RELATO DE CASO


PROCTOCOLECTOMIA TOTAL COM ILEOSTOMIA DE BROOKE NA DOENÇA DE CROHN _ RELATO DE DOIS CASOS

João Batista Pinheiro Barreto-ASBCP
Arnaldo de Jesus Dominici
Itágores Hoffman Lopes Sousa Coutinho
Anselmo Luís Ribeiro Mota
Márcio Mendes Pereira


Barreto JBP, Dominici AJ, Coutinho IHLS, Mota ALR, Pereira MM. Proctocolectomia Total com Ileostomia de Brooke na Doença de Crohn _ Relato de Dois Casos. Rev bras Coloproct, 2002;22(1):36-40.

RESUMO: Apresenta-se um relato de dois casos de pacientes jovens portadores de doença de Crohn com fístulas perianais, que foram submetidos à proctocolectomia total com ileostomia convencional de Brooke, evoluindo relativamente bem.

Unitermos: Doença de Crohn, fístulas, tratamento cirúrgico da doença de Crohn, proctocolectomia total, ileostomia

INTRODUÇÃO
A descrição original da doença de Crohn, efetuada por Crohn Henzberg e Oppenheimer em 1932, localizava o distúrbio em segmentos do íleo, sendo inicialmente denominada ileíte terminal1. Posteriormente, Crohn e Oppenheimer descreveram 52 casos de granulomas intestinais, dos quais 13 pacientes tinham acometimento ileal, recebendo então a denominação de ILEÍTE REGIONAL, atualmente reconhecida como Doença de Crohn (DC).
    Macroscopicamente, o segmento comprometido apresenta-se com um espessamento extenso na parede e a mucosa com o clássico aspecto de calçamento desenhado pelas ulcerações existentes. Microscopicamente, a DC caracteriza-se pela presença de granulomas caseosos, células gigantes multinucleadas, microabscessos, com infiltrado inflamatório e hiperplasia linfóide.
    Os autores apresentam relato de dois casos, de um paciente de 19 anos e uma paciente de 14 anos, ambos portadores de doença de Crohn, que apresentavam diarréia mucossangüinolenta e dor abdominal em cólica, os quais foram submetidos à proctocolectomia total com ileostomia convencional de Brooke, evoluindo relativamente bem.

RELATO DOS CASOS

CASO 1
Paciente masculino, 19 anos, pardo, solteiro, natural de Açailândia (MA), procurou o serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Presidente Dutra, queixando-se de dor abdominal tipo cólica e diarréia mucossangüinolenta com várias evacuações nas 24 horas, com intenso tenesmo, de início há aproximadamente 6 anos. Concomitantemente, apresentou episódios febris, lombalgia, artralgia, vômitos com restos alimentares, edema de membros inferiores e importante perda ponderal. Ao exame físico apresentava desnutrição acentuada, hipocorado, atrofia de papilas linguais, ausência de pêlos em membros superiores, inferiores e pubianos; presença de fístulas e abscessos perianais (Figura 1). O paciente relatou tratamento irregular com sulfassalazina e prednisona.

 

Figura 1 - Ilustração demostrando fístulas e fissuras perianais em paciente masculino


    Nos exames complementares o hemograma revelou anemia. O clister opaco demonstrou redução do diâmetro de todo o cólon, com múltiplas áreas estenóticas e ulcerações profundas alternadas. A colonoscopia demonstrou presença de extensas ulcerações, profundas, permeadas de mucosa aparentemente normal; no canal anal foi observado fístula e extenso comprometimento inflamatório, compatível com DC; no estudo histopatológico foi detectado tecido necrótico com exsudato inflamatório inespecífico, mono e polimorfonucleares e neovascularização capilar.
    O paciente permaneceu 41 dias internado no Serviço de Clínica Médica, fazendo uso de sulfassalazina 1500 mg/dia e prednisona 40 mg/dia. Devido à intratabilidade clínica, associada à presença de fístulas, abscessos perianais e múltiplas estenoses colônicas, o paciente foi encaminhado ao Serviço de Coloproctologia, com indicação de proctocolectomia total com ileostomia definitiva.

Relato Cirúrgico
No ato cirúrgico o cólon mostrava-se globalmente comprometido, com acentuada infiltração, diminuição da luz e traves fibrosas ao nível do reto em direção ao canal anal. O íleo foi liberado até aproximadamente 15 cm da válvula ileocecal e seccionado com grampeador linear. Foi realizada a identificação e ligadura dos vasos que irrigam o cólon. Em segundo tempo da cirurgia foi realizada a abordagem perineal através da dissecção até as estruturas musculares perineais, com posterior liberação total do ânus e reto.
    Finalmente, realizou-se a ileostomia na fossa ilíaca direita à Brooke, síntese da incisão abdominal e síntese com drenagem lateral da incisão perineal.
    No pós-operatório, o paciente evoluiu bem, com diurese espontânea, ruídos hidroaéreos presentes e trânsito intestinal funcionante em bolsa de ileostomia a partir do primeiro dia de pós-operatório (DPO). Deambulou no 2º DPO. Apresentou sinais de infecção em sítio operatório perineal no 8º DPO. A terapêutica instituída foi metronidazol 1500 mg/dia EV e gentamicina 80 mg/dia e limpeza mecânica.
    No exame macroscópico da peça operatória observou-se comprimento de 1,60 m, com paredes espessadas, intensa redução da luz intestinal com revestimento mucoso reduzido. Microscopicamente os fragmentos dos segmentos ulcerados com intensa reação inflamatória transmural atingindo a serosa e gordura do meso. Foram observadas áreas de infiltrado difuso, com formação de granulomas com gigantócitos e sem necrose, além de linfonodos com granulomas de mesmo aspecto. Concluindo processo inflamatório crônico granulomatoso compatível com DC.
    O paciente retornou após 90 dias de alta hospitalar com considerável ganho de peso, assintomático, com ileostomia funcionante, fazendo uso de sulfassalazina (Figura 2).

 

Figura 2 - Foto do paciente 90 dias após cirurgia. Ganho de peso considerável.

 

CASO 2
Paciente feminina, 14 anos, branca, solteira, natural de São Luís (MA), solicitou atendimento no Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Presidente Dutra relatando diarréia mucossangüinolenta, com até 10 evacuações/dia, de consistência pastosa e odor pútrido, acompanhada de urgência retal, tenesmo e surgimento de fístulas anais dolorosas, iniciadas há 3 anos. Relatou ainda febre, astenia, cefaléia, dor abdominal e náuseas. Foi tratada inicialmente com metronidazol sem sucesso, e então foi tratada com corticosteróides, obtendo melhora do quadro. Foi internada três vezes desde o início da doença, apresentando piora progressiva, com aumento do tamanho das fístulas, artralgias, perda ponderal significativa. Ao exame físico mostrava-se hipocorada (+++/++++), desidratada, desnutrida, hipodesenvolvida, com abdome doloroso difusamente à palpação profunda, com múltiplas fístulas perianais.
    Nos exames complementares observou-se inicialmente anemia importante (hemoglobina de 5,2 g/dl). Clister opaco evidenciou trânsito colônico retrógrado livre, perda das haustrações do cólon transverso e descendente e microulcerações nas paredes colônicas. No exame colonoscópico demonstrou-se íleo distal sem lesões mucosas; cólon com mucosa friável, ulcerações rasas e profundas e pólipos isolados, redução do calibre luminal e fístula retal. No estudo histopatológico encontrou-se processo inflamatório crônico da mucosa nos segmentos ileal, transverso e retosigmóide, com erosões. Ausência de granulomas ou microabscessos.

Relato Cirúrgico
O cólon apresentava-se totalmente afetado, com edema acentuado de parede e diminuição da luz (Figura 3). O íleo foi liberado até aproximadamente 15 cm da válvula ileocecal e seccionado com grampeador linear. Foi realizada a dissecção do cólon e posteriormente foi feita liberação total do ânus e reto, semelhantemente ao primeiro caso, assim como a ileostomia na fossa ilíaca direita à Brooke.

 

Figura 3 - Peça cirúrgica do caso 2. Intestino grosso comprometido em toda sua extensão.


    No pós-operatório a paciente evoluiu de forma satisfatória, com diurese espontânea, ruídos hidroaéreos presentes e trânsito intestinal funcionante em bolsa de ileostomia a partir do segundo dia de pós-operatório. Recebeu alta hospitalar no 14º dia após o ato cirúrgico. A paciente retornou ao ambulatório após 60 dias com estado geral bom, ileostomia funcionante, em uso de sulfassalazina.

DISCUSSÃO
A DC se caracteriza por episódios de exacerbação e remissão, com quadro clínico variável de acordo com a localização e extensão da doença. As lesões podem aparecer da cavidade oral ao ânus, com preferência ao intestino delgado e grosso.2 O acometimento exclusivo do intestino delgado ocorre em 27% dos casos, do grosso em 40% e simultâneo em 30% dos casos. Associam-se em mais de 50% dos casos a manifestações extra-intestinais, que podem atingir qualquer órgão.3 É mais freqüente em adultos jovens, incidindo em igual freqüência em ambos os sexos.4 Embora as causas da DC não sejam conhecidas, certos aspectos dessa doença têm sugerido diversas áreas de possível importância. Essas áreas são fatores familiares ou genéticos, infecciosos, imunológicos e psicológicos.1
   
A sintomatologia na maioria dos casos caracteriza-se por dor abdominal (82%) e alteração do hábito intestinal (76%), com predominância do aumento do número de evacuações. A presença de sangue nas fezes associa-se às lesões colônicas. Outras queixas comuns são perda ponderal e febre. Há também sintomas fora do trato gastrointestinal como artrite, úlceras na mucosa oral e retardo no crescimento.5
   
A formação de fístulas é uma complicação freqüente da DC. Podem ocorrer fístulas entre segmentos contínuos do intestino; também podem aprofundar-se nos espaços retroperitoniais, apresentando-se como fístulas cutâneas e/ou abscesso perirretal, ou uma fístula retal.1
   
As principais indicações cirúrgicas de ressecção intestinal para a doença de Crohn são: obstrução, abscesso, fístula, perfuração, sangramento e transformação maligna.6
   
A proctocolectomia total envolve a excisão de todo o cólon , reto e canal anal. Suas indicações são quase sempre eletivas. A proctocolectomia na DC é usada nas seguintes circunstâncias:
- Resposta precária ao tratamento clínico proposto;
- Efeitos colaterais causados pelos medicamentos empregados, como a doença de Cushing;
    Algumas manifestações extra-intestinais da doença:
- Doença perianal extensa concomitante a doença renal.
- Estenose retal e colônica que impedem ou dificultam muito o rastreamento intestinal à procura de alguma incidência de malignidade.
- Carcinoma no cólon ou no reto.
    Os pacientes deste estudo encontravam-se com estado geral comprometido e com desenvolvimento psicomotor retardado, fazendo tratamento clínico irregular para DC. A doença encontrava-se presente no cólon, reto e canal anal, de acordo com os achados radiológicos, endoscópicos e anatomopatológico.
    Devido a intratabilidade clínica, abscessos e fístulas perianais, e comprometimento de todo o intestino grosso, foi realizada proctocolectomia total com ileostomia.

SUMMARY: A discussion about two young patients with Crohn `s disease is presented. Both were submitted to total proctocolectomy with typical Brooke ileostomy. Patients evolution demonstrated satisfactory results.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Fauci, AS, Braunwald, E, Isselbacher, KJ, Wilson, JD, Martin, JB, Kasper, DL, Hauser, SL & Longo, DL - Harrison Medicina Interna. 14ª ed., Rio de Janeiro, McGraw Hill, 1998.
2. Cruz, GMG - Coloproctologia - Propedêutica Geral. 1ª ed., Rio de Janeiro, Revinter, 1999.
3. Teixeira, MG, Brunetti, C, Gonçalves, SR, Gama, HABR & Pinotti, HW. Manifestações extra-intestinais em 103 pacientes com retocolite ulcerativa ou doença de Crohn. Rev col bras Cirurg 1989; 16:126-132.
4. Habr-Gama, A, Takiguti, CK, Brunetti, C & Pinotti, HW. Aspectos epidemiológicos da doença de Crohn em 140 pacientes no Serviço de Coloproctologia do HCFMUSP. Rev Bras Coloproct 1993; 13: 128-132.
5. Keighley, MRB, Pemberton, JH, Fazio, VW & Rolland, PARC. Atlas de Cirurgia Colorretal. 1ª ed., Rio de Jáneiro, Revinter, 1999.

Endereço para correspondência:
João Batista Pinheiro Barreto
Hospital Universitário Presidente Dutra
Universidade Federal do Maranhão
Rua Barão de Itapary, 227 _ Centro
São Luís - MA

Trabalho realizado no Hospital Universitário Presidente Dutra- Universidade Federal do Maranhão - São Luís (MA)