RELATO DE CASO


DIVERTICULITE DE CECO (REVISÃO DE CINCO CASOS)

Italo Accetta
Pietro Accetta
Accyoli Moreira Maia
Alfredo Jorge Vasconcellos Duarte
André Figueiredo Accetta


ACCETTA I, ACCETTA P, MAIA AM, DUARTE AJV, ACCETTA AF - Diverticulite de Ceco (Revisão de Cinco Casos). Rev bras Coloproct, 2001;21(4): 254-256.

RESUMO: Com objetivo principal de discutir as condutas cirúrgicas, os autores revisaram os prontuários de cinco pacientes por eles operados no período compreendido entre janeiro de 1985 a dezembro de 1999, tratados de diverticulite de ceco, tanto em hospitais públicos quanto na clínica privada. Analisaram os dados relativos a: sexo, idade, quadro clínico, diagnóstico pré operatório, dificuldades de se reconhecer a etiologia do processo no ato operatório, tratamento cirúrgico e evolução. Concluíram que uma vez identificados os divertículos comprometidos, a diverticulectomia é a melhor opção. Naqueles casos em que existem dúvidas se a etiologia do processo é inflamatória ou tumoral, a melhor conduta é a hemi colectomia direita.

Unitermos: Diverticulite, Ceco.

A diverticulite de ceco é causa pouco freqüente de abdômen agudo e geralmente é encontrada durante uma laparotomia exploradora, quase sempre indicada para tratamento de apendicite aguda. Deste modo, a frustração do cirurgião, que encontra no ato operatório, o apêndice normal, é rapidamente substituída pela surpresa dos achados de um processo inflamatório no ceco, que nem sempre traduz de imediato a real etiologia da doença, trazendo dúvidas não só sobre a sua natureza, assim como também quanto a melhor conduta cirúrgica para o caso.
    Por isso, discutir as diferentes alternativas da abordagem no que se refere aos procedimentos operatórios constitui o principal objetivo deste trabalho.

PACIENTES E MÉTODOS
Revisar os prontuários dos pacientes operados de diverticulite de ceco, por três dos autores (Accetta I., Accetta P. e Maia A.), no período compreendido entre janeiro de 1985 até dezembro de 1999, tanto em hospitais públicos quanto em clínica privada. Avaliamos os dados relativos a: sexo, idade, quadro clínico, exames complementares, diagnóstico pré operatório, dificuldades de identificação do problema no ato operatório, tratamento cirúrgico e evolução.

RESULTADOS
Foram analisados os prontuários de cinco pacientes portadores de diverticulite de ceco, com idade variando entre 27 e 62 anos (média 44). Três eram do sexo masculino e dois do feminino.
    A queixa de dor abdominal contínua de início insidioso e agravamento progressivo da situação foi relatada por todos. Em duas oportunidades a sintomatologia inicial tinha localização peri umbilical, porém nos outros três pacientes o referencial de dor iniciou-se diretamente na fossa ilíaca direita.
    Todos os cinco casos da série tinham clínica que se manifestava por náuseas e febre baixa mas dois também apresentaram vômitos.
    O início dos sintomas variou de um a três dias. Nenhum integrante do grupo relatou qualquer problema prévio e relacionado ao episódio vigente, assim como não reportava passado de sangramento digestivo.
    Ao exame físico o abdômen mostrava-se flácido na totalidade dos casos, porém doloroso e com sinais de irritação peritoneal na fossa ilíaca direita. Em dois deles foram encontradas massa fixa, de contornos imprecisos, nesta mesma topografia.
    Os exames radiológicos para abdômen agudo foram inconclusivos em duas ocasiões mas nas demais, por apresentarem íleo segmentar regional no quadrante inferior direito foram interpretados como apendicite aguda.
    A ultra sonografia abdominal utilizada em três oportunidades foi inconclusiva em duas e compatível com processo apendicular agudo na outra.
    O hemograma revelou leucometria entre 11000 e 12500 cel/ml3 em quatro casos e 7200 cel/ml3 no outro. Predomínio de células polimorfonucleares foi verificada em três.
    Com diagnóstico de apendicite aguda, indicamos tratamento cirúrgico para todos os pacientes, sendo que em quatro optamos pelo acesso por laparotomia mediana infra umbilical e em um, por incisão transversa na fossa ilíaca direita.
    No ato operatório, verificou-se que o apêndice era normal, entretanto existiam sinais inflamatórios no ceco e omento regional. Um dos pacientes do grupo apresentava ainda massa de aproximadamente 6 x 4 cm na parede anterior do ceco.
    Em três casos o achado operatório constatou diverticulite de ceco, tendo-se procedido a diverticulectomia seguida de sutura da brecha cecal acrescida de apendicectomia. Em um deles existiam dois divertículos na área do ceco, sendo que um apresentava-se com franco processo flogístico além de importante edema e friabilidade ao toque manual, o que nos fez pensar tratar-se de doença inflamatória intestinal (Doença de Crohn), motivo pelo qual o tratamos com ressecção do ceco e anastomose imediata do íleo com o cólon ascendente (término lateral). O último representante desta série, além dos sinais flogísticos na área cecal era portador de uma massa de consistência dura e irregular, com aproximadamente 6 x 4 cm na parede anterior do ceco que foi interpretada como sendo de natureza carcinomatosa, razão pela qual optamos por realizar uma hemi colectomia direita seguida de íleo transverso anastomose término terminal. O exame histopatológico deste "specimen" constatou intenso processo inflamatório envolvendo três divetículos cecais.
    Em nenhum dos casos encontramos divertículos nos demais segmentos dos cólons.
    Três pacientes evoluíram sem nenhuma complicação. Mas o paciente submetido a hemi colectomia apresentou dois abscessos residuais intra abdominais (um tratado por punção per cutânea e outro por acesso cirúrgico sub costal à direita). A doente na qual efetuou-se ressecção do ceco faleceu no terceiro dia de pós operatório por infarto do miocárdio, sem nenhuma evidência de complicações intra abdominais.

COMENTÁRIOS
Os divertículos do ceco constituem entidades raras que são detectadas acidentalmente em exames radiológicos baritados, no ato cirúrgico durante uma rotina de inspeção das vísceras abdominais ou por serem sede de processos perfurativos e ou inflamatórios como ocorre nas diverticulites.
    Embora GHARAIBEH et al1 tenham descrito esta ocorrência em um paciente de 13 anos, a diverticulite do ceco acomete com maior freqüência pacientes com idade acima de 30 anos, sem distinção quanto ao sexo.
    O quadro clínico é por demais semelhante ao da apendicite aguda, (KAUFMAN2, VITALI3, RISEMAN4, MOSCA5) razão pela qual o diagnóstico etiológico pré operatório é sempre problemático, a não ser que o paciente já tenha sido previamente submetido a apendicectomia. Ainda que TOCCHI6 tenha descrito que a diverticulite de ceco cursaria com menor incidência de náuseas e vômitos, não existe nenhuma característica clínica que a diferencie de um processo apendicular agudo. Os cinco pacientes queixaram-se de náuseas mas os vômitos só foram relatados por dois deles.
    O exame físico em geral não fornece subsídios capazes de estabelecer um diagnóstico diferencial com a apendicite aguda, pois a palpação revela dor e irritação peritoneal na fossa ilíaca direita, com ou sem massa em ambas.
    Os achados radiológicos também são incapazes de diferenciá-las. MAUVAIS7, FLUCKIGER8 afirmam que a tomografia computadorizada dispõe dos melhores recursos de imagens para diagnosticar a diverticulite de ceco, enquanto JANG9 defende a eficiência da tomografia helicoidal. Não utilizamos tais alternativas, mas sim a ultra sonografia que em nossos pacientes foi incapaz de sugerir a existência de um processo infeccioso num divertículo de ceco.
    Apesar do hemograma indicar apenas a presença de um quadro infeccioso, VILLALBA10 relatou que a leucometria global pode não estar alterada em alguns pacientes com diverticulite de ceco. Um de nossos casos se enquadrava nesta situação.
    Quando realizamos uma laparotomia exploradora, indicada para tratamento de apendicite aguda e encontramos este órgão com aspecto normal, mas nos deparamos com sinais inflamatórios na região do ceco, a situação torna-se um desafio diagnóstico e terapêutico para o cirurgião. Isto porque nem sempre ocorre a imediata identificação de uma diverticulite, além do que reconhecê-la com certeza frente a outras possíveis doenças inflamatórias ou mesmo neoplásicas pode ser tarefa difícil.
    Embora em três pacientes desta série tenhamos identificado os divertículos como responsáveis pelo quadro infeccioso, em outro parecia que o processo inflamatório também envolvia toda a parede anterior do ceco.
    Entretanto é na diferenciação da diverticulite com uma neoplasia complicada do ceco que o problema torna-se mais complexo. Evidentemente tal fato decorre fundamentalmente da escolha da tática operatória a ser adotada no tratamento dessas doenças. Estas dificuldades também foram colocadas por outros autores. (GHARAIBEH1, RISEMAN4, VILLALBA10, FERREIRA11, KEIDAR13). Em razão de que a área inflamada por diverticulite de ceco possa se parecer com um tumor e que também não existe uma maneira segura de distinguí-los macroscopicamente, estes autores não hesitam em defender a hemi colectomia direita para resolução desta condição.
    Embora ADAM et al13 sempre indicarem a ressecção íleo cecal, desde que a hipótese diagnóstica de carcinoma for seguramente descartada, parece ser mais aceito que quando o cirurgião consegue identificar a inflamação em um divertículo do ceco, e desde que não haja um intenso processo inflamatório na parede cecal, a melhor conduta consiste na diverticulectomia com sutura do orifício remanescente. Esta simples abordagem operatória além de evitar uma ressecção intestinal com todas as suas possíveis complicações, tem se mostrado bastante eficaz e segura por vários autores (GHARAIBEH et al1, VITALI3, LANE14). Nesta situação, ainda achamos prudente, assim como TOCCHI6 e FERREIRA11, realizar a apendicectomia para evitar qualquer dúvida diagnóstica posteriormente quanto aos possíveis quadros de dor na fossa ilíaca direita.

SUMMARY: The authors present a review of five cases of cecum diverticulitis regarding aspects such as pre operative diagnosis and operative procedures to be performed. Acute appendicitis diagnosis were done in all patients preoperatively. Three patients were submitted to diverticulectomy, one to cecum resection and the other one to right hemicolectomy. The authors recommend right hemicolectomy as the best procedure when diagnosis remain undeterminate.

Key Words: Diverticulitis, Cecum.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1- GHARAIBEH, K. J.; SHAMI, S. K.; AL-QUADAH, M. S. et al. True caecal diverticulitis. Int. Surg. 1995, 80: 218-22.
2- KAUFMAN, Z.; SHIPITZ, B.; REINA, A. Cecal diverticulitis presented as a cecal tumor. Am. Surg. 1990, 56: 675-7.
3- VITALI V.; DIVITO, A.; MENNO, P.; A rare case of perforated diverticulum of the cecum. Chir. 1998, 53: 531-4.
4- RISEMAN, J. A.; WHICHTERMAN, K. Evaluation of right hemicolectomy for unexpected cecal mass. Arch. Surg. 1989, 124: 1043-4.
5- MOSCA, F.; STRAQUALURSI, A.; PIAZZA, D.; et al. A rare case of acute abdomen perforated acute diverticulitis of the cecum. G. Chir. 1997, 18: 421-5.
6- TOCCHI, A.; MAZZONI, G.; LIOTTA, G. et al. Treatment of cecal diverticulitis. G. Chir. 1998, 19: 301-3.
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9- JANG, H. J.; LIM, H. K.; LEE, S.J. et al. Acute diverticulitis of the cecum and ascending colon: thin-section helical CT findings. Am. J. Roentgerol. 1999, 172: 601-4.
10- VILLALBA, C. R.; Zaragoza, F.C.; VILLALBA, C.S. et al. Acute solitary diverticulitis of the cecum, a rare cause of acute abdomen. Apropos of 9 cases and review of the literature. J. Chir. 1995, 132; 299-04.
11- FERREIRA, J. J. Doença diverticular dos cólons. In: VINHÁES, J.C. Clínica e Terapeutica Cirúrgicas., Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, p. 785, 1997.
12- KEIDAR, S.; PAPPO, I.; SHERBER, Y. et al. Cecal diverticulitis. Dig. Surg. 2000, 17: 508-12.
13- ADAM, C.; BOTTCHER, K. Cecal diverticulitis. Zentralbl. Chir. 2000, 125: 467-70.
14- LANE, J. S.; SARKAR, R.; SCHMIT, P. J. et al. Surgical approach to cecal diverticulitis. J. Am. Coll. Surg. 1999, 188: 629-34.

Endereço para correspondência:
Italo Accetta
Rua Mariz e Barros 51/ 1201
CEP 24220-120, Niterói, Rio de Janeiro

Trabalho realizado pela Disciplina de Cirurgia de Urgência, pelo Curso de Mestrado em Cirurgia Gastroenterológica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense e pela Disciplina de Clínica Cirúrgica 2 da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho.