ARTIGOS ORIGINAIS
Francisco Lopes-Paulo -TSBCP
RESUMO: A estereologia, também chamada de morfometria, é um conjunto de métodos de quantificação de estruturas morfológicas, constituindo-se um instrumento valioso na avaliação de resultados de trabalhos experimentais. Este trabalho apresenta as bases teóricas da estereologia, complementado com um estudo dos volumes parciais das diversas camadas que constituem a parede colônica de ratos adultos da raça Wistar, para auxiliar a compreensão do emprego dessa metodologia que, a nosso ver, pode ajudar a quantificar numericamente os resultados de vários experimentos, permitindo uma comparação estatística confiavel entre grupos de estudo.
Unitermos: estereologia, morfometria, quantificação, cólon, estrutura
INTRODUÇÃO
A quantificação de elementos estruturais
das paredes do cólon e reto é parte fundamental de
estudos experimentais e anátomo-patológicos realizados
nesses órgãos. É freqüente o uso de critérios subjetivos
como, por exemplo, a classificação de determinadas
alterações em "leves, moderadas ou intensas", o que torna
difícil a comparação de resultados e a reprodução
de experimentos. Para solucionar falhas como essa,
tem sido usada com freqüência crescente a
estereologia, também chamada por alguns de
morfometria1,2, que permite quantificar numericamente as mais
variadas estruturas, sejam elas macro ou microscópicas.
Estereologia
Em 1848, o geólogo francês
Delesse3, interessado em determinar a proporção de
determinados minérios contidos em rochas, criou um sistema de
linhas paralelas, de comprimento total conhecido (Ct)
que, aplicado sobre a superfície de corte de uma
determinada rocha, permitia a medida do comprimento parcial
dessas linhas que caía sobre um determinado componente
que se desejava quantificar (Cp). Portanto, a proporção
do elemento em estudo na rocha (Pe) podia ser
determinada pela fórmula: Pe = Cp / Ct . 100 %. Demonstrou
ainda que o volume parcial ocupado pelo elemento na
rocha (Vv) era numericamente igual à área ocupada por
esse elemento na superfície de corte da mesma (Ss) e
que por sua vez era numericamente igual à fração do
sistema de linhas que caiam sobre o elemento em estudo
(Pe). Portanto: Vv = Ss = Pe. Ressaltou também que,
para aplicação desse método, os corpos em estudo
deviam ser isotrópicos, ou seja, os diversos elementos que
o compõem deviam estar distribuidos ao acaso
e homogeneamente no espaço. Atualmente são
utilizadas "grades" estereológicas, ou sistemas-teste, que
facilitam o emprego dessa metodologia. As grades são
figuras, geralmente retangulares, de área conhecida,
contendo em seu interior um número predeterminado de
pontos e segmentos de retas ou de arcos ciclóides, que
podem ser sobrepostas às estruturas analisadas para a
contagem de pontos e interseções das linhas que caem sobre
o elemento em estudo. A escolha da grade vai
depender da experiência do pesquisador com seu uso ou do
tipo de análise que se deseja realizar. Exemplos de
diversos tipos de grade podem ser encontrados em
publicações especializadas, como a de
Mandarim-de-Lacerda (1995)4.
MATERIAIS E MÉTODOS
Para exemplificar a aplicabilidade do
método, descrevemos a seguir um estudo realizado
para determinar o volume parcial das diversas camadas
que compõem a parede colônica de ratos adultos da
raça Wistar, que serviu de base para realização de
outros estudos nesses animais. Para tanto foram utilizados
10 ratos, com peso médio de 379,37 g
(mín=300g; máx=396g).
Os animais foram submetidos a anestesia
geral com tiopental sódico
(Thionembutalâ, Abbott), na dose de 50 mg/kg de peso.
Em cada animal, foi realizada uma
incisão mediana da parede abdominal, medindo 2 cm
de extensão, equidistante do gradil costal e da
borda superior da pelve. Em seguida foi introduzido por
via anal, um catéter de peridural 20 G
(Becton-Dickinson), sendo então retirado um segmento de cólon, com 2
cm de extensão, situado entre 6 e 8 cm de distância
do orifício anal.
Os segmentos de cólon obtidos foram
clivados em "anéis" de 5 mm de comprimento, abertos no
sentido longitudinal e distendidos sobre papel filtro. A
fixação foi feita em solução de Bouin, por 12 horas, sendo
o material em seguida desidratado em uma série
crescente de álcoois e incluído em parafina. Durante a
inclusão, as peças, que tinham formato plano e retangular,
foram posicionadas com seu eixo longitudinal
perpendicular ao plano de microtomia. Dessa forma, obtivemos
cortes aproximadamente perpendiculares à superfície da
parede colônica. De cada "anel" foram obtidos 2
cortes consecutivos, com a espessura de 5 mm, num total de
8 cortes por animal. Em seguida, foram corados
pelo tricrômico de Gomori e montados entre lâmina
e lamínula, com resina sintética.
Obtenção de Imagens dos Cortes Histológicos
Os cortes histológicos foram analisados
por meio de um sistema microscópico
computadorizado, composto por um microscópio óptico Olympus
BH-2, dotado de objetivas plano-acromáticas. A ocular
é acoplada a uma câmera de vídeo marca Galai,
que transmite as imagens obtidas a um
microcomputador, modelo Pentium-II de 300 Mhz, com 64 megabytes
de memória RAM. Esse computador exibe imagens
em um monitor super VGA, com "dot pitch" 0,28
e aumento final de até 500 X .
As imagens, assim transmitidas, foram capturadas e tratadas por meio do programa
"Image-Pro Plus for Windowsâ", versão 1.2, desenvolvido
pela Media Cybernetics (1993- 94), que permite a
análise das estruturas histológicas, sendo capaz de
realizar diversas medidas e contagem de estruturas
teciduais. De cada corte foi analisado um campo aleatório,
num total de 8 campos para cada animal.
Estruturas Analisadas
Com aumento de 100 X, foram analisados os volumes parciais da mucosa (Vv m), da muscular
da mucosa (Vv mm), da submucosa (Vv s) e da
muscular própria (Vv mp). Com aumento de 250 X foi medida
a altura das criptas de Lieberkühn (Ac), medida
essa realizada diretamente pelo programa, após
calibragem do sistema para o aumento utilizado. Com aumento
de 500 X, foram analisados os volumes parciais
ocupados na mucosa pelo epitélio (Vv epi) e pela lâmina
própria (Vv lp).
Análise Estereológica
A análise estereológica para determinação
de volumes parciais foi feita por meio da superposição
de um sistema teste do tipo ciclóide às imagens dos
cortes da parede colônica (Figura-1). Esse sistema-teste
era composto por 35 arcos ciclóides e 70 pontos-teste.
O volume parcial (Vv) de uma determinada estrutura
foi calculado pela razão entre o número de pontos da
grade que caíam sobre o elemento em estudo e o número
total de pontos da grade. Os cortes histológicos
foram realizados para estereologia de cortes
verticais5, de acordo com os seguintes pré-requisitos: a)- o
tecido deve possuir um eixo vertical identificável, neste
estudo representado pelas criptas de Lieberkühn; b)- os
cortes verticais devem ser paralelos entre si e normais
à horizontal, aqui representada pela interface entre a
mucosa e a submucosa; c)- os cortes verticais devem
posicionar-se aleatoriamente em relação ao plano
horizontal (aleatoriamente rodados em torno do eixo vertical).
Figura 1 - Sistema-teste do tipo "ciclóide", aplicado sobre uma imagem de corte histológico da parede colônica (500 X). |
RESULTADOS
A altura das criptas de Lieberkühn (Ac)
variou de 466,73 a 670,80 mm, com mediana de 566,32
mm. A análise, sob aumento de 250 X, mostrou que
o volume parcial da mucosa (Vv m) variou de 42,08
a 52,39 %, com mediana de 46,17 %; o volume
parcial da muscular da mucosa (Vv mm) variou de 13,57
a 21,88 %, com mediana 18,68 %; enquanto o volume parcial da submucosa (Vv s) variava de 5,51 a
11,06 % ; com mediana de 9,77 %. O volume parcial
da muscular própria (Vv mp) variou de 23,27 a 29,00
%, com mediana de 25,82 %. Com aumento de 500 X, verificou-se que o volume parcial do epitélio (Vv
epi) variou de 70,35 a 81,07 %, com mediana de 73,39
%, enquanto o volume parcial da lâmina própria (Vv
lp) variou de 18,92 a 29,64 %, com mediana de 26,60
%. A análise estatística detalhada desses dados
está representada na Tabela-1.
Tabela 1 - Resumo estatístico dos diversos parâmetros analisados.
Variável | N | X | -95% | +95% | Med | Mín | Máx | S2 | S | EP | CE |
Ac | 10 | 562,64 | 516,05 | 609,23 | 566,32 | 466,73 | 670,80 | 4241,58 | 65,12 | 20,59 | 3,65 |
Vv m | 10 | 46,73 | 44,54 | 48,93 | 46,17 | 42,08 | 52,39 | 9,43 | 3,07 | 0,97 | 2,07 |
Vv s | 10 | 9,29 | 7,98 | 10,59 | 9,77 | 5,21 | 11,06 | 3,33 | 1,82 | 0,57 | 6,13 |
Vv mp | 10 | 25,72 | 24,56 | 26,87 | 25,82 | 23,27 | 29,00 | 2,61 | 1,61 | 0,51 | 1,98 |
Vv mm | 10 | 18,24 | 16,45 | 20,04 | 18,68 | 13,57 | 21,88 | 6,29 | 2,50 | 0,79 | 4,33 |
Vv epi | 10 | 73,98 | 71,70 | 76,26 | 73,39 | 70,35 | 81,07 | 10,16 | 3,18 | 1,00 | 1,35 |
Vv lp | 10 | 26,01 | 23,73 | 28,29 | 26,60 | 18,92 | 29,64 | 10,16 | 3,18 | 1,00 | 3,84 |
DISCUSSÃO
Segundo os trabalhos de
Delesse3, Chalkley6, Weibel &
Gomez7 e Elias & Hide8, para serem
utilizados os métodos estereológicos, os cortes analisados
devem ser isotrópicos, ou seja, os diversos elementos que
o constituem devem estar distribuídos ao acaso
e homogeneamente no espaço. Dessa forma qualquer
corte bidimensional, aleatório e uniformemente
isotrópico, passa a ser representativo de um todo
tridimensional, independentemente da direção em que esse corte
seja realizado.
A mucosa colônica não é um meio
isotrópico, pois possui estruturas de orientação definida, como
é o caso das criptas de Lieberkühn, que
apresentam disposição paralela entre si e são perpendiculares
à superfície mucosa. Para contornar o problema
da anisotropia de estruturas como a mucosa
colônica, Baddeley et al.5 propuseram o método de
estereologia de cortes verticais, no qual os cortes são
perpendiculares à uma superfície "horizontal",
representada por um plano existente na estrutura em estudo ou
criada arbitrariamente pelo pesquisador. Neste
estudo, consideramos como plano "horizontal" o limite
entre a mucosa e a submucosa. Esses autores
ressaltaram que, para a realização da estereologia de cortes
verticais, devem ser usados sistemas-teste do tipo
"ciclóides" (Figura-1). Os sistemas-teste do tipo ciclóides são
grades retangulares construídas por computador, compostas
por pontos e linhas-teste curvas que, quando sobrepostas
às imagens de cortes histológicos, distribuem-se de
modo aleatório e uniformemente isotrópico e,
segundo Gundersen et al.9 compensam a anisotropia
estrutural dos cortes verticais.
Elias10 (1981) estudou as alterações
da superfície epitelial da mucosa colônica em
pólipos adenomatosos. Rodning et
al11 (1982) quantificaram as células de Paneth na mucosa ileal de ratos. Baak e
Oort12 (1983) quantificaram o número de células
contendo diversas imunoglobulinas na mucosa retal de
pacientes portadores de doença intestinal inflamatória.
Lopes-Paulo13 (1987) quantificou as células cilíndricas
e caliciformes em biópsias retais obtidas
por retossigmoidoscopia. Esse mesmo autor estudou,
ainda, as alterações das diversas camadas da parede
colônica em ratos submetidos a colostomia, assim como os
efeitos da L-glutamina na sua prevenção,
quantificando numericamente as alterações com o uso da
estereologia de cortes verticais14.
CONCLUSÃO
A estereologia tem se mostrado, portanto,
um método de quantificação confiável, traduzindo
numericamente os resultados de trabalhos
experimentais, devendo o seu emprego ser considerado quando
da realização de estudos que necessitem a comparação
de alterações estruturais, quer seja em animais ou
em humanos.
Summary: Stereology, also known as morphometry, is a set of methods for
quantitation of morphologic structures, being a valuable tool to evaluate
results of experimental works. This paper presents the theoretical basis of
stereology and a study of the partial volumes of the colon wall layers in adult
male Wistar rats, in order to exemplify the use of stereology. That method can
aid to get in numbers the results of several studies, allowing confident
statistical comparison between study groups.
Key words: stereology, morphometry, quantitation, colon, structure
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Tese de doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.
Endereço para correspondência:
Rua Ferreira Pontes, 430, bloco 1, apt 404
Bairro Andaraí
20541-280 - Rio de Janeiro - RJ
E-mail: fpaulo@centroin.com.br
Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da UERJ
Disciplina de Cirurgia Proctológica