TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO


FERNANDO CORDEIRO -TSBCP
JOSÉ EDUARDO DE AGUILAR-NASCIMENTO -TSBCP
PAULO GONÇALVES DE OLIVEIRA -TSBCP
ROSALVO J. RIBEIRO -TSBCP

CORDEIRO F,AGUILLAR-NASCIMENTO JEA,RIBEIRO,RJ. Tribuna Livre: como eu faço. Rev bras Coloproct,2002;22(3):

Como sempre, gostaríamos de agradecer aos nossos colegas a participação nesta seção, pois, sem eles, ela não existiria. Lembramos sempre que o nosso objetivo é favorecer a participação de todos, permitindo assim que emitam suas opiniões livremente.
    Além destes agradecimentos, gostaríamos de lembrar aos colegas que esta é uma TRIBUNA LIVRE e não há necessidade de convites para que sua opinião seja discutida. Enquanto houver distintos posicionamentos dos apresentados, o tema será mantido ou retornará à discussão, porém não serão publicados os textos considerados contestatórios.
    Gostaríamos ainda de solicitar aos colegas que queiram participar, que enviem sugestões de novos temas ou perguntas, bem como suas condutas nos casos discutidos.
    Àqueles interessados em colaborar, manteremos sempre um canal aberto pelo fax 019.32543839 ou E.mail: fernandocordeiro@globo.com 

Nesta edição discutiremos o tema: "Enfermidade Diverticular dos Cólons e Hemorragia", com a colaboração de membros da nossa Sociedade:

José Eduardo de Aguillar-Nascimento(Cuiabá-MT)
Paulo Gonçalves de Oliveira(Brasília-DF)
Rosalvo J.Ribeiro(Rio de Janeiro-RJ)

1. Após restabelecer as condições hemodinâmicas de um paciente com hemorragia digestiva baixa (excluídas as causas orificiais), como você conduziria a investigação diagnóstica?
José Eduardo de Aguillar-Nascimento
(MT) - Se o paciente já não apresenta no momento hemorragia e está hemodinamicamente estável, tenho como rotina um bom preparo expresso do cólon seguido da colonoscopia. Mesmo na urgência, a colonoscopia pode definir o sitio do sangramento na doença diverticular em até ¼ dos casos (Jensen et al. N Engl J Med 2000; 342:78-82). Além disso, caso o ponto sangrante seja visível, a colonoscopia pode ser o meio de tratamento (injeção com adrenalina, por exemplo), impedindo a progressão do caso para uma operação de urgência. Na situação apresentada com o paciente estável, a angiografia seletiva pode ser tentada, mas se o sangramento cessou, a sensibilidade do exame cai. Não tenho experiência com cintilografia com hemácias marcadas.

Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - Após restabelecimento hemodinâmico do paciente com hemorragia baixa maciça, teremos duas opções de investigação: avaliação endoscópica ou imagenológica. Nossa opção inicial recai sobre a colonoscopia que poderá ser, inclusive, terapêutica. Este exame será realizado após preparo rápido do cólon ou mesmo sem preparo. A endoscopia digestiva alta deverá ser realizada caso haja suspeita clínica de fonte alta de sangramento, o que ocorre em cerca de 11% dos casos, ou se a colonoscopia não foi diagnóstica. A angiografia ou a cintigrafia com hemácias marcadas, caso disponíveis, deverão ser realizadas nos casos de hemorragias maciças, com sangramento persistente ou caso a colonoscopia seja inconclusiva. A cintigrafia tem nossa preferência inicial por ser mais sensível, estar associada com menores taxas de morbidade e mortalidade e permitir a avaliação de sangramento por mais tempo além do momento de injeção. A angiografia seletiva, utilizada especialmente nos casos de sangramento persistente, deverá então ser realizada por ser mais específica e por apresentar possibilidade terapêutica. Outros dois exames de imagem que podem auxiliar na investigação da hemorragia digestiva baixa, muito embora ainda sem grande difusão fora dos grandes centros, são a angioressonância e a angiotomografia digital com subtração de imagem.

Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Supondo-se que, além das causas orificiais, tenham sido igualmente descartadas as discrasias sanguíneas e as patologias gastroduodenais, o grande desafio é tentar localizar no cólon o sítio da hemorragia. Assim o próximo passo deve ser a feitura de colonoscopia que, integrada à rotina propedêutica, poderá diagnosticar e tratar a grande maioria dos pacientes com H. D. B. Se este exame não consegue demonstrar o local do sangramento, pode-se lançar mão da arteriografia seletiva e/ou da cintilografia abdominal com injeção prévia de hemácias marcadas pelo tecnécio, na hipótese de persistir a hemorragia. Não se pode tão pouco desprezar a importância do clister opaco, nas circunstâncias que analiso a seguir.

2. Existe lugar para o enema baritado com o intuito de cessar o episódio hemorrágico? Qual a sua utilidade neste caso?
José Eduardo de Aguillar-Nascimento
(MT) - O enema opaco ainda é um método de investigação bastante utilizado na enfermidade diverticular e espacialmente ajuda mais o planejamento da melhor terapia que a endoscopia em muitas instancias. Evidentemente que a colonoscopia tem inúmeras vantagens frente ao enema opaco. No caso em discussão, ou seja, na hemorragia digestiva, muitos ainda utilizam o enema opaco como opção para parar o sangramento (Kopema et al. Hepatogastroenterology 2001; 48:702-5). Não há evidência baseada em estudos controlados, salvo erro de minha parte, que atestem a eficácia desse método com o intuito de cessar o episódio hemorrágico na doença diverticular. Deve ficar claro que, se solicitado, o enema nunca deve ser realizado antes da colonoscopia por questões relacionadas ao bom preparo do colo e à sensibilidade do exame endoscópico após o enema. Por essas razões, não utilizo o enema opaco na urgência com a finalidade de promover a parada do sangramento. Entretanto, como exposto acima, é um excelente exame para auxilio diagnóstico e planejamento cirúrgico na enfermidade diverticular.

Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - Não há referências científicas válidas quanto à sua utilidade no controle da hemorragia. Os relatos de bons resultados de fazer cessar o sangramento parecem estar associados com o grupo de casos, em torno de 90%, que cessariam apenas com medidas de suporte clínico. O exame poderá ser utilizado, após controlado o sangramento, caso não se disponha de outros métodos de investigação, porém, na avaliação inicial do sangramento ativo não encontra lugar até porque atrapalhará outros exames sejam endoscópicos ou de imagem. O cólon cheio de contraste baritado interferirá de maneira negativa na realização da colonoscopia ou da angiografia, além do que o achado de, por exemplo, divertículos no cólon não garante ser esta a fonte do sangramento, tendo em vista sua elevada prevalência.

Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Até o início dos anos 70, quando a colonoscopia não se instalara ainda na rotina diagnóstica, o clister opaco era o exame de escolha no diagnóstico e mesmo no tratamento da Hemorragia Digestiva Baixa. Embora não se conheça o verdadeiro mecanismo de ação: se por tamponamento do vaso que sangra ou por ação hemostática do sulfato de bário - o certo é que, na grande maioria dos casos, o clister opaco faz cessar a hemorragia. Considero que, mesmo nos dias de hoje, o exame pode e deve ser usado em situações excepcionais, quando há falta de melhores recursos.

3. Em que condições você optaria pelo tratamento cirurgico? Em caráter emergencial ou eletivo? E quais as opções cirúrgicas?
José Eduardo de Aguillar-Nascimento
(MT) - Se o tratamento clínico e/ou endoscópico falharem e o sangramento persiste, há indicação de laparotomia de urgência. Regra geral, a cirurgia está indicada naqueles casos com sangramento que supera a necessidade de reposição sanguínea de 2000 ml ou mais em 24 horas, sangramento continuo moderado por mais de 72 horas, recidiva precoce do sangramento num período menor que sete dias. Deve-se também não retardar a indicação nos pacientes com tipo sanguíneo raro, nos idosos e nos casos em que o doente recusa reposição sanguínea por motivos religiosos. Pacientes que apresentem episódios hemorrágicos de repetição em períodos mais prolongados devem também ser operados em caráter eletivo, de preferência. Um ponto fundamental para a escolha da operação mais indicada é a segurança ou não da sede do sangramento. Uma colectomia segmentar só está indicada se o local do sangramento estiver assegurado. A palpação e observação das alças raramente ajudam na identificação do sangramento. Se possível, a colonoscopia transoperatória deve ser realizada e pode ajudar em até 80% dos casos na descoberta do local exato do sangramento. Se o local do sangramento não está identificado, a colectomia total com anastomose ileorretal está indicada.

Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - A operação estará indicada nos casos de sangramento ativo e persistente que não responde às medidas de controle clínico, endoscópico ou angiográfico. Habitualmente se considera que há indicação de operação os casos que requeiram mais do que 4(quatro) unidades de sangue em 24 horas para manter o paciente estável hemodinamicamente, porém, há que se considerar outras co-morbidades. Todos os esforços devem ser envidados para se fazer o diagnóstico e detectar a fonte de sangramento, evitando-se assim as ressecções "às cegas". Nos casos de indicação operatória com local de sangramento definido as ressecções segmentares são as preferenciais e, sempre que possível, em condições eletivas.

Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Naqueles casos em que a hemorragia cessa espontaneamente e é possível fazer o diagnóstico etiológico e topográfico, não há dificuldade : é a cirurgia eletiva.
    Entretanto, quando a hemorragia persiste e o paciente está chocado ou necessita reposição sanguínea (hematócrito abaixo de 30% e Hb abaixo de 10g%), não se pode adiar a decisão: é a cirurgia de emergência.
    As opções cirúrgicas estão sempre na dependência do local da hemorragia. Se ele é conhecido, deve-se indicar colectomia segmentar que inclua a doença básica. Se não é possível estabelecer o local exato do sangramento, em alguns casos emergenciais, o cirurgião estará mais seguro ao realizar colectomia subtotal. Nesta hipótese, a decisão de fazer uma íleorreto-anastomose ou de derivar o intestino sob a forma de ileostomia dependerá das condições gerais do paciente.

4. Existe lugar para o tratamento clinico? Isolado ou acompanhado da terapêutica endoscóspica?
José Eduardo de Aguillar-Nascimento
(MT) - Sim. O tratamento clínico deve ser o indicado pois na grande maioria dos casos o sangramento cessa e o paciente pode ser melhor estudado eletivamente. A colonoscopia pode ser muito importante como arma terapêutica particularmente quando existe ectasia vascular presente. Um preparo rápido do cólon pode ser conseguido de diversas formas e aumentar a sensibilidade do exame em detectar o sangramento. A cauterização e a injeção com adrenalina 1:10000 podem ser tentadas com sucesso em muitos casos. A injeção na submucosa com álcool absoluto também é outra opção no arsenal endoscópico.

Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - De maneira geral os episódios de sangramento digestivo baixo são auto-limitados, porém, após a adoção das medidas de controle clínico, caso seja detectado um divertículo sangrante ou com vaso visível e coágulo que sugira fortemente ser a fonte do sangramento poderá ser utilizada a coagulação por contato térmico ("heater probe" ou coagulação bipolar/multipolar), a injeção de epinefrina, eventualmente esclerosantes, e também a aplicação de clipes. A utilização de coagulação com plasma de argônio está descrita na literatura e o LASER, além de mais dispendioso e de baixa disponibilidade, apresenta alta taxa de complicações. Recentemente foram publicados estudos que demonstraram que a hemostasia endoscópica pode prevenir o sangramento recorrente na doença diverticular e reduzir a necessidade de colectomias. Os métodos angiográficos, quando disponíveis, também podem ser tentados.

Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - A meu ver, o grau da hemorragia é que justifica o tratamento clínico isolado. Por exemplo, naqueles casos em que o sangramento cessa espontaneamente e a colonoscopia revela apenas a existência de Doença Diverticular sem local definido de sangramento, o paciente pode ser tratado clinicamente e vigiado. Por outro lado, se a colonoscopia detecta um ponto definido de sangramento e há condições para a terapêutica endoscópica (injeção de adrenalina, eletrocoagulação, etc.), acho que ela se impõe.

5. Comentários adicionais?
Paulo Gonçalves de Oliveira
(DF) - Inicialmente devemos nos lembrar que o paciente com hemorragia digestiva baixa maciça deverá ser tratado em ambiente hospitalar, em unidade em que possa receber cuidados intensivos, e que as medidas de controle do estado hemodinâmico são as mais importantes. A detecção do local de sangramento, muito embora desejável, não é fundamental neste instante. Caso o sangramento seja persistente, ou não se consiga o controle clínico do paciente, ou as medidas endoscópicas e angiográficas não possam ser realizadas ou não tenham sucesso, todos os esforços devem ser envidados para se estabelecer o diagnóstico da fonte de sangramento com a maior acuidade. Caso isto não seja possível e, durante o ato operatório, o cirurgião não seja capaz de definir a fonte de sangramento, cujo colon se encontre repleto de sangue, este estará mesmo autorizado a realizar colectomia total. Ao invés de se justificar operações mais conservadoras sob o argumento de que o paciente está muito grave, devemos considerar que o paciente está tão grave que não suportará a possibilidade de apresentar sangramento recorrente.

Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Considero a Hemorragia Digestiva Baixa uma entidade complexa e estressante para o médico e para o seu paciente, pela dificuldade em definir e tratar o sítio do sangramento.
    Em torno de 70% dos casos, a hemorragia cessa espontaneamente, dando tempo para executar os procedimentos diagnósticos. Nos restantes 30% dos casos, entretanto, há necessidade de atuação rápida para não perder a oportunidade de decidir e agir adequadamente.
    Apesar de todo o progresso atual da Medicina, não são raros os casos de pacientes submetidos a colectomia segmentar que ainda persistem com sangramento no pós operatório e também não são infreqüentes os casos de pacientes ressecados e curados cujas peças operatórias não revelam o local da hemorragia.

Esta rodada de perguntas e respostas encerra esta seção da TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO. Agradecemos novamente a inestimável colaboração dos colegas que prontamente responderam à nossa solicitação e tornaram possível a realização de mais uma tribuna.
   
Este tema é amplo e nossa intenção é a de dar um rápido enfoque do tratamento da enfermidade em vários locais alcançados por nossa Sociedade.
   
Se você tem alguma opinião divergente ou gostaria de completar aquilo que foi aqui referido, escreva-nos.
   
Gostaríamos de ter sua participação efetiva independente de sua titulação dentro da sociedade e mais uma vez agradecer àqueles que de maneira tão rápida, gentil e extremamente concisa colaboraram para manter acesa conosco a chama desta TRIBUNA.

Novamente, o nosso fax é: 019.32543839 e E-mail: fernandocordeiro@globo.com 

Participe.

Fernando Cordeiro