ARTIGOS ORIGINAIS
João Carlos Magi -
TSBCP
Doracy Aparecida de Souza Magi
Lucimar Maria Chacon Reche -FSBCP
Thaís Falavinha
Grigna Teixeira de Carvalho
RESUMO: O HPV ano-retal na forma subclínica tem alta incidência e é considerado uma lesão pré-cancerígena. Os autores descrevem o exame de anuscopia com exacerbação para diagnóstico de HPV ano-retal na forma subclínica e os resultados em pacientes não promíscuos e HIV negativos. O objetivo é descrever o exame, demonstrar sua importância e a viabilidade de ser incorporado à rotina do especialista em Coloproctologia. Concluem que o exame é viável e importante instrumento para o diagnóstico de HPV subclínico ano-retal.
Unitermos: HPV ano-retal, diagnóstico HPV anal, HPV subclínico, anuscopia HPV, papilomavírus humano anal
O papilomavírus humano é a doença
viral sexualmente transmissível mais comum,
sendo também, na região anal, considerada doença
pré-cancerígena
3,5,6,10-12.
Acredita-se que cerca de 20% da
população sexualmente ativa esteja infectada, sendo
sua manifestação clinica e evolução, resultante de
uma interação entre a cepa viral, sítio da infecção
e resistência do hospedeiro
1,2,11,13,14.
O seu diagnóstico e tratamento é
ainda precário, levando a traumas psico-sociais e físicos,
com repercussões na produtividade, sexualidade,
equilíbrio sócio-familiar e outros índices de saúde, bem como
o aumento da incidência de câncer
1,2,4,11,14.
O combate a esta endemia passa por um processo de educação da população e de
profissionais, pela experiência do examinador, do
anátomo-patologista e da equipe multiprofissional,
por investimentos que possibilitem melhoria das
técnicas diagnósticas e métodos terapêuticos, de modo
a barateá-las, dando-lhes maior especificidade
e possibilidade de cura mais rápida
1,2,7-9,12,14.
O objetivo dos autores é demonstrar que
é viável para o especialista incorporar o exame
de anuscopia com exacerbação para diagnóstico de
HPV ano-retal na forma subclínica à sua rotina, já que é
de simples execução, barato e a doença acomete
com freqüência pacientes sem lesões visíveis à
anuscopia clássica, possibilitando tratamento e biópsia,
dirigida às lesões subclínicas.
Material e Métodos
Foram estudados dez pacientes no período
de dezembro de 2001 a abril de 2002, todos oriundos
da clinica particular dos autores.
Os pacientes eram HIV-negativos,
não promíscuos e com mais de três meses sem
lesões condilomatosas anais e genitais. Apresentaram
HPV anal na forma subclínica sete pacientes, sendo
dois homens (um homosexual de 25 anos e outro heterosexual de 67 anos), e cinco mulheres, todas
com parceiro único há mais de um ano e idade entre 24 e
63 anos. Todos os pacientes, histológicamente
positivos, apresentaram atipias coilocitóticas, em um deles foi
feita também hibridização "in situ" que resultou positiva
para as sondas 6-11 e dois apresentavam também
displasia, ACIN I e II (Figura-3 e 4). Três pacientes tiveram
a pesquisa de HPV anal na forma subclínica
negativa (Quadro 1).
O exame consiste na anuscopia
clássica, acrescida da coloração, na pele e mucosa ano-retal,
com ácido acético a 5% por cinco minutos e a seguir
azul de toluidina. Após cada coloração procuram-se
as lesões com colposcópio de 10 vezes de
aumento. Identificadas, pode-se colher biópsia dirigida e,
se houver indicação, efetuar a cauterização.
Quadro 01 _ Perfil do grupo de pacientes com lesões por HPV anal na forma subclínica. Constam do quadro os seguintes dados: número da seqüência, identificação, sexo, idade, mês do exame, história, resultado do exame, resultado do anátomo patológico, e quando tiver, hibridização "in situ".
Seq | ID | Sexo | Idade | Exame | Historia | Resultado | Resultado Anátomo | Hibridização |
Exame | Patologico | in situ | ||||||
1 | AC | F | 24 | 12/2001 | Virgem, solteira, não tinha hábito do uso de preservativo, com coitos interfemurais com portador de HPV, cauterizou HPV vulvar sem lesões há mais de 4 meses, nunca teve lesões macroscópicas anais, apresentou prurido anal há 01 mês | Máculas aceto-brancas planas em canal anal e azul de toluidina negativo | Papilomatose escamosa e atipias colocitóticas | Positivo para as sondas 6 e 11 |
2 | GMR | M | 25 | 01/2002 | Homossexual, solteiro, não tinha hábito do uso de preservativo, com 04 parceiros, último com condiloma peniano, queixa de prurido anal há 03 meses, nunca teve lesões | Máculas aceto-brancas planas e azul de toluidina em mancha positivo em canal anal macroscópicas penianas ou anais | Atipias coilocitóticas e displasia moderada ACIN-II | |
3 | NGM | F | 63 | 02/2002 | Casada, heterossexual, parceiro único, não tinha hábito do uso de preservativo, tratou de HPV na vulva e sem lesões há 06 meses, nunca teve lesões macroscópicas anais e sem queixa anal, marido heterossexual e não promíscuo, tratou de HPV peniano e há mais de 6 meses sem lesões penianas, também não tem lesões macroscópicas anais, mas tem lesão subclínica anal por HPV | Máculas aceto-brancas em canal anal e manchas em reto distal e azul de toluidina em mancha positivo em canal anal | Micro papilomatose escamosa com atipias coilocitóticas | |
4 | OM | M | 67 | 02/2002 | Casado, heterossexual, parceira única há mais de 1 ano, não tinha hábito do uso de preservativo, tratou de HPV peniano e há mais de 06 meses , nunca teve lesões macroscópicas anais e sem queixas, esposa com HPV na vulva tratado, sem lesões vulvares há mais de 06 meses, tem HPV subclínico anal | Manchas aceto-brancas planas em canal anal e manchas aceto-brancas em reto distal e azul de toluidina positivo em mancha em canal anal | Mucosa malpiguiana com focos de paraqueratose, células disqueratóticas, células binucleadas e células coilocitóticas focais | |
5 | HHGSA | F | 27 | 03/2002 | Solteira, heterossexual, parceiro único há mais de 01 ano, sem hábito do uso de preservativo, cauterizou condiloma anal há mais de 06 meses sem lesões macroscópicas ou queixas anais | Micropapilomatoses escamosas com atipias coilocitóticas | Máculas aceto-brancas planas em pele peri anal e canal anal , manchas aceto brancas planas em reto distal e azul de toluidina em mancha em canal anal | |
6 | CMS | F | 36 | 03/2002 | Casada, heterossexual, parceiro único, cauterizou condiloma anal há 04 meses sem lesões macroscópicas ou queixas anais | Lesões intra-epiteliais de baixo grau _ ACIN-I, com atipias coilocitóticas | Mácula aceto-branca positiva para retração em canal anal em provável local de cauterização anterior com ácido tricloroacético a 90% e azul de toluidina em mancha em canal anal | |
7 | TGP | F | 41 | 04/2002 | Casada, heterossexual, parceiro único, cauterizou condiloma anal e sem lesões macroscópicas há mais de 03 meses, com prurido anal esporádico | Atipias coilocitóticas | Máculas aceto-brancas planas em canal anal e manchas em reto distal e azul de toluidina negativo |
RESULTADOS
As lesões encontradas no grupo estudado foram: máculas aceto-brancas planas,
manchas aceto-brancas planas, máculas azul de
toluidina positivas e manchas azul de toluidina
positivas. Foram consideradas máculas lesões não
puntiformes e menores de 0,5 cm; manchas,
lesões maiores de 0,5 cm; e lesões planas, aquelas
que não se elevam no epitélio. Estas lesões não
são visíveis sem a coloração (Figura-1 e 2).
Figura 1 _ Macroscopia: lesões anais aceto-brancas planas. |
Figura 2 _ Macroscopia: lesões anais azul de toluidina positivas. |
Figura 3 _ Microscopia: atipias coilocitóticas. |
Figura 4 _ Microscopia: lesões intraepiteliais. |
Discussão
O papilomavírus humano _HPV é uma
doença pré-cancerígena, tendo alta incidência entre a
população sexualmente ativa e sua forma de manifestação
mais comum é a subclínica
2,3,5,6,10,11,14.
O HPV na sua forma subclínica necessita
para diagnóstico, métodos de coloração e lentes de
aumento, já que são lesões não visíveis pelos
métodos endoscópicos tradicionais de visão direta
2,4,11,14.
Vários autores sinalizam sobre a
importância do diagnóstico das lesões subclínicas de HPV anal
em decorrência de sua relação com as lesões
intraepiteliais e carcinoma de canal
anal1,3,5,6,10-12.
A colposcopia, vulvoscopia e peniscopia
são métodos diagnósticos largamente utilizados
nas respectivas especialidades e pelos médicos que
atuam na área de doenças sexualmente transmissíveis.
Estes métodos, além de baratos, quando aliados a
patologistas treinados e exames como hibridização "in situ",
PCR e captura híbrida, possibilitam um maior
conhecimento e melhor tratamento das formas subclínicas de
HPV nestas áreas 2,4,11,14.
Infelizmente regiões como cavidade oral
e anoretal ainda não tem métodos
diagnósticos endoscópicos largamente usados de rotina para
a infecção subclínica de HPV 2,4.
Os resultados do trabalho mostram ser o
exame de anuscopia com exacerbação para diagnóstico
de HPV ano-retal na forma subclínica, um
método eficiente para diagnóstico e tratamento de HPV
anal na forma subclínica, com 70% de casos positivos
no grupo estudado.
Este dado adquire maior importância
quando verificamos que o grupo é constituído de pacientes
não promíscuos e HIV negativos, tendo em comum
a doença já tratada no ânus ou genitais e sem
lesões aparentes há mais de três meses.
Conclusão
A dificuldade em diagnosticar a forma subclínica de HPV anoretal com a anuscopia
clássica, a sua incidência e conseqüências, levam à
conclusão de que o exame de anuscopia com exacerbação
para diagnóstico de Papilomavírus Humano ano-retal
na forma subclínica, é viável e um importante
instrumento para o diagnóstico desta forma de HPV.
SUMARY: Ano-rectal HPV in the subclinical form has a high incidence and is considered a pre malignant lesion. The authors describe high resolution anuscopy for diagnosis of anorectal HPV in the subclinical form and its results in soro negatives pacients without promiscuity. The aim of this study is describing the exam, demonstrating its importance and the viability to incorporate it to the daily practice of Coloproctology. They conclude that high resolution anuscopy is a viable and important instrument for diagnosis of HPV subclinical anorectal.
Key words: ano-rectal HPV, anal HPV diagnosis, subclinical HPV, HPV anuscopy, anal papillomavirus
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Endereço para
correspondência:
João Carlos Magi.
Rua Paraíba, 717, Centro
09521-070, São Caetano do Sul, SP
Trabalho realizado desde 1996, quando a frente do Serviço de DST do Centro de Referência em DST/AIDS - Vila Prudente, ligado a Prefeitura de S.P.