RELATO DE CASO
Italo Accetta
Pietro Accetta
Accyoli Moreira Maia
Alfredo Jorge Vasconcellos Duarte
André Figueiredo Accetta
RESUMO: Com objetivo principal de discutir as condutas cirúrgicas, os autores revisaram os prontuários de cinco pacientes por eles operados no período compreendido entre janeiro de 1985 a dezembro de 1999, tratados de diverticulite de ceco, tanto em hospitais públicos quanto na clínica privada. Analisaram os dados relativos a: sexo, idade, quadro clínico, diagnóstico pré operatório, dificuldades de se reconhecer a etiologia do processo no ato operatório, tratamento cirúrgico e evolução. Concluíram que uma vez identificados os divertículos comprometidos, a diverticulectomia é a melhor opção. Naqueles casos em que existem dúvidas se a etiologia do processo é inflamatória ou tumoral, a melhor conduta é a hemi colectomia direita.
Unitermos: Diverticulite, Ceco.
A diverticulite de ceco é causa pouco freqüente de
abdômen agudo e geralmente é encontrada durante
uma laparotomia exploradora, quase sempre indicada para
tratamento de apendicite aguda. Deste modo, a frustração
do cirurgião, que encontra no ato operatório, o apêndice
normal, é rapidamente substituída pela surpresa dos
achados de um processo inflamatório no ceco, que nem
sempre traduz de imediato a real etiologia da doença, trazendo
dúvidas não só sobre a sua natureza, assim como
também quanto a melhor conduta cirúrgica para o caso.
Por isso, discutir as diferentes alternativas da
abordagem no que se refere aos procedimentos operatórios
constitui o principal objetivo deste trabalho.
PACIENTES E MÉTODOS
Revisar os prontuários dos pacientes operados
de diverticulite de ceco, por três dos autores (Accetta I.,
Accetta P. e Maia A.), no período compreendido entre janeiro
de 1985 até dezembro de 1999, tanto em hospitais
públicos quanto em clínica privada. Avaliamos os dados relativos
a: sexo, idade, quadro clínico, exames complementares,
diagnóstico pré operatório, dificuldades de identificação do
problema no ato operatório, tratamento cirúrgico e evolução.
RESULTADOS
Foram analisados os prontuários de cinco pacientes
portadores de diverticulite de ceco, com idade variando
entre 27 e 62 anos (média 44). Três eram do sexo masculino
e dois do feminino.
A queixa de dor abdominal contínua de início
insidioso e agravamento progressivo da situação foi relatada por
todos. Em duas oportunidades a sintomatologia inicial
tinha localização peri umbilical, porém nos outros três
pacientes o referencial de dor iniciou-se diretamente na fossa
ilíaca direita.
Todos os cinco casos da série tinham clínica que
se manifestava por náuseas e febre baixa mas dois
também apresentaram vômitos.
O início dos sintomas variou de um a três dias.
Nenhum integrante do grupo relatou qualquer problema
prévio e relacionado ao episódio vigente, assim como não
reportava passado de sangramento digestivo.
Ao exame físico o abdômen mostrava-se flácido na
totalidade dos casos, porém doloroso e com sinais de
irritação peritoneal na fossa ilíaca direita. Em dois deles foram
encontradas massa fixa, de contornos imprecisos, nesta
mesma topografia.
Os exames radiológicos para abdômen agudo
foram inconclusivos em duas ocasiões mas nas demais, por
apresentarem íleo segmentar regional no quadrante
inferior direito foram interpretados como apendicite aguda.
A ultra sonografia abdominal utilizada em três
oportunidades foi inconclusiva em duas e compatível com
processo apendicular agudo na outra.
O hemograma revelou leucometria entre 11000
e 12500 cel/ml3 em quatro casos e 7200
cel/ml3 no outro. Predomínio de células polimorfonucleares foi
verificada em três.
Com diagnóstico de apendicite aguda, indicamos
tratamento cirúrgico para todos os pacientes, sendo que
em quatro optamos pelo acesso por laparotomia mediana
infra umbilical e em um, por incisão transversa na fossa
ilíaca direita.
No ato operatório, verificou-se que o apêndice era
normal, entretanto existiam sinais inflamatórios no ceco
e omento regional. Um dos pacientes do grupo
apresentava ainda massa de aproximadamente 6 x 4 cm na parede
anterior do ceco.
Em três casos o achado operatório constatou
diverticulite de ceco, tendo-se procedido a diverticulectomia seguida
de sutura da brecha cecal acrescida de apendicectomia.
Em um deles existiam dois divertículos na área do ceco,
sendo que um apresentava-se com franco processo flogístico
além de importante edema e friabilidade ao toque manual, o
que nos fez pensar tratar-se de doença inflamatória
intestinal (Doença de Crohn), motivo pelo qual o tratamos com
ressecção do ceco e anastomose imediata do íleo com
o cólon ascendente (término lateral). O último
representante desta série, além dos sinais flogísticos na área cecal
era portador de uma massa de consistência dura e
irregular, com aproximadamente 6 x 4 cm na parede anterior
do ceco que foi interpretada como sendo de
natureza carcinomatosa, razão pela qual optamos por realizar
uma hemi colectomia direita seguida de íleo
transverso anastomose término terminal. O exame histopatológico
deste "specimen" constatou intenso processo inflamatório
envolvendo três divetículos cecais.
Em nenhum dos casos encontramos divertículos
nos demais segmentos dos cólons.
Três pacientes evoluíram sem nenhuma complicação.
Mas o paciente submetido a hemi colectomia apresentou dois
abscessos residuais intra abdominais (um tratado por
punção per cutânea e outro por acesso cirúrgico sub costal à
direita). A doente na qual efetuou-se ressecção do ceco faleceu
no terceiro dia de pós operatório por infarto do miocárdio,
sem nenhuma evidência de complicações intra abdominais.
COMENTÁRIOS
Os divertículos do ceco constituem entidades raras
que são detectadas acidentalmente em exames
radiológicos baritados, no ato cirúrgico durante uma rotina de
inspeção das vísceras abdominais ou por serem sede de processos
perfurativos e ou inflamatórios como ocorre
nas diverticulites.
Embora GHARAIBEH et al1 tenham descrito esta
ocorrência em um paciente de 13 anos, a diverticulite do
ceco acomete com maior freqüência pacientes com idade
acima de 30 anos, sem distinção quanto ao sexo.
O quadro clínico é por demais semelhante ao da
apendicite aguda, (KAUFMAN2,
VITALI3, RISEMAN4,
MOSCA5) razão pela qual o diagnóstico etiológico pré
operatório é sempre problemático, a não ser que o paciente
já tenha sido previamente submetido a apendicectomia.
Ainda que TOCCHI6 tenha descrito que a diverticulite de
ceco cursaria com menor incidência de náuseas e vômitos,
não existe nenhuma característica clínica que a diferencie
de um processo apendicular agudo. Os cinco pacientes
queixaram-se de náuseas mas os vômitos só foram
relatados por dois deles.
O exame físico em geral não fornece subsídios
capazes de estabelecer um diagnóstico diferencial com a
apendicite aguda, pois a palpação revela dor e irritação
peritoneal na fossa ilíaca direita, com ou sem massa em ambas.
Os achados radiológicos também são incapazes
de diferenciá-las. MAUVAIS7,
FLUCKIGER8 afirmam que a tomografia computadorizada dispõe dos melhores
recursos de imagens para diagnosticar a diverticulite de
ceco, enquanto JANG9 defende a eficiência da tomografia
helicoidal. Não utilizamos tais alternativas, mas sim a
ultra sonografia que em nossos pacientes foi incapaz de
sugerir a existência de um processo infeccioso num divertículo
de ceco.
Apesar do hemograma indicar apenas a presença
de um quadro infeccioso, VILLALBA10 relatou que
a leucometria global pode não estar alterada em alguns
pacientes com diverticulite de ceco. Um de nossos casos
se enquadrava nesta situação.
Quando realizamos uma laparotomia exploradora, indicada para tratamento de apendicite aguda e
encontramos este órgão com aspecto normal, mas nos
deparamos com sinais inflamatórios na região do ceco, a situação
torna-se um desafio diagnóstico e terapêutico para o
cirurgião. Isto porque nem sempre ocorre a imediata
identificação de uma diverticulite, além do que reconhecê-la
com certeza frente a outras possíveis doenças inflamatórias
ou mesmo neoplásicas pode ser tarefa difícil.
Embora em três pacientes desta série tenhamos
identificado os divertículos como responsáveis pelo quadro
infeccioso, em outro parecia que o processo inflamatório
também envolvia toda a parede anterior do ceco.
Entretanto é na diferenciação da diverticulite com
uma neoplasia complicada do ceco que o problema torna-se
mais complexo. Evidentemente tal fato decorre
fundamentalmente da escolha da tática operatória a ser adotada no
tratamento dessas doenças. Estas dificuldades também
foram colocadas por outros autores.
(GHARAIBEH1,
RISEMAN4, VILLALBA10,
FERREIRA11, KEIDAR13). Em razão de que a área inflamada por diverticulite de
ceco possa se parecer com um tumor e que também não
existe uma maneira segura de distinguí-los
macroscopicamente, estes autores não hesitam em defender a hemi
colectomia direita para resolução desta condição.
Embora ADAM et al13 sempre indicarem a
ressecção íleo cecal, desde que a hipótese diagnóstica de
carcinoma for seguramente descartada, parece ser mais aceito
que quando o cirurgião consegue identificar a inflamação
em um divertículo do ceco, e desde que não haja um
intenso processo inflamatório na parede cecal, a melhor
conduta consiste na diverticulectomia com sutura do orifício
remanescente. Esta simples abordagem operatória além de
evitar uma ressecção intestinal com todas as suas
possíveis complicações, tem se mostrado bastante eficaz e
segura por vários autores (GHARAIBEH et
al1, VITALI3,
LANE14). Nesta situação, ainda achamos prudente,
assim como TOCCHI6 e
FERREIRA11, realizar a apendicectomia para evitar qualquer dúvida diagnóstica
posteriormente quanto aos possíveis quadros de dor na fossa ilíaca direita.
SUMMARY: The authors present a review of five cases of cecum diverticulitis regarding aspects such as pre operative diagnosis and operative procedures to be performed. Acute appendicitis diagnosis were done in all patients preoperatively. Three patients were submitted to diverticulectomy, one to cecum resection and the other one to right hemicolectomy. The authors recommend right hemicolectomy as the best procedure when diagnosis remain undeterminate.
Key Words: Diverticulitis, Cecum.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Endereço para correspondência:
Italo Accetta
Rua Mariz e Barros 51/ 1201
CEP 24220-120, Niterói, Rio de Janeiro
Trabalho realizado pela Disciplina de Cirurgia de Urgência, pelo Curso de Mestrado em Cirurgia Gastroenterológica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense e pela Disciplina de Clínica Cirúrgica 2 da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho.