ARTIGOS ORIGINAIS
Mauro de Souza Leite Pinho - TSBCP
Luís Carlos Ferreira
Evandro C. G. de Vasconcelos
Nilo Antunes de Souza Filho
Marcelo Cechinel Reis
RESUMO: Objetivos: Apresentar uma análise da prevalência referente ao sexo e idade das doenças anorretais mais comuns em ambulatório de Coloproctologia. Pacientes e métodos: De um total de 2323 pacientes atendidos em 88 meses foram incluídos 1024 os quais apresentavam doenças anorretais freqüentes (doença hemorroidária, trombose peri-anal, fissura e fístula anal) conforme critérios rígidos e avaliados pelo mesmo examinador. Resultados e Conclusões: As doenças anorretais freqüentes representaram 44% dos atendimentos e destes, 59% foram pacientes do sexo feminino. Observou-se predominância do sexo masculino para hemoróidas, trombose peri-anal e fístulas/abscessos, enquanto que plicomas e fissuras foram observadas com maior freqüência nas mulheres. A análise de incidência por faixas etárias demonstrou redução gradual com o avanço da idade sugerindo uma etiopatogenia não degenerativa para as doenças analisadas. Estes resultados sugerem a importância do estudo epidemiológico para a compreensão da história natural das doenças anorretais.
Unitermos: doenças anoretais, epidemiologia, sexo, idade
Apesar de sua elevada prevalência, as
doenças anorretais comuns são freqüentemente
consideradas como distúrbios de baixa complexidade e
reduzidos índices de morbi-mortalidade. Como
conseqüência, poucos tem sido os estudos referentes à
sua epidemiologia, elemento de grande importância para
a melhor compreensão de seus aspectos
fisiopatológicos e história natural.
Sendo freqüentemente diagnosticadas
e tratadas em âmbito de atenção primária à
saúde, diagnósticos inadequados se perpetuam de
forma indiscriminada, gerando uma indefinição de
conceitos, os quais impossibilitam o desenvolvimento de
estudos epidemiológicos de escala maior realizado por
médicos especialistas em doenças anorretais.
O objetivo deste estudo é apresentar
uma análise da prevalência, referente a sexo e idade,
sobre as doenças anorretais mais freqüentes em
pacientes atendidos em um ambulatório especializado
em Coloproctologia, por um mesmo médico e
seguindo critérios diagnósticos bem definidos,
visando identificar possíveis implicações para o
conhecimento da história natural destas doenças.
MATERIAIS E MÉTODOS
A partir de um universo total de 2323
pacientes consecutivos atendidos no ambulatório
de Coloproctologia do Hospital Municipal São José
de Joinville - SC, no período de janeiro de 1994 a
maio de 2001, foram incluídos neste estudo 1024
pacientes portadores de doenças anorretais freqüentes,
segundo os critérios descritos abaixo:
¨ Doença hemorroidária sintomática caracterizada
por queixas de protrusão anal, sangramento ou
dor conseqüentes ao rebaixamento e/ou ingurgitação
dos coxins venosos anais. Não foram considerados
como portadores de doença hemorroidária pacientes
cujos sintomas eram decorrentes exclusivamente de processos inflamatórios agudos ou crônicos de
pregas cutâneas perianais desenvolvidas, designadas
neste estudo como plicomas. Não foram ainda
considerados como portadores de doença hemorroidária
pacientes com sintomas oriundos de outras patologias cujo
exame anorretal revelou a presença de dilatação
assintomática de coxins venosos.
¨ Trombose perianal definida pela presença
de tumefação aguda em margem anal
cutânea, correspondendo à presença de coágulo com bordos
bem definidos sem associação a sintomas
hemorroidários, conforme estudo publicado anteriormente (1).
¨ Fissura anal caracterizada pela presença de
ulceração em epitélio do canal e margem anal,
freqüentemente associada à constipação intestinal e
provocando sintomas dolorosos à evacuação(2).
¨ Doença fistulosa anal evidenciada através de
sua forma crônica pela presença de pelo menos um
orifício identificado (interno ou externo) com saída de
secreção purulenta, ou de forma aguda pela presença de
abcesso perianal sem causa extrínseca aparente, como
a presença de corpo estranho, por exemplo (3).
Todos os pacientes foram avaliados de
forma prospectiva por um mesmo examinador (M.P.) e tiveram seus dados cadastrados num
sistema informatizado, juntamente com informações
incluindo sexo e idade.
RESULTADOS
A prevalência das doenças anorretais
comuns incluídas neste estudo foi de 1024
pacientes, representando 44% sobre o total de 2323
pacientes atendidos no período, conforme demonstrado
na Tabela-1. A distribuição pôr sexo no grupo total
de pacientes mostrou um predomínio do sexo
feminino, com 1373 pacientes (59 %) comparados a
1050 pacientes do sexo masculino (41 %).
Doença | n | % |
Hemorróidas | 297 | 12 |
Trombose perianal | 266 | 11 |
Fissura | 256 | 11 |
Fístulas / abcessos | 111 | 5 |
Plicomas | 94 | 4 |
Subtotal | 1024 | 44 |
A distribuição por sexo referente às
patologias específicas apresentou, no entanto
diferenças acentuadas, conforme demonstrado na Tabela-2
e Figura-1.
Figura 1 - Prevalência por sexo |
Doença | Masculino | Feminino |
Hemorróidas | 183 (62%) | 114 (38%) |
Trombose perianal | 145 (55%) | 121 (45%) |
Plicomas | 12 (12%) | 82 (88%) |
Fissura | 82 (32%) | 174 (68%) |
Fistulas/abcessos | 75 (63%) | 36 (37%) |
Total | 497 | 527 |
A análise total do grupo referente à
prevalência por faixa etária, conforme observado na
Figura-2, demonstra um predomínio entre a terceira e
quinta décadas de vida, seguindo-se a partir de então
uma redução progressiva de acordo com a idade crescente.
Figura 2 - Doenças anorretais freqüentes - prevalência por faixa etária |
Este padrão de distribuição de prevalência
por faixa etária modifica-se ao analisarmos cada
doença específica, conforme vemos na Tabela-3 e Figura-3.
Doença | Idade |
(mediana / anos) | |
Hemorróidas | 46 |
Trombose perianal | 36 |
Plicomas | 37 |
Fissura | 32 |
Fístulas / abcessos |
39 |
Figura 3 - Prevalência por faixa etária em cada doença. |
DISCUSSÃO
Embora as doenças anorretais freqüentes
sejam tradicionalmente reconhecidas como a área de
atuação mais prevalente dentro da Coloproctologia, o
presente estudo revela que sua participação, no total
de atendimentos de um movimentado
ambulatório especializado no âmbito da medicina pública,
atingiu um total de apenas 44%, sendo o restante da
procura devido a queixas originárias de distúrbios
intestinais ou condições anorretais variadas e com
menor freqüência. É importante ressaltar que
distúrbios funcionais como a constipação intestinal, a
qual representa sem dúvida a queixa abdominal
mais freqüente, podem coexistir com as doenças
aqui estudadas, uma vez que para cada paciente foi registrado apenas um diagnóstico, considerado
como aquele causador dos sintomas responsáveis
pela procura ao atendimento médico especializado.
A análise dos números aqui apresentados
nos revela ainda um outro dado conflitante com uma
outra crença estabelecida segundo a qual a
doença hemorroidária seria a patologia de prevalência
bastante superior às outras patologias anorretais. A
avaliação rigorosa por um mesmo avaliador, seguindo
critérios rígidos capazes de diferenciar
condições freqüentemente mal delimitadas como edema
de plicomas, trombose perianal ou protrusão hemorroidária, nos mostra que a prevalência da
doença hemorroidária sintomática aproxima-se bastante
de outras patologias como trombose perianal ou
fissura anal. É importante destacar que, em estudo
prospectivo previamente realizado, tivemos a oportunidade
de demonstrar que a trombose perianal, conforme
definida no presente trabalho, não apresenta qualquer
relação fisiopatológica com a doença hemorroidária
4.
Prevalência relacionada ao sexo
A observação da prevalência relacionada
ao sexo de cada uma das diferentes doenças
anorretais freqüentes nos mostra algumas peculiaridades
que justificam uma análise relacionada à sua
possível fisiopatologia. A predominância da
doença hemorroidária sintomática em pacientes do
sexo masculino reforça um possível papel
etiológico atribuído ao grau de obstrução ao retorno venoso
dos coxins anais em conseqüência da pressão
esfincteriana, a qual encontra-se em média
significativamente superior nos homens, quando comparadas à
sua equivalente no sexo feminino5. Interessante ainda
notar que a reconhecida maior freqüência da
constipação intestinal em pacientes do sexo feminino não
contribuiu aparentemente para um aumento da prevalência
da doença hemorroidária neste sexo, o que pode
sugerir uma confirmação de conceitos atuais, segundo os
quais a fisiopatologia das hemorróidas estaria
diretamente relacionada a uma maior freqüência
defecatória, contrariando conceitos clássicos existentes até
então6.
Ao contrário do acima exposto, o
amplo predomínio de mulheres portadoras de fissuras
anais no grupo aqui analisado parece confirmar a
íntima relação clínica e fisiopatológica entre esta patologia
e a constipação intestinal. Da mesma forma, a
maciça predominância de plicomas em pacientes do
sexo feminino pode refletir sua origem
fisiopatológica relacionada à história obstétrica, constipação
intestinal ou ambas, através de mecanismos até hoje
não esclarecidos de forma adequada.
Prevalência relacionada à idade
A observação da curva de prevalência relacionada
à idade nos permite obter importantes
informações referentes à história natural das doenças
anorretais freqüentes.
A análise da referida freqüência do grupo
como um todo ou através dos subgrupos restritos a
cada patologia nos mostra um padrão bastante
semelhante entre si e decrescente de acordo com a evolução
das faixas etárias. Considerando-se que o acesso
ao ambulatório é facultado de forma igualitária a todas
as faixas etárias e sociais da população e que
eventuais dificuldades de locomoção por parte dos
pacientes idosos podem ser provavelmente compensados por
uma maior disponibilidade de tempo quando
comparados aos indivíduos ainda comprometidos com
atividades profissionais, parece-nos válido assumir que
a freqüência de atendimentos observada no
presente estudo é conseqüência estrita da necessidade
de resolução de sintomas existentes. Como
possível exceção a esta afirmativa, podemos destacar a
demanda para tratamento de plicomas anais,
predominantemente feminina e freqüentemente motivada por
motivos estéticos, os quais podem ser assumidos como
mais reduzidos em faixas etárias mais avançadas.
No que diz respeito às outras patologias
sejam hemorróidas, fissuras, fístulas ou tromboses
perianais, a observação do caráter decrescente de sua
prevalência com o avanço da idade sugere a ausência de
um componente degenerativo em sua fisiopatologia e história natural. Este achado parece-nos
facilmente compreensível em pacientes portadores de fissura
anal ou trombose perianal, cujas fisiopatologias
parecem estar diretamente relacionadas a
condições reconhecidamente mais presentes em indivíduos
mais jovens como a constipação intestinal e realização
de esforços físicos, respectivamente.
Entretanto, o achado de uma
prevalência progressivamente menor de pacientes mais
idosos portadores de sintomas de doença hemorroidária
sugere um importante questionamento referente à
origem degenerativa e ao caráter evolutivo desta doença.
Ao contrário, os números encontrados no presente
estudo sugerem que os sintomas da doença
hemorroidária acometem predominantemente indivíduos na faixa
etária situada entre 30 e 50 anos após a qual apresentam-se
de forma cada vez menor como causa de procura de atendimento médico. Considerando-se a teoria
do deslizamento inferior dos coxins venosos já
previamente mencionada como verdadeira
5, pode-se inferir que esta redução gradual dos sintomas hemorroidários possa
ser atribuída à concomitante redução da
pressão esfincteriana anal relacionada ao avanço da idade
em decorrência do processo degenerativo muscular.
Quanto à progressivamente menor incidência de
pacientes portadores de fístulas anais relacionada à faixa
etária, observa-se idêntico perfil epidemiológico na
literatura com pico de incidência nas segunda e terceira
décadas, diminuição progressiva e redução importante a
partir dos 60 anos de idade (7). Em outro estudo
epidemiológico, Sainio et cols.
(3) relatam semelhanças acerca
da incidência, relacionada ao sexo e idade, dos
pacientes portadores de fístula anal.
Assim sendo, o resultado do presente
estudo epidemiológico demonstra um importante
valor potencial para a melhor compreensão da
fisiopatologia e conseqüentemente da história natural das
doenças anorretais comuns.
Summary: Aim of the study: To assess the prevalence of common
anorectal diseases regarding gender and age incidence. Methods: One thousand
twenty four patients with symptomatic hemorroids, anal fistula, anal fissure,
perianal thrombosis or perianal skin tags according rigid criteria by the same
observer were included in the present study. Results and Conclusions:
Fourty-four per cent of all patients who attended the Colo-Proctology
Outpatients Clinic during an eighty-eight months period had symptomatic common
anorectal diseases with predominance of females (59%). Greater incidence of
hemorroids, perianal thrombosis and anal fistula were found in men while anal
fissures and skin tags were predominant in women. A decrease of incidence with
advancing age suggested a possible non-degenerative component for those
disorders as well as the relevance of epidemiological data to understanding the
pathophysiology of anorectal diseases.
Key words: Anorectal diseases, hemorroids, anal fissures, anal fistula, epidemiology
REFERÊNCIAS
1. Arullani A, Berloco P, Alloni R, Altomare V & Ripetti
V. Clinical Manifestations and Diagnosis of hemorroids.
Ann Ital Chir 1995;66(6): 751-6.
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management and prognosis. Br J Surg 1977; (64):355-58.
3. Sainio P. Fistula-in-ano in a defined population.
Incidence and Epidemiological Aspects.Ann Chir Gynaecol
1984; 73(4):219-24
4. Pinho M, Altenburg F, Kleinubing H, Macedo CF,
Vedolin AC, Feistler RS. Trombose perianal não se relaciona
com doença hemorroidária. Revista do Colégio Brasileiro
de Cirurgiões 1999;26 (3): 131-4
5. Thomson WHF. The Nature of
Hemorroids.Br J Surg 1975; 62: 542-552
6. Johanson JF & Sonnenberg A. Constipation is not a risk
factor for hemorrhoids: a case control study of potential
etiological agents. Am J Surg 1994; 89 (11):1981-6.
7. Vasilevski CA & Gordon PH. Results of treatment of
fistula-in-ano. Dis Colon Rectum 1984; (28):
225231.
Endereço para correspondência:
Mauro de S. L. Pinho
Rua Palmares, 380
Joinville (SC) - 89 203-230
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia - Hospital Municipal São José - Joinville-SC e Disciplina de Clínica Cirúrgica _ Departamento de Medicina _ UNIVILLE - Joinville-SC