ARTIGOS ORIGINAIS
ERIVALDO FERNANDES LIRA -ASBCP
MANUEL DA SILVA RESENDE -TSBCP
MURILO BOAVISTA PESSOA MENDES-TSBCP
JOSÉ JUVENAL DE ARAÚJO -TSBCP
FERNANDO GONÇALVES LYRIO -TSBCP
AQUILES LEITE VIANA -ASBCP
RICARDO SAMPAIO BOAVENTURA -ASBCP
PAULO CESAR SALES
RESUMO: Os autores apresentam um estudo retrospectivo de 521 pacientes com câncer ginecológico, atendidos no período
de fevereiro de 1987 a abril de 1996, sendo que apenas 477 eram portadores de câncer de colo uterino. A análise deste grupo
mostrou uma faixa etária que variou de 18 a 89 anos com média de 50,5 anos. Em 299 (62,7%) dos casos não havia nenhuma queixa
proctológica. As queixas mais freqüentes eram constipação intestinal em 101 (56,7%) e sangramento retal em 41 (23%). Havia invasão do reto
em 19 (3,98%) casos. O toque retal encontrava-se alterado em 18 pacientes (3,77%) e a retossigmoidoscopia em 10 (2,09%). A
única lesão que o toque não conseguiu alcançar estava localizada a 12cm da margem anal.
Mesmo com a baixa probabilidade de invasão retal pelo câncer do colo uterino, só o exame proctológico
com retossigmoidoscopia e biópsia permite a confirmação diagnóstica.
Unitermos: exame proctológico, câncer de colo uterino, estadiamento
O carcinoma do colo uterino é a
segunda neoplasia ginecológica mais freqüente em mulheres
no Brasil, tendo sido responsável por 3.282 mortes
em 1996, segundo dados do Ministério da Saúde.
O diagnóstico tardio desta patologia, comum nas
cidades subdesenvolvidas do país, é o principal
responsável por essas taxas de
mortalidade (6) .
O exame proctológico faz parte do estadiamento do câncer do colo
uterino, correspondendo na nossa casuística a 72 (8,4%)
dos 856 novos atendimentos no ambulatório
de Coloproctologia durante o ano de 1997.
Atualmente muitos autores questionam a
utilização rotineira dos exames historicamente padrões
para estadiamento do câncer do colo uterino,
destacando-se a cistoscopia, enema baritado,
linfangiografia, urografia excretora e o exame proctológico, em
vista da melhor qualidade das imagens oferecidas
pela tomografia computadorizada e a ressonância
magnética. 2-5,7,8,10,11
Tendo em vista estes aspectos avaliamos
neste trabalho os resultados de nossa experiência.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram revisadas, retrospectivamente,
521 fichas de pacientes portadoras de câncer
ginecológico no período de fevereiro de 1987 a abril de 1996.
Deste total foram excluídas 44 pacientes portadoras de
outros tipos de câncer ginecológico, ficando 477
pacientes com câncer de colo uterino, que foram então
analisadas. Em todas estas pacientes eram realizadas
inspeção, toque, anuscopia e retossigmoidoscopia rígida,
após preparo intestinal com 130ml de difosfato de
sódio, duas horas antes do exame. A
retossigmoidoscopia completa (25cm) não era feita quando a massa
tumoral projetava-se, abaulando a parede anterior do reto
ou estenosando-a, impedindo a retificação ou
passagem do aparelho. As biópsias eram efetuadas em todos
os casos com suspeita de invasão da mucosa do reto.
RESULTADOS
Nos 477 casos a idade média foi de 50,5
anos com extremos de 18 e 89 anos.
Cento e setenta e oito pacientes (37,3%)
tinham sintomas proctológicos (Tabela-1), destacando-se,
pela maior incidência, a constipação intestinal em
101 (56,7%) seguindo de sangramento retal em 41
(23%). O sangramento vaginal em 105 (58,9%) foi a
queixa ginecológica mais freqüente entre essas 178
pacientes citadas, além de tumoração abdominal em 14 (7,8%)
e dor pélvica em 9 (5%), sendo estes dois
últimos indicativos clínicos de câncer avançado.
Quanto ao exame proctológico, este
evidenciou comprometimento do reto em 19 (3,98%) casos
dos 477 avaliados, sendo a inspeção normal em todos,
o toque alterado em 18 (3,77%) e a
retossigmoidoscopia em 10 (2,09%). O toque não conseguiu detectar a
lesão em apenas 1 paciente, localizada a 12cm da
margem anal. Entre os 19 casos com invasão do reto apenas
1 foi diagnosticado exclusivamente pela retossigmoidoscopia.
N.º | % | |
Sangramento retal | 41 | 23 |
Constipação | 101 | 56,7 |
Tenesmo | 06 | 3,4 |
Diarréia | 03 | 1,7 |
Dor retal | 11 | 6,2 |
Alteração do ritmo intestinal | 10 | 5,6 |
Alteração do calibre das fezes | 03 | 1,7 |
Outros | 03 | 1,7 |
Total | 178 | 100 |
DISCUSSÃO
O estadiamento do câncer do colo
uterino diverge dos demais cânceres ginecológicos, pois é
feito pré-operatoriamente, já que há um maior benefício
das pacientes quando tratadas com cirurgia nas lesões
de estágio inicial e radioterapia nos casos de
tumores avançados. Desta forma o estadiamento preciso
da doença é de extrema importância. Mesmo assim
existe uma discrepância de pelo menos 50% entre
o estadiamento clínico e o
pós-operatório. 2
Estudando as queixas proctológicas
das pacientes cujo exame mostrou suspeita de invasão
retal, podemos observar que a constipação intestinal
ocorreu em 08 casos de um total de dezenove, porém em
todos eles o sintoma já existia antes do aparecimento da
doença atual, significando portanto, que é um dado
pouco confiável no estadiamento clínico
destas doentes. O sangramento retal estava presente em 06 dos 19
casos, sendo que em 01 deles o sangue era proveniente
da vagina através de uma fístula retovaginal. O tenesmo
foi descrito em 03 dos 19 casos com
comprometimento retal, representando 50% das queixas de
tenesmo em pacientes com câncer de colo uterino, devendo o
médico ficar alerta quanto à possibilidade de
comprometimento retal. A alteração do calibre das fezes, presente em
03 destes dezenove casos, foi uma queixa exclusiva
entre as pacientes com comprometimento retal pelo tumor
de colo uterino. Todas estas pacientes tinham
estenose importante da luz do reto, que impedia a passagem
do retossigmoidoscópio.
O trabalho realizado por Sotto e
Cols.9, após análise de 108 autópsias de pacientes falecidas
com câncer de colo uterino, mostrou que o reto, apesar
da sua proximidade com os órgãos ginecológicos, é
pouco acometido (14,1%), sendo a bexiga afetada pelo
menos duas vezes mais do que o reto.
Essa casuística, contudo, ainda é bem
menor, quando analisamos o trabalho de Magliano e
Goldenstein6, em pacientes vivas, cuja taxa de
comprometimento retal, com confirmação histopatológica,
foi de 3,91% muito semelhante à taxa encontrada em
nosso trabalho (3,98%).
Pela proximidade do colo uterino ao reto
baixo, a maioria das suspeitas diagnósticas pode ser dada
pelo simples toque retal, como ocorreu em nossos
casos, em que apenas um, cuja lesão, que estava localizada
a 12cm da margem anal, não foi evidenciada. Assim,
pela simplicidade de execução e alta
sensibilidade diagnóstica do toque retal, destacamos a
importância da sua realização por qualquer profissional médico.
Apesar de ter sido positivo em 10 casos, e
que em apenas 01 foi diagnóstico exclusivo, o
exame retossigmoidoscópico não perde o seu valor, pois
torna-se um instrumento complementar, permitindo a realização de biópsias das áreas suspeitas para
posterior confirmação, além de diagnosticar lesões
não alcançáveis ao toque retal. Além disto, podem
existir áreas endoscópicas suspeitas, com alterações
mais discretas na mucosa que só podem ser
diagnosticadas através da visualização direta, como destaca
Bortolucci 1 o que pode ter ocorrido em nosso trabalho,
reduzindo a positividade pela retossigmoidoscopia.
Muitos trabalhos na literatura tentam
provar que a utilização de exames de imagem,
como tomografia computadorizada (TC) ou
ressonância nuclear magnética (RNM), são melhores para
avaliação dos tumores de colo uterino, comparando-se
aos exames padrões, demonstrando taxas gerais
de sensibilidade de 57% e especificidade de 79% para
a TC 5, sendo a RNM ainda superior no diagnóstico
do tumor na avaliação de invasão de paramétrios e
na avaliação dos linfonodos pélvicos
4,10.
Esses exames ainda podem apresentar um menor custo para a paciente e a instituição,
quando comparados com a avaliação pré-operatória
padrão3. Julgamos, contudo, que a realidade da maior parte
do Brasil ainda está longe disto e só a
retossigmoidoscopia juntamente com a biópsia e o histopatológico
irão confirmar o diagnóstico invasivo da lesão.
SUMARY: The authors present a retrospective study of 521 patients with gynecologic cancer, conducted between February,
1987 and April, 1996, from which 477 had carcinoma of the uterine cervix. The analysis of this group showed that the medium age
was 50,5 years (range from 18 to 89 years). In 299 patients (62,7%) there were no proctologic symptoms, constipation in 101 (56,7%)
and bleeding in 41 (23%). It was observed rectal involvement in 19 (3,98%) of the cases. The digital examination was modified in
18 patients (3,77%) and the sigmoidoscopy in 10 (2,09%). The unique lesion that wasn't felt in the digital examination was located
at 12 cm from the anal margin.
Although the low probability of rectal involvement from carcinoma of the uterine cervix, only the proctologic exam
with sigmoidoscopy and biopsy permit a certain diagnosis.
Key words: digital and proctossigmidoscopic examination, uterine cervix carcinoma, staging of uterine cervical carcinoma
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Endereço para correspondência
Erivaldo Fernandes Lira
AOS 6, BLOCO A - AP 510
70000-000 Brasília-DF.
Tel.: (61) 325-4393
Trabalho realizado na Unidade de Coloproctologia do Hospital de Base do DF