RELATO DE CASO
João Batista Pinheiro Barreto-ASBCP
Arnaldo de Jesus Dominici
Itágores Hoffman Lopes Sousa Coutinho
Anselmo Luís Ribeiro Mota
Márcio Mendes Pereira
RESUMO: Apresenta-se um relato de dois casos de pacientes jovens portadores de doença de Crohn com fístulas perianais, que foram submetidos à proctocolectomia total com ileostomia convencional de Brooke, evoluindo relativamente bem.
Unitermos: Doença de Crohn, fístulas, tratamento cirúrgico da doença de Crohn, proctocolectomia total, ileostomia
INTRODUÇÃO
A descrição original da doença de
Crohn, efetuada por Crohn Henzberg e Oppenheimer em
1932, localizava o distúrbio em segmentos do íleo,
sendo inicialmente denominada ileíte
terminal1. Posteriormente, Crohn e Oppenheimer
descreveram 52 casos de granulomas intestinais, dos quais
13 pacientes tinham acometimento ileal, recebendo
então a denominação de ILEÍTE REGIONAL,
atualmente reconhecida como Doença de Crohn (DC).
Macroscopicamente, o segmento comprometido apresenta-se com um espessamento extenso
na parede e a mucosa com o clássico aspecto de
calçamento desenhado pelas ulcerações existentes.
Microscopicamente, a DC caracteriza-se pela presença
de granulomas caseosos, células gigantes
multinucleadas, microabscessos, com infiltrado inflamatório
e hiperplasia linfóide.
Os autores apresentam relato de dois casos,
de um paciente de 19 anos e uma paciente de 14
anos, ambos portadores de doença de Crohn, que
apresentavam diarréia mucossangüinolenta e dor
abdominal em cólica, os quais foram submetidos à
proctocolectomia total com ileostomia convencional
de Brooke, evoluindo relativamente bem.
RELATO DOS CASOS
CASO 1
Paciente masculino, 19 anos, pardo,
solteiro, natural de Açailândia (MA), procurou o serviço
de Gastroenterologia do Hospital Universitário
Presidente Dutra, queixando-se de dor abdominal tipo cólica
e diarréia mucossangüinolenta com várias evacuações
nas 24 horas, com intenso tenesmo, de início
há aproximadamente 6 anos.
Concomitantemente, apresentou episódios febris, lombalgia,
artralgia, vômitos com restos alimentares, edema de
membros inferiores e importante perda ponderal. Ao exame
físico apresentava desnutrição acentuada, hipocorado,
atrofia de papilas linguais, ausência de pêlos em
membros superiores, inferiores e pubianos; presença de
fístulas e abscessos perianais (Figura 1). O paciente
relatou tratamento irregular com sulfassalazina e prednisona.
Figura 1 - Ilustração demostrando fístulas e fissuras perianais em paciente masculino |
Nos exames complementares o hemograma revelou anemia. O clister opaco demonstrou
redução do diâmetro de todo o cólon, com múltiplas
áreas estenóticas e ulcerações profundas alternadas.
A colonoscopia demonstrou presença de
extensas ulcerações, profundas, permeadas de
mucosa aparentemente normal; no canal anal foi
observado fístula e extenso comprometimento
inflamatório, compatível com DC; no estudo histopatológico
foi detectado tecido necrótico com exsudato
inflamatório inespecífico, mono e polimorfonucleares e
neovascularização capilar.
O paciente permaneceu 41 dias internado no Serviço de Clínica Médica, fazendo uso de
sulfassalazina 1500 mg/dia e prednisona 40 mg/dia. Devido
à intratabilidade clínica, associada à presença de
fístulas, abscessos perianais e múltiplas estenoses colônicas,
o paciente foi encaminhado ao Serviço de Coloproctologia, com indicação de
proctocolectomia total com ileostomia definitiva.
Relato Cirúrgico
No ato cirúrgico o cólon
mostrava-se globalmente comprometido, com acentuada
infiltração, diminuição da luz e traves fibrosas ao nível
do reto em direção ao canal anal. O íleo foi liberado
até aproximadamente 15 cm da válvula ileocecal
e seccionado com grampeador linear. Foi realizada
a identificação e ligadura dos vasos que irrigam o
cólon. Em segundo tempo da cirurgia foi realizada
a abordagem perineal através da dissecção até
as estruturas musculares perineais, com posterior
liberação total do ânus e reto.
Finalmente, realizou-se a ileostomia na
fossa ilíaca direita à Brooke, síntese da incisão abdominal
e síntese com drenagem lateral da incisão perineal.
No pós-operatório, o paciente evoluiu
bem, com diurese espontânea, ruídos hidroaéreos
presentes e trânsito intestinal funcionante em bolsa de
ileostomia a partir do primeiro dia de pós-operatório (DPO).
Deambulou no 2º DPO. Apresentou sinais de
infecção em sítio operatório perineal no 8º DPO. A
terapêutica instituída foi metronidazol 1500 mg/dia EV
e gentamicina 80 mg/dia e limpeza mecânica.
No exame macroscópico da peça
operatória observou-se comprimento de 1,60 m, com
paredes espessadas, intensa redução da luz intestinal
com revestimento mucoso reduzido. Microscopicamente
os fragmentos dos segmentos ulcerados com intensa reação inflamatória transmural atingindo a serosa
e gordura do meso. Foram observadas áreas de
infiltrado difuso, com formação de granulomas com
gigantócitos e sem necrose, além de linfonodos com granulomas
de mesmo aspecto. Concluindo processo
inflamatório crônico granulomatoso compatível com DC.
O paciente retornou após 90 dias de
alta hospitalar com considerável ganho de
peso, assintomático, com ileostomia funcionante, fazendo
uso de sulfassalazina (Figura 2).
Figura 2 - Foto do paciente 90 dias após cirurgia. Ganho de peso considerável. |
CASO 2
Paciente feminina, 14 anos, branca,
solteira, natural de São Luís (MA), solicitou atendimento
no Serviço de Gastroenterologia do Hospital
Universitário Presidente Dutra relatando diarréia
mucossangüinolenta, com até 10 evacuações/dia,
de consistência pastosa e odor pútrido, acompanhada
de urgência retal, tenesmo e surgimento de fístulas
anais dolorosas, iniciadas há 3 anos. Relatou ainda
febre, astenia, cefaléia, dor abdominal e náuseas. Foi
tratada inicialmente com metronidazol sem sucesso, e
então foi tratada com corticosteróides, obtendo melhora
do quadro. Foi internada três vezes desde o início
da doença, apresentando piora progressiva, com
aumento do tamanho das fístulas, artralgias, perda
ponderal significativa. Ao exame físico mostrava-se
hipocorada (+++/++++), desidratada, desnutrida,
hipodesenvolvida, com abdome doloroso difusamente
à palpação profunda, com múltiplas fístulas
perianais.
Nos exames complementares observou-se inicialmente anemia importante (hemoglobina de
5,2 g/dl). Clister opaco evidenciou trânsito
colônico retrógrado livre, perda das haustrações do
cólon transverso e descendente e microulcerações nas
paredes colônicas. No exame colonoscópico demonstrou-se
íleo distal sem lesões mucosas; cólon com mucosa
friável, ulcerações rasas e profundas e pólipos isolados,
redução do calibre luminal e fístula retal. No
estudo histopatológico encontrou-se processo
inflamatório crônico da mucosa nos segmentos ileal, transverso
e retosigmóide, com erosões. Ausência de
granulomas ou microabscessos.
Relato Cirúrgico
O cólon apresentava-se totalmente
afetado, com edema acentuado de parede e diminuição da
luz (Figura 3). O íleo foi liberado até aproximadamente
15 cm da válvula ileocecal e seccionado com
grampeador linear. Foi realizada a dissecção do cólon
e posteriormente foi feita liberação total do ânus e
reto, semelhantemente ao primeiro caso, assim como
a ileostomia na fossa ilíaca direita à Brooke.
Figura 3 - Peça cirúrgica do caso 2. Intestino grosso comprometido em toda sua extensão. |
No pós-operatório a paciente evoluiu de
forma satisfatória, com diurese espontânea, ruídos
hidroaéreos presentes e trânsito intestinal funcionante em bolsa
de ileostomia a partir do segundo dia de pós-operatório.
Recebeu alta hospitalar no 14º dia após o ato
cirúrgico. A paciente retornou ao ambulatório após 60 dias
com estado geral bom, ileostomia funcionante, em uso
de sulfassalazina.
DISCUSSÃO
A DC se caracteriza por episódios
de exacerbação e remissão, com quadro clínico variável
de acordo com a localização e extensão da doença. As
lesões podem aparecer da cavidade oral ao ânus,
com preferência ao intestino delgado e
grosso.2 O acometimento exclusivo do intestino delgado ocorre
em 27% dos casos, do grosso em 40% e simultâneo
em 30% dos casos. Associam-se em mais de 50% dos
casos a manifestações extra-intestinais, que podem
atingir qualquer órgão.3 É mais freqüente em adultos
jovens, incidindo em igual freqüência em ambos os
sexos.4 Embora as causas da DC não sejam conhecidas,
certos aspectos dessa doença têm sugerido diversas áreas
de possível importância. Essas áreas são fatores
familiares ou genéticos, infecciosos, imunológicos e
psicológicos.1
A sintomatologia na maioria dos casos caracteriza-se por dor abdominal (82%) e alteração
do hábito intestinal (76%), com predominância do
aumento do número de evacuações. A presença de sangue
nas fezes associa-se às lesões colônicas. Outras
queixas comuns são perda ponderal e febre. Há
também sintomas fora do trato gastrointestinal como
artrite, úlceras na mucosa oral e retardo no
crescimento.5
A formação de fístulas é uma complicação freqüente
da DC. Podem ocorrer fístulas entre segmentos
contínuos do intestino; também podem aprofundar-se nos
espaços retroperitoniais, apresentando-se como fístulas
cutâneas e/ou abscesso perirretal, ou uma fístula
retal.1
As principais indicações cirúrgicas de
ressecção intestinal para a doença de Crohn são:
obstrução, abscesso, fístula, perfuração, sangramento e
transformação maligna.6
A proctocolectomia total envolve a excisão
de todo o cólon , reto e canal anal. Suas indicações
são quase sempre eletivas. A proctocolectomia na DC
é usada nas seguintes circunstâncias:
- Resposta precária ao tratamento clínico proposto;
- Efeitos colaterais causados pelos
medicamentos empregados, como a doença de Cushing;
Algumas manifestações extra-intestinais da doença:
- Doença perianal extensa concomitante a doença renal.
- Estenose retal e colônica que impedem ou
dificultam muito o rastreamento intestinal à procura de
alguma incidência de malignidade.
- Carcinoma no cólon ou no reto.
Os pacientes deste estudo encontravam-se com
estado geral comprometido e com desenvolvimento psicomotor retardado, fazendo tratamento
clínico irregular para DC. A doença encontrava-se
presente no cólon, reto e canal anal, de acordo com os
achados radiológicos, endoscópicos e anatomopatológico.
Devido a intratabilidade clínica, abscessos e
fístulas perianais, e comprometimento de todo o
intestino grosso, foi realizada proctocolectomia total
com ileostomia.
SUMMARY: A discussion about two young patients with Crohn `s disease is presented. Both were submitted to total proctocolectomy with typical Brooke ileostomy. Patients evolution demonstrated satisfactory results.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
1. Fauci, AS, Braunwald, E, Isselbacher, KJ, Wilson, JD,
Martin, JB, Kasper, DL, Hauser, SL & Longo, DL -
Harrison Medicina Interna. 14ª ed., Rio de Janeiro, McGraw Hill, 1998.
2. Cruz, GMG - Coloproctologia - Propedêutica Geral. 1ª
ed., Rio de Janeiro, Revinter, 1999.
3. Teixeira, MG, Brunetti, C, Gonçalves, SR, Gama, HABR
& Pinotti, HW. Manifestações extra-intestinais em 103
pacientes com retocolite ulcerativa ou doença de Crohn.
Rev col bras Cirurg 1989; 16:126-132.
4. Habr-Gama, A, Takiguti, CK, Brunetti, C & Pinotti,
HW. Aspectos epidemiológicos da doença de Crohn em
140 pacientes no Serviço de Coloproctologia do HCFMUSP.
Rev Bras Coloproct 1993; 13: 128-132.
5. Keighley, MRB, Pemberton, JH, Fazio, VW & Rolland,
PARC. Atlas de Cirurgia Colorretal. 1ª ed., Rio de Jáneiro,
Revinter, 1999.
Endereço para correspondência:
João Batista Pinheiro Barreto
Hospital Universitário Presidente Dutra
Universidade Federal do Maranhão
Rua Barão de Itapary, 227 _ Centro
São Luís - MA
Trabalho realizado no Hospital Universitário Presidente Dutra- Universidade Federal do Maranhão - São Luís (MA)