TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO
Como sempre, gostaríamos de agradecer
aos nossos colegas a participação nesta seção, pois,
sem eles, ela não existiria. Lembramos sempre, que o
nosso objetivo é favorecer a participação de todos,
permitindo assim que emitam suas opiniões livremente.
Além destes agradecimentos, gostaríamos
de colocar aos colegas, que esta é uma TRIBUNA
LIVRE e não há necessidade de convites para que sua
opinião seja discutida. Enquanto houver
distintos posicionamentos dos apresentados, o tema será
mantido ou retornará à discussão, porém não serão
publicados os textos considerados contestatórios.
Gostaríamos ainda de solicitar aos colegas
que queiram participar, que enviem sugestões de
novos temas ou perguntas, bem como suas condutas nos
casos discutidos.
Àqueles interessados em colaborar,
manteremos sempre um canal aberto pelo Fax (019)
32543839 ou E-mail: fernandocordeiro@globo.com
Nesta edição discutiremos o tema: "Abscesso e fístula perianal", com a colaboração de membros da nossa Sociedade:
Julio César Monteiro dos Santos Junior
(Guaratinguetá-SP)
Olival de Oliveira Junior (Curitiba-PR)
Antes porém, gostaríamos de colocar a opinião do Júlio César Monteiro dos Santos Jr., com relação a um tema anteriormente publicado (Preparo do cólon para cirurgia eletiva. Rev Bras Coloproctol;21(4) 271-273, 2001 e por um problema de correio não a apresentamos nos últimos números como habitualmente o fazemos.
1. Como faz o preparo colônico para as
cirurgias eletivas? Qual?
R: Entendendo por preparo mecânico o
esvaziamento total do bolo fecal do intestino grosso, por meio
de laxativos e "lavagens" (anterógradas ou
retrógradas) associadas ou não à antibióticos não absorvíveis
dados por via oral, com o propósito de diminuir os
agentes contaminantes e infectantes da flora cólica, não
faço nenhum, exceto deixar o paciente apenas com
líquidos na véspera da operação (chamo de véspera, as 24
horas que antecedem o ato operatório). Como a
internação para o tratamento cirúrgico eletivo de doenças
do intestino grosso, salvo exceções, é feita às 19 horas
da noite no dia que antecede ao da operação, o paciente
é orientado para, em casa, ingerir apenas líquidos.
2. As condições do enfermo ou a segmentação
direita ou esquerda do cólon são fatores
determinantes de alteração neste preparo? Caso você não
realize nenhum tipo de preparo, isto é definitivo ou
algum fato pode alterar seu pensamento?
R: As condições do enfermo _ seu estado geral
de saúde, a existência de co-morbidade que
possam eventualmente ser fatores contribuintes para o
maior risco operatório recebem tratamentos específicos,
como preparo pré-cirúrgico, mas isso não envolve
especial atenção com o conteúdo do intestino grosso. O fato
de a segmentação envolver lado direito ou
esquerdo também não tem implicação alguma (a crença de
que as anastomoses com o cólon direito ou com o
cólon esquerdo teriam aspectos biológicos
diferentes envolvendo a cicatrização carece de
subsídios científicos). Assim, no momento, não me
ocorre nenhum fator que possa modificar a conduta.
3. Você tem experiência pelo preparo
intra-operatório (em situação eletiva)?
R: Tenho experiência com o preparo
intra-operatório, porém nunca usei de tal expediente em situação
eletiva. Aliás, o fato de não modificar as condições de
limpeza do intestino grosso, em operações eletivas, quando
o preparo pré-operatório não tinha atingido seu
objetivo foi uma das razões (isso aconteceu muito
com operações envolvendo pacientes com
megacólon chagásico) para repensar a respeito do tal preparo
e posteriormente, abandoná-lo de vez. Por outro
lado, na época em que usava o preparo mecânico em
meus pacientes, muitas vezes, em operações de urgência
usei o tubo de Muir para fazer preparo intra-operatório
_ procedimento perigoso e demorado.
4. O achado intraoperatório de um segmento
colônico não preparado pode fazê-lo mudar de
tática operatória?
R: Quando eu usava o preparo, o achado proposto
nunca foi motivo para mudança da tática cirúrgica, como
disse antes. Atualmente não uso o preparo.
5. Comentários adicionais?
Para esta questão, estou numa
situação privilegiada porque tenho acesso às respostas
dos outros participantes, e a Tribuna torna-se
interessante, justamente pelo fato de que os participantes
se expressam sem saber a expressão um do outro.
Portanto meus comentários devem ser considerados
particulares e velados.
Há muitos trabalhos na literatura
sobre operações cólicas sem preparo, além dos
estudos prospectivos com grupo controle. Há os outros,
sem grupo controle e os que relatam experiências
nas operações de emergências envolvendo doenças
do intestino grosso, assim como há um outro
contingente, cujo número é muito maior, que envolve a
"cirurgia"do trauma, onde o cirurgião geral "vem passando a
perna" nos proctologistas no tocante às condutas em relação
a preparo e ao reparo.
A minha posição relacionada ao preparo,
em particular, não é defender a operação sem o
preparo mecânico; muito menos atacar o preparo. Na
minha livre-docência (a tese foi sobre a omissão do
preparo mecânico) e em todas as apresentações livres e
artigos que escrevi, a ênfase tem sido dada para a falta
de consistência científica que há em alicerçar os bons
ou maus resultados obtidos nas operações
coloproctológicas ao bom ou ao mau preparo mecânico,
isso indo desde a biologia da cicatrização ate a
incidência de infecção da ferida operatória.
Se juntarmos os trabalhos da década de 50
e 60, sem exceção, que subsidiaram a idéia,
então intocável do preparo mecânico, e fizermos
análises científicas rigorosas de cada um deles, usando
os conhecimentos atuais, poderemos, com as devidas concessões, salvar apenas o nome dos autores.
São, fundamentalmente, sobre esses artigos, em que
há destaques especiais ao fato dos cólons de ter sido
ou não mecanicamente preparados, que estão
embasadas as posturas atuais sobre o que pode ou não
pode determinar o resultado final de uma operação
cirúrgica no intestino grosso.
Gostaria de agradecer a opinião do nosso colega, deixando sempre aberta esta porta para discussões futuras. Agora passaremos às questões desta edição:
1. Como você trata os abscessos perianais? Clinicamente ou cirurgicamente? Se cirurgicamente, em um único ou dois tempos? Utiliza antibióticos?
Julio César Monteiro dos Santos Jr. - Cirurgicamente, no hospital. Se possível, em um único tempo. Há, no entanto, situações em que não é possível determinar a cripta envolvida ou a origem do abscesso. Nesses casos, limito-me à drenagem, tal como combinado antes com o paciente. Quando a internação é inconveniente para o paciente, e o abscesso tem expressão externa pequena, providencio alívio imediato, no consultório, fazendo botão anestésico sobre o ponto mais proeminente do "tumor" e limitando-me a lancetá-lo. Uso antibiótico em casos selecionados _ diabéticos, desnutridos, imunodeprimidos, etc.
Olival de Oliveira Jr. - Eu costumo tratar abscesso perianal imediatamente, quando feito o diagnóstico, e de maneira cirúrgica em um tempo; com anestesia local ou bloqueio peridural. Uso antibiótico de rotina em todos os procedimentos perianais pois é sabido que o risco de bacteremia transitória em procedimentos ano-retais é em torno de 30%.
2. Como você investiga os abscessos perianais? Faz toque retal e retossigmoidoscopia pré-operatoriamente?
Julio César Monteiro dos Santos Jr. - O abscesso, no consultório é alvo, apenas, de inspeção. O exame físico é feito no intra-operatório, com o paciente anestesiado. O exame proctológico é completo.
Olival de Oliveira Jr. - O diagnóstico dos abscessos perianais normalmente é fácil através da história clínica e do exame proctológico, incluindo a retossigmoidoscopia sempre que possível. Existem abscessos que possam ser de diagnóstico mais difícil, como os pelvirretais; merecendo uma investigação mais aprofundada com exames de imagem como ultrassom endo-retal e/ou ressonância magnética.
3. E as fístulas perianais? Como investiga o trajeto?
Julio César Monteiro dos Santos Jr. - Na maioria das vezes o trajeto pode ser percebido pela palpação, durante o exame proctológico, o que nos dá a idéia do trajeto e de onde e por onde ele vem. Ele é novamente estudado no intra-operatório e para isso dispomos dos estiletes de prata com extremidades delicadamente rombas. O estudo pode ser complementado com injeção de soro fisiológico, puro ou tinto com azul de metileno, pelo orifício secundário e colhido no orifício primário. Isso pode ser feito tendo em mente que o trajeto de uma fístula, que na maioria das vezes é simples, pode ser, no entanto, complexo, com braços secundários de extensões variáveis.
Olival de Oliveira Jr. - O trajeto fistuloso perianal
é sempre uma incógnita. A nossa investigação
começa com uma avaliação através da inspeção
perianal detalhada, utilizamos xilocaína gel em toda a
região anal e perianal com palpação superficial a procura
do trajeto fistuloso que é identificado como um
cordão fibroso desde o orifício externo até o ânus.
Quando identificamos o trajeto em sua totalidade quer
dizer que provavelmente a fístula é superficial e
poderemos, na maioria das vezes, resolve-la em um tempo.
Quando não conseguimos palpar todo o trajeto,
tentamos cateterizá-lo com estilete, ainda no
consultório; lembrando que esta manobra pode ser
dolorosa, devendo ser feita com muito cuidado, e que nem
sempre conseguimos realizá-la. Nos casos de
fístulas complexas ou recidivadas investigamos
com ressonância magnética. No momento da
cirurgia utilizamos a cateterização do trajeto com estiletes
muito cuidadosamente para evitar a criação de falsos
trajetos. Após identificado todo o trajeto, realizamos
a fistulotomia, curetamos todo o tecido de
granulação do trajeto fistuloso e marsupializamos com a
mucosa e a pele utilizando o categut 00 simples. Nos casos
em que o envolvimento muscular é grande realizamos
a fistulotomia e colocamos o sedenho para realizar
o segundo tempo da fistulotomia em aproximadamente três semanas.
Nos casos de fístulas perianais em doenças de
Crohn tratamos com curetagem e drenagem dos trajetos
com Penrose de longa duração.
4. Existe lugar para o tratamento clínico das fístulas perianais?
Julio César Monteiro dos Santos Jr. - As fistulas perianais de etiologia inflamatória podem, inicialmente, serem alvos de tratamento clínico.
Olival de Oliveira Jr. - Nas fístulas perianais sem doenças secundárias (Crohn, DST...) normalmente orientamos o tratamento cirúrgico.
5. Comentários adicionais?
Julio César Monteiro dos Santos Jr. - Para comentários finais, faço minha, a frase de Elliot Prager, diretor de Residência em Cirurgia Colorretal, na Califórnia, quando ele disse: "O tratamento cirúrgico das fistulas perianais é, em potencial, um campo minado desafiando o cirurgião a usar suas habilidades na plenitude de seus conhecimentos". Isto é _ tratamento cirúrgico das fistulas-in-ano, não é campo todo venturoso, por duas razões principais. Primeira, a melhor oportunidade para o tratamento da fistula e para a cura do paciente está na primeira abordagem cirúrgica, razão porque deve se evitar a criação de falso trajeto e de um orifício primário artificial. O cirurgião deve ter suficiente perícia para reconhecer e determinar a massa muscular atravessada pelo trajeto, avaliando o local da abertura do orifício secundário e o local do orifício primário. Segundo, porque a secção inapropriada de massa muscular ou a criação de falso trajeto vai obrigar mais lesões musculares e subseqüente incontinência anal, seja para gases ou para fezes. Embora todos esses riscos possam ser minimizados pelo especialista, os pacientes que vão ser submetidos a esse tipo de tratamento cirúrgico devem ser sempre informados a respeito das possíveis alterações da continência.
Olival de Oliveira Jr. - Gostaríamos de comentar que existem pequenas "fistuletas" perianais, como por exemplo aquelas na linha média posterior atrás de plicomas, que muitas vezes são assintomáticas; nestes casos não orientamos tratamento cirúrgico.
Esta rodada de perguntas e respostas encerra esta seção da TRIBUNA LIVRE: COMO EU
FAÇO. Agradecemos novamente a inestimável colaboração dos colegas que prontamente responderam à nossa
solicitação e tornaram possível a realização de mais uma tribuna.
Este tema é amplo e nossa intenção é a de dar um rápido enfoque do tratamento da enfermidade
em vários locais alcançados por nossa Sociedade.
Se você tem alguma opinião divergente ou gostaria de completar aquilo que foi aqui referido,
escreva-nos.
Gostaríamos de ter sua participação efetiva independente de sua titulação dentro da sociedade e
mais uma vez agradecer àqueles que de maneira tão rápida, gentil e extremamente concisa colaboraram para
manter acesa conosco a chama desta TRIBUNA.
Novamente, o nosso fax é: 019.32543839 e
E-mail: fernandocordeiro@globo.com.
Participe.
Fernando Cordeiro