ARTIGOS ORIGINAIS


VIDEODEFECOGRAFIA COMPUTADORIZADA: NOVA TÉCNICA DE EXAME SEM RADIOGRAFIAS

CARLOS WALTER SOBRADO - TSBCP
CARLOS EDUARDO FONSECA PIRES
SERGIO EDUARDO ALONSO ARAÚJO -TSBCP
EDSON AMARO
ANGELITA HABR-GAMA-TSBCP
DESIDÉRIO ROBERTO KISS -TSBCP


SOBRADO CW, PIRES CEF, ARAÚJO SEA, AMARO E, HABR-GAMA A, KISS DR. Videodefecografia computadorizada: Nova técnica de exame sem radiografias. Rev bras Coloproct, 2002;22(4):248-251 

RESUMO : Resumo: Nas últimas décadas tem-se observado aumento no interesse pelo exame da defecografia para estudo da fisiologia e avaliação de distúrbios colorretais. A defecografia consiste em registrar, por meio de fluoroscopia e radiografias estáticas, diferentes situações da dinâmica anorretal: contração, repouso e evacuação. No método convencional, as radiografias são utilizadas para o cálculo de diversos parâmetros, tendo em vista as dificuldades em se obterem estes registros pelo uso da fluoroscopia. O presente trabalho propõe um novo método para medição dos parâmetros analisados pela defecografia, utilizando-se de um computador, expondo o paciente a menor radiação quando comparado ao método convencional.Dez indivíduos voluntários sem queixas colo-proctológicas foram submetidos ao exame de defecografia, quando foram obtidas, pelo método convencional (por meio de radiografias) e pelo método por computador (apenas vídeo), as seguintes medidas: ângulo anorretal, junção anorretal, comprimento do músculo puborretal, comprimento do canal anal; e grau de abertura do ânus, em cada uma das fases do exame. As avaliações e análises dos parâmetros defecográficos acima descritos, foram realizadas por dois observadores médicos independentes. Os resultados obtidos, após análise estatística, comprovaram a equivalência do método da videodefecografia computadorizada com o método convencional.O método de defecografia computadorizada é eficiente para medir os parâmetros da defecografia, utilizando apenas das imagens visualizadas pela fluoroscopia e, portanto, questiona-se a necessidade da realização das radiografias no exame de defecografia, o que torna o mesmo mais demorado e expõe o paciente a uma maior dose de radiação, ressaltando que, na maioria das vezes, são pacientes do sexo feminino e na idade reprodutiva.

Unitermos: defecografia, videodefecografia dinâmica computadorizada, nova técnica, radiação

INTRODUÇÃO
O exame de defecografia, descrito em 1952 por Lennart-Walldén, é reconhecido como método de imagem valioso para o estudo da fisiologia anorretal e investigação diagnóstica nos distúrbios da evacuação 1, 2, 3.
   
Há grande variação de métodos para aplicação do exame; no entanto, a maioria deles tem como base o que foi padronizado por Mahieu et col., em 19844. Após a aplicação de meio de contraste radio-opaco por via retal, o exame consiste em registrar, por meio de fluoroscopia e radiografias, diferentes situações da dinâmica anorretal que correspondem às seguintes fases do exame: contração, repouso, evacuação e após a evacuação. A análise do resultado do exame inclui, além da avaliação do vídeo registrado pela fluoroscopia, o cálculo de diversos parâmetros a partir das radiografias 5, 6.
    O presente estudo propõe o uso de método que inclui o computador para o cálculo desses mesmos parâmetros, dispensando o uso das radiografias. Foram comparados os dados obtidos pelo método convencional de cálculo com radiografia e os obtidos pelo método computadorizado.

Metodologia
O estudo foi aprovado pelos comitês de ética médica do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP e do Hospital das Clínicas da FMUSP e os participantes assinaram um termo de consentimento esclarecido, após terem sido detalhadamente orientados a respeito do exame ao qual se submeteriam, dos seus riscos e da publicação dos dados do estudo, preservando suas identidades.
    Dez indivíduos voluntários assintomáticos foram submetidos ao exame de defecografia. Entende-se por assintomático o fato de apresentar evacuações diárias, não ter doença anorretal constatada em exame proctológico, não fazer uso de laxantes ou medicamentos que alterem o trânsito intestinal, não ter sido submetido a cirurgia pélvica prévia e não apresentar queixas de incontinência ou obstipação.
    Os exames foram realizados de forma padronizada, sempre pela mesma equipe especializada e em local apropriado, no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O aparelho utilizado foi um da marca CGR (Compagnia Generale di Radiologia Spa), modelo TILTIX, acoplado a monitor de vídeo e videocassete profissional Intermed Vídeo Technologies Inc., modelo GXR-70U HI-FI. A composição, densidade e volume da pasta de contraste utilizada em todos os exames foram padronizados 2.
    Os seguintes parâmetros defecográficos foram considerados para o estudo:
- Ângulo Anorretal (AAR): ângulo existente entre uma reta que passa pelo eixo do canal anal e outra que passa pela borda inferior do reto distal, tendo sido calculado, nas três fases do exame: contração (AARco), repouso (AARre) e evacuação (AARev);
- Junção Anorretal (JAR): distância da junção anorretal até a linha imaginária que se estende da ponta do cóccix à borda inferior da sínfise púbica. Também medida nas três fases do exame (JARco, JARre e JARev);
- Linha C (LC) ou comprimento do músculo puborretal: linha que se estende da borda inferior da sínfise púbica no ponto de maior inflexão do músculo puborretal, na parede posterior do reto, medida nas três fases (LCco, LCre e LCev);
- Comprimento do canal anal (CCA); e
- Abertura do canal anal (AAN).
    Em cada um dos exames foram obtidos os valores dos parâmetros acima de duas formas, por equipes independentes: (1) método de cálculo convencional com radiografias e (2) método de cálculo por computador.
    No método computadorizado foi utilizado o programa ANGDIST, desenvolvido pelo Engenheiro Dr. Paulo Eduardo Pilon, do INCOR do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Tal programa calcula os parâmetros a partir de imagens digitalizadas do vídeo da fluoroscopia, com correção da distorção de imagem.
   
Na análise estatística foram comparadas as diferenças entre as médias dos diferentes parâmetros pelo teste de ANOVA e aplicado teste de Sperman para a correlação entre os métodos. A significância estatística foi associada a valor de p menor que 0,05.

Resultado
Dos dez participantes do estudo seis eram do sexo feminino. A idade variava de 20 a 47 anos, sendo a média de 25 + 2,9 anos.
    A análise das comparações entre os valores obtidos pelo método convencional de cálculos com radiografias e o método proposto de cálculo por computador não mostrou diferença estatística significante em nenhum dos parâmetros estudados (Tabela-1).

Tabela 1 - Média dos valores dos parâmetros calculados com radiografia (RX) e com computador (VDG).

Parâmetro  RX VDG p¤
AAR co 75,5 76 0,947
JAR co 2,27 2,13 0,715
Linha C co 5,37 5,49 0,796
AAR re 114,35 114,9 0,931
JAR re 3,7 3,85 0,822
Linha C re 7,47 7,76 0,662
AAR ev 139,35 134,3 0,521
JAR ev 4,67 4,66 0,985
Linha C ev 8,7 8,93 0,700
CCA  1,87 1,91 0,765
AAN 1,19 1,25 0,623
† valores dos AAR (co, re e ev) expressos em graus e valores dos demais parâmetros em centímetros; ¤ calculado pelo método ANOVA

    A análise da correlação entre os métodos mostrou coeficientes próximos de 1 em todos os parâmetros com significância estatística no teste de Sperman (Tabela-2).

Tabela 2 - Correlação entre os métodos de cálculos por radiografias e por computador.

Parâmetro  r * p
AAR co 0,84 0,012
JAR co 0,97  0,004
Linha C co 0,91 0,006
AAR re 0,93 0,005
JAR re 0,92 0,006
Linha C re 0,99 0,003
AAR ev 0,98  0,003
JAR ev 0,88 0,009
Linha C ev 0,99 0,003
CCA 0,84 0,116
AAN 0,92 0,006
* Coeficiente de correlação de Spearman

Discussão
A defecografia tem tido aplicação cada vez maior para a avaliação dos distúrbios funcionais colorretais 6, 7. Trata-se de método pouco invasivo, bem tolerado pelos pacientes e que oferece informações importantes quanto à dinâmica pélvica e fisiologia anorretal do paciente 5.
    No exame, diversos parâmetros podem ser mensurados como o ângulo anorretal, comprimento do canal anal, grau de abertura do ânus, comprimento do músculo puborretal, descenso perineal, esvaziamento retal após a evacuação, entre outros. Tais medidas são calculadas a partir das radiografias realizadas durante o exame, alegando-se dificuldade em se obterem os valores a partir da imagem registrada em vídeo pela fluoroscopia, por diversos motivos, entre os quais: digitalização e distorção das imagens 2, 6.
    Com o objetivo de superar esses obstáculos e dispensar a necessidade das radiografias, foi desenvolvido um programa, ANGDIST, capaz de calcular as medidas de ângulos e distâncias do exame, a partir de imagens digitalizadas da fluoroscopia gravada em vídeo. Esse programa trabalha com calibração horizontal e vertical independentes, eliminando dessa forma interferências decorrentes da distorção de imagem que ocorre na fluoroscopia 2.
    O presente estudo constatou forte correlação e concordância, entre o método convencional de cálculo com radiografias e o método proposto de cálculo por computador, dos parâmetros de ângulo anorretal, distância da junção anorretal e comprimento do puborretal, nas três fases do exame; comprimento do canal anal e abertura do canal anal.
    O grau de esvaziamento retal foi o único parâmetro defecográfico não avaliado por esse estudo, uma vez que em nosso serviço já é utilizado método computadorizado2, 8. Tal método consiste em calcular a diferença entre as áreas do reto contrastado nas fases de repouso e após a evacuação com auxílio de um programa de computação gráfica desenvolvido, em 1998, pelo Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP.
    Desde os estudos de Mahieu et col. (1984) em que se sugeriu a possibilidade de gravação do exame de fluoroscopia em vídeo, as radiografias têm permanecido como método de valor para avaliação e mensuração de parâmetros defecográficos. No entanto, diante da possibilidade de se realizarem tais medições por método que apresente eficácia similar e que não exponha o paciente a mais irradiação, além da recebida pela fluoroscopia, torna-se questionável o uso das radiografias 9, 10, 11. Neste contexto, o desenvolvimento do programa computadorizado denominado ANGDIST, que foi utilizado para cálculos de ângulos e distâncias, com correção almofada e calibração horizontal e vertical independentes, das imagens capturadas pelo computador; trouxe um grande avanço para este método de avaliação funcional da região pelvi-perineal.
    Apesar da exposição radioativa, durante o exame convencional com as radiografias, ter níveis considerados aceitáveis, a adoção do método computadorizado tornaria o exame mais inócuo 3, 11. Ratifica-se que grande número de pacientes submetidos ao exame se encontra na idade reprodutiva.
    Além disso, os custos não oferecem verdadeiro empecilho para adoção do método de videodefecografia computadorizada, uma vez que a tecnologia em informática necessária para tal está cada vez mais popular e acessível.
    Em suma, o método apresentado de cálculo por computador dos parâmetros defecográficos tem alta correlação com o método convencional, sendo recomendada sua aplicação por dispensar o uso de radiografias e, por conseguinte, menor exposição radioativa.

SUMMARY: In recent years, there has been a great increase in interest in defecography as an anorectal physiology method of study and evaluation for colorectal disturbances.The exam consists in recording the rectal expulsion of a barium paste that approximates the consistency of faeces with fluoroscopy. Radiographs are also taken for measuring parameters such as anorectal angle, the position of the anorectal junction, the length of the anal canal and anal canal opening.The present study introduces a new method of measuring parameters by computer, dismissing the radiographs without the amount of radiation exposure of the current method.Ten assymptomatic volunteers were submitted to the exam and the follow parameters were evaluated by the conventional (radiographs) and the computerized method: anorectal angle, anal canal length, anal canal angle and puborectal muscle length during each one of the phases of the exam. Independent observers obtained measures in each group.The data obtained was analyzed statistically and showed a significant correlation between the methods.The computerized method can surpass the difficulties by measuring the parameters of defecography directly from the images recorded by the fluoroscopy and thus not necessitating the radiographs. It probably makes the exam safer by diminishing the radiation exposure.

Key words: defecography, computerized dynamic videodefecography, novel technique, radiation exposure

Referências Biliográficas
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2. Sobrado Junior CW. Contribuição da videodefecografia dinâmica computadorizada no estudo de doentes submetidos à graciloplastia. São Paulo 1999. (Tese de doutorado - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
3. Goei R. Defecography: principles of technique and interpretation. Radiology 1993; 33: 356-60.
4. Mahieu P, Pringot J, Bodart P. Defecography. Description of a new procedure and results in normal patients. Gastrointest Radiol 1984; 9: 247-251.
5. Wiersma TG. Dynamic rectal examination: clinico-radiological correlation. Ed. Arnhem (Netherlands). Drukkerij Arnhem 1994.
6. Jorge JMN, Habr-Gama A, Wexner SD. Clinical applications and techniques of cinedefecography. Am J Surg 2001; 182: 93-101.
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10. Parry RA, Glaze SA, Archer BR. Typical patients radiation doses in diagnostic radiology. Radiographics 1999; 19:1289-302.
11. Zonca G, De Thomatis A, Marchesini R, Sala S, Bozzini B, Cozzi G et al. Dose assorbita dale gonadi dei pazienti adulti sottoposti a studio defecografico con acquisizione radiografica digitale o tradizionale. Radiol Med 1997; 94(5): 520-3.

Endereço para correspondência
Carlos Walter Sobrado
Rua Teodoro Sampaio, 352, Conjunto 76.
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Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.