ARTIGOS ORIGINAIS


CIRURGIA ELETIVA PARA O CÂNCER COLO-RETAL SEM PREPARO MECÂNICO DA LUZ INTESTINAL: ANÁLISE APÓS 5 ANOS DE ACOMPANHAMENTO.

Lúcio Sarubbi Fillmann - ASBCP
Francesca Perondi - FSBCP
Henrique Sarubbi Fillmann - TSBCP
Érico Ernesto Pretzel Fillmann - TSBCP


Fillmann LS, PeRondi F, Fillmann HS, Fillmann EEP. Cirurgia eletiva para o câncer colo-retal sem preparo mecânico da luz intestinal: Análise após 5 anos de acompanhamento. Rev bras Coloproct, 2001;21(4): 246-249

RESUMO: Desenvolvemos um estudo comparativo a longo prazo do resultado do tratamento cirúrgico do câncer colo-retal em pacientes operados com e sem preparo mecânico da luz intestinal. Os pacientes foram distribuídos em 2 grupos, um que ingeriu, no período pré-operatório, um litro de manitol a 10% diluído em suco de laranja ( grupo com preparo) e outro que ingeriu somente o suco de laranja ( grupo sem preparo), no mesmo volume. Treze pacientes pertenciam ao grupo sem preparo e 14 ao grupo com preparo. Ao final de 5 anos de acompanhamento pós-operatório, 8 pacientes no grupo não preparado e 3 do grupo preparado estavam vivos e livres de doença, enquanto que 11 no grupo com preparo e 5 no grupo sem preparo haviam morrido em função da progressão do câncer colo-retal (p=0,03). Não foram observadas diferenças significativas quanto a localização da lesão inicial, estágio clínico da doença e média de idade entre os dois grupos. Em conclusão, achamos fundamental que se revise o uso irrestrito do preparo colônico mecânico como procedimento indispensável em cirurgias eletivas para tratamento do câncer colo-retal

Unitermos: Adenocarcinoma colo-retal, preparo de cólon, Sobrevida

Em 1995, apresentamos no 14o Congresso Latino-americano de Coloproctologia e 44o Congresso Brasileiro de Coloproctologia um ensaio clínico randomizado desenvolvido no Serviço de coloproctologia do Hospital São Lucas da PUCRS nos anos de 1992 e 1993 intitulado "Cirurgia colo-retal eletiva sem preparo"(1). Neste estudo, investigávamos a ocorrência de complicações de caráter infeccioso ocorridas em pacientes submetidos à cirurgia do cólon e reto em que não era realizado preparo mecânico da luz intestinal, comparando-os a indivíduos em que eram realizados estes procedimentos de limpeza da luz colônica. Não observamos, como já era de nossa experiência anterior, diferenças significativas entre os dois grupos estudados no que se referia a complicações pós-operatórias (1) (figura 1). Persistiu, entretanto, nossa curiosidade no sentido de averiguar a ocorrência de outras possíveis diferenças entre os dois grupos estudados a médio e longo prazo. Seguimos acompanhando os pacientes, em especial os tratados por câncer colo-retal, e após um período mínimo de 5 anos voltamos a analisar os dados referentes a este estudo comparativo de pacientes operados por patologias colo-retais com e sem preparo intestinal.

Figura 1: Ocorrência de complicações infecciosas entre os grupos com e sem preparo.
FO = ferida operatória


Material e métodos:
Foram analisados dados clínicos e laboratoriais de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico por adenocar-cinoma do cólon e reto e que estiveram incluídos no protocolo de estudo de ocorrência de complicações infecciosas em indivíduos submetidos a cirurgia colo-retal eletiva sem preparo mecânico da luz intestinal desenvolvido pelo Serviço de Coloproctologia do Hospital São Lucas da PUCRS nos anos de 1992-93 (1). Os pacientes analisados foram aqueles que apresentaram recorrência da doença com ou sem óbito resultante, ou então que se encontravam livres de doença após um período mínimo de 5 anos de seguimento pós-operatório. Foram incluídos originalmente 60 pacientes tratados por várias patologias colo-retais de indicação cirúrgica que foram subdivididos de forma aleatória e com cegamento em um grupo experimental (sem preparo mecânico) e controle (com preparo). O grupo controle recebeu 1 litro de manitol a 10% em suco de laranja e o experimental ingeriu somente o suco. Os pacientes foram acompanhados após o tratamento com colonoscopia e Rx de tórax anuais e dosagens de antígeno cárcino-embriônico e provas de função hepática trimestrais nos primeiros 2 anos e semestrais nos 3 anos seguintes. Os indivíduos incluídos no estudo receberam tratamento complementar com radioterapia e quimioterapia de acordo com as indicações preconizadas na literatura especializada mundial.
    Os dados colhidos foram submetidos a tratamento estatístico com o teste Qui-quadrado para variáveis categóricas e teste T de Student para variáveis numéricas.

Resultados:
Dos sessenta pacientes originalmente incluídos no protocolo de pesquisa de infecção em cirurgia colo-retal eletiva com e sem preparo intestinal, quarenta haviam sido tratados por adenocarcinoma e foram portanto incluídos neste segundo tempo do estudo. Destes pacientes, sete não continuaram acompanhamento pós-operatório no Serviço de coloproctologia do Hospital São Lucas da PUCRS e foram excluídos. Dos 33 casos remanescentes, 6 tiveram óbito não relacionado a complicações pós-operatórias ou resultante da doença, ficando, para análise, 27 casos de adenocarcinoma colo-retal. Destes, 13 casos foram operados sem preparo mecânico do cólon e 14 com preparo (p=não significativo) (figura 2).

Figura 2: Distribuição dos casos de neoplasia colo-retal entre os grupos com e sem preparo

Analisamos primeiramente a sobrevida em 5 anos dos pacientes tratados por câncer colo-retal . Dos 27 pacientes acompanhados, onze estavam vivos 5 anos após o tratamento da neoplasia e 16 haviam falecido em decorrência da doença. No grupo operado sem preparo, observamos que 8 não haviam apresentado recorrência da neoplasia colo-retal e 5 tinham ido a óbito em função dela. No grupo com preparo, ao contrário, somente 3 pacientes se encontravam vivos e livres de doença após 5 anos da cirurgia, sendo que os 11 restantes haviam falecido em função do câncer colo-retal. Esta diferença se mostrou estatisticamente significativa (p=0,03) (figura 3).

Figura 3: Sobrevida de 5 anos ou mais entre os casos com e sem preparo

Outras características dos dois grupos com relação à neoplasia colo-retal foram investigadas. A média de idade no grupo com preparo foi de 53,6 anos e no grupo sem preparo foi de 59,2 anos (p=não significativo). Com relação à localização do tumor primário, a distribuição das lesões foi bastante semelhante entre os dois grupos, não havendo diferença significativa (figura 4). Da mesma forma, quando considerado o estágio clínico e anátomo-patológico dos tumores colo-retais no momento da cirurgia, os grupos com e sem preparo se mostraram com uma distribuição bastante semelhante, sendo que no primeiro observamos dois casos de lesões metastáticas e, no último, havia dois casos de tumores no estágio 1, sendo entretanto, a diferença sem significado estatístico (figura 5).

Figura 4: Distribuição por localização da lesão primária entre os grupos com e sem preparo. Figura 5: Distribuição por estágio da doença entre os grupos com e sem preparo.

 

Discussão
Em observação anterior apresentada e publicada nos anais do Congresso da Associação Latino Americana de Colo-Proctologia em São Paulo, Brasil, em 1995, dois grupos de pacientes submetidos a cirurgia colo-retal eletiva, um com preparo mecânico prévio , e outro sem preparo, mostramos não haver diferença significativa nos resultados no que se refere a infecção cirúrgica. A conclusão foi de que o preparo prévio, se não é prejudicial, é inútil.
    Em ambos os grupos, os pacientes operados por neoplasia colo-retal foram submetidos ao seguimento habitual nestes casos. O objetivo primário da observação foi o de analisar a sobrevida em 5 anos. Outros detalhes também foram analisados principalmente com o fim de identificar vieses que prejudicassem a observação.
    A conclusão a que se chegou é de que, nesta amostra, não fazer preparo prévio à cirurgia colo-retal eletiva, influenciou positivamente a sobrevida em 5 anos. As características dos dois grupos foram bastante semelhantes no que se refere a idade, sexo, localização e estagio da doença, sugerindo que não influenciaram os resultados. A interpretação deste resultado é difícil e vai requerer observações adicionais.
    Na história da cirurgia, procedimentos tidos como indispensáveis ao sucesso do tratamento, nasceram e morreram. Tais procedimentos com freqüência são mantidos , ou por hábito, ou por falta de uma análise crítica sobre a real necessidade dos mesmos. Avanços técnicos que ocorrem na cirurgia como um todo levam tais procedimentos à obsolescência. Acreditamos que estamos frente a uma situação assim quanto ao preparo de cólon prévio à cirurgia eletiva.

SUMMARY: This study examined the long term survival of pacients treated for colo-rectal cancer at the Hospital São Lucas/PUCRS in 1992-93, comparing the results of the surgical treatment performed with and without mechanical large bowel preparation. After a 5-year follow-up, eight pacients from the group that did not receive the mechanical preparation for the large intestine and 3 from the group that received the bowell preparation were alive and had no signs of recurrent disease. On the other hand, 11 pacients from the prepared and 5 from the non-prepared group died from recurrent disease (p=0,03). We also found no diference between the two groups when comparing clinical stage of the disease, location of the primary tumor and age of the patients. In conclusion, we believe that the large bowel preparation before elective colo-rectal resection must be reviewed as an essencial procedure for the patients treated for colo-rectal cancer.

Referências Bibliográficas:
1) Fillmann EEP, Fillmann LS & Fillmann HS. Cirurgia colorretal eletiva sem preparo. In: Habr-Gama A & Barone B. Atualização em colo-proctologia 1995. São Paulo, Sociedade Brasileira de Coloproctologia e Associação Latino-americana de Coloproctologia, pp 269-271, 1995.
2) Santos Jr JCM. Preparo de cólon- Sim ou não. In: Habr-Gama A & Barone B. Atualização em colo-proctologia 1995. São Paulo, Sociedade Brasileira de Coloproctologia e Associação Latino-americana de Coloproctologia, pp 269-271, 1995.
3) Matheson DM, Arabi Y. Randomised multicentre trial of oral bowel preparation and antimicrobials for elective colorectal operations. Br J Surg; 65: 597-600, 1978.
4) Clarke JS, Condon RE. Preoperative oral antibiotics reduce septic complications of colon operations. Ann Surg; 186: 251-259, 1977.
5) Solla JÁ, Rothenberger DA. Preoperative bowell preparation. A survey of colon and rectal surgeons. Dis Colon Rectum; 33: 154-159, 1990.
3) Burton RC. Postoperative wound infection in colonic and rectal surgery. Br J Surg; 60: 363-365, 1973.
4) Goldring J. Prophylatic oral antimicrobial agents in elective colonic surgery. Lancet: 2: 997-999, 1975.

Endereço para correspondência:
Lúcio Sarubbi Fillmann
Av. Ipiranga 6690 sala 307
Porto Alegre RS Brasil
CEP 90610-000

Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital São Lucas da PUCRS