ARTIGOS ORIGINAIS
MIGUEL AUGUSTO ARCOVERDE NOGUEIRA
FRANCISCO SÉRGIO PINHEIRO REGADAS -TSBCP
STHELA MARIA MURAD REGADAS -TSBCP
LUSMAR VERAS RODRIGUES -TSBCP
ROMMEL PRATA REGADAS
MARILAC MARIA ARNALDO ALENCAR
RESUMO: O objetivo deste estudo foi verificar, comparativamente, a segurança da hemostasia da artéria ilíaca comum no cão, realizada pelo bisturi harmônico e com clipe metálico de titânio nº 400. Foram utilizados 20 cães, machos, pesando entre 14 e 19 kg. Os animais foram distribuídos em dois grupos: Grupo I constituído por 10 animais, os quais foram submetidos à secção da artéria ilíaca comum direita com bisturi harmônico e à ligadura da artéria ilíaca comum esquerda com clipe metálico de titânio nº 400, seguida de secção das mesmas com tesoura. O Grupo II também constituído por 10 animais, sendo que o procedimento de hemostasia pelo bisturi harmônico e com clipe metálico de titânio nº 400 foi realizado nas artérias comuns esquerda e direita, respectivamente. O diâmetro das artérias variou de 4,5 a 8,0 mm, não havendo diferença significativa entre os diâmetros das artérias ilíacas direita e esquerda (R=0,93; p<0,05). Todos os animais foram avaliados no trans e no pós-operatório imediato durante 10 minutos, através de inspeção visual para identificar eventual sangramento. Em seguida, foi realizado teste de tensão da zona hemostasiada com pressão máxima de 300mmHg sendo obtidos resultados semelhantes, não havendo vazamento de ar em nenhum dos grupos. Conclui-se que o presente modelo experimental possibilitou demonstrar que o bisturi harmônico apresenta a mesma segurança e eficácia do clipe metálico de titânio 400 na hemostasia de vasos sanguíneos com diâmetro médio de 5,7mm. Conclui-se também que o tempo necessário para promover hemostasia eficaz, quando utilizado o bisturí harmônico é superior ao do clipe metálico 400 e é diretamente proporcional ao diâmetro do vaso sangüíneo.
Unitermos: hemostasia, bisturi harmônico
INTRODUÇÃO
A hemostasia dos vasos sangüíneos durante
os procedimentos convencionais é normalmente
realizada com fios cirúrgicos, eletrocautério e mais
raramente com clipes metálicos. Nos procedimentos
cirúrgicos laparoscópicos, utiliza-se normalmente o
bisturi elétrico, cuja eficácia é limitada, pois, além de
não hemostasiar com segurança vasos sangüíneos de
médio calibre, produz excessiva fumaça, o que
prejudica a visualização do campo operatório e provoca
perda de CO2 durante seu
esvaziamento1. Os vasos
sangüíneos com diâmetros a partir de 2mm são
normalmente hemostasiados com clipes metálicos de titânio. No
início da década de 80, foi desenvolvido e introduzido
no mercado o bisturi harmônico (Ultracision
Ò), objetivando realizar concomitantemente a secção e a
hemostasia de tecidos e vasos sangüíneos com diâmetro
inferior a 5mm por meio de ondas ultrassônicas. Foi
na época utilizado com sucesso em procedimentos
cirúrgicos de grande porte, tais como em
esplenectomia parcial2, 3, fundoplicatura à
Nissen4, amputação
abdominoperineal5 e proctocolectomia total com
mucosectomia6,7,8. Mais recentemente passou a ser
utilizado, sobretudo em procedimentos
videolaparoscópicos, apresentando comprovada eficácia na hemostasia
de vasos com diâmetro até 5mm. Devido à ausência
de estudos experimentais utilizando-o na hemostasia
de vasos sanguíneos com diâmetros maiores é que
objetivou-se neste estudo verificar, comparativamente,
a hemostasia da artéria ilíaca comum no cão,
realizada pelo bisturi harmônico e o clipe metálico de titânio
nº 400.
Material e Método
Foram utilizados 20 animais (cães
domésticos), machos, com pesos corporais entre 14 e 19 kg,
clinicamente sadios, oriundos do canil da Prefeitura
Municipal de Fortaleza, Estado do Ceará. Todos passaram
por período de quarentena de 15 dias. Durante a
quarentena, foram submetidos a exame clínico e vacinados
contra a raiva. Os animais foram distribuídos em dois grupos:
Grupo I - Constituído por dez animais, os quais
foram submetidos à secção da artéria ilíaca comum
direita com bisturi harmônico e à ligadura da artéria
comum esquerda com clipes metálicos de titânio nº 400,
seguida de secção com tesoura de Metzenbaum.
Grupo II - Também constituídos por dez animais,
sendo submetidos à secção da artéria ilíaca comum
esquerda com bisturi harmônico e à ligadura da
artéria ilíaca comum direita com clipes metálicos de titânio
nº 400, seguida também de secção com tesoura de Metzenbaum.
Técnica Operatória - Todos os animais de
ambos os grupos foram submetidos a anestesia
dissociativa I.M. com associação de cloridrato de cetamina
(50mg/ml) (15 ml/Kg/peso vivo), cloridrato de 2 - (2,6
xilidino) - 5,6 dihidro - 4h - 1,3 - tiazina, (1 ml/Kg/peso
vivo). Durante os procedimentos cirúrgicos foram
administradas doses suplementares de anestésicos, quando
necessário. Após a indução anestésica, foi realizada
incisão mediana de 15cm e abertura da cavidade
abdominal por planos anatômicos. Em seguida, foram
identificadas, dissecadas e isoladas as artérias ilíacas
comuns direita e esquerda, realizando-se a medida
dos seus diâmetros com paquímetro. Nas secções dos
vasos sangüíneos com o bisturi harmônico, este foi
devidamente ajustado na freqüência do gerador no
"nível I" e a tesoura na posição "chapeada". O pedal foi
sempre acionado na posição "VAR" até ocorrer a
secção completa da artéria. Quando utilizados os clipes
metálicos de titânio nº 400, foram em número de três
e posicionados um distal e dois proximais ao ponto
de secção do vaso com tesoura de Metzenbaum. Em
ambos os grupos de animais, foi realizada a revisão
hemostática e mantida observação visual pelo período de
10 minutos. Após este intervalo de tempo, foi realizado
o teste de tensão que consistiu na insuflação de ar
até atingir a pressão de 300mmHg, através de uma
sonda posicionada no interior do vaso proximalmente à
zona hemostasiada ou clipada. Concluído o teste de
tensão, os animais eram submetidos à eutanásia com
cloreto de potássio a 20% E.V..
A análise estatística efetuou-se, na
comparação de medidas entre amostras pareadas, pelo
método (ou teste) de WILCOXON, sendo o teste de
Mann-Witney aplicado às amostras independentes; o
estudo da correlação utilizou o coeficiente de Spearman.
Elegeu-se o nível de significância em p = 0,05.
Resultados
O diâmetro da artéria ilíaca direita variou
de 5,0mm a 8,5mm, na média de 6,0mm. A esquerda
variou de 4,5 a 8,0mm, na média de 5,7mm.
Comparando os diâmetros das duas artérias, observou-se que
não há diferença estatisticamente significante
(R=0,93) (P<0,05) (Tabela-1). O tempo necessário para
seccionar a artéria ilíaca comum com o bisturi
harmônico variou de 104 a 202 segundos, com média de
146,5 segundos (Tabela-2). Houve correlação direta entre
o diâmetro do vaso com o tempo de secção. Não
ocorreu sangramento em nenhum animal, de ambos os
grupos, após a secção da artéria ilíaca comum no
período trans e/ou no pós-operatório imediato. Foi
realizado teste de tensão em todas as artérias ilíacas comuns
dos animais de ambos os grupos, insuflando-se até
atingir a pressão de 300 mm Hg. e não foi observado
vazamento de ar em nenhuma artéria de ambos os grupos.
Tabela 1 - Diâmetro das artérias ilíacas comuns
dos cães de ambos os grupos.
Animais | Diâmetro do vaso (mm) | |
Direito | Esquerdo | |
01 | 6,5 | 6,0 |
02 | 5,0 | 5,0 |
03 | 7,0 | 6,5 |
04 | 6,5 | 6,0 |
05 | 5,0 | 4,5 |
06 | 5,5 | 5,0 |
07 | 8,5 | 8,0 |
08 | 6,0 | 6,0 |
09 | 5,0 | 5,0 |
10 | 5,0 | 5,0 |
11 | 6,5 | 6,0 |
12 | 5,0 | 5,0 |
13 | 4,5 | 4,5 |
14 | 5,5 | 5,0 |
15 | 7,5 | 7,0 |
16 | 6,5 | 6,5 |
17 | 5,5 | 5,0 |
18 | 6,5 | 6,0 |
19 | 6,0 | 6,0 |
20 | 7,0 | 6,5 |
Média | 6,0 | 5,7 |
Tempo de secção e
hemostasia (segundos)
Tabela 2 - Tempo cirúrgico para realização da
secção e hemostasia com o bisturi harmônico.
Animais
01
159
02
115
03
165
04
133
05
104
06
113
07
202
08
170
09
130
10
125
11
155
12
120
13
112
14
125
15
178
16
156
17
125
18
175
19
176
20
192
Média
146,5
Discussão
Desde a introdução do acesso
laparoscópico na cirurgia digestiva que se busca
aprimoramento nas técnicas para controle da hemostasia,
desenvolvendo modelos de clipes hemostáticos e utilizando
bisturis elétricos mais
eficazes9,10,11. Ultimamente, tem sido utilizado, cada vez mais freqüentemente, o
bisturi harmônico, cujo princípio hemostático baseia-se
na ação de ondas ultrassônicas na freqüência de
55,5KHz (55.000 ciclos/segundo). Além de sua comprovada
eficácia, não produz fumaça durante o processo
hemostático e não provoca lesões térmicas iatrogênicas
em outros órgãos adjacentes, como tem sido relatado
quando da utilização de bisturi elétrico
convencional12. Foi inicialmente introduzido no mercado, no início da
década de 80, sendo as primeiras experiências
publicadas na realização de esplenectomias e ressecções
hepáticas segmentares2,13, operação de Miles
convencional5 e proctocolectomia com anastomose ileo-anal e
com bolsa em J7,8. Strate14 utilizou-o em pacientes com
marca-passo cardíaco em substituição ao bisturi
elétrico convencional e observou que não ocorreram
alterações eletrocardiográficas, mesmo utilizando-o próximo
ao marca-passo. Apesar de já apresentar duas décadas
de sua introdução no mercado, somente nos últimos
anos da década de 90, com a popularização dos
procedimentos laparoscópicos complexos é que houve
real interesse em sua utilização.
Rottemberg3 apresentou excelentes resultados ao utilizá-lo em quatro
esplenectomias laparoscópicas pediátricas, mencionando o
tempo cirúrgico médio de 100 minutos e com perda
sanguínea inferior a 10ml e permanência hospitalar de
dois dias. Kathey4 descreveu sua utilização na secção
de vasos gástricos curtos na fundoplicatura à Nissen
por via laparoscópica, relatando redução do tempo
cirúrgico, devido à maior rapidez em hemostasiá-los.
Kauko (1998) também apresentou excelentes resultados
ao utilizá-lo em histerectomias laparoscópicas e
reconstituição do assoalho pélvico. Existem poucos
estudos experimentais publicados sobre o uso do bisturi
harmônico. Heimann6 utilizou-o com sucesso em oito
colectomias totais com mucosectomia e abaixamento
endorretal do ileo em cães, enquanto
Minami15 testou-o com sucesso em histerectomia com ooforectomia
laparoscópica em duas cadelas. Todos os estudos
publicados mencionam o uso do bisturi harmônico em vasos
sanguíneos com diâmetro máximo de 2mm. Com o
intuito de testar sua eficácia em vasos sanguíneos com
diâmetros maiores é que constituiu-se o modelo
experimental em cão apresentado neste estudo,
objetivando analisar o efeito hemostático do bisturi harmônico
durante a secção da artéria ilíaca comum do cão,
comparando com o clipe metálico na artéria
contra-lateral. Foram operados vinte cães machos. Em dez
animais (Grupo I), foi utilizado o bisturi harmônico nas
artérias ilíacas direitas, enquanto que nos dez animais
do Grupo II, foi utilizado nas do lado esquerdo. No
entanto, não se constatou diferença estatística entre os
diâmetros das artérias ilíacas direita e esquerda. Os
diâmetros dos vasos sanguíneos variaram de 4,5mm
a 8,0mm, na média de 5,9mm. O tempo para
seccionar com hemostasia eficaz os vasos sanguíneos com o
bisturi harmônico variou de 104 a 202 segundos, na
média de 146,5 segundos. A eficácia da hemostasia
foi avaliada através de teste de tensão, insuflando-se
os vasos com pressão máxima de 300mmHg. Não
ocorreu vazamento de ar em nenhuma artéria de ambos
os grupos, constatando-se que a hemostasia
promovida pelo bisturi harmônico em vasos sanguíneos com
diâmetro médio de 5,7mm é semelhante à realizada
pelo clipe metálico. No entanto, apresenta a única
desvantagem de requerer tempo mais prolongado do que
a aplicação do clipe metálico que é realizada com
rapidez e segurança16,17. Outros estudos experimentais
poderão ser realizados no sentido de avaliar o
diâmetro máximo dos vasos sanguíneos que poderão ser
seccionados e hemostasiados com segurança, utilizando
o bisturi harmônico.
Conclui-se, no entanto, que o presente
modelo experimental possibilitou demonstrar que o
bisturi harmônico apresenta a mesma segurança e eficácia
do clipe metálico de titânio 400 na hemostasia de
vasos sanguíneos com diâmetro médio de 5,7mm. E o
tempo necessário para promover hemostasia eficaz é
superior ao do clipe metálico 400 e é diretamente
proporcional ao diâmetro do vaso sangüíneo.
Agradecemos ao Prof. Dr. João de Aguiar Pupo Neto pela brilhante participação como Membro da Banca Examinadora de Defesa desta Dissertação de Mestrado, ocasião em que prestou inestimável colaboração com suas sugestões a este trabalho.
SUMMARY: The aim of this study is to verify, comparatively, the hemostasis of the common ilíaca artery in dogs, done with the harmonic scalpel and the 400 titanium metallic clips. Twenty male dogs were used, weight between 14 and 19 kilograms. The animals were distributed in two groups: group I was composed by ten animals that were submitted to the sectioning of the right common íliaca artery with the harmonic scalpel and the link of the common left íliaca artery with the titanium 400 metalic clips followed by sectioning with scissors. Group II was also composed by 10 animals but the procedures of hemostasis with the harmonic scalpel and the titanium 400 metallic clips were done in both left and right common arteries, respectively. The diameter of the arteries varied from 4,5 to 8,0 mm, and there was no significant difference between the diameter of the right and left arteries (R=0,93; p < 0,05). All animals were evaluated in trans and in immediate post-operative up to ten minutes through the visual inspection to observe any bleeding. Next, the tension at the zone was measured with 300 mm Hg maximum pressure. Similar results were obtained and there was no air leak in any of the groups. In conclusion, the present experimental model demonstrated that the harmonic scalpel produced the same safety and efficacy as metallic clip 400 in hemostasis of blood vessels with median diameter of 5,7mm. The required time to promote efficacious hemostasis is longer than with metallic clip and is proportional to the blood vessels diameter.
Key words: hemostasia, harmonic scalpel
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(Tese de Mestrado - Escola Paulista de
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Endereço para correspondência:
Miguel Augusto Arcoverde
Av. Edilson Brasil Soares, 1892 Edson Queiroz
60834-220 - Fortaleza (CE)
Trabalho apresentado como Dissertação de Mestrado ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.