ARTIGOS ORIGINAIS
PAULO FIGUEIREDO BARRETO NETO - TSBCP
DIEGO CHAVES REZENDE MORAIS
GILBERTO ANDRADE TAVARES
DÊNIO JOSÉ DE SOUZA BISPO
JOSÉ MARIA MORAES DE SOUZA JÚNIOR
RESUMO: As lesões por trauma representam a 4ª causa de morte no Brasil. Neste contexto, assumem relevante importância as lesões colorretais que atingem principalmente a população jovem, economicamente ativa. Para melhor compreensão do tema, foi realizado estudo retrospectivo referente ao período de janeiro de 1998 a dezembro de 2000 no Hospital Geral João Alves Filho - Aracaju - SE, com levantamento de dados epidemiológicos referentes a 313 laparotomias exploradoras. Destas, 59 envolveram lesões de cólon e/ou reto, perfazendo um total de 18,9%. Os dados relacionados a tais laparotomias foram coletados dos arquivos da instituição citada, sendo analisados em relação ao sexo, faixa etária, procedência dos indivíduos, localização das lesões, manejo cirúrgico destas afecções, lesões associadas e complicações. Os resultados demonstraram nítida predominância do sexo masculino (93,2% dos casos), com maior incidência na faixa etária dos 21 aos 30 anos (49%). A maioria (61%) foi decorrente de trauma abdominal por arma branca, estando as lesões mais comumente localizadas no cólon transverso (51% dos pacientes). As lesões entéricas (51% dos casos) e gástricas (17%) foram as mais freqüentemente associadas ao trauma colorretal. Quanto ao manejo operatório, 5% dos pacientes foram submetidos a colostomia, sendo nos demais feito reparo primário das lesões colônicas e/ou retais. Cerca de 13,5% dos pacientes apresentaram complicações no pós-operatório, na grande maioria de natureza séptica, sendo a mortalidade de 5%. Os resultados encontrados demonstraram um perfil epidemiológico e dados de morbimortalidade compatíveis com os dados disponíveis na literatura, observando-se nítida predominância do reparo primário em relação à colostomia no manejo das lesões.
Unitermos: trauma colorretal, colostomia
As lesões por trauma constituem uma
relevante causa de mortalidade no Brasil e no mundo,
atingindo, em geral, parcela jovem da
população, economicamente ativa, levando muitas vezes a
seqüelas incapacitantes. Neste contexto, as lesões de cólon
e/ou reto estão presentes em média em 20% do total
de casos, com incidência cada vez maior
1.A função do cólon de promover a reabsorção de água do
conteúdo intestinal, seu alto conteúdo bacteriano e
sua vascularização relativamente escassa o colocam em
alto risco, sem importar o restante das lesões presentes e
o tornam "um dos mais susceptíveis dos órgãos
intra-abdominais" 2.
A grande maioria das lesões de cólon (80%)
é produzida por trauma abdominal penetrante,
embora mais de 10% dos pacientes com trauma
abdominal fechado também tenham lesão colônica
3-5. Com relação ao reto, as lesões penetrantes representam mais
de 95% de todas as feridas retais6, enquanto que o
trauma pélvico e o trauma abdominal fechados se
associam a um número pequeno de casos, porém de
alta mortalidade.
Vários avanços têm sido alcançados no que
diz respeito ao manejo operatório das lesões colônicas
e/ou retais, principalmente após a 2ª Guerra
Mundial7. O reparo primário e a colostomia são os dois
principais procedimentos terapêuticos para as lesões de cólon
e/ou reto, cada qual com suas vantagens e desvantagens.
O reparo primário é o procedimento mais desejável
por ser o de menor morbidade. Já a colostomia gera
a necessidade de reoperação em todos os
pacientes. Existem 3 técnicas básicas para realização
da colostomia: colostomia em alça, fístula mucosa
e procedimento de Hartmann, os quais são usados
a depender da gravidade e da topografia da
lesão8.
Stone e Fabian propuseram alguns critérios
que preconizam a realização da colostomia em
detrimento do reparo primário. São eles: choque com
pressão arterial pré-operatória
<80x50 mmHg, hemorragia intraperitoneal com perda sanguínea superior a
1000 ml, lesão associada de dois ou mais órgãos
intra-abdominais, contaminação peritoneal por fezes,
grau importante de destruição da lesão e operação
iniciada após 8 horas do trauma
9.
Entretanto, em vista do alto custo da
falha terapêutica em quaisquer destes procedimentos,
a análise dos riscos e benefícios tornou o tratamento
das lesões colônicas e/ou retais um dos mais
controversos assuntos na cirurgia do trauma
8.
Diante deste pressuposto, objetivou-se proceder a um estudo retrospectivo no Hospital
Geral João Alves Filho - Aracaju (SE), a fim de realizar
um levantamento de dados epidemiológicos referentes
ao trauma colorretal.
PACIENTES E MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo
referente ao período de janeiro de 1998 a dezembro de 2000
no Hospital Geral João Alves Filho _ Aracaju (SE),
com levantamento criterioso de 313 laparotomias exploradoras realizadas nesse intervalo. Destas,
59 (18,9%) foram incluídas em nosso estudo, sendo
o diagnóstico de trauma de cólon e/ou reto por meio
de laparotomia exploradora o único critério de
inclusão utilizado. Não houve nenhum critério de exclusão
dos pacientes em nosso estudo.
Os dados referentes a tais laparotomias
foram coletados a partir dos arquivos e
prontuários disponíveis na instituição citada, sendo analisados
em relação ao sexo, faixa etária e procedência
dos indivíduos, localização das lesões colônicas e/ou
retais, lesões abdominais associadas, manejo
cirúrgico adotado e complicações posteriormente
manifestadas pelos pacientes.
RESULTADOS
Dos 59 pacientes incluídos em nossa
casuística, 55 (93,2%) eram do sexo masculino, sendo a
maior incidência encontrada na faixa etária dos 21 aos
30 anos com 49% dos casos (Gráfico-1).
Percebeu-se uma maior procedência dos pacientes do interior de Sergipe (59,4%), em comparação a Aracaju (35,6%) e demais estados (5%). Com relação ao tipo de ferimento abdominal, constatou-se que 96,6% dos casos foram decorrentes de trauma abdominal penetrante por arma branca ou por arma de fogo, havendo em nossa casuísta apenas dois casos provocados por trauma abdominal fechado (Gráfico-2).
As lesões colônicas e/ou retais
encontradas estiveram mais freqüentemente localizadas em
colón transverso (59%), seguidas pelo colón sigmóide
(17%) e ceco (15%). Houve apenas 02 casos de
lesões envolvendo o reto e em 05 pacientes não
houve discriminação do local específico da injúria
colônica (Tabela-1).
Localização das |
Nº de Pacientes (%) |
Lesões Colorretais | |
Cólon Transverso | 30 (51) |
Cólon Sigmóide | 10 (17) |
Ceco | 9 (15) |
Cólon Ascendente | 5 (8,5) |
Cólon Descendente | 4 (7) |
Reto | 2 (3,5) |
As lesões entéricas (51% dos casos) e
gástricas (17%) foram as mais comumente associadas ao
trauma colorretal (Tabela-2).
Órgão | Nº de Pacientes (%) |
Intestino Delgado | 30 (51) |
Estômago | 10 (17) |
Fígado | 9 (15) |
Rim | 4 (7) |
Baço | 2 (3,5) |
Outras(diafragma, pâncreas, vasos) | 6 (10) |
Quanto ao manejo operatório, apenas 5%
dos pacientes foram submetidos a colostomia, sendo
nos demais feito apenas reparo primário. Do total
de pacientes, 79,7% tiveram tempo de internação de até
9 dias, sendo que os casos que exigiram maior tempo
de internação estiveram, em geral, relacionados
a ferimento abdominal por arma de fogo em que
outras lesões abdominais importantes estiveram
associadas ao trauma colorretal. Nenhum dos 3 pacientes em
que foi realizada colostomia apresentou complicações
no pós-operatório, sendo o tempo de internação
nestes sempre inferior a 10 dias.
Com relação a evolução pós-operatória
dos pacientes, 8 casos (13,5%) apresentaram
complicações após intervenção cirúrgica que foram, em sua
maioria, de natureza séptica (Tabela-3):
Três pacientes (5%) evoluíram para o
óbito cujas causas foram: choque hipovolêmico em 02
casos e choque séptico em 01.
Complicação
% de
Pacientes
Sepse
5,1
Deiscência de Sutura
3,4
Abscessos Intrabdominais
3,4
Hemorragia Digestiva
3,4
Infecção de Ferida
1,7
DISCUSSÃO
O cólon está em segundo lugar na
freqüência de órgãos abdominais lesados por ferimentos com
arma de fogo atrás apenas do intestino delgado e figura
em terceiro lugar na série de lesões abdominais por
arma branca após fígado e intestino
delgado10. O sexo masculino é sempre o mais acometido nos casos
de trauma colorretal com incidência de 93% dos
casos em nossa amostragem. Um fato importante de
ser mencionado é que grande porcentagem dos
pacientes atingidos encontra-se na faixa etária mais
produtiva de suas vidas, como se evidenciou em nosso
estudo, no qual 71% dos pacientes tinham entre 21 e 50 anos.
Isso representa um impacto econômico
significativo no que concerne a elevação de custos indiretos,
com perdas de produção decorrentes do tempo potencial
de trabalho perdido por causa da morbidade,
incapacidade e mortalidade provocadas pelo trauma.
Burch 11, em trabalho com 727 pacientes
sendo mais de 95% deles com trauma abdominal
penetrante, demonstrou uma maior associação do trauma
colorretal a lesões de intestino delgado (45%), fígado (21%)
e estômago (16%), dados compatíveis com
nossa casuística que evidenciou a ocorrência de
lesões entéricas em 51% dos casos, lesões hepáticas em
15% e gástricas em 17%. Já
Gross3 e George12 em 239 e
246 casos, respectivamente, de trauma colorretal
não-penetrante obtiveram maior associação deste
com lesões entéricas (46% e 48%,
respectivamente), hepáticas (25% e 35%, respectivamente) e
esplênicas (10% e 34%, respectivamente). Em nosso
levantamento tivemos apenas dois casos de trauma
abdominal fechado, os quais estiveram associados a lesões
de intestino delgado e bexiga.
Burch 11, Nallathambi
13 e Ross 3 demonstraram que as complicações de
natureza séptica e pulmonar foram as mais
freqüentemente associadas ao trauma colorretal, com ocorrência
em tais estudos de: abscessos abdominais (9%, 7% e
5%, respectivamente), infecção de ferida ( 5%, 15% e
5%), sepse ( 5%, não relatado e 9%), atelectasia (19%,
não relatado e 2%), pneumonia (3%, não relatado e
12%) e SARA-síndrome da angústia respiratória do
adulto (4%, não relatado e 6%). Em nosso trabalho,
as complicações mais prevalentes foram também
de natureza séptica com ocorrência de
abscessos abdominais (3,4% dos casos), infecção de
ferida (1,4%) e sepse (5,1%), não havendo relato
de complicações pulmonares em nossa
casuística. Levison14 em trabalho com 239 pacientes com
trauma colorretal penetrante obteve um índice de
morbidade de 12%, o qual é compatível com nossos dados
que evidenciaram 13,5% de morbidade associada ao trauma de cólon e/ou reto.
Do total de 59 pacientes acompanhados,
três, ou seja, 5% da amostra evoluíram para o óbito, o
que demonstra dados concordantes com a literatura
em estudos realizados no Charity Hospital, New
Orleans e no Grad Memorial Hospital com índices
de mortalidade de 11% e 7,8%, respectivamente
15.
Embora continue a controvérsia entre
os proponentes da sutura primária e da
colostomia, nenhuma destas duas escolas de pensamento sugere
que todas as lesões colônicas e/ou retais devam ser
manejadas através de uma única técnica. Na realidade, a
eleição final do tipo de cirurgia a ser feita deve levar
em consideração a experiência do profissional (16)
e critérios estabelecidos que favoreçam a execução de
um dos diversos procedimentos terapêuticos
disponíveis, como aqueles propostos por Stone e Fabian, além
de classificações que busquem uma padronização
de condutas, como a Escala de Trauma de Cólon
adotada pela Associação Americana de Cirurgiões de Trauma,
a qual os subdivide nos seguintes graus:
grau I: hematoma sem desvascularização e/ou l -
aceração sem perfuração; grau II: laceração
< 50% da circunferência; grau III: laceração > 50%
da circunferência; grau IV: transecção de cólon;
grau V: transecção de cólon com perda tecidual
O reparo primário é, na atualidade, o
método mais utilizado para o tratamento das lesões civis,
com porcentagem de reparo primário das lesões de 76%,
61% e 93% em ensaios randomizados de
Ross3, Burch11 e
George12, respectivamente. Em nosso trabalho,
teve-se uma predominância bastante nítida do reparo
primário em relação a colostomia, sendo o mesmo feito em
95% dos pacientes. Esses resultados demonstram a
tendência geral para a reparação primária das lesões do cólon
e/ou reto nos ferimentos por arma branca ou nas lesões
por arma de fogo de baixa velocidade, ficando a
colostomia reservada para situações específicas. Vale destacar
que no presente estudo nenhum dos três
pacientes colostomizados apresentou complicações no
pós-operatório e que tais casos envolveram lesões do
cólon sigmóide (01 caso) e reto (02 casos), fortalecendo a
idéia de que embora todas as técnicas sejam aplicáveis
a qualquer segmento do cólon e/ou reto, a maioria
dos cirurgiões trata os vários componentes anatômicos
do cólon e/ou reto com alguma distinção própria, como
é enfatizado recentemente por Burch e cols. a partir
de ampla revisão com 727 pacientes
11.
CONCLUSÃO
Os resultados encontrados demonstraram um perfil epidemiológico, assim como dados
de morbimortalidade, compatíveis com os
dados disponíveis na literatura, observando-se uma
nítida predominância do reparo primário em relação
a colostomia no manejo cirúrgico do trauma colorretal.
SUMARY: The lesions from trauma represent the forth death cause in Brazil. In this context, colon-rectum lesions affect young people in work market. For better understanding, a study was conducted between January up to December 2000 at Joao Alves Filho Hospital _ Aracaju City State of Sergipe, Brazil, with collection of epidemiological data from 313 laparotomies. About these laparotomies, 59 involved lesions of colon and/or rectum, resulting in a total of 18,9%. The data related to these laparotomies were obtained from the institution´ s files. In the analysis, the following criteria were taken into account: gender, age, origen of the individuals, the localization of the lesions, surgical handling of the injuries, associated lesions and complications. The results showed the males (93,2%) from 21 to 30 years-old (49%) as being more affected by these lesions. Most of the cases (61%) were trigged due to abdominal trauma by the use of white weapon, being the most common lesions located in the transverse colon (51% of the patients). The small intestine lesions (51% of the cases) and gastric lesions (17%) were most frequently associated to the colon-rectum trauma. As for the surgical handling techniques, only 5% of the patients were submitted to colostomy, the others had primary repair of the colon and/or rectum lesions. Near by 13,5% of patients showed post-operatory complications of septic nature. But 5% of all the estudead cases resulted in death. The results demonstrated that the epidemiological profile and the data of morbidity-mortality were compatible with the literature, observing clear predominance of the primary repair comparing to the colostomy in the management of the lesions.
Key words: colon-rectum trauma, colostomy
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Moore EE, Cogbill TH, Malangoni MA & et al: Organ
Injury Scaling II: Pancreas, Duodenum, amall bowel, colon
and Rectum. J Trauma 1990; 30: 1427-1429.
2. Complications in Surgery & Trauma, Greenfield 2ª edição.
3. Ross S & Hoyt DB: Blunt colonic injury - a multicenter
review. J Trauma 1992; 33: 379-384.
4. Howell HS: Blunt trauma involving the colon and
rectum. J Trauma 1976; 16: 624-632.
5. Appleby JP & Nagy AG: Abdominal injuries associated
with the use of seatbelts. Am J Surg 1989; 157: 457-458.
6. Mangiante EC, Graham AD & Fabian TC: Rectal
gunshot wounds-management of civilian injuries.
Am J Surg 1986; 52:37.
7. Woodhall JP & Ochsner A: The management of
perforating injuries of the colon and rectum in civilian practice.
Surgery 1951; 29:305.
8. Feliciano DV, Moore EE & Mattox KL: Trauma. 3ª
edição, Ed. Appleton &
Lange, Stamford, 1996; 34:595.
9. Stone HH & Fabian TC: Management of perforating
colon trauma; randomization between primary closure and
exteriorization. Am Surg 1979; 190:430.
10. Sabiston DC & Lyerl HK: Tratado de Cirurgia, Volume 1,
15a Edição. Ed. Guanabara
Koogan, Rio de janeiro 1999: 305-307.
11. Bruch JM: The injured Colon. Ann Surg
1986; 203:701-711.12. George SM: Colon Trauma: further support for primary
repair. Am J Surg 1988; 156: 16-20.
13. Nallathambi MN, Ivatury RR, Stahl WM & et al:
Penetrating right colon trauma. The ever diminishing role for
colostomy. Am Surg 1987; 53:209-214.
14. Levison MA, Thomas DD, Wiencek RG & et al:
Management of injured colon: evolving practice at an urban
trauma center. J Trauma 1990; 30: 247-253.
15. Mattox KL, Moore EE, Feliciano DV: Trauma. Norwlk,
CT. Appleton & Lange, 1988: 495.
16. Fallon WF, The present role of colostomy in the
management of Trauma. Dis Col Rectum 1992; 35:1094-1102.
Endereço para correspondência
Diego Chaves Rezende Morais
Rua Dom Bosco, 95 Bairro Cirurgia
49000-000 _ Aracaju (SE)
E-mail: diego_rezende@hotmail.com
Trabalho realizado no Hospital Geral João Alves Filho sob orientação da equipe técnica de Proctologia do Hospital Universitário de Sergipe.