ARTIGOS ORIGINAIS


INSTABILIDADE DE MICROSSATÉLITES EM PORTADORES DE CÂNCER COLO-RETAL

RAUL CUTAIT-TSBCP
GUILHERME COTTI
BERNARDO GARICOCHEA
CLÁUDIA MURARO
FÁBIA CARVALHO -TSBCP
KATIA LEITE
LUIZ H. CAMARA-LOPES


CUTAIT R,COTTI G, GARICOCHEA B, MURARO C, CARVALHO F, LEITE K, CAMARA-LOPES LH. Instabilidade de microssatélites em portadores de câncer colo-retal. Rev bras coloproct, 2002(4):225-232 

Resumo: Embora considerado uma das mais importantes síndromes de predisposição ao câncer, o câncer colo-retal hereditário não-polipose (HNPCC) permanece um desafio na prática clínica diária. Os critérios de Amsterdam (CA), embora altamente específicos, têm valor muito limitado, inclusive para nossa população, pois são extremamente restritivos. Assim, foram propostos os critérios de Bethesda, menos restritivos, com o intuito de levantar a suspeita de HNPCC e a utilização de testes laboratoriais, como a instabilidade de microssatélites, para auxiliar a definir um maior número de famílias de risco para HNPCC. Objetivo: Avaliar o impacto dos CB no rastreamento de famílias de risco para HNPCC através do teste de instabilidade de microssatélites (MSI).Materiais e métodos: 47 pacientes portadores de câncer colo-retal que preenchiam pelo menos um dos CB e cuja história familiar pôde ser coletada, foram submetidos ao teste de MSI. Resultados: MSI-H foi identificada em 16 (34%) dos pacientes e se correlacionou com: idade precoce de aparecimetno do tumor (47,6 vs 58,9 anos no grupo não MSI-H; p=0,012), com os critérios de Amsterdam (p=0,001), com a história de câncer colo-retal ou endometrial em um parente com idade inferior a 45 anos (p=0,004) e com a presença de 2 ou mais CB em um mesmo indivíduo (p<0,001). Conclusões: Estas variáveis são capazes de identificar famílias de alto risco para HNPCC, as quais devem ser submetidas à aconselhamento genético e análise mutacional dos genes de reparo do DNA.

Unitermos: Câncer colo-retal hereditário, HNPCC, instabilidade de microssatélites

INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais evidente a real interferência genética na origem do câncer colo-retal hereditário (CCRH)1,2,3. Embora constituam pequena parcela no total de casos de câncer colo-retal (CCR), tanto a polipose adenomatosa familiar (PAF) quanto o câncer colo-retal hereditário não-polipoide (HNPCC), as duas principais vertentes e representantes do CCRH, são focos de intensa pesquisa na área da biologia molecular. Atualmente reconhecem-se duas vias na patogênese molecular do CCR: uma via clássica, decorrente de instabilidade cromossômica, que surge através da inativação do gene supressor de tumor APC, cuja transmissão mendeliana de um alelo mutado constitui a alteração genética característica da PAF; e uma segunda via, decorrente da instabilidade de microssatélites (MSI), fruto da inativação das proteínas de reparo do DNA, base molecular do HNPCC.
    HNPCC é uma doença autossômica dominante a qual se associa a cerca de 5% do total de casos de CCR 4. É causada pela inativação de um dos seis genes relacionados com o reparo do DNA durante sua replicação, conhecidos como genes de reparo de pareamento do DNA (mismatch repair). Dois genes estão especialmente implicados nesta síndrome, o MSH2 e o MLH1, uma vez que mutações nestes genes constituem cerca de 90% das alterações genéticas descritas até o presente5. Os portadores de mutações nos genes de reparo desenvolvem câncer colo-retal numa idade precoce, em média aos 45 anos de idade, sendo que os tumores comumente têm localização proximal à flexura esplênica e os indivíduos afetados apresentam tendência para a ocorrência de lesões sincrônicas e metacrônicas6. Além disso, membros de algumas famílias têm risco elevado para inúmeras outras neoplasias, tais como de endométrio, intestino delgado, estômago, urotélio e pelve renal e ovário, entre outras7,8.
    O diagnóstico de HNPCC pode ser realizado de duas maneiras: clinicamente, através do preenchimento dos critérios de Amsterdam propostos pelo ICG-HNPCC (International Collaborative Group on HNPCC) (Tabela-1)9-11; e geneticamente, pela identificação de mutações, através de sequenciamento do DNA de genes de reparo mencionados anteriormente. Embora isso pareça simples, na prática os médicos encontram enormes dificuldades para estabelecer tal diagnóstico, seja porque não dispõem de informações familiares adequadas com relação ao histórico do paciente, seja porque o seqüenciamento genético não é ainda uma realidade na prática médica. Como estes entraves se repetem em diversos países, inclusive no nosso, protocolos de rastreamento de famílias em risco para HNPCC foram propostos, sendo o mais aceito atualmente o descrito na Figura-1. Assim, o médico pode selecionar famílias através dos critérios de Bethesda, que são menos restritivos que os de Amsterdam (Tabela-2)12. A tendência atual é iniciar a investigação genética das famílias suspeitas com a execução do teste de instabilidade de microssatélites (MSI) e/ou a imunohistoquímica para proteínas dos genes de reparo do DNA, por serem exames menos onerosos e mais exequíveis que o sequenciamento. Uma vez que um destes testes laboratoriais mostra-se alterado, passa a existir a indicação formal para a pesquisa de mutações por sequenciamento nos genes de reparo do DNA.

Tabela 1 - Critérios de Amsterdam.


Pelo menos três casos de câncer colo-retal (CCR), que preencham os seguintes critérios:
    - um membro seja parente em 1º grau dos outros dois.
    - pelos menos 2 gerações sucessivas acometidas.
    - pelo menos um dos casos de CCR diagnosticado abaixo dos 50 anos.
    - polipose adenomatosa familiar deve ser excluída.

Tabela 2 - Critérios de Bethesda.


1)- indivíduos com câncer que preencham os critérios de Amsterdam.
2)- indivíduos com 2 cânceres relacionados com HNPCC, incluindo CCR metacrônicos e sincrônicos ou cânceres extra-cólicos associados.
3)- indivíduos com CCR e um parente de 1º grau com CCR ou câncer extra-cólico relacionado com HNPCC e/ou adenoma colo-retal (um dos cânceres diagnosticado abaixo dos 45 anos e os adenomas abaixo dos 40 anos).
4)- indivíduos com câncer colo-retal ou endometrial diagnosticado abaixo dos 45 anos.
5)- indivíduos com câncer de cólon direito com padrão histológico indiferenciado abaixo dos 45 anos.
6)- indivíduos com CCR com células em anel de sinete diagnosticado abaixo dos 45 anos.
7)- indivíduos com adenomas diagnosticados antes dos 40 anos.

 
    Corforme comentado, a MSI representa uma característica fenotípica marcante do HNPCC, estando presente em 80% a 90% dos tumores nesta síndrome13,14. Todavia, chega a ocorrer em até 15% dos cânceres colo-retais ditos esporádicos13,14, sendo que a hipermetilação do promotor do gene MLH1 parece corresponder à principal alteração genética responsável por esta alteração nos tumores esporádicos.

Figura 1 - Protocolo de investigação de famílias suspeitas de HNPCC.

     O objetivo deste estudo foi verificar a ocorrência de instabilidade de microssatélites numa população de pacientes portadores de câncer colo-retal que preenchiam pelo menos um dos critérios de Bethesda e avaliar a utilização dos mesmos no rastreamento de famílias em risco para HNPCC.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes
Foram incluídos neste estudo 47 pacientes operados por adenocarcinoma colo-retal no Hospital Sírio-Libanês, entre 1992 e 2000, que preenchiam pelo menos um dos critérios de Bethesda, e cuja história familiar de neoplasias pôde ser coletada. Constituiram-se em critérios de exclusão do presente estudo: (1) radioterapia ou quimioterapia prévias; (2) polipose adenomatosa familiar e correlatas; (3) doença inflamatória intestinal associada; e (4) tumores de canal anal.
    A idade dos pacientes na época do diagnóstico variou de 26 a 85 anos, com média de 55 anos e mediana de 53 anos. Quanto ao sexo, 26 (55,3%) pacientes eram do sexo masculino e 21 (44,7%) do sexo feminino.

Teste de MSI
Os pacientes que se enquadravam nestas características tiveram seus tumores submetidos ao teste de instabilidade de microssatélites (MSI), conforme a técnica de Peltomäki et al. (1993a)15, num painel composto por oito loci, correspondentes a repetições de mononucleotídeos e dinucleotídeos, mapeados para seis diferentes cromossomos. Os cinco primeiros marcadores (BAT25, BAT26, D5S346, D2S123, D17S250) compõem o painel básico sugerido para avaliação do teste MSI nos pacientes elegíveis 13,14,16. Além disto, pelo fato da importância de determinados marcadores poder variar em diferentes amostras populacionais, e por não haver estudos sobre a relevância de tais marcadores na população brasileira, neste estudo optou-se por também utilizar outros três marcadores (BAT40, TP53.PCR15.1, D11S904), buscando-se ampliar a análise dos casos avaliados.
    O DNA dos espécimes cirúrgicos preservados em parafina foi extraído pelo método do xilol-etanol, de acordo com o protocolo de WRIGHT DK & MANOS MM PCR PROTOCOLS (1990)17.
    As amplificações foram realizadas pelo processo de reação em cadeia da polimerase (PCR). Utilizando-se 100ng de DNA purificado em um volume final de 25µl, em um termociclador (MJ Research Thermocycler - PTC 100; MJ Research, Watertown, MA / ou / Perkin ELMER Gene Amp PCR System 2400). Subseqüentemente, os produtos do PCR foram analisados por eletroforese em um gel de poliacrilamida a 10%/gel uréia 7 M (16 horas, 450V, temperatura ambiente) em uma cuba seqüenciadora (Life Technologies Model S2 Sequencing Gel Electrophoresis) e coloração com nitrato de prata 0,1%, como descrito previamente18.
    A instabilidade de microssatélites foi definida quando, após a amplificação do DNA tumoral pelo PCR, ocorreu surgimento ou desaparecimento de bandas em comparação com os produtos de PCR de um DNA normal correspondente (Figura-2). Cada locus foi analisado por observador independente e recebeu os seguintes escores: alta instabilidade (MSI-H) - presença de instabilidade de microssatélites em 30% ou mais dos marcadores; baixa instabilidade (MSI-L) presença de instabilidade de microssatélites em menos de 30% dos marcadores; estável (MSS) - presença de estabilidade de microssatélites.

 

Figura 2 - Gel de leitura do teste de MSI: observar a ausência de instabilidade para o locus BAT40 - todas as bandas entre o tecido tumoral (TU) e normal (NL) são congruentes; e a presença de uma banda extra no tecido tumoral do locus BAT26, caracterizando a presença de instabilidade nesta região.

 

RESULTADOS
Dos 47 pacients, 16 (34%) apresentaram instabilidade de microssatélites alta (MSI-H), caracterizando o fenótipo de erro de replicação (RER+), enquanto que, dos 31 pacientes que não apresentaram erro de replicação (RER-), 8 (17%) mostraram instabilidade de microssatélites baixa (MSI-L) e 23 (49%) estabilidade de microssatélites estável (Tabela-3). A média de idade dos pacientes RER+ foi de 47,6 anos (mediana 44) e a dos RER- de 58,9 anos (mediana 59) (p=0,012) (Tabela-4). Dividindo os pacientes de acordo com a idade, 9 dos 15 (60%) daqueles com idade menor ou igual a 45 anos eram RER+, ao passo que 7 dos 32 (21,9%) acima dos 45 anos eram RER+ (p=0,01).

Tabela 3 - Resultados do teste de instabilidade de microssatélites. 

MSI  %
alta  16  34
baixa  8 17
estável  23  49
Total  47  100
 

Tabela 4 - Classificação dos pacientes quanto ao fenótipo de erro de replicação (RER).
Fenótipo RER MSI  N* % Idade média
RER+ alta 16 34  47,6
 RER- baixa/estável 31  66  58,9
Total       47  100   
* p=0,012


    Quanto à presença de história familiar de câncer colo-retal, 9 dos 16 pacientes com essa característica eram RER+, e 7 dos 31 pacientes sem casos de câncer colo-retal na família foram RER + (p=0,02).
    Com relação aos critérios de Bethesda, 32 dos 47 (68%) pacientes estudados preencheram apenas um critério; e 15 (32%) pacientes atendiam 2 ou mais critérios. Além nisso, verificou-se que 13 dos 15 (86,7%) pacientes que preencheram mais de um critério de Bethesda apresentaram fenótipo RER positivo; versus 3 em 32 (9,4%) pacientes no grupo com somente um critério (p<0,001) (Tabela-5).

Tabela 5 - Comparação dos resultados. 

        RER + RER - p
Critérios de Amsterdam presente  8 0 0,001
   ausente  8 3 1
 
Idade < 45 anos 9 6 0,01
          > 45 anos 7 25
 
História familiar de qualquer câncer  presente 12 21 NS
ausente  4 10
 
História familiar com câncer extra-cólico relacionado com HNPCC presente  6 10 NS
ausente  10 21
 
História familiar de câncer colo-retal presente  9 7 0,02
ausente  7 24
 
Nº critérios Bethesda preenchidos 1 3 29 <0,001
   > 2 13 2   
NS= não significativo


    O fenótipo RER+ esteve significativamente associado com o 1º critério (p<0,0001) e o 4º critério de Bethesda (p=0,004). Apresentou tendência à associação com o 2º critério (p=0,056); e não se associou com o terceiro, quarto, quinto ou sexto critérios de Bethesda. Nenhum paciente foi selecionado com base no sétimo critério, uma vez que o ponto de partida deste estudo foi a presença de câncer colo-retal (Tabela-6).

Tabela 6 - Relação entre o fenótipo erro de replicação e os critérios de Bethesda. 

Critério de Bethesda    RER + RER - P
Critérios Amsterdam Presente  8 0 0,001
Ausente  8 31
 
2 cânceres relacionados com HNPCC Presente  8 7 0,056
Ausente  8 24
  
CCR + parente 1ºG CCR ou CA extra-Cólico HNPCC e/ou Adenoma colo-retal Presente  11 15 NS
Ausente  5 16
 
CCR / endometrial abaixo 45 anos Presente  9 5 0,004
Ausente  7 26
 
CA cólon direito Histologia Presente  3 6 NS
indiferenciado < 45 anos. Ausente  13 25
 
CCR com células em anel de sinete  < 45 anos Presente  1 0 NS
Ausente  15 31
(NS= não significativo)

 

DISCUSSÃO
A inativação dos genes de reparo de pareamento do DNA (MMR) constitui a via genética envolvida na gênese do câncer colo-retal hereditário não-polipoide 19. Mutações germinativas nos genes hMLH1 e hMSH2, dois dos principais genes do complexo MMR, estão presentes em 80% a 90% dos casos de HNPCC 20. O diagnóstico final quanto à existência de mutação, bem como sua caracterização é obtido com os testes de seqüenciamento do DNA. Estes, entretanto, ainda são onerosos, nem sempre estão disponíveis e apresentam uma sensibilidade ao redor de 70%, mesmo para pacientes selecionados 21. Isto que dizer que, na atualidade, considerável número de famílias com HNPCC ainda têm seu diagnóstico definido pelos critérios de Amsterdam. Contudo, esses critérios são muito restritivos, pois não levam em consideração a presença de neoplasias extra-cólicas associadas a HNPCC, não contemplam famílias pequenas ou com características genéticas peculiares e não consideram o efeito fundador. Assim, com o intuito de identificar famílias com suspeita de HNPCC foram estabelecidos os já citados e mais abrangentes critérios de Bethesda e, mais recentemente, alguns passaram a utilizar associadamente o teste de MSI e a imunohistoquímica 12,20,21,22,23
   
Assim, a detecção do fenótipo de erro de replicação nestes tumores constitui uma ferramenta importante no rastreamento e identificação desta síndrome, permitindo que os pacientes que apresentem teste de MSI positivo, pelo alto grau de suspeita de HNPCC, sejam candidatos naturais à realização de pesquisa mutacional nos genes de reparo do DNA 21.
    Neste estudo, 34% dos pacientes apresentaram alta instabilidade de microssatélites (RER+). O restante dos pacientes foi considerado como não apresentando erro de replicação, uma vez que tumores com baixa instabilidade ou estáveis parecem apresentar características e evolução semelhantes 24,25. A média de idade nos pacientes com teste de instabilidade de microssatélites positivo foi de 47,6 anos, e de 58,9 anos no grupo RER- (p=0,012). Assumindo o fenótipo RER+ como um marcador do HNPCC, estes dados aproximam-se das observações da maioria dos autores, que indicam que o câncer colo-retal no HNPCC costuma surgir por volta dos 45 anos, enquanto o câncer colo-retal esporádico manifesta-se em geral a partir da sexta década de vida 26,27. Outro dado importante foi que 60% dos pacientes com câncer colo-retal abaixo dos 45 anos apresentaram fenótipo RER+, enquanto 21,9% dos pacientes acima dos 45 anos com câncer colo-retal tiveram fenótipo RER positivo (p=0,01). Assim, quando o câncer colo-retal estabelece-se numa idade inferior aos 45 anos, o paciente tem uma chance muito maior de pertencer a uma família com uma síndrome de predisposição hereditária ao câncer 27,28, fato atestado pela associação demonstrada entre o 4º critério de Bethesda (câncer colo-retal em pacientes com idade inferior a 45 anos) e fenótipo RER+ (p=0,004).
    A história familiar de câncer em parentes de 1º ou 2º grau não apresentou correlação estatística com o fenótipo de erro de replicação. E, ao contrário do descrito por vários autores e do que se poderia imaginar inicialmente, a história familiar de neoplasias extra-cólicas relacionadas com o HNPCC 29 (endométrio, ovário, estômago, hepatobiliar, intestino delgado, células de transição da pelve renal ou ureter) também não esteve estatisticamente associada ao fenótipo RER+. Apenas a história familiar de câncer colo-retal apresentou correlação com o fenótipo RER+.
    Nas 8 famílias de pacientes que preencheram os critérios de Amsterdam, os probandos foram classificados como RER+ (p<0,001). Conforme observação de Dieumegard 30, o fenótipo RER+ ocorreu em 90% das famílias que preencheram os critérios de Amsterdam, e quanto mais relevante a história familiar de neoplasias cólicas, maior a chance do paciente ser portador de HNPCC. Desta forma, apesar das limitações enumeradas, os critérios de Amsterdam permanecem de grande valia, de modo que a coleta adequada da história familiar dos pacientes é um instrumento simples, que permite a obtenção de informações extremamente relevantes, e jamais deve ser negligenciada ou pouco valorizada pelo médico28.
    Excetuando-se o primeiro critério de Bethesda, o critério de maior correlação com o fenótipo RER+ foi o da idade de instalação do tumor (pacientes com idade inferior aos 45 anos). Quanto à história pessoal de câncer do paciente extra-cólico, relacionados com HNPCC, ou tumores cólicos sincrônicos e metacrônicos (segundo critério de Bethesda) com o fenótipo RER+, já descrito por muitos autores 6,21, houve uma tendência à correlação estatística (p=0,056). Além disto, não foi verificada significância estatística entre a instabilidade alta de microssatélites e demais critérios de Bethesda avaliados.
    Por fim, a observação mais importante deste estudo diz respeito ao número de critérios de Bethesda preenchidos por cada paciente: 13 dos 15 pacientes (86,7%) que preencheram mais de um critério de Bethesda apresentaram fenótipo RER+; versus 3 em 32 dos pacientes (9,4%) no grupo que atendia apenas um deles (p<0,001). Logo, o número de critérios preenchidos por um paciente se associa a um maior risco deste se enquadrar no espectro de HNPCC, sendo que os critérios mais relevantes segundo este estudo foram os critérios de Amsterdam e a idade de câncer colo-retal diagnosticado abaixo dos 45 anos, além de possivelmente o segundo critério.
    Na busca da diferenciação dos casos de HNPCC daqueles de câncer colo-retal esporádico, os resultados deste estudo atestaram a importância da idade de aparecimento, da presença de história familiar e, principalmente, os critérios de Bethesda. Estes, aliados ao teste de instabilidade de microssatélites, poderão permitir a identificação de uma população de risco para HNPCC, que deve ser submetida a aconselhamento genético, programas específicos de rastreamento e encaminhada para análise mutacional no complexo MMR.

CONCLUSÕES
O fenótipo RER+ associou-se com CCR em famílias que preencheram os critérios de Amsterdam, em indivíduos jovens e na presença de dois ou mais critérios de Bethesda num mesmo indivíduo. Considerando-se o custo do teste de MSI, o acesso ainda restrito ao exame e a escassez de recursos, do ponto de vista de saúde pública pode-se priorizar o teste para pacientes com CCR abaixo dos 45 anos e naqueles pacientes que atendem a mais de um critério de Bethesda.

Agradecimentos
A FAPESP _ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo _ que apoiou a realização deste projeto através de bolsa de iniciação científica concedida no período de graduação do autor Guilherme Cotti.

Summary: Introduction: Besides being one of the most important syndromes of cancer predisposition, the diagnosis of hereditary non-polyposis colorectal cancer (HNPCC) remains a challenge in clinical practice. The Amsterdam criteria are highly sensitive but restrictive. In order to lessen this problem, the Bethesda criteria (BC) were proposed to enhance the possibility of diagnosis in suspected families and are being used in combination with laboratory tests (microsatellite instability and imunohistoquemistry) to screen for HNPCC families. Objective: To evaluate the use of BC to screen for HNPCC families with microssatellite insbtability. Materials and Methods: 47 colorectal cancer patients that attended at least one BC and whose family history could be obtained were submitted to MSI analysis. Results: MSI-H was identified in 16 (34%) patients and was significantly correlated with lower age (47.6 vs 58.9 in non-MSI-H group; p=0.012), with the Amsterdam criteria (p=0.001), with the history of colorectal or endometrial cancer in one first degree relative under 45 (p=0.004) and with the combination of 2 BC in a single individual (p<0.001). Conclusion: These variables are able to identify high risk families for HNPCC that should have further genetic counseling and DNA analysis.

Key words: Hereditary colorectal cancer, HNPCC, microsatellite instability

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Waliszewski P - Colorectal carcinoma as a genetic phenomenon. Patol Pol 1992; 43(3): 73-78.
2. Lynch HT, Lanspa SJ, Boman BM, Smyrk TC, Watson P, Lynch JF, Lynch PM, Cristofaro G, Bufo P, Tauro AV - Hereditary nonpolyposis colorectal cancer, Lynch syndromes 1 and 2. Gastroenterol Clin North Am 1988; 17(4): 679-712.
3. Groden J, Thliveris A, Samowitz W, Carlson M, Gelbert L, Albertsen H, Joslyn G, Stevens J, Spirio L Robertson M - Identification and characterization of the familial adenomatous poliposis coli gene. Cell 1991; 66(3): 589-600.
4. Aaltonen LA, Salovaara R, Kristo P, Canzian F, Hemminki A, Peltomaki P, Chadwick RB, Kaariainen H, Eskelinen M, Jarvinen H, Mecklin JP, De La Chapelle A - Incidence of hereditary nonpolyposis colorectal cancer and the feasibility of molecular screening for the disease. N Engl J Med 1998 May 21;338(21):1481-1487.
5. Peltomaki P, Vasen HF - Mutations predisposing to hereditary nonpolyposis colorectal cancer: database and results of a collaborative study. The International Collaborative Group on Hereditary Nonpolyposis Colorectal Cancer. Gastroenterology 1997 Oct;113(4):1146-1158.
6. Fitzgibbons RJ Jr, Lynch HT, Stanislav GV, Watson PA, Lanspa SJ, Marcus JN, Smyrk T, Kriegler MD, Lynch JF - Recognition and treatment of patients with hereditary nonpolyposis colon cancer (Lynch syndromes I and II). Arch Surg 1987; 206: 289-295.
7. Vasen HF, Wijnen JT, Menko FH, Kleibeuker JH, Taal BG, Griffioen G, Nagengast FM, Meijers-Heijboer EH, Bertario L, Varesco L, Bisgaard ML, Mohr J, Fodde R, Khan PM - Cancer risk in families with hereditary nonpolyposis colorectal cancer diagnosed by mutation analysis. Gastroenterology 1996 Apr;110(4):1020-1027.
8. Aarnio M, Sankila R, Pukkala E, Salovaara R, Aaltonen La, De La Chapelle A, Peltomaki P, Mecklin JP, Jarvinen HJ - Cancer risk in mutation carriers of DNA-mismatch-repair genes. Int J Cancer 1999 Apr 12;81(2):214-218.
9. Thorson AG, Knezetic JA, Lynch HT - A century of progress in hereditary nonpolyposis colorectal cancer (Lynch syndrome). Dis Colon Rectum 1999 Jan;42(1):1-9.
10. Lynch HT, Smyrk T, Lynch JF - Overview of natural history, pathology, molecular genetics and management of HNPCC (Lynch Syndrome). Int J Cancer 1996 Feb 20;69(1):38-43.
11. Vasen HF, Watson P, Mecklin JP, Lynch HT - New clinical criteria for hereditary nonpolyposis colorectal cancer (HNPCC, Lynch syndrome) proposed by the International Collaborative Group on HNPCC. Gastroenterology 1999 Jun;116(6):1453-1456.
12. Rodriguez-Bigas MA, Boland CR, Hamilton SR, Henson DE, Jass JR, Khan PM, Lynch H, Perucho M, Smyrk T, Sobin L, Srivastava S - A National Cancer Institute Workshop on Hereditary Nonpolyposis Colorectal Cancer Syndrome: meeting highlights and Bethesda guidelines. J Natl Cancer Inst 1997; 89(23):1758-62.
13. Boland CR, Thibodeau SN, Hamilton SR, Sidransky D, Eshleman JR, Burt RW, Meltzer SJ, Rodriguez-Bigas MA, Fodde R, Ranzani GNm, Srivastava S - A National Cancer Institute Workshop on Microsatellite Instability for cancer detection and familial predisposition: development of international criteria for the determination of microsatellite instability in colorectal cancer. Cancer Res 1998 Nov 15; 58(22):5248-5257.
14. Dietmaier W, Wallinger S, Bocker T, Kullmann F, Fishel R, Ruschoff J - Diagnostic microsatellite instability: definition and correlation with mismatch repair expression. Cancer Res 1997; 57:4749-4756.
15. Peltomäki P - Microsatellite instability is associated with tumors that characterize the hereditary non-polyposis colorectal carcinoma syndrome. Cancer Res 1993a; 53:5853-5855.
16. Bocker T, Diermann J, Friedl W, Gebert J, Holinski-Feder E, Karner-Hanush J, Von Knebel-Doeberitz M, Koelble K, Moeslein G, Schackert HK, Wirtz HC, Fishel R, Ruschoff J - Microsatellite instability analysis: a multicenter study for reliability and quality control. Cancer Res 1997; 57:4739-4743.
17. Innis, M - Wright DK & Manos MM PCR Protocols, Academic Press, 1990. 153 p.
18. Schlegel J, Bocker T, Schlegel J, Bocker T, Zirngibl H, Hofstadter F, Ruschoff J - Detection of microsatellite instability in human colorectal carcinomas using a nonradioactive PCR-based screening technique. Virchows Arch 1995; 426: 223-227.
19. Powell SM - Clinical applications of molecular genetics in colorectal cancer. Sem Colon & Rectal Surg 1995; 6(1): 2-18.
20. Peltomaki P, Vansen HF - Mutations predisposing to hereditary nonpolyposis colorectal cancer: database and results of a collaborative study. The International Collaborative Group on Hereditary Nonpolyposis Colorectal Cancer. Gastroenterology 1997; 113(4):1146-58.
21. Lynch PM - Clinical challenges in management of familial adenomatous polyposis and hereditary nonpolyposis colorectal cancer. Cancer 1999; 86(8 Suppl):1713-9.
22. Vasen HF - Clinical diagnosis and management of hereditary colorectal cancer syndromes. J Clin Oncol 2000 Nov 1;18(21 Suppl):81S-92S
23. Terdiman JP, Gum JR Jr, Conrad PG, Miller GA, Weinberg V, Crawley SC, Levin TR, Reeves C, Schmitt A, Hepburn M, Sleisenger MH, Kim YS - Efficient detection of hereditary nonpolyposis colorectal cancer gene carriers by screening for tumor microsatellite instability before germline genetic testing. Gastroenterology 2001 Jan;120(1):21-30.
24. Jass JR, Do KA, Simms LA, Iino H, Wynter C, Pillay SP, Serale J, Radford-Smith G, Young J, Legget B - Morphology of sporadic colorectal cancer with DNA replication errors. Gut 1998; 42:673-9.
25. Aaltonen LA, Peltomaki P, Leach FS, Sistonen P, Pylkkanen L, Mecklin JP, Jarvinen H, Powel SM, Jen J, Hamilton ST, Petersen GM, Kinzler KW, Volgestein B, De La Chapelle A - Clues to the pathogenesis of familial colorectal cancer. Science 1993; 260:812-16.
26. Lin KM, Shashidharan M, Ternent CA, Thorson AG, Blatchford GJ, Christensen MA, Lanspa SJ, Lemon SJ, Watson P, Lynch HT - Colorectal and extracolonic cancer variations in MLH1/MSH2 hereditary nonpolyposis colorectal cancer kindreds and the general population. Dis Colon Rectum 1998; 41(4):428-33.
27. Peel DJ, Ziogas A, Fox EA, Gildea M, Laham B, Clements E, Kolodner RD, Anton-Culver H - Characterization of hereditary nonpolyposis colorectal cancer families from a population-based series of cases. J Natl Cancer Inst 2000; 92(18):1517-22.
28. Tinley S, Lynch H - Integration of family history and medical management of patients with hereditary cancers. Cancer 1999; 86:1705-12.
29. Watson P, Lynch HT - Extracolonic cancer in hereditary nonpolyposis colorectal cancer. Cancer 1993; 71(3):677-85.
30. Dieumegard B, Grandjouan S, Sabourin JC, Le Bihan Ml, Lefrere I, Bellefqih, Pignon JP, Rougier P, Lasser P, Benard J, Couturier D & Bressac-De Paillerets B - Extensive molecular screening for hereditary non-polyposis colorectal cancer. Br J Cancer 2000; 82(4):871-80.

Endereço para correspondência:
Raul Cutait
Rua Adma Jafet, nº 50 - 6º andar
01308-050 - São Paulo - SP

Trabalho realizado no Hospital Sírio e Libanês - São Paulo - SP