta (e.g. doença diverticular
colônica difusa, polipose intestinal, RCUI), em que a
colectomia total com anastomose ileo-retal é a melhor opção.
Laparotomia exploradora, em que não foram
feitos diagnósticos causal ou topográfico, visando a
laparotomia elucidar a nosologia hemorrágica. Nesta circunstância,
em que a laparotomia assume ares inquestionáveis de
arma propedêutica, sempre se deve ter em mente que o
intestino grosso está repleto da maior e mais perigosa cepa
de bactérias do corpo humano, misturada a
sangue apodrecido, que constitui o melhor meio de
cultura existente. Assim, todo cuidado e toda experiência
cirúrgica são poucos diante de tal adversidade: qualquer
tentativa de colotomia propedêutica é condenada. No
inventário da cavidade abdominal, jamais se deve esquecer que
o intestino delgado também pode ser sede de
doenças hemorrágicas detectáveis à simples apalpação
(e.g. divertículos, lipomas, pólipos).ou às arteriografias
simples peroperatórias (e.g. angiodisplasias congênitas
ou adquiridas).
Dr. Plinio Conte de Faria Jr.- A avaliação
diagnóstica em pacientes com hemorragia digestiva baixa (HDB)
deve ser iniciada por anamnese, exame físico e solicitação
de dosagem de hemoglobina e hematócrito, juntamente
com o restabelecimento das condições volêmicas, que
sempre devem preceder a propedêutica propriamente dita.
Considerando a situação específica da HDB,
iniciaria com exame proctológico bem feito, seguido de
endoscopia digestiva alta, pois 11% dos casos de HDB têm origem
no trato digestório superior (para esse exame não é
necessário preparo, somente jejum de 4 a 6 horas).
Se após esses procedimentos ainda não tivermos
o diagnóstico, estariam indicados colonoscopia e, se essa
for inconclusiva, realizaríamos a cintilografia com
hemácias marcadas com Tc 99m.
2. Quais as limitações do exame colonoscópico?
Dr.Francisco Regadas A principal limitação é
a dificuldade em preparar o colon, principalmente
nos pacientes que continuam sangrando pois, apesar do uso
da solução fosfatada ou manitol, permanecem coágulos na
luz intestinal, dificultando a visualização da mucosa colônica.
Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz - Considerando-se que quem deve fazer o exame colonoscópico não deve ser um proctologista ou um colonoscopista, mas quem tem experiência em fazer colonoscopia em vigência de HDB. Pois uma perfuração intestinal pelo colonoscópio é mais grave que a HDB. Assim a primeira limitação é do próprio médico, que deve ser experiente na abordagem de tais casos. A colonoscopia, na vigência de uma HDB deve ser sempre feita dentro de blocos cirúrgicos, e jamais em clínicas divorciadas de um hospital, pois tanto pode ocorrer uma grave complicação (perfuração), como pode a hemorragia se intensificar e ocorrerem complicações decorrentes dela, como choque, parada cardíaca, entre outras. Além do mais, a necessidade de sangue, plasma, soroterapia, cardiotônicos, entre outros medicamentos, impedem tais exames em clínicas. Assim, as limitações podem ser do médico, do paciente e dos insumos oferecidos pelo hospital.
Dr.Plinio Conte de Faria Jr.- Após a estabilização hemodinâmica do paciente, não creio haver limitações para o exame colonoscópico, pois em sendo o sangue um excelente catártico, o cólon normalmente já deverá estar limpo de fezes; pelo uso de laxantes por via oral ou através de sonda nasogástrica, como manitol a 10% em volume de 750 a 1000 ml, administrados rapidamente ( por volta de 1 hora); ou mesmo pela realização de enemas com soro fisiológico morno (1 a 2 litros), conseguiríamos retirar os coágulos existentes, garantindo com isso um exame adequado.
3. Como proceder no doente hipotenso e que
não recupera a condição hemodinâmica após a
reposição volêmica?
Dr.Francisco Regadas Constatar inicialmente se
a hipotensão é exclusivamente de origem hipovolêmica.
Se confirmado, indicamos laparotomia exploradora.
Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz - Se o paciente não recupera a condição hemodinâmica após a reposição volêmica é porque deve a hemorragia estar em curso, não estancada., o que pode ser confirmado pela eliminação de sangue vermelho vivo pelo ânus com a aplicação de pequenos clisteres destinados a remover o sangue. Caso após todas as tentativas de estancar a hemorragia ela persiste, colocando em risco iminente a vida do paciente, a opção cirúrgica deve ser pensada. Neste caso há duas alternativas iniciais: há diagnóstico causal da HDB ou não. Havendo diagnóstico causal, como uma doença diverticular colônica difusa, uma RCUI, uma polipose, e não tendo sido a hemorragia visível e estancada pelo colonoscopista, surge a opção da arteriografia seletiva, que pode fazer o diagnóstico do local do sangramento e intervir por embolização, estancando o processo hemorrágico. Não havendo disponibilidade deste recurso no hospital, a opção cirúrgica é inevitável, devendo-se optar pela colectomia ou retocolectomia total, conforme se trate de uma doença diverticular (que poupa o reto) ou de uma RCUI ou uma polipose.
Dr.Plinio Conte de Faria Jr.- Um paciente com o quadro descrito aparentemente continua perdendo volume sangüíneo, apesar das medidas terapêuticas instituídas. Apesar disso, ainda devemos tentar realizar o exame colonoscópico, com o preparo descrito na resposta 2, seja em ambiente de UTI, ou até mesmo na sala cirúrgica, como tentativa de identificação do sítio de sangramento. Não sendo possível a identificação do local da hemorragia e tendo sido afastadas as causas proctológicas e do trato digestório superior, possivelmente a melhor conduta seria a ressecção cirúrgica do cólon, com ileo-reto anastomose.
4. Quando indica cintilografia e quais as
vantagens e desvantagens do método? E a arteriografia?
Dr.Francisco Regadas CINTILOGRAFIA: Nunca tivemos a oportunidade de indicá-la pois é um exame
de acesso mais difícil e requer tempo muito prolongado
para realizá-lo, enquanto que o doente com hemorragia
digestiva baixa necessita de decisão rápida.
- ARTERIOGRAFIA: É o exame de escolha caso
a colonoscopia seja inconclusiva e persista o sangramento.
Dr.Geraldo Magela Gomes da Cruz -
Arterio-grafia: Não é um recurso rotineiro e inexiste na
maioria absoluta dos hospitais. Havendo um arteriografista
experiente (e de plantão dentro do hospital), é a arteriografia seletiva
um excelente método propedêutico e frequentemente
terapêutico, desde que o sangramento enseja um débito acima de 0,5
ml por minuto. A arteriografia nem sempre revela a causa
da HDB, à exceção das malformações vasculares; revela o
local dela, podendo intervir com embolização de seu
suprimento sangüíneo, seja com drogas isquemiantes ou
vasopressoras, seja com pó de Gelfoam.
Cintilografia: É outro recurso que não se
insere na rotina da maioria absoluta dos hospitais. Somente
deve ser tentada quando a causa da HDB não foi detectada
pela colonoscopia ou mesmo pela arteriografia seletiva.
Da mesma forma que a arteriografia seletiva, a
cintilografia não revela a causa, mas apenas o local da hemorragia.
E tem uma grande desvantagem: não pode intervir,
resumindo-se ao ato propedêutico. Há necessidade de um
débito sangüíneo mínimo para que a hemorragia seja
detectada, seja por radioisótopos seja por hemácias ou mesmo
colóide marcados.
Dr. Plinio Conte de Faria Jr.- A cintilografia
estaria indicada quando, tanto o exame proctológico quanto
os endoscópicos, incluindo a endoscopia digestiva alta e
a colonoscopia, não tiverem tido êxito diagnóstico.
A cintilografia com Tc 99, deve ser o primeiro método a
ser utilizado, pois pode ser positivo com perdas
sangüíneas tão pequenas quanto 0,1 ml/min, enquanto na
arteriografia o volume necessário é de, no mínimo, 0,5 ml/min.
A desvantagem da cintilografia é que, em
aproximadamente metade dos pacientes, tal exame é negativo,
sendo necessário que o paciente apresente sangramento ativo
no momento do exame, representado pela perda de
sangue rutilante, o que aumentaria a acurácia do método.
Outra desvantagem seria quanto à indicação de
procedimentos cirúrgicos, com base apenas no diagnóstico
cintilográfico, tendo sido descritos, inclusive, casos de pessoas
com sangramento recorrente após o procedimento cirúrgico
ter sido realizado baseado somente no estudo
cintilográfico. Desse modo, é importante que a confirmação da
localização do sítio de sangramento seja feita através do
estudo angiográfico.
Como vantagem, além da identificação de
perdas sangüíneas de pequenas proporções, estaria a de
reconhecer a população de pacientes que, apresentando exame negativo,
possivelmente não necessitariam de
procedimentos terapêuticos.
5. Comentários adicionais?
Dr. Geraldo Magela Gomes da Cruz - Frente a
um paciente com HDB a abordagem propedêutica
visa identificar três questões fundamentais: volume de
sangue perdido, local do sangramento e a sua etiopatogenia.
Da definição destas questões depende a conduta a ser seguida.
Os principais métodos propedêuticos utilizados para
o diagnóstico da HDB são:
- Exame clínico criterioso
- Exame proctológico
- Exame hematológico
- Colonoscopia
- Angiografia, através da cateterização seletiva da
artéria mesentérica superior e/ou da mesentérica inferior
- Exame radiológico contrastado - enema opaco
- Exame radiológico contrastado - trânsito digestivo
- Cintilografia, com hemácias marcadas com
Tecnécio 99m e outros marcadores
- Laparotomia, nos enfermos com indicação
para abordagem cirúrgica da HDB
Nos doentes com HDB moderada ou grave a hospitalização é imperativa e o atendimento deve ser
feito em caráter de urgência: jejum, repouso no leito,
monito-rização (pulso, da pressão arterial e da pressão
venosa central e sondagem urinária), venóclise, exames
labora-toriais (hematócrito, hemoglobina, plaquetas,
uréia, creatinina, pCO2, CO2, Na, K e Cl), limpeza
intestinal, utilização sistêmica de antimicrobianos de amplo
espectro, restabelecimento dos dados vitais que se fizerem
necessá-rios e início da propedêutica, visando determinação
do local, da causa e da intensidade do sangramento.
Havendo parada da HDB, os métodos propedêuticos devem
ser suspensos e aguardar a evolução. Continuando a
HDB, os métodos propedêuticos devem seguir a ordem
algorít-mica assinalada, podendo, durante algum ato
propedêu-tico, como o exame proctológico, a colonoscopia ou
a arteriografia, se sobrepor o ato terapêutico. A cirurgia
laparotomia para colectomias deve ser encarada
como uma possibilidade heróica e fora de cogitação na
grande maioria das HDB.
Esta rodada de perguntas e respostas encerra esta seção da
TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO.
Agradecemos novamente a inestimável colaboração dos colegas que prontamente responderam à nossa solicitação e tornaram
possível a realização de mais uma tribuna.
Este tema é amplo e nossa intenção é a de dar um rápido enfoque do tratamento da enfermidade em vários
locais alcançados por nossa Sociedade.
Se você tem alguma opinião divergente ou gostaria de completar aquilo que foi aqui referido, escreva-nos.
Gostaríamos de ter sua participação efetiva independente de sua titulação dentro da sociedade e mais uma
vez agradecer àqueles que de maneira tão rápida, gentil e extremamente concisa colaboraram para manter acesa
conosco a chama desta TRIBUNA.
Novamente, o nosso fax é: 019.32543839 e E.mail: fernandocordeiro@globo.com.
Participe.
Fernando Cordeiro