ARTIGOS ORIGINAIS
Peretz Capelhuchink - TSBCP
Lin Yu Ju
Fabio Carvalho
Cristiane Vilela Ojeda
Fang Chia Bin - TSBCP
Wilmar Artur Klug - TSBCP
RESUMO: Com a finalidade de estudar a anestesia obtida com a infiltração dos planos superficiais e bloqueio dos pudendos
na hemorroidectomia ambulatorial selecionamos 60 casos. Estes pacientes foram escolhidos do ponto de vista de risco cirúrgico.
Assim cardíacos, grandes hipertensos , prostáticos, etc ... foram excluídos.
Dividimos os enfermos em dois grupos de 30:
a) morfina: no qual associamos morfina à solução de lidocaína para o bloqueio pudendo e
b) controle; quando o bloqueio da
fossa isquiorretal foi realizado exclusivamente com lidocaína.
Para avaliação da dor pós-operatória, utilizamos uma escala subjetiva verbal que distribuia a sua intensidade em
cinco categorias: 1)- ausente; 2)- fraca; 3)- moderada; 4)- forte; 5)- insuportável
O resultado obtido foi através de respostas à tarde e noite do dia da intervenção (1) e manhã, tarde e noite do dia
seguinte. Oitenta e seis por cento dos pacientes não relataram dor significante no pós-operatório imediato durante 4 - 5 horas, não
necessitando de analgésicos neste período.
Tivemos as seguintes complicações e intercorrências: 1)- retenção urinária em 1 paciente (1,66%) solucionada com
sonda de alivio; 2)- sangramento: um controlado com tamponamento; 3)- conversão da anestesia: em dois enfermos ansiosos e
agitados, que foram substituídos no estudo.
Todos os pacientes entraram no hospital às 7 horas e tiveram alta às 17 horas.
O bloqueio anestésico dos planos superficiais e fossa isquiorretal para hemorroidectomia ambulatorial produziu
ótimo relaxamento esfincteriano permitindo a realização das operações com tranquilidade. O tempo da analgesia pós-operatória
foi satisfatório. Não houve diferenças significantes entre o grupo que usou lidocaína associada à morfina ou o que utilizou
somente lidocaína.
Unitermos: hemorróidas/cirurgia, procedimento cirúrgico ambulatorial, anestesia local, bloqueio nervoso
introdução
A preocupação econômica, vantagens
dos sistemas de saúde bem como a possibilidade de
maior utilização dos espaços hospitalares foram os
fatores mais importantes na implantação da
cirurgia ambulatorial. Esta prática hoje universal recebeu
várias denominações como: overnight stay, day surgery
ou out patient surgery. (9,11,12,13).\
A cirurgia proctológica foi, na maioria
das vezes, realizada entre nós com raquianestesia
ou peridural e raramente com anestesia geral.
Esta forma tradicional, entretanto, tem
como um de seus maiores inconvenientes a retenção
urinária que chega a 15% e com uso associado de morfina
pode atingir até 20% em nossa experiência, exigindo
a internação destes enfermos. (3,4).
Os procedimentos em pacientes com
afecções proctológicas realizadas com anestesia local
são, entretanto, mais delicados devido à
complexa inervação da região, que apresenta uma
sensibilidade exagerada. (5)
Estamos convictos de que a maioria das
cirurgias orificiais podem ser realizadas com anestesia local.
Impressionados com a analgesia prolongada da morfina quando associada à lidocaína nas
anestesias raquídea e peridural, resolvemos experimentá-la
no bloqueio isquiorretal.
Recentemente acumularam-se evidências
de que existem receptores opióides localizados em
nervos periféricos, isto é, fora da sua situação
bastante conhecida no sistema nervoso central.
(l5).
O objetivo deste trabalho é estudar a
eficiência do bloqueio anestésico dos planos superficiais e
fossa isquiorretal na hemorroidectomia realizada em
regime ambulatorial. Também é nossa intenção estudar a
ação da morfina associada à lidocaína.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Para este estudo foram escolhidos 60
pacientes de forma aleatória, sendo 29 do sexo feminino e 31
do masculino. A faixa etária variou entre 27 e 73 anos e
a média foi de 48,43 anos.
Todos os enfermos aceitos para a cirurgia ambulatorial foram selecionados do ponto de vista
de risco cirúrgico. Assim os cardíacos, diabéticos,
grandes hipertensos, prostáticos, etc... foram excluídos.
As operações foram indicadas
para hemorróidas do 3º e 4º graus e do 2º quando estas
não responderam a tratamento clínico.
O preparo intestinal era realizado na
véspera e bastante simplificado: dieta sem resíduos
e supositórios de glicerina.
Chegavam ao hospital às 7 horas e
recebiam alta entre 16 e 17 horas. A permanência hospitalar
era de 10 a 11 horas.
Os enfermos foram divididos em dois grupos de 30: a)- Morfina - onde foi utilizada a associação
de morfina e solução de lidocaína para o bloqueio
do pudendo e b)- Controle, no qual o bloqueio da
fossa isquiorretal foi realizado exclusivamente com a
solução de lidocaína.
TÉCNICA DA ANESTESIA
Foram utilizados basicamente 40 ml de
solução de lidocaína a 1% com adrenalina 1/200.000 em
ambos os grupos. No grupo A (morfina) foi injetado 1 mg
de cloridrato de morfina misturada à lidocaína em
cada fossa isquiática.
Como pré-anestésico, o paciente recebia 5
mg de midazolan diluído em 10 ml da água destilada
por via endovenosa. Sonolento, o paciente era
colocado em posição de litotomia, estando a região sacra
próxima à extremidade da mesa cirúrgica.
Era realizado um botão dérmico de cada
lado localizado entre o ânus e o ísquio. A partir do
botão dérmico infiltravam-se os planos superficiais (pele
e sub-cutâneo), dirigindo a agulha de cada lado ao
ângulo superior e depois inferior do ânus na forma de
um losango. Usamos o total de 20 ml, sendo 5 ml a
cada lado do losango.
A seguir, utilizando uma agulha de 12 cm penetrava-se a cada lado através dos botões
dérmicos iniciais, e com inclinação de 45º em direção à
goteira ísquio-sacra e injetando 5 ml da solução de lidocaína
a 1% com adrenalina a 1/200.000 no grupo controle
(B). Ao grupo A era adicionado 1 mg de cloridrato
de morfina. Finalmente, a anestesia era completada injetando 2,5 ml da solução de lidocaína no
espaço interesficteriano em cada quadrante do esfíncter anal.
Assim, este procedimento descrito bloqueia
os nervos pudendos, hemorroidário inferior e
músculo elevador do ânus.
Após alguns minutos, o ânus
apresentava-se atônico, com relaxamento satisfatório permitindo
a realização da operação.
As hemorroidectomias foram realizadas pela técnica aberta de Milligan -Morgan, (ressecção
radiada de três mamilos).
RESULTADOS
Avaliação da dor pós operatória
Para mensurar a dor pós-operatória,
foi escolhida dentre várias escalas existentes, uma
de avaliação subjetiva verbal que apesar de suas
falhas nos pareceu a mais simples e prática.
Todos os pacientes responderam a um protocolo que distribuía a intensidade dolorosa em
5 categorias: 1)- ausente; 2)- fraca; 3)- moderada;
4)- forte; 5)- insuportável.
O resultado obtido foi através de respostas
à tarde e noite do dia da intervenção (1) e manhã, tarde
e noite do dia seguinte (2).
Foi observado que 86% dos pacientes
não relataram dor significante no pós-operatório
imediato (tarde 1) durante 4 - 5 horas e sem necessidade de
tomar analgésicos.
Considerando a necessidade do uso ou não
de analgésicos no pós-operatório foram somados
os números que corresponderam às intensidades A + F
+ M (ausente, fraca e moderada) sem a necessidade
de uso de analgésicos para compará-las à soma
das intensidades FT + I (forte e intolerável) quando
a sedação foi absolutamente necessária.
Assim, foram obtidos os seguintes resultados:
Dia 1 tarde:
A + F + M morfina - 80% Controle - 93%
FT + I morfina - 20% Controle - 6,6%
Dia 1 noite:
A + F + M morfina - 66,6% Controle - 83,3%
FT + I morfina - 33,3% Controle - 16,6%
Dia 2 manhã:
A + F + M morfina - 90% Controle - 90%
FT + I morfina - 10% Controle - 10%
Dia 2 tarde:
A + F + M morfina - 86% Controle - 80%
FT + I morfina - 13,3% Controle - 20%
Dia 2 noite:
A + F + M morfina - 90% Controle - 83,3%
FT + I morfina - 10% Controle - 16,6%
Foram utilizados os testes de Fischer e Quiquadrado para comparar os grupos morfina
e controle.
Não houve evidência estatística em nível
de significância de 5 % / (X = 0,05) para dizer que
existe diferença de sensibilidade entre os grupos comparados.
Esses resultados podem ser melhor
entendidos no Gráfico-1.
Os analgésicos utilizados pelos pacientes
no pós-operatório foram dipirona oral e diclofenaco
de sódio muscular quando necessário.
|
Gráfico 1 - Distribuição dos enfermos segundo intensidade da dor pós hemorroidectomia com bloqueio do nervo pudendo (lidocaina com e sem morfina), nos dois dias pós-operatórios |
COMPLICAÇÕES E INTERCORRÊNCIAS
Conversão da anestesia - Dois
enfermos mostraram-se extremamente ansiosos e agitados
não tolerando o bloqueio local. Foram submetidos a
outro tipo de anestesia e eliminados da investigação proposta.
Sangramento - Um dos operados apresentou sangramento que foi controlado com
tamponamento.
Retenção urinária - Tivemos 1 caso
(1,66%) de retenção pós operatória que foi solucionada com
a passagem de sonda de alivio. Não houve
necessidade de permanecer no hospital, tendo alta no mesmo dia.
DISCUSSÃO
Este estudo provou a eficiência do
procedimento, anestesia local dos planos
superficiais associada ao bloqueio dos pudendos.
A raquianestesia ou peridural promove uma boa analgesia pós-operatória, melhor ainda
quando associados à morfina. Entretanto às custas de
elevado grau de retenção urinária, o que impede a alta
dos pacientes criando obstáculos à cirurgia dita
ambulatorial.4
O procedimento foi realizado em cerca de
dez minutos. O volume de anestésico utilizado para
o bloqueio dos pudendos na goteira sacro-isquiática
não deve ultrapassar de 5 ml, quando passa a se
tornar sensível e desconfortável. A infiltração de 2,5 ml
em cada quadrante do aparelho esfincteriano anal
promove um relaxamento do complexo esfincteriano
em minutos, facilitando muito a cirurgia. Foram
operadas hemorróidas pequenas e grandes.
Em nenhum dos casos houve
complicações relacionadas aos fármacos utilizados como
reações alérgicas, prurido, crises de hipotensão ou
situações cardiovasculares temidas com o uso de soluções
com adrenalina.
A grande vantagem é que pode ser
realizada pelo cirurgião.
Como inconveniência, dois pacientes
foram eliminados da série e substituídos em virtude
de ansiedade e desequilíbrio emocional que nos
obrigou à conversão para anestesia geral.
Achamos importante informar ao paciente a técnica do procedimento bem como estudar o seu
perfil psicológico.
Foi obtido um controle
pós-operatório imediato da dor, pois não houve necessidade do
uso de analgésicos em 86% dos enfermos durante 4 -
5 horas, resultado semelhante obtido por outros
autores .1,2,3
A retenção urinária foi bem menor que
a produzida pela raquianestesia ou peridural. Luck
A.J. e Hewett P.S. referem 5%, Gabrielli F. relatam
7,8%, Sobrado C.W. 2,5%. Em nossa casuística tivemos
1 caso (1,6%).
A comparação do grupo em que se
utilizou morfina e lidocaína não mostrou evidências
de superioridade sobre o grupo em que somente a
solução de lidocaína foi utilizada.
CONCLUSÕES
O bloqueio anestésico dos planos
superficiais e fossa isquiorretal para realização de
hemorroidectomia produziu um ótimo relaxamento
esfincteriano e permitiu a realização das operações . A alta
hospitalar foi precoce para todos os pacientes.
O tempo de analgesia pós-operatório
foi satisfatório, não havendo diferenças entre os
pacientes em que se usou morfina e lidocaína daqueles em
que somente a lidocaína foi utilizada.
SUMMARY: The purpose of this study was to evaluate the efficacy of local superficial anesthesia associated to the ischiorretal
fossa block in hemorrhoidectomy performed as an outpatient regime.
60 patients were selected. In 30 the ischiorretal fossa was
blocked with 1% lidocain and adrenalin 1/200.000 (group control). In the other 30
(group morfin) associated to lidocain and adrenalin
we added 1 mg morfina. Pain was evaluated by a verbal subjective scale during the day of the operation
(afternoon and night) and
the first posoperative day (morning, afternoon and night).
86% of all patients were free of significant pain during posoperative 4 -
5 hours. There was no statistically significant differences of pain score in both
groups.
Complications: 2 patients were eliminated from this study because of severe
anxiety. One patient bled not significantly.
1 (1.66%) had urinary retention and required catheterization. All patients were discharged in the afternoon of the same
day.
CONCLUSION: Regional anesthesia associated to ischiorrectal block produced a very good sphincter relaxation and allowed an easy surgical procedure. Posoperative analgesia in 86% lasted 4 - 5 hours. Low incidence of complications: 1 bleeding, and 1 (1.66%) urinary retention. There were no statistical differences between the groups.
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- 23.
Endereço para Correspondência:
Rua José Maria Lisboa, 1370 - 7º andar
Cerqueira Cesar
Cep. 01423-001, São Paulo - SP
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - Área de Coloproctologia