ARTIGOS ORIGINAIS


TRAUMA COLORRETAL-ESTUDO RETROSPECTIVO

PAULO FIGUEIREDO BARRETO NETO - TSBCP
DIEGO CHAVES REZENDE MORAIS
GILBERTO ANDRADE TAVARES
DÊNIO JOSÉ DE SOUZA BISPO
JOSÉ MARIA MORAES DE SOUZA JÚNIOR


BARRETO NETO PF, MORAIS DCR, TAVARES GA, BISPO DJS, SOUZA JR. JMM. Trauma Colorretal: Estudo retrospectivo. Rev bras Coloproct, 2002(3):170-174

RESUMO: As lesões por trauma representam a 4ª causa de morte no Brasil. Neste contexto, assumem relevante importância as lesões colorretais que atingem principalmente a população jovem, economicamente ativa. Para melhor compreensão do tema, foi realizado estudo retrospectivo referente ao período de janeiro de 1998 a dezembro de 2000 no Hospital Geral João Alves Filho - Aracaju - SE, com levantamento de dados epidemiológicos referentes a 313 laparotomias exploradoras. Destas, 59 envolveram lesões de cólon e/ou reto, perfazendo um total de 18,9%. Os dados relacionados a tais laparotomias foram coletados dos arquivos da instituição citada, sendo analisados em relação ao sexo, faixa etária, procedência dos indivíduos, localização das lesões, manejo cirúrgico destas afecções, lesões associadas e complicações. Os resultados demonstraram nítida predominância do sexo masculino (93,2% dos casos), com maior incidência na faixa etária dos 21 aos 30 anos (49%). A maioria (61%) foi decorrente de trauma abdominal por arma branca, estando as lesões mais comumente localizadas no cólon transverso (51% dos pacientes). As lesões entéricas (51% dos casos) e gástricas (17%) foram as mais freqüentemente associadas ao trauma colorretal. Quanto ao manejo operatório, 5% dos pacientes foram submetidos a colostomia, sendo nos demais feito reparo primário das lesões colônicas e/ou retais. Cerca de 13,5% dos pacientes apresentaram complicações no pós-operatório, na grande maioria de natureza séptica, sendo a mortalidade de 5%. Os resultados encontrados demonstraram um perfil epidemiológico e dados de morbimortalidade compatíveis com os dados disponíveis na literatura, observando-se nítida predominância do reparo primário em relação à colostomia no manejo das lesões.

Unitermos: trauma colorretal, colostomia

As lesões por trauma constituem uma relevante causa de mortalidade no Brasil e no mundo, atingindo, em geral, parcela jovem da população, economicamente ativa, levando muitas vezes a seqüelas incapacitantes. Neste contexto, as lesões de cólon e/ou reto estão presentes em média em 20% do total de casos, com incidência cada vez maior 1.A função do cólon de promover a reabsorção de água do conteúdo intestinal, seu alto conteúdo bacteriano e sua vascularização relativamente escassa o colocam em alto risco, sem importar o restante das lesões presentes e o tornam "um dos mais susceptíveis dos órgãos intra-abdominais" 2.
    A grande maioria das lesões de cólon (80%) é produzida por trauma abdominal penetrante, embora mais de 10% dos pacientes com trauma abdominal fechado também tenham lesão colônica 3-5. Com relação ao reto, as lesões penetrantes representam mais de 95% de todas as feridas retais6, enquanto que o trauma pélvico e o trauma abdominal fechados se associam a um número pequeno de casos, porém de alta mortalidade.
    Vários avanços têm sido alcançados no que diz respeito ao manejo operatório das lesões colônicas e/ou retais, principalmente após a 2ª Guerra Mundial7. O reparo primário e a colostomia são os dois principais procedimentos terapêuticos para as lesões de cólon e/ou reto, cada qual com suas vantagens e desvantagens. O reparo primário é o procedimento mais desejável por ser o de menor morbidade. Já a colostomia gera a necessidade de reoperação em todos os pacientes. Existem 3 técnicas básicas para realização da colostomia: colostomia em alça, fístula mucosa e procedimento de Hartmann, os quais são usados a depender da gravidade e da topografia da lesão8.
    Stone e Fabian propuseram alguns critérios que preconizam a realização da colostomia em detrimento do reparo primário. São eles: choque com pressão arterial pré-operatória <80x50 mmHg, hemorragia intraperitoneal com perda sanguínea superior a 1000 ml, lesão associada de dois ou mais órgãos intra-abdominais, contaminação peritoneal por fezes, grau importante de destruição da lesão e operação iniciada após 8 horas do trauma 9.
    Entretanto, em vista do alto custo da falha terapêutica em quaisquer destes procedimentos, a análise dos riscos e benefícios tornou o tratamento das lesões colônicas e/ou retais um dos mais controversos assuntos na cirurgia do trauma 8.
    Diante deste pressuposto, objetivou-se proceder a um estudo retrospectivo no Hospital Geral João Alves Filho - Aracaju (SE), a fim de realizar um levantamento de dados epidemiológicos referentes ao trauma colorretal.

PACIENTES E MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo referente ao período de janeiro de 1998 a dezembro de 2000 no Hospital Geral João Alves Filho _ Aracaju (SE), com levantamento criterioso de 313 laparotomias exploradoras realizadas nesse intervalo. Destas, 59 (18,9%) foram incluídas em nosso estudo, sendo o diagnóstico de trauma de cólon e/ou reto por meio de laparotomia exploradora o único critério de inclusão utilizado. Não houve nenhum critério de exclusão dos pacientes em nosso estudo.
    Os dados referentes a tais laparotomias foram coletados a partir dos arquivos e prontuários disponíveis na instituição citada, sendo analisados em relação ao sexo, faixa etária e procedência dos indivíduos, localização das lesões colônicas e/ou retais, lesões abdominais associadas, manejo cirúrgico adotado e complicações posteriormente manifestadas pelos pacientes.

RESULTADOS
Dos 59 pacientes incluídos em nossa casuística, 55 (93,2%) eram do sexo masculino, sendo a maior incidência encontrada na faixa etária dos 21 aos 30 anos com 49% dos casos (Gráfico-1).



    

    Percebeu-se uma maior procedência dos pacientes do interior de Sergipe (59,4%), em comparação a Aracaju (35,6%) e demais estados (5%). Com relação ao tipo de ferimento abdominal, constatou-se que 96,6% dos casos foram decorrentes de trauma abdominal penetrante por arma branca ou por arma de fogo, havendo em nossa casuísta apenas dois casos provocados por trauma abdominal fechado (Gráfico-2).


    As lesões colônicas e/ou retais encontradas estiveram mais freqüentemente localizadas em colón transverso (59%), seguidas pelo colón sigmóide (17%) e ceco (15%). Houve apenas 02 casos de lesões envolvendo o reto e em 05 pacientes não houve discriminação do local específico da injúria colônica (Tabela-1).

Localização das

Nº de Pacientes (%)

Lesões Colorretais
Cólon Transverso 30 (51)
Cólon Sigmóide 10 (17)
Ceco 9 (15)
Cólon Ascendente 5 (8,5)
Cólon Descendente 4 (7)
Reto 2 (3,5)
Tabela 1 _ Localização das Lesões Colorretais


    As lesões entéricas (51% dos casos) e gástricas (17%) foram as mais comumente associadas ao trauma colorretal (Tabela-2).

Órgão  Nº de Pacientes (%)
Intestino Delgado 30 (51)
Estômago  10 (17)
Fígado  9 (15)
Rim  4 (7)
Baço  2 (3,5)
Outras(diafragma, pâncreas, vasos) 6 (10)
Tabela 2 _ Lesões Abdominais Associadas ao Trauma Colorretal


    Quanto ao manejo operatório, apenas 5% dos pacientes foram submetidos a colostomia, sendo nos demais feito apenas reparo primário. Do total de pacientes, 79,7% tiveram tempo de internação de até 9 dias, sendo que os casos que exigiram maior tempo de internação estiveram, em geral, relacionados a ferimento abdominal por arma de fogo em que outras lesões abdominais importantes estiveram associadas ao trauma colorretal. Nenhum dos 3 pacientes em que foi realizada colostomia apresentou complicações no pós-operatório, sendo o tempo de internação nestes sempre inferior a 10 dias.
    Com relação a evolução pós-operatória dos pacientes, 8 casos (13,5%) apresentaram complicações após intervenção cirúrgica que foram, em sua maioria, de natureza séptica (Tabela-3):
    Três pacientes (5%) evoluíram para o óbito cujas causas foram: choque hipovolêmico em 02 casos e choque séptico em 01.

Complicação  % de Pacientes
Sepse  5,1
Deiscência de Sutura 3,4
Abscessos Intrabdominais 3,4
Hemorragia Digestiva 3,4
Infecção de Ferida 1,7
Tabela 3 _ Morbidade Associada ao Trauma Colorretal

DISCUSSÃO
O cólon está em segundo lugar na freqüência de órgãos abdominais lesados por ferimentos com arma de fogo atrás apenas do intestino delgado e figura em terceiro lugar na série de lesões abdominais por arma branca após fígado e intestino delgado10. O sexo masculino é sempre o mais acometido nos casos de trauma colorretal com incidência de 93% dos casos em nossa amostragem. Um fato importante de ser mencionado é que grande porcentagem dos pacientes atingidos encontra-se na faixa etária mais produtiva de suas vidas, como se evidenciou em nosso estudo, no qual 71% dos pacientes tinham entre 21 e 50 anos. Isso representa um impacto econômico significativo no que concerne a elevação de custos indiretos, com perdas de produção decorrentes do tempo potencial de trabalho perdido por causa da morbidade, incapacidade e mortalidade provocadas pelo trauma.
    Burch 11, em trabalho com 727 pacientes sendo mais de 95% deles com trauma abdominal penetrante, demonstrou uma maior associação do trauma colorretal a lesões de intestino delgado (45%), fígado (21%) e estômago (16%), dados compatíveis com nossa casuística que evidenciou a ocorrência de lesões entéricas em 51% dos casos, lesões hepáticas em 15% e gástricas em 17%. Já Gross3 e George12 em 239 e 246 casos, respectivamente, de trauma colorretal não-penetrante obtiveram maior associação deste com lesões entéricas (46% e 48%, respectivamente), hepáticas (25% e 35%, respectivamente) e esplênicas (10% e 34%, respectivamente). Em nosso levantamento tivemos apenas dois casos de trauma abdominal fechado, os quais estiveram associados a lesões de intestino delgado e bexiga.
    Burch 11, Nallathambi 13 e Ross 3 demonstraram que as complicações de natureza séptica e pulmonar foram as mais freqüentemente associadas ao trauma colorretal, com ocorrência em tais estudos de: abscessos abdominais (9%, 7% e 5%, respectivamente), infecção de ferida ( 5%, 15% e 5%), sepse ( 5%, não relatado e 9%), atelectasia (19%, não relatado e 2%), pneumonia (3%, não relatado e 12%) e SARA-síndrome da angústia respiratória do adulto (4%, não relatado e 6%). Em nosso trabalho, as complicações mais prevalentes foram também de natureza séptica com ocorrência de abscessos abdominais (3,4% dos casos), infecção de ferida (1,4%) e sepse (5,1%), não havendo relato de complicações pulmonares em nossa casuística. Levison14 em trabalho com 239 pacientes com trauma colorretal penetrante obteve um índice de morbidade de 12%, o qual é compatível com nossos dados que evidenciaram 13,5% de morbidade associada ao trauma de cólon e/ou reto.
    Do total de 59 pacientes acompanhados, três, ou seja, 5% da amostra evoluíram para o óbito, o que demonstra dados concordantes com a literatura em estudos realizados no Charity Hospital, New Orleans e no Grad Memorial Hospital com índices de mortalidade de 11% e 7,8%, respectivamente 15.
    Embora continue a controvérsia entre os proponentes da sutura primária e da colostomia, nenhuma destas duas escolas de pensamento sugere que todas as lesões colônicas e/ou retais devam ser manejadas através de uma única técnica. Na realidade, a eleição final do tipo de cirurgia a ser feita deve levar em consideração a experiência do profissional (16) e critérios estabelecidos que favoreçam a execução de um dos diversos procedimentos terapêuticos disponíveis, como aqueles propostos por Stone e Fabian, além de classificações que busquem uma padronização de condutas, como a Escala de Trauma de Cólon adotada pela Associação Americana de Cirurgiões de Trauma, a qual os subdivide nos seguintes graus:
grau I: hematoma sem desvascularização e/ou l - aceração sem perfuração; grau II: laceração < 50% da circunferência; grau III: laceração > 50% da circunferência; grau IV: transecção de cólon; grau V: transecção de cólon com perda tecidual
    O reparo primário é, na atualidade, o método mais utilizado para o tratamento das lesões civis, com porcentagem de reparo primário das lesões de 76%, 61% e 93% em ensaios randomizados de Ross3, Burch11 e George12, respectivamente. Em nosso trabalho, teve-se uma predominância bastante nítida do reparo primário em relação a colostomia, sendo o mesmo feito em 95% dos pacientes. Esses resultados demonstram a tendência geral para a reparação primária das lesões do cólon e/ou reto nos ferimentos por arma branca ou nas lesões por arma de fogo de baixa velocidade, ficando a colostomia reservada para situações específicas. Vale destacar que no presente estudo nenhum dos três pacientes colostomizados apresentou complicações no pós-operatório e que tais casos envolveram lesões do cólon sigmóide (01 caso) e reto (02 casos), fortalecendo a idéia de que embora todas as técnicas sejam aplicáveis a qualquer segmento do cólon e/ou reto, a maioria dos cirurgiões trata os vários componentes anatômicos do cólon e/ou reto com alguma distinção própria, como é enfatizado recentemente por Burch e cols. a partir de ampla revisão com 727 pacientes 11.

CONCLUSÃO
Os resultados encontrados demonstraram um perfil epidemiológico, assim como dados de morbimortalidade, compatíveis com os dados disponíveis na literatura, observando-se uma nítida predominância do reparo primário em relação a colostomia no manejo cirúrgico do trauma colorretal.

SUMARY: The lesions from trauma represent the forth death cause in Brazil. In this context, colon-rectum lesions affect young people in work market. For better understanding, a study was conducted between January up to December 2000 at Joao Alves Filho Hospital _ Aracaju City State of Sergipe, Brazil, with collection of epidemiological data from 313 laparotomies. About these laparotomies, 59 involved lesions of colon and/or rectum, resulting in a total of 18,9%. The data related to these laparotomies were obtained from the institution´ s files. In the analysis, the following criteria were taken into account: gender, age, origen of the individuals, the localization of the lesions, surgical handling of the injuries, associated lesions and complications. The results showed the males (93,2%) from 21 to 30 years-old (49%) as being more affected by these lesions. Most of the cases (61%) were trigged due to abdominal trauma by the use of white weapon, being the most common lesions located in the transverse colon (51% of the patients). The small intestine lesions (51% of the cases) and gastric lesions (17%) were most frequently associated to the colon-rectum trauma. As for the surgical handling techniques, only 5% of the patients were submitted to colostomy, the others had primary repair of the colon and/or rectum lesions. Near by 13,5% of patients showed post-operatory complications of septic nature. But 5% of all the estudead cases resulted in death. The results demonstrated that the epidemiological profile and the data of morbidity-mortality were compatible with the literature, observing clear predominance of the primary repair comparing to the colostomy in the management of the lesions.

Key words: colon-rectum trauma, colostomy

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Moore EE, Cogbill TH, Malangoni MA & et al: Organ Injury Scaling II: Pancreas, Duodenum, amall bowel, colon and Rectum. J Trauma 1990; 30: 1427-1429.
2. Complications in Surgery & Trauma, Greenfield 2ª edição.
3. Ross S & Hoyt DB: Blunt colonic injury - a multicenter review. J Trauma 1992; 33: 379-384.
4. Howell HS: Blunt trauma involving the colon and rectum. J Trauma 1976; 16: 624-632.
5. Appleby JP & Nagy AG: Abdominal injuries associated with the use of seatbelts. Am J Surg 1989; 157: 457-458.
6. Mangiante EC, Graham AD & Fabian TC: Rectal gunshot wounds-management of civilian injuries. Am J Surg 1986; 52:37.
7. Woodhall JP & Ochsner A: The management of perforating injuries of the colon and rectum in civilian practice. Surgery 1951; 29:305.
8. Feliciano DV, Moore EE & Mattox KL: Trauma. 3ª edição, Ed. Appleton & Lange, Stamford, 1996; 34:595.
9. Stone HH & Fabian TC: Management of perforating colon trauma; randomization between primary closure and exteriorization. Am Surg 1979; 190:430.
10. Sabiston DC & Lyerl HK: Tratado de Cirurgia, Volume 1, 15a Edição. Ed. Guanabara Koogan, Rio de janeiro 1999: 305-307.
11. Bruch JM: The injured Colon. Ann Surg 1986; 203:701-711.12. George SM: Colon Trauma: further support for primary repair. Am J Surg 1988; 156: 16-20.
13. Nallathambi MN, Ivatury RR, Stahl WM & et al: Penetrating right colon trauma. The ever diminishing role for colostomy. Am Surg 1987; 53:209-214.
14. Levison MA, Thomas DD, Wiencek RG & et al: Management of injured colon: evolving practice at an urban trauma center. J Trauma 1990; 30: 247-253.
15. Mattox KL, Moore EE, Feliciano DV: Trauma. Norwlk, CT. Appleton & Lange, 1988: 495.
16. Fallon WF, The present role of colostomy in the management of Trauma. Dis Col Rectum 1992; 35:1094-1102.

Endereço para correspondência
Diego Chaves Rezende Morais
Rua Dom Bosco, 95 Bairro Cirurgia
49000-000 _ Aracaju (SE)
E-mail: diego_rezende@hotmail.com 

Trabalho realizado no Hospital Geral João Alves Filho sob orientação da equipe técnica de Proctologia do Hospital Universitário de Sergipe.