OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Júlio César M Santos Júnior - TSBCP
Resumo: A incidência dos ferimentos abdominais penetrantes tem aumentado nas últimas décadas coincidindo com o significativo aumento do Trauma, mormente das agressões urbanas, quando a arma de fogo substituiu o estile e a faca como agente de agressão. Em decorrência disso, o que era visto como lesão visceral comum, nas campanhas militares, passou a fazer parte do cotidiano do cirurgião do trauma, no atendimento do paciente politraumatizado e principalmente dos feridos por bala. Nessa população, as lesões do intestino grosso são das mais comuns dentre as encontradas nas laparotomias exploradoras. A experiência com esse fato, aliada aos resultados de práticas desenvolvidas em hospitais de campos de batalha, tem proporcionado a oportunidade de modificações de conceitos, outrora considerados fundamentais, na orientação do manuseio dos ferimentos do intestino grosso. Assim, ao longo dos últimos 30 anos, podem-se destacar como mudanças importantes nessa área de atuação _ o preparo mecânico e o reparo primário das lesões penetrantes do intestino grosso, quando nos reportamos aos ferimentos iatrogênicos e às lesões devidas ao trauma. Essas têm sido tratadas com suturas primárias, independentemente de suas gravidades e das lesões abdominais associadas, com tal insistência, a ponto de se colocar um veemente apelo para o abandono das colostomias protetoras.
Unitermos: trauma, trauma abdominal, lesões penetrantes, intestino grosso, lesões iatrogênicas, cólons
"The study of Sasaki and col1., and the many others published since 1951 should finally drive a stake through the heart of colostomy. Diversion of the fecal stream has no role in the routine management of the colon injuries. The burden of proof has passed to the other side. In our view, a surgeon using colostomy in the management of penetrating colon injury should be required to justify the continuation of this obsolete and discredited practice."
ML Nance and FC Nance1
A Ciência é suficientemente dinâmica para
não permitir que haja estagnação em qualquer uma de
suas áreas, mas em alguns segmentos do conhecimento
as tradições são de tal forma arraigadas que impedem
ou entravam o aparecimento e o crescimento de
novas idéias.
No campo da Cirurgia, esse fato foi notório.
O coração foi considerado intocável _ esse conceito
não estava ligado aos recursos tecnológicos
indisponíveis na época, mas aos preconceitos e ao medo - e
qualquer ferimento nesse órgão significava a morte. Em
relação ao abdômen, o mesmo ocorreu com as operações
sobre o intestino grosso. O preparo mecânico é um
exemplo ilustrativo; os outros são as condutas terapêuticas
frente às lesões traumáticas dos
cólons e do reto.
No que diz respeito ao coração, no final
da década de 50 e nos anos 60, antes do
estabelecimento e domínio da circulação extracorpórea, os
ferimentos perfurantes desse órgão passaram a ser,
atrevidamente, abordados e mais de 80% das vítimas foram salvas.
No tocante ao intestino grosso, o preparo mecânico continua sob discussões e o
tratamento primário das lesões perfurantes, sempre visto com
certa reserva e tido como prática atrevida por causa
dos resultados, durante muitos anos foi
considerado dependente da construção de uma colostomia. Era
um ultraje falar em correção cirúrgica dessas lesões sem
a derivação _ pouco se cogitava sobre o reparo
primário, a despeito do fato de que essa já tinha sido uma
conduta aceita, antes da 2a Grande Guerra.
No exército americano foi proibido reparar
a lesão do cólon sem a colostomia, por determinação
do Major W. H. Ogilvie, cirurgião-consultor das
Forças Armadas dos Estados
Unidos2. A transformação de
uma idéia na outra veio em decorrência da afirmação
de que os altos índices de mortalidade entre as vítimas
de trauma abdominal com o envolvimento do
intestino grosso, eram exclusivamente decorrentes
dessas últimas lesões e suas repercussões regionais
e sistêmicas, mais do que da extensão e da
gravidade dos ferimentos associados3. Contudo, esses
conceitos vêm sendo lenta e paulatinamente mudados, ainda
com reservas que carecem de base sustentadora, a ponto
de um autor1, num editorial do "The Journal of
Trauma: Injury, Infection and Critical Care" ter escrito,
ao comentar o artigo de Sasaki e col.4, publicado na
mesma revista:
"This study and the many others published since 1951 should finally drive a stake through the heart of colostomy. Diversion of the fecal stream has no role in the routine management of the colon injuries. The burden of proof has passed to the other side. In our view, a surgeon using colostomy in the management of penetrating colon injury should be required to justify the continuation of this obsolete and discredited practice."1
Na década de 40 e nos anos anteriores,
a experiência a respeito do tratamento desse tipo
de ferimento permitiu, posteriormente, destacar 3 principais fatores determinantes dos
resultados adversos.
O primeiro estava relacionado à
inadequação do preparo pré-operatório, sobretudo no que
diz respeito à reanimação do paciente; o segundo
prendia-se ao retardo no tratamento e, o terceiro,
à indisponibilidade dos antimicrobianos.
Esses três principais problemas, cujas
soluções só surgiriam nas décadas seguintes, e as
observações de Ogilvie2 ensejaram o emprego sistemático
da colostomia proximal com o propósito de aliviar
ou evitar as indesejáveis complicações.
A despeito de que alguns cirurgiões, na
década de 50, terem questionado a obrigatoriedade
da colostomia na terapêutica cirúrgica adjuvante
das lesões do intestino grosso, as mudanças desse
conceito surgiu, de forma lenta, baseada nas
experiências adquiridas durante as guerras e durante o
atendimento da população civil, com lesões parecidas.
As observações sobre condutas
terapêuticas e resultados de procedimentos praticados em
hospitais de campanha, que reformularam os
cuidados dispensados ao trauma, de um modo geral,
foram, paulatinamente, absorvidos pela medicina
civil. Dentro do conjunto de mudanças,
envolvendo conceitos, explicações fisiopatológicas para
distúrbios graves, propostas de tratamentos clínicos e
reparos cirúrgicos de lesões extensas, estão inseridos
os ferimentos abdominais e, entre esses, as lesões
dos cólons5-9.
O tema é de interesse para a população
civil, mormente para o médico - o cirurgião geral e
o coloproctologista - porque o trauma é uma doença
de alta prevalência, com elevados índices de morbidade
e mortalidade, envolvendo quase sempre uma amostra populacional situada numa faixa etária jovem,
num universo de lesões em que o ferimento
abdominal, contuso ou penetrante, com freqüência envolve
o intestino grosso.
Etiologia
Os ferimentos cólicos acidentais
estão agrupados entre os chamados traumas abdominais,
para os quais há métodos classificatórios que são
arbitrários e artificiais.
O mais importante, nesse grupo de lesões, é
o grau de urgência determinado pelo ferimento.
Dessa forma a vítima pode ser classificada de acordo com
a rapidez com que o tratamento é exigido.
Algumas lesões são tão graves e, na maioria das vezes,
vêm associadas com outros ferimentos distantes, que
há pouca oportunidade para a sobrevida. Por outro
lado, o ferimento pode não ser acompanhado de
sintomas ou sinais, mas evolui de forma insidiosa, retardando
o tratamento e associando-se a alto índice de
morbidade e mortalidade. Em outros casos, o trauma abdominal
é evidente, sem que haja, contudo, qualquer lesão
das vísceras intra-abdominais. Assim, a
melhor classificação é feita de acordo com a prioridade
do tratamento exigido, baseada no mecanismo da
lesão, mesmo sem o diagnóstico específico.
Dentro desses fundamentos, os traumas abdominais devem ser reconhecidos e
classificados como contusos e penetrantes.
Os ferimentos do intestino grosso devidos
aos traumas abdominais podem ser adquiridos em campanha militar ou afetar a população civil
em decorrência dos acidentes de trânsito e das
agressões entre as pessoas, bem como podem, também,
ser provocados por procedimentos médicos.
As lesões cólicas são, na maioria das
vezes, penetrantes e têm como veículo mais comum, a
bala, pois a arma de fogo tem sido cada vez mais usada
como instrumento de agressão10. Com exceção
dos provocados por procedimentos médicos, os
ferimentos cólicos, não raramente, associam-se a outros tipos
de lesões abdominais ou distantes; fazem parte do Trauma,
aspecto que torna a situação diferente da
que normalmente é encontrada na iatrogenia.
Por esta razão e para atender os objetivos
desse manuscrito, dividiremos os ferimentos do
intestino grosso em:
a)- lesões iatrogênicas
b)- lesões traumáticas - penetrantes ou contusas
As lesões iatrogênicas do intestino
grosso, consideradas como um raro evento, na maioria
das vezes são provocadas por manobras diagnósticas
ou terapêuticas que envolvem os exames
contrastados (enema opaco)11, as lavagens
intestinais12, as endoscopias
(coloscopias)13-15 e as decorrentes
de procedimentos cirúrgicos sobre outros órgãos
intra-abdominais, principalmente nas
operações ginecológicas e
urológicas16. Os exemplos mais freqüentemente citados recaem sobre a área
cirúrgica da ginecologia com as histerectomais totais,
as histerectomias vaginais, bem como nas
histeroscopias, nas histerosalpingografias, nas laqueaduras
tubáricas via laparoscópica, nas dilatações e curetagens
uterinas e, também, como conseqüência dos
dispositivos contraceptivos
intrauterinos17-22..
Estima-se que, nos USA, as lesões
iatrogênicas do intestino grosso, durante o enema opaco,
aconteçam em cerca de 500 pacientes,
anualmente11.
Durante os exames endoscópicos,
principalmente nas coloscopias para diagnóstico,
as perfurações do intestino grosso acontecem em
menor número de vezes, em geral associadas à
introdução intempestiva do aparelho, às tentativas bruscas
de distorção _ manobras que tentam a retificação
do aparelho _ e às tentativas de, inadvertidamente,
passar o aparelho por dentro de um divertículo. Apesar
da baixa incidência, elas não são
desprezíveis. Relacionadas apenas aos diagnósticos, as
perfurações têm uma incidência de menos de 1% - variando de
0,03 a 0,65% - mas podem ser maior que 2% quando o exame é seguido de procedimentos terapêuticos,
tais como remoção de pólipos, dilatação de estenoses e
por processos ablativos feitos com
laser14,23,24.
Ainda, apenas para citação, entre os
eventos acidentais, porém não iatrogênicos, há as lesões
reto-cólicas provocadas por introdução de corpo
estranho no reto durante prática anal
erótica25-27 e nas lavagens intestinais feitas no domicilio. Por outro lado,
menos comuns, são os ferimentos acidentais feitos
nas laparotomias abertas e nas video-laparoscópicas.
As lesões que compõem o grupo
das iatrogênicas, principalmente as que acontecem no
intra-operatório, são relevantes muito mais pelo custo
que podem eventualmente representar do que pelas insignificantes conseqüências em termos de
morbidade e mortalidade. Essas não serão alvos de
considerações nessa dissertação. Portanto, as mais importantes,
sem dúvida alguma, estão entre as lesões
provocadas durante os exames endoscópicos.
As lesões traumáticas _ perfurantes
ou contusas _ são causas comuns de
ferimentos envolvendo o intestino grosso. Encerram
aspectos interessantes e se revestem de grande importância
pois estimulam controvertidas discussões sobre
os fundamentos e as formas de resolução das lesões.
Por outro lado, são, também, motivo de destaques
por estarem associadas a altos índices de morbidade
e mortalidade, cujos motivos podem, inclusive, envolver a terapêutica escolhida, quando não,
a inevitável associação com comprometimento
de outros órgãos, o diagnóstico
circunstancialmente retardado, a gravidade da lesão, por si só e em
termos de extensão de perdas de tecidos e de
contaminação da cavidade peritoneal.
As lesões traumáticas do intestino grosso
são encontradas em 10% das laparotomias
exploradoras feitas por causa do trauma abdominal.
Na contusão abdominal, o intestino grosso
está afetado num menor número de vezes e, se
comparado com as outras vísceras abdominais em termos
de freqüência, esse segmento do trato digestivo fica
em 6o lugar, vindo depois do baço, fígado, intestino
delgado e outros órgãos abdominais.
Nos ferimentos penetrantes _ o principal veículo na categoria é a bala _ os cólons, às
vezes, vêm em primeiro lugar como víscera afetada,
seguidos pelo fígado e pelo intestino delgado.
As lesões do intestino grosso, inseridas
nessa categoria, diferem das incluídas no grupo
dos ferimentos iatrogênicos por várias razões, dentre
as quais citaremos algumas.
Em primeiro, porque quando se trata do
trauma é possível, mas pouco provável, que a lesão seja
única; em segundo, porque as lesões são irregulares,
com destruição de maior massa de tecido _ os
exemplos são as perfurações feitas por bala quando o orifício
de entrada pode ser mais regular e o de saída
mais irregular, com o tamanho dependendo do calibre
da arma de fogo, produzindo maior ou menor halo de queimadura e, o outro, é o ferimento feito por
arma branca que, por ser produzido com a violência que
o ato exige, provoca ferimentos múltiplos e irregulares;
em terceiro, porque o período decorrido entre
o ferimento, o diagnóstico e o tratamento, no caso
do trauma, é sempre retardado em comparação ao
que ocorre quando se trata da lesão iatrogênica e, por
fim, porque o cólon não está, mecanicamente,
"limpo", como pode estar, em grande parte das vezes,
no momento da lesão iatrogênica.
Há outros fatores, é óbvio, que fazem a
lesão traumática diferente da iatrogênica e que
serão comentadas, se for o caso, no desenvolvimento
desse texto.
As lesões traumáticas do intestino
grosso, muito mais do que as iatrogênicas, têm recebido
atenção especial, principalmente no que diz respeito
ao tratamento, pelo caráter de gravidade com que elas
se distinguem e, conseqüentemente evoluído tal
como evoluiu a forma de abordar o paciente politraumatizado.
Lesões Iatrogênicas
As lesões iatrogênicas do intestino grosso,
mais comuns, são decorrentes de
procedimentos diagnósticos, associados ou não à terapêutica, e
às operações ginecológicas e urológicas.
Entre os procedimentos diagnósticos, como
já foi dito, as iatrogenias podem acontecer durante
o enema opaco, durante as lavagens intestinais e
os exames e terapêuticas
endoscópicas11-14.
As lesões iatrogênicas do intestino grosso
por causa do exame radiológico contrastado já foi
estimada em torno de 500 casos/ano, nos Estado Unidos, há
30 anos atrás, quando eram seguidas de alto índice
de morbidade e mortalidade11.
Os conhecimentos atuais sobre a
fisiopatologia das peritonites, de seu tratamento, bem como
da abordagem das lesões perfuradas do intestino
grosso; os antibióticos e sua adequada
administração contribuíram para queda substancial no número
de óbitos e de outras complicações decorrentes
desses acidentes.
As perfurações durante o enema opaco,
além de provocar o extravasamento do conteúdo
intestinal, de alto potencial infectante, têm como agravante
o espalhamento do bário na cavidade peritoneal e
sua rápida adesão aos tecidos. As conseqüências
do extravasamento de bário e fezes para
cavidade peritoneal são fantásticas com elevado percentual
de óbitos que pode variar de 50 a 100%28,29
.
As conseqüências tardias da participação
do bário nas peritonites recuperadas carecem de
estudos detalhados.
As lesões iatrogênicas provocadas
durante exames endoscópicos ou procedimentos
terapêuticos via endoscopia variam de 0,03 a 0,65%, para os
exames, e de 0,073 a 2,14%, para os procedimentos
terapêuticos. Numa série de publicações, entre 1975 e
1994 levantadas por Damore e col.11, num total de
145.717 coloscopias, as perfurações variaram de 0,04 a
0,38%, num total de 194 acidentes (0,13%). Numa outra
serie, entre 1994 e 2000, citada por Araghizadeh e
col.24, num total de 121.343 exames, houve 107(0,088%) casos
de perfurações, variando de 0,070 a 0,10%. Na
nossa casuística, com um total de 5.665 coloscopias,
tivemos nenhum acidente em procedimentos diagnósticos
e 2(0,035%) acidentes em exames com exérese
de pólipos. Num o diagnóstico foi imediato e a
lesão aconteceu porque o examinador pisou
acidentalmente no pedal do bisturi elétrico com a alça aberta
dentro do cólon e, no outro, o diagnóstico foi tardio - 28
horas após remoção de um pólipo séssil do ceco,
certamente por causa da extensão da queimadura local.
Ambos foram operados imediatamente após o
diagnóstico. Tanto no primeiro, como no segundo, a borda da
lesão foi preparada e fechada com sutura manual. O
primeiro caso foi de uma senhora de 72 anos e, o segundo,
de um rapaz de 34 anos com insuficiência renal crônica
e em sessões semanais de hemodiálise. Ambos
evoluíram sem intercorrências, após a operação reparadora
da lesão, sem colostomia proximal.
Excluindo dados citados concomitantemente nas duas primeiras revisões e somando a
nossa casuística teremos 243.030 exames com
272 perfurações _ que equivale a uma incidência de
0,11% de acidentes, entre os quais contaram-se 14 óbitos,
numa taxa de 0,0057%, referente à
população examinada. Contudo, essa cifra sobe para
5%(14/272), quando verificamos o que ocorreu entre os
pacientes que sofreram perfuração do cólon durante a
coloscopia, mas pode ser mais alta (7%), como referiram Lippert
e col.30, quando apresentaram suas experiências
no tratamento das lesões iatrogênicas do intestino
grosso. ou 9%, como citado por Tran e
col.31 entre os pacientes com perfuração do cólon em procedimento
coloscópico para diagnóstico.
Assim, os números de óbitos são
altos principalmente considerando que se trata de
pacientes feridos em condições especiais, isto é, no
ambiente hospitalar, que apesar de ter o cólon "limpo", tem
seu conteúdo líquido (produto do preparo) que é de
fácil extravasamento e espalhamento para a cavidade.
Se, de um lado, podem ser idosos e portadores de
doenças sistêmicas ou mesmo cólicas que poderiam
ser destacadas como fatores agravantes; de outro,
trata-se de pessoas que devem estar recebendo
atendimento imediato. Esses aspectos, a despeito de alguns
fatores adversos, colocam as vítimas das lesões
iatrogênicas numa categoria especialmente diferente das
que classificam as vítimas do trauma abdominal
com ferimento concomitante do intestino grosso, sejam
os contusos ou os perfurantes32.
As lesões iatrogênicas de caráter cirúrgico
que ocorrem nas áreas das operações urológicas
e ginecológicas16-22 têm conotação semelhante a
qualquer outro tipo de iatrogenia cirúrgica, cuja gravidade
tem a extensão do quanto elas podem eventualmente
passar despercebidas. Assim, o diagnóstico e o
tratamento devem ser imediatos e este, de preferência, deve
ser resumido no reparo simples do ferimento.
Diagnóstico
O diagnóstico da lesão iatrogênica do
intestino grosso, via de regra, deve ser imediato, mas
depende de uma série de fatores que vão desde a percepção
que o examinador tem da ocorrência até o
aparecimento ou não de sinais e sintomas.
Os dados que compõem o quadro clínico
vão depender do local do ferimento, do seu tamanho,
do conteúdo cólico, do grau de extravasamento
desse conteúdo, do grau de distensão aérea do intestino,
do tipo de doença do intestino grosso e do tipo de
sedação em que está o paciente, no momento do acontecimento.
As manobras violentas com o
endoscópio, passíveis de serem causas de lesão com
perfuração, têm como expressões clínicas relevantes a
própria inadequação da manobra, o esforço que o
examinador tem que fazer para executá-la, a dor que causa
ao paciente e os sinais irritativos, imediatos, do
pneumoperitônio33. Algumas doenças, tais como
a colite actínica, a doença diverticular, a
diverticulite, as doenças intestinais inflamatórias, o câncer e
as aderências intraperitoneais, facilitam as
contusões seguidas de perfurações.
As perfurações produzidas pelo
eletrocautério ou pela alça de polipectomia provocam, no ato,
sinais e sintomas, em geral, causados pelo ar que, imediatamente, escapa para a cavidade
peritoneal. Esses sinais e sintomas são tão mais intensos
quanto mais livre for a perfuração e quanto maior for
a quantidade de ar que sai de dentro do cólon.
As perfurações que ocorrem nas paredes do
intestino grosso que fazem contato com o retroperitônio são,
de imediato, assintomáticas.
A semiologia abdominal, nessas
circunstâncias, associada ou não a exame radiológico, é suficiente
para definir o diagnóstico, que pode ser mais bem
explorado, nos casos de dúvidas, com a
tomografia abdominal34,35.
Esses acidentes, para os quais a maior expressão é a perfuração, podem, no entanto,
provocar sinais e sintomas atrasados, de até 72
horas36. Nesses casos, a perfuração ocorre horas depois do fator
causal que geralmente é o trauma contuso provocado
pelo aparelho e/ou o excesso de corrente no uso do eletrocautério ou da alça de polipectomia
provocando queimadura transmural, sobretudo quando se trata
da retirada de pólipos
sésseis37,38.
Nesses casos, o diagnóstico sobrevém com
a persistente dor abdominal, febre, taquicardia, leucocitose e os sinais conhecidos de
irritação peritoneal. O escape de ar, mesmo que tardio, para
o retroperitônio, pode provocar enfisema subcutâneo
em outras partes do tronco, que não o abdômen, e
aparecer no escroto, no tórax, axila e base do
pescoço33,39-41,42.
Após o diagnóstico da existência do
ferimento, deve se determinar o local e o tipo da lesão,
passos importantes para definir o tratamento. Essa determinação pode ser feita com enema
contrastado usando contraste iodado solúvel em água.
Tratamento das lesões iatrogênicas
do intestino grosso
A proposta de tratamento das
lesões iatrogênicas do intestino grosso difere
substancialmente da que se faz para as
lesões traumáticas, como veremos adiante. Se para estas o destaque das
controvérsias é o procedimento cirúrgico a ser
usado, para aquelas, a polêmica, em algumas
circunstâncias, fica na escolha entre o tratamento clínico e
o cirúrgico43. É óbvio que as circunstâncias a que
nos referimos dizem respeito às lesões iatrogênicas
que acontecem durante os procedimentos
endoscópicos porque, sem dúvida alguma, as perfurações
do intestino que ocorrem durante o ato operatório
de doenças intestinais ou de outros órgãos
intra-abdominais e nas ocasiões de procedimentos
invasivos de outros órgãos, terão reparos cirúrgicos
imediatos, por via laparotômica. Esses tipos de
ocorrências receberão poucas considerações, já
que a
modalidade de tratamento preconizada não gera conflitos
de opiniões e porque há nelas algumas semelhanças
com as lesões traumáticas, que serão
posteriormente discutidas.
A terapêutica dos ferimentos iatrogênicos
que acontecem durante ou depois dos exames
endoscópicos para fins diagnósticos ou cirúrgicos começou a
gerar discussão quando foi proposto o
tratamento conservador para essas
lesões44,45.
A decisão a respeito da modalidade
de tratamento para essas iatrogenias depende de
vários fatores de ordem clínica, principalmente
relacionados aos sinais e sintomas que sucedem o evento. O
que tem sido aconselhado está baseado nas condições
do preparo mecânico, notável durante o exame; na
doença encontrada no intestino _ inflamatória ou
neoplásica, com ou sem obstrução _ nas condições gerais de
saúde do paciente, no local e no tamanho da lesão, e no
tempo decorrido entre o acidente e o diagnóstico, com
forte tendência, inicial, para o tratamento clínico, ficando
a modalidade cirúrgica como uma opção, quando
a situação for considerada
desfavorável14,24. Nessa circunstância, a modalidade escolhida de
tratamento cirúrgico deve ser a mais conservadora
possível, representada apenas pelo simples reparo da lesão.
Lesões Traumáticas
As lesões traumáticas do intestino grosso
são encontradas em 10% das laparotomias
exploradoras feitas por causa do trauma
abdominal46.
As concepções modernas que orientam
os cuidados aos traumatizados da população civil têm
sido fundamentadas, também, nas experiências
adquiridas nas guerras e daí reparadas, modificadas ou
adaptadas para sua aplicação civil.
Os reparos, modificações e ou adaptações
são exigências da natureza das lesões; sua proporção
ou extensão, sua gravidade, enfim, das peculiaridades
do ferido, vítima do acidente de trânsito ou das
violências urbanas.
Independente disso, a atenção a ser
dispensada à vítima deve estar diretamente relacionada com
a avaliação clínica e exame detalhado das funções
vitais e da lesão, bem como por dados informados a
respeito do tipo de acidente, da avaliação sobre a
quantidade de energia transferida e o tipo de objeto com o
qual ocorreu o impacto. Sob esses aspectos, as causas
dos ferimentos são, principalmente, classificadas
em contusas e penetrantes com características
que dependem da quantidade de energia transferida
e modificada, da energia cinética e do estado do
corpo no momento do acidente ou do impacto.
No que diz respeito aos agentes penetrantes
- por exemplo, a bala - a lesão ocorre no momento
em que o agente colide com o corpo e transfere sua
energia de movimento para a superfície de colisão. Parte
do tecido, correspondente à área de impacto passa a
se mover no sentido e direção do agente impactante o
que cria destruição tissular por compressão e uma
cavidade que se alarga ao longo do trajeto, até que o
agente transfira toda sua energia cinética e pare.
A cavidade produzida terá tamanho
que dependerá da quantidade de energia trocada. Esta,
por sua vez, dependerá do número de partículas
(quantidade de tecido), que por sua vez será
diretamente proporcional à densidade do tecido que for
colidido pelo agente, no ponto de impacto e na sua trajetória,
e ao tamanho e à forma do agente. Então, quanto
maiores forem a velocidade e a superfície do impacto do
agente e quanto maior for a densidade do tecido
impactado, maior será a cavitação produzida. Assim, a forma,
o diâmetro do agente, sua velocidade e suas características aerodinâmicas são fatores, ao lado
das variações angulares que o agente pode
sofrer imediatamente após o impacto, que determinam
a destruição tissular. Esses aspectos, bem como a
procura do orifício de saída, deveriam ser considerados
durante a avaliação da vítima, com ferimentos
penetrantes47.
Diagnóstico
A abordagem diagnóstica dos
ferimentos cólicos decorrentes do trauma abdominal é
diferente do que vimos nas lesões iatrogênicas.
A história clínica que é um
elemento importante na avaliação inicial, nem sempre é
possível de ser obtida de forma adequada por razões
associadas ao estresse que envolve a vítima e seus
acompanhantes e, por isso, ela, às vezes, tem que ser composta
de forma gradual.
O choque, o estado de entorpecimento, a embriaguez e o coma impedem o relato do
ocorrido de forma clara ou total. Além desses fatos, há
os aspectos legais e morais que, em geral, acabam envolvidos com esse tipo de acidente. Contudo,
serão dados pertinentes todos aqueles que possam
permitir a caracterização do acidente, da melhor
maneira possível.
Nos casos de ferimentos contusos, o tipo
de agente contundente, as características do acidente e
o local do impacto no abdômen são
informações importantes; nos casos de ferimentos penetrantes,
é pertinente saber o momento do acidente, o tipo
de agente perfurante, a distância entre o provocador
da agressão e a vítima - quando o agente for a bala;
o agressor (homem ou mulher), quando o agente for
a arma branca - sua posição em relação à vítima e se
a agressão foi feita por trás ou pela frente. O número
de lesões ou de lesões associadas deve ser
documentado para melhor raciocínio clínico.
O exame físico pode ser complicado
pelas mesmas razões citadas sobre a história clínica e,
além disso, lesões associadas podem mascarar o
trauma abdominal.
O exame físico deve seguir o
algoritmo conhecido da semiologia abdominal, mas pode
ser modificado para se ajustar melhor a cada uma
das situações, em particular. Por exemplo, um
paciente baleado na área periumbilical e que está em
choque não precisa ser submetido à palpação ou ausculta
do abdômen, já que a situação descrita exige
exploração cirúrgica imediata. Por outro lado, a
semiologia abdominal meticulosa e repetida pode ser
fundamental para decisão posterior, nos casos de trauma contuso
no qual os sinais e sintomas iniciais não são claros.
A ausência de sintomas e de sinais clínicos indicadores
de lesão de vísceras da cavidade peritoneal ou do
espaço retroperitoneal não devem ser, de imediato,
considerados como "positivos" para a exclusão da lesão.
No curso da semiologia abdominal, todo o tronco deve estar exposto, efetuando, de
forma obrigatória, o exame das costas e do períneo que
deve ser complementado com exame ginecológico
e proctológico. Um projétil de arma de fogo, cujo
orifício de entrada se localiza na parte alta do tórax, pode
estar alojado no reto ou nas áreas vizinhas.
Na realidade, frente ao trauma abdominal, penetrante ou contuso, o maior objetivo não é
o diagnóstico específico da lesão, mas a
simples determinação da existência do ferimento
intraperitoneal ou retroperitoneal, fato em que vai ser baseada
a conduta terapêutica.
Os métodos propedêuticos e a indicação
de laparotomia na vigência do trauma abdominal
estão bem descritos no manual de atendimento dos
pacientes politraumatizados48.
O diagnóstico específico de lesão
perfurante do intestino grosso é, usualmente, feito durante
a laparotomia exploradora.
Nos pacientes que vão para a
exploração cirúrgica do abdômen, em decorrência do
trauma contuso, os órgãos que mais freqüentemente vão
ser encontrados feridos são o baço (40 a 50%) e o
fígado (35 a 45%). Quando de trata de ferimento
penetrante provocado por arma branca a freqüência de lesão
está assim distribuída: fígado (40%), intestino
delgado (30%), diafragma (20%) e cólon (15%). Por outro
lado, quando o ferimento é provocado por bala, a ordem
de envolvimento é: intestino delgado (50%), cólon
(40%) e fígado (30%).
Tratamento das lesões traumáticas
do intestino grosso
Atualmente a taxa de morte por causa de ferimentos penetrantes do intestino grosso está
próxima de 6% numa abordagem terapêutica
muito menos conservadora e muito mais lógica do que
no passado. A taxa de óbito continua sendo
considerada elevada, mas, de sua análise crítica, o que pode
ser depreendido é que 2/3 delas estavam relacionadas
a outros fatores que não os intestinais, quando não
foi um problema iatrogênico que pôde ser atribuído,
por exemplo, à construção de uma colostomia
num paciente, quando esse procedimento era de fato dispensável.
A abordagem médica da vítima do
trauma segue um protocolo muito bem definido e que
pode, no momento do atendimento hospitalar, ser dividido
em fases. As fases 1 e 2 -avaliação primária e reanimação
- são as fases em que as condições letais devem ser
rapidamente identificadas e imediatamente
resolvidas; a fase 3 compreende o momento da
avaliação secundária onde se faz o diagnóstico do trauma,
instante em que a lesão é identificada ou suspeitada
(perfuração do cólon) e a fase 4, o tratamento definitivo
(operação para reparar o ferimento do intestino
grosso)48.
Na fase do tratamento definitivo, encontraremos um amplo conjunto de
opções terapêuticas baseadas em fatores
considerados importantes no delineamento da tática e da
técnica operatória a ser desenvolvida. Classicamente,
pode-se enumerar, como mais importantes os seguintes fatores:
1)-condições gerais do paciente
2)- mecanismo da lesão
3)- conteúdo intestinal no momento da lesão
4)- tempo decorrido entre o ferimento e o tratamento
5)- choque ou instabilidade hemodinâmica
6)- grau de contaminação peritoneal
7)- lesão ou avulsão do mesocólon
8)- lesões de múltiplos órgãos
As opções para a escolha do tratamento,
por ora independente dos fatores de riscos, são as seguintes
1)- reparo primário
2)- ressecção com anastomose primária
3)- ressecção com colostomia proximal e distal
(fístula mucosa)
4)- ressecção com colostomia proximal e
fechamento do segmento distal
5)- reparo primário com colostomia proximal
6)- reparo e exteriorização do segmento reparado
7)- exteriorização da lesão como colostomia
Qualquer que seja a opção, o antibiótico
de amplo espectro de ação, tanto para a flora
aeróbica como a anaeróbica, e o toxóide tetânico devem
ser administrados antes de se iniciar a operação.
Depois da 2ª. Grande Guerra, da Guerra
da Coréia e de vinte anos de lentidão e
arraigado conservadorismo, as modificações tornaram-se
mais evidentes tendo como base a experiência com
o Trauma, na população civil.
Na década de 70, o reparo primário passou
a ocupar o primeiro lugar como procedimento aconselhável nas perfurações do intestino
grosso, ficando a colostomia, como adjuvante, em
situações bem definidas tais
como49:
1)- choque volêmico com pressão arterial
pré-operatória menor que 80/60 mmHg;
2)- hemorragia intraperitoneal com volume de
sangue superior a 1000 ml.;
3)- mais de dois órgãos intra-abdominais lesados;
4)- contaminação fecal significante
5)- operação iniciada mais de 8 horas após o ferimento
6)- lesão cólica destrutiva exigindo
ressecção segmentar
7)- lesão de parede abdominal com perda
substancial de tecido
Independente desse protocolo, ainda era persistente a idéia de selecionar os ferimentos
em relação ao segmento cólico ferido baseado na
crença de que os fenômenos biológicos da
cicatrização marcavam diferenças entre o cólon direito e o
cólon esquerdo, principalmente às custas de ação
das colagenases que poderiam estar em maior
concentração nos segmentos
esquerdos50. Esse fato contribuiu bastante para que não se cogitasse de
tratamento primário, com ou sem ressecção, dos ferimentos
do cólon esquerdo.
Tabela 1 - Classificação dos traumas abdominais penetrantes (PATI)73
Grau | Extensão da lesão |
1 | mínima |
2 | pequena |
3 | média |
4 | grande |
5 | máxima |
Tabela 2 - Classificação das lesões dos cólons (CIS)74
Grau | Tipo de lesão | Descrição |
1 | Hematoma / Laceração | Contusão e hematoma sem desvascularização. Parcial na espessura |
2 | Laceração | Circunferêncial <50% |
3 | Laceração | Circunferencial >50% sem transecção |
4 | Laceração | Transecção |
5 | Laceração | Transecção com perda segmentar de tecido |
Essas escalas, além de estabelecerem o
prognóstico em termos de risco de complicações,
permitiram comparar resultados de diferentes centros
de trauma e, mais tarde, mostrar que os fatores anteriormente considerados de
riscos49 não eram
tão relevantes como tinham, até então, sido julgados
para a escolha do tipo de tratamento a ser dispensado
às lesões do intestino
grosso2,73.
Em 1998, Eshraghi e col.75 conduziram
uma enquete entre 449 cirurgiões membros da
Associação Americana para Cirurgia do Trauma sobre o
método utilizado de tratamento de vários tipos de lesões
dos cólons. Trezentos e quarenta e dois deles
participaram e a grande maioria (78%) indicou como tratamento
o reparo primário ou a ressecção do segmento lesado
com anastomose, mesmo no cólon não preparado; os
outros 22% deram preferência para a associação
da colostomia. Os cirurgiões que operavam menos
cólon lesado por ano preferiram a colostomia
mais freqüentemente; a colostomia somente foi
mais associada ao tratamento (56% das vezes) quando
o ferimento foi provocado por arma de fogo de
grosso calibre e projétil de alta
velocidade75.
Numa seleção casual de 7 artigos
publicados entre 1985 e 1991 versando sobre os resultados
do tratamento primário das lesões perfurantes dos
cólons versus emprego da colostomia, destacamos o total
de 2414 pacientes, entre os quais 1634(67,7%)
receberam tratamento primário e 780(32,3%) foram tratados
com colostomia55,57,61,63,65,66,69.
Na discussão de seus resultados, os
autores destacaram fatores que consideraram relevantes
na evolução adversa de seus pacientes com os
seguintes, mais importantes destaques: primeiro, o local da
lesão, se no cólon direito ou cólon esquerdo, não
interferiu no resultado; a presença do choque ou de
múltiplas lesões associadas não deve excluir o reparo
primário; a colostomia deve ser sugerida nas lesões
cólicas extensas com contaminação peritonial grosseira
e grande quantidade de fezes nos cólons. Segundo,
que o reparo primário deveria ser o tratamento de
escolha em todos os casos em que, no momento do
tratamento, o paciente estiver hemodinamicamente estável e o
valor do índice de trauma abdominal for inferior a
25. Terceiro, a idade (maior que 40 anos) e o choque
com necessidade de transfusão maciça ao lado da
extensão da lesão são fatores determinantes de maiores
riscos, mas o maior número de óbitos observado
foi exclusivamente relacionado com a hemorragia, com
o choque e, também, esteve associado ao maior
número de lesões abdominais presentes. Quarto, quando
foi feito estudo matemático para identificar os fatores
de riscos mais importantes, os incluídos foram:
a transfusão de 4 ou mais unidades de sangue, mais de
2 outros órgãos lesados, contaminação grosseira
e elevado índice na escala de classificação da lesão
do cólon. Por outro lado, a hipotensão (menor que
90 mmHg), o local e o tipo de lesão e a idade
não contribuíram significativamente com as complicações.
Quinto, a busca de outros fatores que contribuíram
de forma decisiva para os maus resultados permitiu
o destaque para a hipotermia, que esteve
diretamente relacionada ao número de unidades de
sangue transfundida na admissão. Houve uma
significante correlação entre a pressão arterial na admissão e a
mais baixa temperatura observada no intra-operatório.
Os pacientes hipotérmicos com lesões de mesma
gravidade têm maior perda de sangue que os não hipotérmicos
e estão sujeitos a maior número de complicações.
Independente das conclusões
enunciadas acima, todos os autores foram unânimes em
considerar que o reparo primário com ou sem ressecção deve
ser o método de escolha no tratamento das
lesões perfurantes dos cólons com a ênfase de que,
sem exceção, o índice de morbidade e mortalidade
foi sempre maior entre os pacientes nos quais a
colostomia foi associada ao
tratamento55,57,61,63,65,66,69.
No curso desses pronunciamentos, foram desenvolvidos estudos prospectivos casualizados
para comparar resultados de tratamento de lesões de
mesma gravidade com ou sem o uso de colostomia
protetora2,49,61-72, com observações finais de que o
reparo primário, com ou sem ressecção, deveria ser o
método escolhido para o tratamento das vítimas de
lesões penetrantes dos cólons, independente do tipo
e gravidade dos ferimentos4.
Na vigência do trauma e de lesões cólicas,
o tratamento destas sucede os cuidados que devem
ser dispensados no atendimento inicial do politraumatizado, priorizando atenção e resolvendo
as situações letais, isto é, consumando a reanimação e
a estabilização do paciente. O tratamento
definitivo, evidentemente, será dispensado durante o
ato operatório quando se procede com o reparo das
vísceras abdominais lesadas, inclusive os cólons, que deve,
a priori, receber tratamento primário, ficando os
estomas como uma opção adjuvante remota, em
situações extraordinárias.
Os estomas (ileostomias ou colostomias),
que podem ser definitivos ou temporários,
são procedimentos usados como auxiliares no
tratamento de afecções do intestino grosso ou quando o
segmento terminal dessa parte do trato digestório, incluindo
o ânus e o aparelho esfincteriano, necessitarem
ser extirpados.
As indicações mais comuns para a
confecção de estomas definitivos, no adulto, são: o câncer do
1/3 distal do reto, quando, para o tratamento cirúrgico,
a amputação do segmento ano-retal for obrigatória;
nas doenças intestinais inflamatórias _ doença de Crohn
_ em que há extenso comprometimento ano-retal
com fistulas perianais complexas e nas lesões ano-retais
com incontinência anal irrecuperável.
Os estomas temporários têm como
indicação, no adulto, principalmente, as lesões traumáticas
do períneo com avulsão ou lacerações extensas do ânus
e de reto, nas impalações; eventualmente,
como auxiliares no tratamento de fístulas
peri-retais complexas; para auxiliar no tratamento das lesões
anais que evoluem com síndrome de Fournier; em
situações selecionadas em que há deiscência de anastomose
colo-retal, colo-anal ou íleo-retal e íleo-anal e nas
situações em que o estado geral do paciente contra-indica
o tratamento cirúrgico definitivo, nas quais a
derivação do trânsito intestinal oferece oportunidade
para recuperação rápida do paciente, como soe
acontecer nas colopatias com grande perda protéica, por
exemplo, a colite isquêmica envolvendo longo segmento do
cólon esquerdo76,77; em determinadas situações da
doença diverticular complicada com perfuração e, em
casos semelhantes, envolvendo o câncer obstrutivo
do intestino grosso78-80.
Na criança, em geral no recém-nascido,
a derivação provisória do trânsito intestinal pode ser
feita na doença de Hisrshsprung, na agenesia do
segmento retal e nas crianças maiores, tal como nos adultos,
nas complicações que se associam à deiscência
das anastomoses colo-retais81-83.
CONCLUSÃO
Salvo melhor juízo para um caso especial,
a indicação de colostomia no tratamento adjuvante
dos ferimentos dos cólons, em qualquer outra
ocasião diferente das citadas, é procedimento que tem
sido considerado obsoleto e atrevido , já que não
acrescenta beneficio algum ao propósito determinante de
sua confecção e, pior, soma aos pacientes, além do
ônus pessoal e social, índices elevados de morbidades,
tanto as que se associam à simples presença do estoma
como as que decorrem do ato operatório para seu
fechamento, ocasião em que não se pode desprezar o risco de
morte84-97.
Summary : The current management of penetrating colonic injury has substantially changed under new acquired knowledge on military surgeons practice, critical medical care reported by Advanced Trauma Life Support, and critical analysis over military's and civilian's injuries differences. Because of that, the safe of primary repair on most stab wounds and missile injuries with penetrating colon lesion has gained more adherents. Large series of cases from major urban trauma center have been reported showing a liberal use of primary repair in detriment of making an adjuvant colostomy. Such procedure is too emphasized so that Nance and Nance1 wrote "a surgeon using colostomy in the management of penetrating colon injury should be required to justify the continuation of this obsolete and discredited practice". Nowadays, it seems clear that primary repair, either by single suture, or resection plus anastomosis, is indicated for iatrogenic colon injury and for all colon injuries, excluding rectal lesions.
Key words: trauma, colon injury, colostomy, primary repair
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Endereço para correspondência:
Júlio César M Santos Jr.
Instituto de Medicina
Av. Ministro Urbano Marcondes, 516
12515-230 - GUARATINGUETÁ - SP
Tel. 012 525-5059