ARTIGOS ORIGINAIS


HEMORROIDECTOMIA AMBULATORIAL COM BLOQUEIO DA FOSSA ISQUIORRETAL COM LIDOCAÍNA E/OU MORFINA

Peretz Capelhuchink - TSBCP
Lin Yu Ju
Fabio Carvalho
Cristiane Vilela Ojeda
Fang Chia Bin - TSBCP
Wilmar Artur Klug - TSBCP


Capelhuchink P, Ju LY,Carvalho F, Ojeda CV, Bin FC, Klug WA. Hemorroidectomia ambulatorial com bloqueio da fossa isquiorretal com lidocaína e/ou morfina. Rev bras Coloproct, 2002; 22(2):77-81.

RESUMO: Com a finalidade de estudar a anestesia obtida com a infiltração dos planos superficiais e bloqueio dos pudendos na hemorroidectomia ambulatorial selecionamos 60 casos. Estes pacientes foram escolhidos do ponto de vista de risco cirúrgico. Assim cardíacos, grandes hipertensos , prostáticos, etc ... foram excluídos.
   
Dividimos os enfermos em dois grupos de 30:
a) morfina: no qual associamos morfina à solução de lidocaína para o bloqueio pudendo e 
b) controle; quando o bloqueio da fossa isquiorretal foi realizado exclusivamente com lidocaína.
   
Para avaliação da dor pós-operatória, utilizamos uma escala subjetiva verbal que distribuia a sua intensidade em cinco categorias: 1)- ausente; 2)- fraca; 3)- moderada; 4)- forte; 5)- insuportável
   
O resultado obtido foi através de respostas à tarde e noite do dia da intervenção (1) e manhã, tarde e noite do dia seguinte. Oitenta e seis por cento dos pacientes não relataram dor significante no pós-operatório imediato durante 4 - 5 horas, não necessitando de analgésicos neste período.
   
Tivemos as seguintes complicações e intercorrências: 1)- retenção urinária em 1 paciente (1,66%) solucionada com sonda de alivio; 2)- sangramento: um controlado com tamponamento; 3)- conversão da anestesia: em dois enfermos ansiosos e agitados, que foram substituídos no estudo.
   
Todos os pacientes entraram no hospital às 7 horas e tiveram alta às 17 horas.
   
O bloqueio anestésico dos planos superficiais e fossa isquiorretal para hemorroidectomia ambulatorial produziu ótimo relaxamento esfincteriano permitindo a realização das operações com tranquilidade. O tempo da analgesia pós-operatória foi satisfatório. Não houve diferenças significantes entre o grupo que usou lidocaína associada à morfina ou o que utilizou somente lidocaína.

Unitermos: hemorróidas/cirurgia, procedimento cirúrgico ambulatorial, anestesia local, bloqueio nervoso

introdução
A preocupação econômica, vantagens dos sistemas de saúde bem como a possibilidade de maior utilização dos espaços hospitalares foram os fatores mais importantes na implantação da cirurgia ambulatorial. Esta prática hoje universal recebeu várias denominações como: overnight stay, day surgery ou out patient surgery. (9,11,12,13).\
    A cirurgia proctológica foi, na maioria das vezes, realizada entre nós com raquianestesia ou peridural e raramente com anestesia geral.
    Esta forma tradicional, entretanto, tem como um de seus maiores inconvenientes a retenção urinária que chega a 15% e com uso associado de morfina pode atingir até 20% em nossa experiência, exigindo a internação destes enfermos. (3,4).
   
Os procedimentos em pacientes com afecções proctológicas realizadas com anestesia local são, entretanto, mais delicados devido à complexa inervação da região, que apresenta uma sensibilidade exagerada. (5)
   
Estamos convictos de que a maioria das cirurgias orificiais podem ser realizadas com anestesia local.
    Impressionados com a analgesia prolongada da morfina quando associada à lidocaína nas anestesias raquídea e peridural, resolvemos experimentá-la no bloqueio isquiorretal.
    Recentemente acumularam-se evidências de que existem receptores opióides localizados em nervos periféricos, isto é, fora da sua situação bastante conhecida no sistema nervoso central. (l5).
   
O objetivo deste trabalho é estudar a eficiência do bloqueio anestésico dos planos superficiais e fossa isquiorretal na hemorroidectomia realizada em regime ambulatorial. Também é nossa intenção estudar a ação da morfina associada à lidocaína.

CASUÍSTICA E MÉTODO
Para este estudo foram escolhidos 60 pacientes de forma aleatória, sendo 29 do sexo feminino e 31 do masculino. A faixa etária variou entre 27 e 73 anos e a média foi de 48,43 anos.
    Todos os enfermos aceitos para a cirurgia ambulatorial foram selecionados do ponto de vista de risco cirúrgico. Assim os cardíacos, diabéticos, grandes hipertensos, prostáticos, etc... foram excluídos.
    As operações foram indicadas para hemorróidas do 3º e 4º graus e do 2º quando estas não responderam a tratamento clínico.
    O preparo intestinal era realizado na véspera e bastante simplificado: dieta sem resíduos e supositórios de glicerina.
    Chegavam ao hospital às 7 horas e recebiam alta entre 16 e 17 horas. A permanência hospitalar era de 10 a 11 horas.
    Os enfermos foram divididos em dois grupos de 30: a)- Morfina - onde foi utilizada a associação de morfina e solução de lidocaína para o bloqueio do pudendo e b)- Controle, no qual o bloqueio da fossa isquiorretal foi realizado exclusivamente com a solução de lidocaína.

TÉCNICA DA ANESTESIA
Foram utilizados basicamente 40 ml de solução de lidocaína a 1% com adrenalina 1/200.000 em ambos os grupos. No grupo A (morfina) foi injetado 1 mg de cloridrato de morfina misturada à lidocaína em cada fossa isquiática.
    Como pré-anestésico, o paciente recebia 5 mg de midazolan diluído em 10 ml da água destilada por via endovenosa. Sonolento, o paciente era colocado em posição de litotomia, estando a região sacra próxima à extremidade da mesa cirúrgica.
    Era realizado um botão dérmico de cada lado localizado entre o ânus e o ísquio. A partir do botão dérmico infiltravam-se os planos superficiais (pele e sub-cutâneo), dirigindo a agulha de cada lado ao ângulo superior e depois inferior do ânus na forma de um losango. Usamos o total de 20 ml, sendo 5 ml a cada lado do losango.
    A seguir, utilizando uma agulha de 12 cm penetrava-se a cada lado através dos botões dérmicos iniciais, e com inclinação de 45º em direção à goteira ísquio-sacra e injetando 5 ml da solução de lidocaína a 1% com adrenalina a 1/200.000 no grupo controle (B). Ao grupo A era adicionado 1 mg de cloridrato de morfina. Finalmente, a anestesia era completada injetando 2,5 ml da solução de lidocaína no espaço interesficteriano em cada quadrante do esfíncter anal.
    Assim, este procedimento descrito bloqueia os nervos pudendos, hemorroidário inferior e músculo elevador do ânus.
    Após alguns minutos, o ânus apresentava-se atônico, com relaxamento satisfatório permitindo a realização da operação.
    As hemorroidectomias foram realizadas pela técnica aberta de Milligan -Morgan, (ressecção radiada de três mamilos).

RESULTADOS
Avaliação da dor pós operatória
Para mensurar a dor pós-operatória, foi escolhida dentre várias escalas existentes, uma de avaliação subjetiva verbal que apesar de suas falhas nos pareceu a mais simples e prática.
    Todos os pacientes responderam a um protocolo que distribuía a intensidade dolorosa em 5 categorias: 1)- ausente; 2)- fraca; 3)- moderada; 4)- forte; 5)- insuportável.
    O resultado obtido foi através de respostas à tarde e noite do dia da intervenção (1) e manhã, tarde e noite do dia seguinte (2).
    Foi observado que 86% dos pacientes não relataram dor significante no pós-operatório imediato (tarde 1) durante 4 - 5 horas e sem necessidade de tomar analgésicos.
    Considerando a necessidade do uso ou não de analgésicos no pós-operatório foram somados os números que corresponderam às intensidades A + F + M (ausente, fraca e moderada) sem a necessidade de uso de analgésicos para compará-las à soma das intensidades FT + I (forte e intolerável) quando a sedação foi absolutamente necessária.
    Assim, foram obtidos os seguintes resultados:

Dia 1 tarde:
A + F + M morfina - 80% Controle - 93%
FT + I morfina - 20% Controle - 6,6%

Dia 1 noite:
A + F + M morfina - 66,6% Controle - 83,3%
FT + I morfina - 33,3% Controle - 16,6%

Dia 2 manhã:
A + F + M morfina - 90% Controle - 90%
FT + I morfina - 10% Controle - 10%

Dia 2 tarde:
A + F + M morfina - 86% Controle - 80%
FT + I morfina - 13,3% Controle - 20%

Dia 2 noite:
A + F + M morfina - 90% Controle - 83,3%
FT + I morfina - 10% Controle - 16,6%

    Foram utilizados os testes de Fischer e Quiquadrado para comparar os grupos morfina e controle.
    Não houve evidência estatística em nível de significância de 5 % / (X = 0,05) para dizer que existe diferença de sensibilidade entre os grupos comparados.
    Esses resultados podem ser melhor entendidos no Gráfico-1.
    Os analgésicos utilizados pelos pacientes no pós-operatório foram dipirona oral e diclofenaco de sódio muscular quando necessário.

 

Gráfico 1 - Distribuição dos enfermos segundo intensidade da dor pós hemorroidectomia com bloqueio do nervo pudendo (lidocaina com e sem morfina), nos dois dias pós-operatórios

 

COMPLICAÇÕES E INTERCORRÊNCIAS
Conversão da anestesia - Dois enfermos mostraram-se extremamente ansiosos e agitados não tolerando o bloqueio local. Foram submetidos a outro tipo de anestesia e eliminados da investigação proposta.
    Sangramento - Um dos operados apresentou sangramento que foi controlado com tamponamento.
    Retenção urinária - Tivemos 1 caso (1,66%) de retenção pós operatória que foi solucionada com a passagem de sonda de alivio. Não houve necessidade de permanecer no hospital, tendo alta no mesmo dia.

DISCUSSÃO
Este estudo provou a eficiência do procedimento, anestesia local dos planos superficiais associada ao bloqueio dos pudendos.
   A raquianestesia ou peridural promove uma boa analgesia pós-operatória, melhor ainda quando associados à morfina. Entretanto às custas de elevado grau de retenção urinária, o que impede a alta dos pacientes criando obstáculos à cirurgia dita ambulatorial.
   
O procedimento foi realizado em cerca de dez minutos. O volume de anestésico utilizado para o bloqueio dos pudendos na goteira sacro-isquiática não deve ultrapassar de 5 ml, quando passa a se tornar sensível e desconfortável. A infiltração de 2,5 ml em cada quadrante do aparelho esfincteriano anal promove um relaxamento do complexo esfincteriano em minutos, facilitando muito a cirurgia. Foram operadas hemorróidas pequenas e grandes.
    Em nenhum dos casos houve complicações relacionadas aos fármacos utilizados como reações alérgicas, prurido, crises de hipotensão ou situações cardiovasculares temidas com o uso de soluções com adrenalina.
    A grande vantagem é que pode ser realizada pelo cirurgião.
    Como inconveniência, dois pacientes foram eliminados da série e substituídos em virtude de ansiedade e desequilíbrio emocional que nos obrigou à conversão para anestesia geral.
    Achamos importante informar ao paciente a técnica do procedimento bem como estudar o seu perfil psicológico.
    Foi obtido um controle pós-operatório imediato da dor, pois não houve necessidade do uso de analgésicos em 86% dos enfermos durante 4 - 5 horas, resultado semelhante obtido por outros autores .1,2,3
   
A retenção urinária foi bem menor que a produzida pela raquianestesia ou peridural. Luck A.J. e Hewett P.S. referem 5%, Gabrielli F. relatam 7,8%, Sobrado C.W. 2,5%. Em nossa casuística tivemos 1 caso (1,6%).
    A comparação do grupo em que se utilizou morfina e lidocaína não mostrou evidências de superioridade sobre o grupo em que somente a solução de lidocaína foi utilizada.

CONCLUSÕES
O bloqueio anestésico dos planos superficiais e fossa isquiorretal para realização de hemorroidectomia produziu um ótimo relaxamento esfincteriano e permitiu a realização das operações . A alta hospitalar foi precoce para todos os pacientes.
    O tempo de analgesia pós-operatório foi satisfatório, não havendo diferenças entre os pacientes em que se usou morfina e lidocaína daqueles em que somente a lidocaína foi utilizada.

SUMMARY: The purpose of this study was to evaluate the efficacy of local superficial anesthesia associated to the ischiorretal fossa block in hemorrhoidectomy performed as an outpatient regime. 60 patients were selected. In 30 the ischiorretal fossa was blocked with 1% lidocain and adrenalin 1/200.000 (group control). In the other 30 (group morfin) associated to lidocain and adrenalin we added 1 mg morfina. Pain was evaluated by a verbal subjective scale during the day of the operation (afternoon and night) and the first posoperative day (morning, afternoon and night). 86% of all patients were free of significant pain during posoperative 4 - 5 hours. There was no statistically significant differences of pain score in both groups.
   
Complications: 2 patients were eliminated from this study because of severe anxiety. One patient bled not significantly. 1 (1.66%) had urinary retention and required catheterization. All patients were discharged in the afternoon of the same day.

CONCLUSION: Regional anesthesia associated to ischiorrectal block produced a very good sphincter relaxation and allowed an easy surgical procedure. Posoperative analgesia in 86% lasted 4 - 5 hours. Low incidence of complications: 1 bleeding, and 1 (1.66%) urinary retention. There were no statistical differences between the groups.

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Endereço para Correspondência:
Rua José Maria Lisboa, 1370 - 7º andar
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Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - Área de Coloproctologia