TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO
Como sempre, gostaríamos de agradecer
aos nossos colegas a participação nesta seção, pois,
sem eles, ela não existiria. Lembramos sempre que o
nosso objetivo é favorecer a participação de todos,
permitindo assim que emitam suas opiniões livremente.
Além destes agradecimentos, gostaríamos
de lembrar aos colegas que esta é uma TRIBUNA
LIVRE e não há necessidade de convites para que sua
opinião seja discutida. Enquanto houver
distintos posicionamentos dos apresentados, o tema será
mantido ou retornará à discussão, porém não serão
publicados os textos considerados contestatórios.
Gostaríamos ainda de solicitar aos colegas
que queiram participar, que enviem sugestões de
novos temas ou perguntas, bem como suas condutas nos
casos discutidos.
Àqueles interessados em colaborar,
manteremos sempre um canal aberto pelo fax 019.32543839
ou E.mail: fernandocordeiro@globo.com
Nesta edição discutiremos o tema: "Enfermidade Diverticular dos Cólons e Hemorragia", com a colaboração de membros da nossa Sociedade:
José Eduardo de Aguillar-Nascimento(Cuiabá-MT)
Paulo Gonçalves de Oliveira(Brasília-DF)
Rosalvo J.Ribeiro(Rio de Janeiro-RJ)
1. Após restabelecer as condições hemodinâmicas
de um paciente com hemorragia digestiva baixa (excluídas as causas orificiais), como
você conduziria a investigação diagnóstica?
José Eduardo de
Aguillar-Nascimento (MT) - Se o paciente já não apresenta no momento hemorragia
e está hemodinamicamente estável, tenho como
rotina um bom preparo expresso do cólon seguido
da colonoscopia. Mesmo na urgência, a colonoscopia
pode definir o sitio do sangramento na doença
diverticular em até ¼ dos casos (Jensen et al. N Engl J Med
2000; 342:78-82). Além disso, caso o ponto sangrante
seja visível, a colonoscopia pode ser o meio de
tratamento (injeção com adrenalina, por exemplo), impedindo
a progressão do caso para uma operação de
urgência. Na situação apresentada com o paciente estável,
a angiografia seletiva pode ser tentada, mas se o sangramento cessou, a sensibilidade do exame cai.
Não tenho experiência com cintilografia com
hemácias marcadas.
Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - Após restabelecimento hemodinâmico do paciente com hemorragia baixa maciça, teremos duas opções de investigação: avaliação endoscópica ou imagenológica. Nossa opção inicial recai sobre a colonoscopia que poderá ser, inclusive, terapêutica. Este exame será realizado após preparo rápido do cólon ou mesmo sem preparo. A endoscopia digestiva alta deverá ser realizada caso haja suspeita clínica de fonte alta de sangramento, o que ocorre em cerca de 11% dos casos, ou se a colonoscopia não foi diagnóstica. A angiografia ou a cintigrafia com hemácias marcadas, caso disponíveis, deverão ser realizadas nos casos de hemorragias maciças, com sangramento persistente ou caso a colonoscopia seja inconclusiva. A cintigrafia tem nossa preferência inicial por ser mais sensível, estar associada com menores taxas de morbidade e mortalidade e permitir a avaliação de sangramento por mais tempo além do momento de injeção. A angiografia seletiva, utilizada especialmente nos casos de sangramento persistente, deverá então ser realizada por ser mais específica e por apresentar possibilidade terapêutica. Outros dois exames de imagem que podem auxiliar na investigação da hemorragia digestiva baixa, muito embora ainda sem grande difusão fora dos grandes centros, são a angioressonância e a angiotomografia digital com subtração de imagem.
Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Supondo-se que, além das causas orificiais, tenham sido igualmente descartadas as discrasias sanguíneas e as patologias gastroduodenais, o grande desafio é tentar localizar no cólon o sítio da hemorragia. Assim o próximo passo deve ser a feitura de colonoscopia que, integrada à rotina propedêutica, poderá diagnosticar e tratar a grande maioria dos pacientes com H. D. B. Se este exame não consegue demonstrar o local do sangramento, pode-se lançar mão da arteriografia seletiva e/ou da cintilografia abdominal com injeção prévia de hemácias marcadas pelo tecnécio, na hipótese de persistir a hemorragia. Não se pode tão pouco desprezar a importância do clister opaco, nas circunstâncias que analiso a seguir.
2. Existe lugar para o enema baritado com o
intuito de cessar o episódio hemorrágico? Qual a
sua utilidade neste caso?
José Eduardo de
Aguillar-Nascimento (MT) - O enema opaco ainda é um método de
investigação bastante utilizado na enfermidade diverticular
e espacialmente ajuda mais o planejamento da
melhor terapia que a endoscopia em muitas
instancias. Evidentemente que a colonoscopia tem
inúmeras vantagens frente ao enema opaco. No caso
em discussão, ou seja, na hemorragia digestiva,
muitos ainda utilizam o enema opaco como opção para
parar o sangramento (Kopema et al.
Hepatogastroenterology 2001; 48:702-5). Não há evidência baseada em
estudos controlados, salvo erro de minha parte, que atestem
a eficácia desse método com o intuito de cessar
o episódio hemorrágico na doença diverticular.
Deve ficar claro que, se solicitado, o enema nunca deve
ser realizado antes da colonoscopia por
questões relacionadas ao bom preparo do colo e à
sensibilidade do exame endoscópico após o enema. Por essas
razões, não utilizo o enema opaco na urgência com a
finalidade de promover a parada do sangramento.
Entretanto, como exposto acima, é um excelente exame
para auxilio diagnóstico e planejamento cirúrgico
na enfermidade diverticular.
Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - Não há referências científicas válidas quanto à sua utilidade no controle da hemorragia. Os relatos de bons resultados de fazer cessar o sangramento parecem estar associados com o grupo de casos, em torno de 90%, que cessariam apenas com medidas de suporte clínico. O exame poderá ser utilizado, após controlado o sangramento, caso não se disponha de outros métodos de investigação, porém, na avaliação inicial do sangramento ativo não encontra lugar até porque atrapalhará outros exames sejam endoscópicos ou de imagem. O cólon cheio de contraste baritado interferirá de maneira negativa na realização da colonoscopia ou da angiografia, além do que o achado de, por exemplo, divertículos no cólon não garante ser esta a fonte do sangramento, tendo em vista sua elevada prevalência.
Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Até o início dos anos 70, quando a colonoscopia não se instalara ainda na rotina diagnóstica, o clister opaco era o exame de escolha no diagnóstico e mesmo no tratamento da Hemorragia Digestiva Baixa. Embora não se conheça o verdadeiro mecanismo de ação: se por tamponamento do vaso que sangra ou por ação hemostática do sulfato de bário - o certo é que, na grande maioria dos casos, o clister opaco faz cessar a hemorragia. Considero que, mesmo nos dias de hoje, o exame pode e deve ser usado em situações excepcionais, quando há falta de melhores recursos.
3. Em que condições você optaria pelo
tratamento cirurgico? Em caráter emergencial ou eletivo?
E quais as opções cirúrgicas?
José Eduardo de
Aguillar-Nascimento (MT) - Se o tratamento clínico e/ou endoscópico falharem e
o sangramento persiste, há indicação de laparotomia
de urgência. Regra geral, a cirurgia está indicada
naqueles casos com sangramento que supera a necessidade
de reposição sanguínea de 2000 ml ou mais em 24
horas, sangramento continuo moderado por mais de 72
horas, recidiva precoce do sangramento num período
menor que sete dias. Deve-se também não retardar a
indicação nos pacientes com tipo sanguíneo raro, nos idosos
e nos casos em que o doente recusa reposição
sanguínea por motivos religiosos. Pacientes que
apresentem episódios hemorrágicos de repetição em períodos
mais prolongados devem também ser operados em
caráter eletivo, de preferência. Um ponto fundamental para
a escolha da operação mais indicada é a segurança
ou não da sede do sangramento. Uma
colectomia segmentar só está indicada se o local do
sangramento estiver assegurado. A palpação e observação das
alças raramente ajudam na identificação do sangramento.
Se possível, a colonoscopia transoperatória deve
ser realizada e pode ajudar em até 80% dos casos
na descoberta do local exato do sangramento. Se o
local do sangramento não está identificado, a colectomia
total com anastomose ileorretal está indicada.
Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - A operação estará indicada nos casos de sangramento ativo e persistente que não responde às medidas de controle clínico, endoscópico ou angiográfico. Habitualmente se considera que há indicação de operação os casos que requeiram mais do que 4(quatro) unidades de sangue em 24 horas para manter o paciente estável hemodinamicamente, porém, há que se considerar outras co-morbidades. Todos os esforços devem ser envidados para se fazer o diagnóstico e detectar a fonte de sangramento, evitando-se assim as ressecções "às cegas". Nos casos de indicação operatória com local de sangramento definido as ressecções segmentares são as preferenciais e, sempre que possível, em condições eletivas.
Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Naqueles casos em que
a hemorragia cessa espontaneamente e é possível
fazer o diagnóstico etiológico e topográfico, não
há dificuldade : é a cirurgia eletiva.
Entretanto, quando a hemorragia persiste e
o paciente está chocado ou necessita reposição
sanguínea (hematócrito abaixo de 30% e Hb abaixo de
10g%), não se pode adiar a decisão: é a cirurgia de emergência.
As opções cirúrgicas estão sempre
na dependência do local da hemorragia. Se ele
é conhecido, deve-se indicar colectomia segmentar
que inclua a doença básica. Se não é possível
estabelecer o local exato do sangramento, em alguns
casos emergenciais, o cirurgião estará mais seguro ao
realizar colectomia subtotal. Nesta hipótese, a decisão de
fazer uma íleorreto-anastomose ou de derivar o intestino
sob a forma de ileostomia dependerá das condições
gerais do paciente.
4. Existe lugar para o tratamento clinico?
Isolado ou acompanhado da terapêutica endoscóspica?
José Eduardo de
Aguillar-Nascimento (MT) -
Sim. O tratamento clínico deve ser o indicado pois na
grande maioria dos casos o sangramento cessa e o
paciente pode ser melhor estudado eletivamente. A
colonoscopia pode ser muito importante como arma
terapêutica particularmente quando existe ectasia
vascular presente. Um preparo rápido do cólon pode
ser conseguido de diversas formas e aumentar a sensibilidade do exame em detectar o sangramento.
A cauterização e a injeção com adrenalina 1:10000
podem ser tentadas com sucesso em muitos casos. A
injeção na submucosa com álcool absoluto também é
outra opção no arsenal endoscópico.
Paulo Gonçalves de Oliveira (DF) - De maneira geral os episódios de sangramento digestivo baixo são auto-limitados, porém, após a adoção das medidas de controle clínico, caso seja detectado um divertículo sangrante ou com vaso visível e coágulo que sugira fortemente ser a fonte do sangramento poderá ser utilizada a coagulação por contato térmico ("heater probe" ou coagulação bipolar/multipolar), a injeção de epinefrina, eventualmente esclerosantes, e também a aplicação de clipes. A utilização de coagulação com plasma de argônio está descrita na literatura e o LASER, além de mais dispendioso e de baixa disponibilidade, apresenta alta taxa de complicações. Recentemente foram publicados estudos que demonstraram que a hemostasia endoscópica pode prevenir o sangramento recorrente na doença diverticular e reduzir a necessidade de colectomias. Os métodos angiográficos, quando disponíveis, também podem ser tentados.
Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - A meu ver, o grau da hemorragia é que justifica o tratamento clínico isolado. Por exemplo, naqueles casos em que o sangramento cessa espontaneamente e a colonoscopia revela apenas a existência de Doença Diverticular sem local definido de sangramento, o paciente pode ser tratado clinicamente e vigiado. Por outro lado, se a colonoscopia detecta um ponto definido de sangramento e há condições para a terapêutica endoscópica (injeção de adrenalina, eletrocoagulação, etc.), acho que ela se impõe.
5. Comentários adicionais?
Paulo Gonçalves de
Oliveira (DF) - Inicialmente devemos nos lembrar que o paciente com
hemorragia digestiva baixa maciça deverá ser tratado em
ambiente hospitalar, em unidade em que possa receber
cuidados intensivos, e que as medidas de controle do
estado hemodinâmico são as mais importantes. A
detecção do local de sangramento, muito embora desejável,
não é fundamental neste instante. Caso o sangramento
seja persistente, ou não se consiga o controle clínico
do paciente, ou as medidas endoscópicas e
angiográficas não possam ser realizadas ou não tenham
sucesso, todos os esforços devem ser envidados para
se estabelecer o diagnóstico da fonte de
sangramento com a maior acuidade. Caso isto não seja possível
e, durante o ato operatório, o cirurgião não seja
capaz de definir a fonte de sangramento, cujo colon
se encontre repleto de sangue, este estará
mesmo autorizado a realizar colectomia total. Ao invés de
se justificar operações mais conservadoras sob
o argumento de que o paciente está muito
grave, devemos considerar que o paciente está tão grave
que não suportará a possibilidade de
apresentar sangramento recorrente.
Rosalvo J. Ribeiro (RJ) - Considero a
Hemorragia Digestiva Baixa uma entidade complexa e
estressante para o médico e para o seu paciente, pela
dificuldade em definir e tratar o sítio do sangramento.
Em torno de 70% dos casos, a hemorragia
cessa espontaneamente, dando tempo para executar
os procedimentos diagnósticos. Nos restantes 30%
dos casos, entretanto, há necessidade de atuação rápida
para não perder a oportunidade de decidir e agir
adequadamente.
Apesar de todo o progresso atual da
Medicina, não são raros os casos de pacientes submetidos
a colectomia segmentar que ainda persistem com sangramento no pós operatório e também não
são infreqüentes os casos de pacientes ressecados e
curados cujas peças operatórias não revelam o local
da hemorragia.
Esta rodada de perguntas e respostas encerra esta seção da TRIBUNA LIVRE: COMO EU
FAÇO. Agradecemos novamente a inestimável colaboração dos colegas que prontamente responderam à nossa
solicitação e tornaram possível a realização de mais uma tribuna.
Este tema é amplo e nossa intenção é a de dar um rápido enfoque do tratamento da enfermidade
em vários locais alcançados por nossa Sociedade.
Se você tem alguma opinião divergente ou gostaria de completar aquilo que foi aqui referido,
escreva-nos.
Gostaríamos de ter sua participação efetiva independente de sua titulação dentro da sociedade e
mais uma vez agradecer àqueles que de maneira tão rápida, gentil e extremamente concisa colaboraram para
manter acesa conosco a chama desta TRIBUNA.
Novamente, o nosso fax é: 019.32543839 e E-mail: fernandocordeiro@globo.com
Participe.
Fernando Cordeiro