ARTIGOS ORIGINAIS


COLECTOMIA SUBTOTAL E ANASTOMOSE COM DOENÇA INFLAMATÓRIA RESIDUAL _ ESTUDO EXPERIMENTAL EM RATOS

Maria de Lourdes Pessole Biondo-Simões-FSBCP
Fernando Hintz Greca-TSBCP
Sérgio Ossamu Ioshii
Eduardo Wei Kin Chin
Letícia Yurie Kimura


Biondo-Simões MLP, Greca FH, Ioshii SO, Chin EWK, Kimura LY. Colectomia subtotal e anastomose com doença inflamatória residual _ estudo experimental em ratos . Rev bras Coloproct, 2002;22(1):5-12.

RESUMO: A anastomose íleo-retal é uma das opções cirúrgicas para o tratamento das doenças inflamatórias intestinais. O objetivo deste estudo é acompanhar a evolução das anastomoses íleo-cólicas realizadas em situação de doença inflamatória residual em nível experimental. Utilizaram-se 60 ratos machos, divididos em 2 lotes de 30 animais, que compuseram os grupos C (controle) e E (experimento). Os ratos do grupo E tiveram a doença inflamatória do cólon induzida com ácido acético a 10% através de enemas retais, enquanto que os animais do grupo C tiveram o cólon lavado com solução salina isotônica a 0,9% pelo mesmo método. No 5.º dia após a indução da doença inflamatória, todos os animais foram submetidos à colectomia subtotal, seguida de anastomose íleo-cólica, tomando-se o cuidado de deixar doença residual no grupo E. Realizaram-se aferições no 3.º, 7.º e 14.º dia do pós-operatório. Anotaram-se as alterações da cavidade, a presença de aderências e ressecou-se a porção que continha a anastomose. Após a medida da pressão de ruptura, encaminhou-se a peça para estudo histopatológico investigando-se a reação inflamatória e a fibroplasia. Observou-se peritonite difusa somente nos animais que morreram antes do dia da aferição. O percentual de mortalidade no grupo C foi de 6,67% e no grupo E de 30%, sendo que a proporção de mortalidade E:C foi de 4,48:1 (p= 0,0205). As anastomoses evoluíram de forma semelhante nos 2 grupos quanto às aderências perianastomóticas e comportamento histológico; contudo a capacidade de suportar pressão foi menor no grupo E no 7.º dia. Conclui-se que a grande complicação das anastomoses íleo-cólicas realizadas em situação de doença inflamatória residual é o número de deiscências com óbito.

Unitermos: cicatrização de feridas, cólon, colite ulcerativa

INTRODUÇÃO
Doença inflamatória intestinal idiopática crônica inclui a colite ulcerativa e a doença de Crohn. Ambas são doenças crônicas e recorrentes: a primeira caracteriza-se por inflamação difusa somente da mucosa do cólon, enquanto a última é caracterizada por inflamação transmural irregular, envolvendo qualquer segmento do trato gastrointestinal. A colite ulcerativa tem incidência anual nos Estados Unidos de 1 a 3 casos por 100 mil habitantes. Já a da doença de Crohn é de 4 a 6 casos por 100 mil habitantes 11.
    Atualmente, há numerosas opções cirúrgicas para o tratamento das doenças inflamatórias intestinais. A proctocolectomia é o único tratamento que promove a cura da doença, porém condena o paciente à ileostomia definitiva. A anastomose íleo-retal é uma alternativa e vem sendo utilizada para o tratamento de uma série de doenças, incluindo as doenças inflamatórias do intestino, como a doença de Crohn e a colite ulcerativa, a polipose colônica familial, o carcinoma do cólon e a doença de Hodgkin do cólon 4, 14, 29. Algumas indicações para este tipo de cirurgia, na colite ulcerativa, incluem o tratamento medicamentoso refratário, a displasia, a malignidade e a cronicidade da doença 14, 20. A doença residual no reto é facilmente acompanhada e permite que o paciente evacue pela via natural.
    A finalidade deste estudo é avaliar a evolução e as possíveis complicações da anastomose íleo-cólica associada com doença inflamatória intestinal.

MÉTODOS
Este estudo seguiu as normas de pesquisa com animais, preconizadas pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal, instituição filiada ao International Council for Laboratory Animal Science. Utilizaram-se 60 ratos machos (Rattus norvegicus albinus, Rodentia mammalia) da linhagem Wistar-TECPAR, com idade variável entre 130 e 135 dias, sendo a média de idade de 132 dias e peso entre 270 e 345,6 gramas, com média igual a 306,8 gramas.
    Dividiu-se aleatoriamente a amostra em 2 grupos de 30 ratos, constituindo os grupos controle e experimento, sendo denominados de C e E.
    Submetidos à anestesia inalatória com éter etílico, os ratos do grupo E tiveram a doença inflamatória do cólon induzida conforme o método descrito por Mac PHERSON e PFFEIFER 23 e já padronizado entre nós por MORAES 24, 25 que utilizam o ácido acético a 10% através de enemas retais. Utilizando-se o mesmo método, os animais do grupo C tiveram o cólon lavado com solução salina isotônica a 0,9% ao invés de ácido acético.
    Seis horas antes da intervenção cirúrgica, injetou-se pela veia dorsal do pênis, 20 mg/Kg de peso de uma solução azul de EVANS na concentração de 25 mg/ml para se poder, durante o ato cirúrgico, delimitar com exatidão as áreas de doença inflamatória.
    No 5.o dia após a indução da doença inflamatória, sob anestesia inalatória, por incisão mediana, de 4,0 cm, realizou-se a exposição da área cecal, com ligadura dos ramos da artéria íleo-cólica e da artéria cólica direita com fio de categute simples 6-0. Passou-se à secção transversa do íleo terminal, distando aproximadamente 5 mm da prega íleo-cecal, mobilizando-se o ceco, o cólon ascendente e o cólon transverso, que no rato não chega a ser transverso, mas apenas uma reflexão da porção ascendente para a descendente, por divisão do mesentério até o ponto onde o cólon e o intestino delgado cruzam, um com o outro, na raiz do mesentério. Fez-se a ligadura da artéria cólica média, podendo-se, em seguida, mobilizar o cólon esquerdo e realizar a ligadura dos vasos. Procedeu-se à secção do cólon, deixando o limite distal entre 1 e 1,5 cm da reflexão peritoneal, tomando-se o cuidado de deixar doença residual nos animais do grupo experimento. Desta forma, possibilitou-se uma colectomia parcial, pois se retirou o ceco, o cólon ascendente, o cólon transverso e parte do cólon descendente.
    Fez-se a reconstrução do trânsito intestinal com anastomose término-terminal, com um único plano de sutura, extramucoso, com 8 pontos feitos com fio monofilamentar de náilon 6-0, fechados, todos, com 4 seminós. As anastomoses eram feitas com agulha de anastomose vascular, de 1,3 cm e com ajuda de lupa cirúrgica.
    Seguiu-se a laparorrafia em 2 planos de sutura em chuleio contínuo, o primeiro, peritônio-músculo-aponevrótico; e o segundo, o da pele, utilizando-se fio monofilamentar de náilon 4-0.
    Realizou-se a eutanásia, com dose inalatória letal de éter etílico, de dez animais de cada grupo no 3.º, 7.º e 14.º dia do pós-operatório, de modo que a aferição de cada grupo forneceu os subgrupos C.3, C.7, C.14, E.3, E.7 e E.14.
    Ressecava-se a parede abdominal ventral e expunha-se a cavidade peritoneal, possibilitando-se avaliar a existência ou não de líquido difuso ou septado na cavidade peritoneal, configurando a presença de peritonite ou abscesso, a existência de aderências e a integridade das anastomoses.
    Observou-se a presença de complicações da ferida operatória (infecção e deiscência), obstrução intestinal e complicações da anastomose (abscesso intra-abdominal, deiscência da anastomose e estenose da anastomose).
    Aderências foram classificadas segundo os índices 0, 1, 2, 3 e 4, conforme estivessem ausentes ou presentes, seguindo-se o esquema abaixo:
- grau 0: ausentes;
- grau I: presentes, comprometendo 1/4 da circunferência anastomótica;
- grau II: presentes, comprometendo 2/4 da circunferência anastomótica;
- grau III: presentes, comprometendo 3/4 da circunferência anastomótica e
- grau IV: presentes, comprometendo 4/4 da circunferência anastomótica
    Quando aderências estavam presentes, relacionaram-se os órgãos envolvidos.
    Feitas essas observações, retiraram-se 4,0 cm de intestino com a anastomose. Submeteu-se este segmento ao teste manométrico e anotou-se a pressão de ruptura e o local onde esta ocorreu. Abriu-se a peça cirúrgica pela borda antimesenterial, através de incisão longitudinal e inspecionou-se o aspecto interno da área de anastomose. Avaliou-se a integridade da mucosa e a intensidade de reepitelização. Foram consideradas áreas reepitelizadas maiores e menores do que 50% da extensão da anastomose. Observou-se ainda a presença de esporão interno, caracterizado pelo espessamento da parede intestinal ao nível da anastomose que invade a luz e áreas de necrose.
    As peças, distendidas em papel de filtro e fixadas em formalina a 10%, foram encaminhadas para estudo histopatológico. Os cortes, de 5 micrômetros, corados por hematoxilina-eosina, permitiram avaliar o processo inflamatório; os corados pelo tricrômico de Mallory, a ordenação do colágeno; e os corados pelo Sirius red, a concentração e a maturidade do colágeno.
    O processo inflamatório foi avaliado levando-se em conta o predomínio dos tipos celulares em: agudo, crônico e agudo-crônico e quantificado como ausente ou presente. Nesta última condição, foi classificado como discreto, moderado ou intenso.
    Analisaram-se os cortes histológicos corados pelo Sirius red por meio de microscópio óptico da marca Olimpus, em aumento de 200 x, utilizando-se fonte de luz polarizada. As fibras colágenas mais espessas e fortemente birrefringentes apresentam-se coradas de vermelho-alaranjado (colágeno I) e as fibras mais finas e dispersas, fracamente birrefringentes, apresentam-se coradas de tons verdes (colágeno III)19. As imagens, captadas por uma câmera, foram enviadas a um monitor, congeladas e digitalizadas por uma placa digitalizadora e analisadas através do aplicativo Optimas 6.0 para Windows (Bioscan Incorporated Institute) em computador do tipo Pentium. Calculou-se a porcentagem da área lida, ocupada por colágeno I e por colágeno III. Procedeu-se à leitura em 3 campos, na linha da anastomose, que correspondiam à mucosa, à submucosa e à muscular, obtendo-se uma média. O somatório destas porcentagens forneceu a área total ocupada por colágeno.
    Trataram-se os resultados obtidos, para comparação das médias da manometria e da concentração do colágeno, pelo teste t, quando os resultados eram paramétricos, e pelo teste de Mann-Whitney, quando não o eram. Para as tabelas 2 x 2 utilizou-se o teste do Qui-quadrado; e o exato de Fisher, quando estavam presentes restrições para o uso do primeiro. Fixou-se p = 0,05 ou 5% como nível de rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS
No dia do ato operatório, nenhum dos animais apresentava sinais de peritonite. As mortes ocorreram após a operação. No grupo controle (C), ocorreram 2 óbitos, no quarto dia do pós-operatório; no grupo experimento (E), 9 mortes; 6 ocorreram no segundo dia do pós-operatório e 3 no terceiro do pós-operatório. À necropsia, todos apresentavam deiscência da anastomose com peritonite (Figura 1).

 

Figura 1 - Comparação da mortalidade nos dois grupos.


    Observou-se a presença de aderências em todas as anastomoses, mais intensas no grupo experimento, porém sem diferenças significantes.
    A perda de peso no período compreendido entre a indução da doença inflamatória e o dia da colectomia, no grupo experimento, foi de 1,36g a 15,35g, com média de 8,32g e desvio padrão de 1,03g. O grupo controle ganhou de zero a 4,05g de peso, com média de 2,03g, com desvio padrão de 4,12g.
    Registraram-se pressões de 65 a 100 mmHg para o grupo C3, e de 70 a 90 mmHg para o grupo E3, com médias de 75 e 75,7 mmHg, respectivamente.
    A pressão de ruptura no 7.º dia variou de 140 a 180 mmHg no grupo controle, e de 115 a 180 mmHg no grupo experimento, com médias de 161,0 e 134,16, respectivamente.
    Já no 14.º dia, a pressão de ruptura variou entre de 160 a 210 mmHg no grupo C, com média de 177,2 mmHg, e no grupo E entre 160 a 220 mmHg, com média de 178,1 mmHg.
    A Figura 2 mostra a comparação das médias das pressões nos 2 grupos estudados.

 

Figura 2 - Média da pressão de ruptura dos cólons dos dois grupos e nos três tempos (3.º dia p=0,8861; 7.º dia p=0,0188*; 14.º dia p=0,9236)

 

    Embora a média do conteúdo total de colágeno tenha sido maior no grupo controle nos 3 tempos, não o foi de forma significante, o mesmo acontecendo com o colágeno tipo I e III (Tabela 1 e Figura 3).

Tabela 1 _ Média do conteúdo de colágeno em cada grupo no 3.º, 7.º e 14.º dia

MÉDIA  GRUPO  Colágeno tipo I Colágeno tipo III Colágeno total
3.º dia C 8,34 19,26 27,60
3,49 17,13 20,63
7.º dia C 8,91 20,30 29,21
E 5,99 17,51 23,49
14.º dia 11,80 25,51 37,31
E 9,36 23,97 33,33
Teste de Mann-Whitney (U calculado > U crítico)

Colágeno 

3º dia  7º dia 14º dia
Total  U calculado 21  20  26
U crítico 11  12  15
Tipo I U calculado 17 31 26
U crítico 11 12 15
Tipo III U calculado 27 24 32
   U crítico

11

12 15

 

Figura 3 - Média do conteúdo de colágeno nas anastomoses dos dois grupos nos três tempos.

 

    As concentrações de colágeno total no 3.º, 7.º e 14.º dia não foram estatisticamente diferentes, pois o U calculado foi sempre maior que o U crítico. Da mesma maneira, ocorreu com o colágeno tipo I e III nos 3 tempos, sendo o U calculado maior que o U crítico, não havendo diferença significante entre os grupos.
    No 3.º dia, houve predomínio da reação inflamatória aguda nos 2 grupos, sendo quantificada de moderada a intensa. Nos 7.º e 14.º dia, na maioria dos animais dos 2 grupos a reação inflamatória aguda esteve ausente ou, se presente, era discreta.
    A reação inflamatória crônica nos 3 tempos de avaliação, nos 2 grupos, foi predominantemente ausente ou discreta.
    Em ambos os grupos, no 3.º dia, a fibrose foi ausente ou discreta. Da mesma forma no 7.º dia no grupo controle. Já no grupo experimento, metade dos animais ou não apresentaram fibrose; ou, se a apresentaram, era discreta. Na outra metade, esteve presente e quantificada de moderada a intensa; no entanto no 14.º dia de aferição, nos 2 grupos, predominou fibrose de moderada a intensa.
    A organização das fibras colágenas no 3.º e 14.º dia, nos 2 grupos, foi predominantemente desorganizada. Já no 7.º dia, as fibras colágenas apresentavam-se em organização na maioria dos animais dos 2 grupos (Tabela 2).

 

Tabela 2 - Valores de p obtidos pelo teste exato de Fisher nos 3 tempos de avaliação histopatológica.

   3.º dia  7.º dia 14.º dia
RIA 0,6250 0,7063   0,6077
RIC  # 0,5454 0,6000
FIBROSE  0,6250 0,0439*  0,3923
OFC  0,3035 0,6571 0,2308
RIA = reação inflamatória aguda; RIC = reação inflamatória crônica; OFC = ordenação das fibras colágenas; # = os valores são iguais e o cálculo é desnecessário; * = estatisticamente significante

 

DISCUSSÃO
Considerando o direcionamento cirúrgico de um envolvimento total do cólon e do reto por doença inflamatória intestinal, o cirurgião encontra-se perante difícil escolha entre uma proctocolectomia total com ileostomia permanente ou preservação do reto com íleo-reto anastomose. Esta última alternativa é sempre mais bem aceita pelos doentes; porém, segundo a literatura, está associada a significante índice de morbi-mortalidade, pois a presença de doença inflamatória intestinal resulta em altas taxas de deiscência anastomótica com freqüente peritonite e obstrução intestinal.
    AYLETT, em 1966, estudou uma série de 300 pacientes com colite ulcerativa, todos submetidos à colectomia total, seguida de íleo-reto anastomose, encontrando 12,4% de deiscências parciais, 5% de deiscências totais e 6% de mortalidade 2.
    Em 1968, BAKER relatou 14,9% de deiscências com 5% de mortalidade em 41 pacientes submetidos à íleo-reto anastomose por colite ulcerativa 5.
    Autores como BURMAN et al, em 1971, relataram 32% de deiscências em 25 pacientes submetidos à anastomose íleo-retal por doença de Crohn 9.
    FAZIO et al realizaram um estudo em 1975. Registraram 1,2% de deiscências anastomóticas parciais e nenhuma deiscência total. Neste mesmo estudo, obtiveram incidência de 1,9% de mortalidade pós-operatória, sendo que nenhum caso estava relacionado clinicamente com a anastomose 14.
    No mesmo ano, GRUNER et al relacionaram anastomose íleo-retal com colite ulcerativa e obtiveram 10% de deiscências parciais, nenhuma deiscência total, com mortalidade de 7% numa série de 57 pacientes 17.
    Em 1985, OAKLEY et al estudaram as complicações e a qualidade de vida de 145 pacientes após anastomose íleo-retal por colite ulcerativa, encontrando 2% de deiscências parciais, 24% de deiscências totais, sem mortalidade 26.
    BACKER et al, em 1988, avaliaram a evolução das íleo-reto anastomoses no tratamento da colite ulcerativa em 59 doentes, e relataram 22% de deiscências totais, porém sem casos de morte 4.
    Um ano depois, PARC et al registraram 25% de deiscências totais em 197 pacientes 27.
    Em 1990, LEIJONMARCH et al estudaram 60 pacientes também submetidos à anastomose íleo-retal por colite ulcerativa. Relataram 2% de deiscências parciais, 57% de deiscências totais e 4% de mortalidade 22.
    KHUBCHANDANI et al revisaram 210 pacientes operados de doença inflamatória intestinal, no período de setembro de 1959 a dezembro de 1986, Nestes, 110 (66%) realizaram íleo-reto anastomose. Não houve nenhum caso de morte pós-operatória. Ocorreram 6 deiscências em 53 anastomoses íleo-retais por colite ulcerativa (12%), e 5 deiscências (8%) em 61 por doença de Crohn. O índice total de deiscência foi de 10% 20.
    Em 1991, CARTER et al estudaram 136 pacientes com colite ulcerativa tratados com colectomia subtotal, divididos em grupo 1 (coto retal fechado no tecido subcutâneo), 2 (fístula mucosa aberta) e 3 (bolsa de Hartmann intrapélvica). Não houve mortalidade. No grupo 1, 4% desenvolveram complicações sépticas pélvicas, comparados com 7% do grupo 2 e 12% do grupo 3. A atividade persistente da doença inflamatória no reto remanescente esteve presente em 47% do grupo 3, contra 4% e 0% do grupo 2 e 1, respectivamente. Como conclusão, afirmou-se que a exteriorização do coto retal fechado seguido de colectomia subtotal está associada a complicações sépticas pélvicas e morbidade local mínima, que facilita a dissecção pélvica subseqüente, e não está associado ao aumento da atividade da doença no reto remanescente 10.
    ANNIBALI et al, em 1993, afirmaram que pacientes submetidos à anastomose término-terminal com grampeador abaixo da linha pectínea, apesar de apresentarem pressão anal baixa e ausência do reflexo inibitório reto-anal, tiveram resultados funcionais melhores em termos de continência que àqueles submetidos à anastomose acima da linha pectínea 1.
    Um ano depois, AYLETT et al relataram uma taxa de mortalidade de 5.5% em 131 pacientes com retocolite ulcerativa tratados com anastomose íleo-retal, um índice que é menor que a incidência de câncer (7%) 3.
    SLORS et al, em 1995, concluíram que a anastomose íleo-anal com reservatório ileal, realizada com a técnica que, utilizando grampeador duplo, foi considerada um risco de mucosa retal residual, devido à transsecção combinada linear e grampeamento circular, com formação de dobras na mucosa retal bilateralmente; contudo a mucosa residual do reto não influenciou os resultados clínicos do acompanhamento desses pacientes 28.
    Em 1998, BREEN et al investigaram o resultado funcional de complicações perineais após anastomose íleo-anal com reservatório ileal em 628 pacientes. 153 pacientes (24.4%) tiveram 171 complicações perineais. As complicações incluíram 66 (10.5%) estruturas anastomóticas; 28 (4.5%) deiscências anastomóticas; 36 (5.7%) fístulas; 41 (6.5%) episódios de sepse pélvica, e 18 (2.9%) pacientes com múltiplas complicações. Em 10% dos pacientes houve falência da bolsa ileal 8.
    A técnica cirúrgica ideal em casos de doença inflamatória intestinal ainda é muito discutida; entretanto a cirurgia pode ser combinada com a construção da ileostomia de Kock, realizando uma cirurgia em dois tempos 15, 21.
    Entre as desvantagens de uma proctocolectomia total com ileostomia permanente estão: (1) inaceitabilidade fisiológica; (2) complicações do estoma, necessitando revisões cirúrgicas subseqüentes; (3) disfunção sexual; (4) despesas pelos utensílios; (5) feridas perineais incuráveis em alguns pacientes.
    Portanto a preservação de uma passagem natural, como na anastomose íleo-retal, tem vantagens anatômicas, fisiológicas, bioquímicas, psicológicas, estéticas e econômicas que arduamente necessitam ser restabelecidas.
    É interessante que, apesar da alta incidência de deiscência e mesmo de morte, a íleo-reto anastomose venha sendo utilizada no mundo todo como alternativa para o tratamento da doença inflamatória intestinal.
    No presente estudo, realizado em nível experimental, pode-se perceber que as complicações graves que levam à peritonite e morte do animal aconteceram 4,8 vezes mais nos animais em que se realizou anastomose, deixando-se doença residual. Quando, apesar da doença, deiscência não aconteceu, o processo de cicatrização desenvolveu-se de forma semelhante aos controles normais, uma vez que a concentração e a ordenação do colágeno se mostraram semelhantes em todos os tempos, assim como o processo inflamatório ao nível da anastomose.

CONCLUSÃO
A grande complicação das anastomoses íleo-cólicas realizadas em situação de doença inflamatória residual é o número de deiscências com óbito. Quando deiscência não ocorre e o animal sobrevive, a cicatrização se processa de forma normal.

SUMMARY: The ileorectal anastomosis is a surgical choice to the treatment of intestinal inflammatory diseases. The aim of this study is to avaliate the evolution of the ileocolic anastomosis realized in residual inflammatory disease. Sixty rats were divided in two groups that performed group C (control) and group E (experimental). The group E had the colonic inflammatory disease induced by acetic acid 10% through rectal enemas, while the group C made use of isotonic saline solution 0,9%. At 6th day after the induction of inflammatory disease, every animals underwent subtotal colectomy, following ileocolic anastomosis, taking care to quit residual disease in group E. Evaluations were performed at 3rd, 7th e 14th postoperative day. Alterations of abdominal cavity, presence of adherences were noted and the part of intestine with anastomosis was resected. After the rupture strength measure, the segment was conducted to histopathological study, observing inflammatory reaction and fibroplasia. There was diffuse peritonitis only in animals that died before the evaluation day. The mortality in group C was 6,67% and in group E 30%, the mortality relation E:C was 4,48:1 (p= 0,0205). The evolution of anastomosis was similar in both groups. However, the rupture strength measure was minor in group E at 7th day. The great complication of ileocolic anastomosis realized in situation of residual inflammatory disease is the number of leakages with deaths.

Key words: wound healing, colon, ulcerative colitis.

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Endereço para correspondência:
Maria de Lourdes Pessole Biondo-Simões
Rua Ari José Valle, 1987 - Santa Felicidade
CEP 82030-000, Curitiba - Paraná
E-mail: biondo@avalon.sul.com.br
Fone/fax 0XX.41.297.43.59

Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).