ARTIGOS ORIGINAIS
CARLOS WALTER SOBRADO JÚNIOR -TSBCP
CARLOS EDUARDO FONSECA PIRES
SERGIO EDUARDO ALONSO ARAÚJO -TSBCP
REGINA MARIA GODOY LOPES
ANGELITA HABR-GAMA -TSBCP
DESIDÉRIO ROBERTO KISS -TSBCP
SOBRADO JÚNIOR CW, PIRES CEF, ARAÚJO SEA, LOPES RMG, HABR-GAMA A, KISS DR. Dose de radiação na defecografia e
na videodefecografia computadorizada. Rev bras
Coloproct, 2003;23(1):20-24
RESUMO : A defecografia tem-se prestado cada vez mais para avaliação dos distúrbios funcionais colorretais. Nas últimas décadas, com o aumento do interesse pelo exame, surgiu maior preocupação quanto ao grau de exposição do paciente à irradiação, ressaltando que se trata, em grande parte, de pacientes na idade reprodutiva. Os estudos que abordam esse assunto limitam-se apenas a relatar a dose de irradiação, sem finalidade de propor mudanças ao método para diminuição dessas doses. Neste trabalho comparou-se a dose de irradiação absorvida em pontos representativos de oito regiões do corpo em dois grupos de voluntários normais: cinco indivíduos submetidos a defecografia convencional com fluoroscopia e radiografias; e dez indivíduos submetidos a videodefecografia computadorizada (apenas fluoroscopia). A dose de radiação absorvida nas diferentes regiões estudadas (representativas da tireóide, xifóide, mamas, lateral esquerda e direita da pelve e gônadas) foi menor no grupo submetido a apenas fluoroscopia. Apenas a região lateral direita da pelve não mostrou essa diferença estatisticamente significante. As radiografias na defecografia são utilizadas para o cálculo de parâmetros como ângulo anorretal, comprimento do canal anal, grau de abertura do ânus, comprimento do músculo puborretal e descenso perineal. No entanto, podem ser substituídas com eficácia por método de cálculo diretamente no vídeo da fluoroscopia com auxílio de programas de computador (Sobrado Júnior e col., 1999). Concluiu-se que há significativamente menor exposição à irradiação na videodefecografia computadorizada (VDG) comparada ao exame convencional. Assim, recomenda-se que a VDG sem a feitura de radiografias seja o método de escolha.
Unitermos: defecografia, constipação, radiação, videodefecografia computadorizada
INTRODUÇÃO
A defecografia é método radiológico de
estudo da defecação que fornece imagens das alterações
morfofuncionais da pelve e do segmento anorretal,
durante a evacuação. 10 Os primeiros relatos de estudos
radiológicos da dinâmica pélvica durante a evacuação
foram de Lennart Walldén, em 1952, mas apenas depois
dos estudos de Mahieu et al., em 1984, o exame
despertou interesse da comunidade médica mundial.
6, 9
A defecografia tem-se prestado cada vez
mais para avaliação dos distúrbios funcionais
colorretais, como discinesia, constipação, incontinência fecal,
dor anal, tenesmo, entre outros. 1, 4 Nas últimas
décadas, com o aumento da difusão e aplicabilidade do
exame surgiu maior preocupação quanto ao grau de
exposição do paciente à radiação.
2, 7, 11
Poucos são os estudos que abordam
especificamente esse assunto e, em geral, limitam-se a
relatar as doses de irradiação, sem a finalidade de
propor mudanças ao método para diminuição da
radiação exposta.
O presente trabalho tem por objetivo
comparar a taxa de exposição do paciente à irradiação durante
o exame de defecografia, utilizando dois métodos:
(1) metodologia convencional padronizada com
fluoroscopia e radiografias estáticas e (2) metodologia
proposta com uso apenas da fluoroscopia e gravação
do exame em fitas de videocassete.
MATERIAIS E MÉTODOS
Quinze indivíduos voluntários hígidos,
sem nenhum relato prévio de qualquer doença
intestinal, enquadrados nos critérios de inclusão (Tabela-1),
foram submetidos ao exame de defecografia, durante
o qual foi dosada a exposição à irradiação em
diferentes regiões do corpo. Todos os participantes assinaram
um termo de consentimento esclarecido, após terem
sido detalhadamente orientados a respeito do exame ao
qual se submeteriam, dos seus riscos e da publicação
dos dados do estudo preservando suas identidades. O
estudo foi aprovado pelos comitês de ética médica
do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP e do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Tabela 1 - Critérios de inclusão para os
voluntários do estudo.
1. idade entre 18 e 75 anos; |
2. apresentar evacuações diárias; |
3. não fazer esforço evacuatório; |
4. não ter doença anorretal constatada no exame proctológico; |
5. não fazer uso frequente de laxantes; |
6. não fazer uso de medicamentos que sabidamente alterem o tempo de trânsito intestinal; |
7. não ter sido submetido previamente à cirurgia pélvica; |
8. não apresentar incontinência anal; |
9. ter tido no máximo três gestações; e |
10. não ter história prévia de reação alérgica à solução de contraste. |
Os pacientes deste estudo foram divididos
em dois grupos, a saber: (1) cinco indivíduos
submetidos ao exame de defecografia convencional, em que se
realizaram, além da fluoroscopia, mais sete
radiografias estáticas; e (2) quinze indivíduos submetidos a
defecografia apenas com a fluoroscopia.
Os exames foram realizados de forma padronizada, sempre pela mesma equipe especializada e
em local apropriado para o exame, no Instituto de
Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP. O aparelho utilizado foi da marca
CGR (Compagnia Generale di Radiologia Spa),
modelo TILTIX, acoplado a monitor de vídeo e
videocassete profissional Intermed Vídeo
Technologies Inc., modelo GXR-70U HI-FI. A composição, densidade e
volume da pasta de contraste utilizada em todos os
exames foram padronizados.
O exame referido como convencional, realizado nos indivíduos do primeiro grupo, incluiu
além da fluoroscopia, mais sete radiografias: duas
radiografias durante o repouso, duas durante a contração
voluntária da musculatura pelviperineal, duas
durante esforço para evacuação e uma após a evacuação.
Essas radiografias foram utilizadas para medida
dos parâmetros defecográficos (ângulo anorretal,
descenso perineal, resíduo após evacuação, entre outros)
nas diferentes fases do exame.
No segundo grupo os parâmetros
defecográficos foram aferidos com o auxílio do programa
de computador ANGDIST, a partir de imagens
digitalizadas da fluoroscopia gravada em vídeo.
Considera-se que tal método possui a mesma eficácia do
método convencional conforme constatado nos estudos de
Sobrado Júnior (1999).8
Para a dosagem da exposição à radiação
foram utilizados dosímetros termoluminescentes em
oito pontos do corpo, conforme esquematizado na
Figura-1, representando: tireóide, mama direita e
esquerda, apêndice xifóide, lateral direita da pelve (entrada
dos raios-X), lateral esquerda da pelve (saída), gônada
direita e gônada esquerda.
Figura 1 - Posição dos dosímetros termoluminescentes. |
Os dados obtidos foram analisados estatisticamente utilizando-se do teste de significância de Kruskal-Wallis para a comparação entre as doses de irradiação, o tempo de duração do exame e as idades dos grupos. O teste Fisher foi usado para inferência sobre distribuição dos sexos.
RESULTADOS
Os resultados obtidos no estudo estão
resumidos na Tabela-2.
Tabela 2 - Sexo, idade e radiação absorvida dos indivíduos estudados.
Radiação absorvida (cGy) |
|||||||||||
Grupo | Pcte. | Idade | Sexo | Tireóide | Mama D | Mama E | Xifóide | Lateral D | Lateral E | Gonada D | Gonada E |
Fluoroscopia + Radiografias |
1 | 27 | M | 0,35 | 0,71 | 0,23 | 0,3 | 5,5 | 0,81 | 1,15 | 1,1 |
2 | 41 | M | 0,7 | 0,79 | 0,27 | 0,41 | 3,7 | 0,67 | 1,5 | 1,2 | |
3 | 57 | F | 0,51 | 0,63 | 0,81 | 0,5 | 2,3 | 0,53 | 0,9 | 0,8 | |
4 | 43 | F | 0,28 | 0,55 | 0,67 | 0,45 | 1,7 | 0,47 | 1 | 0,8 | |
5 | 31 | M | 0,31 | 0,44 | 0,6 | 0,51 | 1,5 | 0,39 | 0,9 | 0,61 | |
Fluoroscopia | 6 | 20 | M | 0,03 | 0,05 | 0,0089 | 0,04 | 1,1 | 0,001 | 0,15 | 0,07 |
7 | 33 | M | 0,13 | 0,2 | 0,09 | 0,02 | 3,7 | 0,00095 | 0,43 | 0,09 | |
8 | 24 | F | 0,03 | 0,004 | 0,04 | 0,29 | 1,7 | 0,09 | 0,46 | 0,2 | |
9 | 30 | F | 0,02 | 0,22 | 0,15 | 0,17 | 1,57 | 0,03 | 0,65 | 0,24 | |
10 | 33 | F | 0,17 | 0,38 | 0,04 | 0,4 | 2,2 | 0,02 | 0,98 | 0,43 | |
11 | 55 | F | 0,25 | 0,27 | 0,18 | 0,12 | 4,1 | 0,25 | 0,82 | 0,2 | |
12 | 45 | M | 0,06 | 0,21 | 0,27 | 0,2 | 1,08 | 0,21 | 0,37 | 0,24 | |
13 | 64 | F | 0,2 | 0,09 | 0,2 | 0,14 | 0,65 | 0,13 | 1,3 | 0,17 | |
14 | 38 | M | 0,14 | 0,15 | 0,13 | 0,18 | 2,27 | 0,22 | 0,22 | 0,13 | |
15 | 40 | M | 0,04 | 0,05 | 0,23 | 0,15 | 1,1 | 0,23 | 0,8 | 0,9 |
A análise das características quanto à distribuição dos sexos (p=1,0) e média das idades (p=0,83) entre os grupos não se mostrou significativa (Tabela-3).
Tabela 3 - Análise estatística dos dados estudados.
Grupo 1* | Grupo 2 | p | |
Idade (anos) | 39,80 | 38,20 | 0,71310 |
Sexo (fem./masc.) | 2/3 | 5/5 | 0,57340 |
Radiação absorvidapor região (cGy) |
|||
Tireoide | 0,43 | 0,11 | 0,00218 |
Mama D | 0,62 | 0,16 | 0,00218 |
Mama E | 0,52 | 0,13 | 0,00474 |
Xifóide | 0,43 | 0,17 | 0,00329 |
Lateral D | 2,94 | 1,95 | 0,17675 |
Lateral E | 0,57 | 0,12 | 0,00218 |
Gonada D | 1,09 | 0,62 | 0,01985 |
Gonada E | 0,90 | 0,27 | 0,00690 |
* Grupo 1: defecografia com fluoroscopia e radiografias | |||
Grupo 2: defecografia apenas com fluoroscopia |
A dose de radiação captada pelos
dosímetros nas regiões da tireóide, mamas direita e esquerda,
apêndice xifóide, lateral esquerda da pelve e gônadas
direita e esquerda foram significativamente
menores (p<0,05) no grupo submetido ao exame de
defecografia apenas com a fluoroscopia (Tabela-3). A média
das doses de radiação aferidas sobre a região lateral
direita da pelve foi menor no grupo 2 (apenas
fluoroscopia), porém sem significância estatística (p=0,69).
DISCUSSÃO
Nas últimas décadas, com o melhor
entendimento da fisiologia da dinâmica anorretal, o
exame de defecografia tem sido reconhecido como
método valioso para avaliação dos distúrbios da evacuação
na prática clínica.
De forma geral, o exame consiste em
aplicar um meio de contraste radio-opaco, semi-sólido, por
via retal com características similares à das fezes
enquanto registram-se imagens das diferentes fases da
dinâmica anorretal durante o processo de evacuação:
contração, repouso, evacuação e estado pós-evacuação.
Os registros das imagens são feitos por fluoroscopia
(registro dinâmico gravado em vídeo) e por
radiografias (registro estático em filmes de radiografia).
Algumas variações no método do exame podem ocorrer nos
diferentes serviços, como no número total de
radiografias estáticas realizadas, formulação e densidade do
contraste utilizado, entre outras nuanças.
3, 4, 10
Na metodologia convencional do exame, descrita acima, exigem-se as radiografias para permitir
o cálculo de parâmetros como descenso perineal,
ângulo anorretal, resíduo após evacuação, entre outros,
alegando-se a dificuldade em se realizarem tais
cálculos apenas com as imagens registradas em vídeo pela
fluoroscopia. Diante disso, um programa de
computador, ANGDIST, foi desenvolvido pelo engenheiro Dr.
Paulo Eduardo Pilon, do INCOR do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HC-FMUSP), para o cálculo dos mesmos
parâmetros através da digitalização das imagens gravadas
durante a fluoroscopia. O uso do programa ANGDIST,
a partir de 1998, passou a ser utilizado no INRAD
do HC-FMUSP como método de escolha para o
cálculo dos ângulos e medidas na defecografia, depois de
testada e confirmada sua eficácia e precisão
comparados aos métodos de medição convencional
8.
Questiona-se, desde então, a utilização das
radiografias estáticas na realização do exame de
defecografia, uma vez que o torna mais demorado e expõe
o paciente a maior dose de radiação. Considerando que
a maioria dos pacientes submetidos a este exame é do
sexo feminino, sendo grande parte ainda na idade
reprodutiva, é uma preocupação relevante a possibilidade
de a defecografia acarretar algum dano genético.
2, 10, 11
O presente estudo, motivado pelas
conclusões acima, comparou a exposição à radiação de
pacientes durante o exame convencional (fluoroscopia mais
radiografias estáticas), com o método empregado
no nosso serviço, apenas fluoroscopia gravada em vídeo.
Para todas as regiões do corpo
observou-se menor absorção de radiação nos indivíduos
submetidos à defecografia apenas com fluoroscopia. No
entanto, apenas a região lateral direita da pelve não
apresentou essa diferença estatisticamente
significante. Essa região foi a que apresentou maior absorção
de radiação comparada às outras regiões em ambos
os grupos.
Ressalta-se ainda que, depois da região
lateral direita da pelve, as regiões representativas das
gônadas direita e esquerda foram, respectivamente, as mais
expostas à radiação nos dois grupos.
De acordo com a Comissão Internacional
de Proteção Radiológica (ICRP, 1977) o risco de
alterações genéticas que acarretem efeito hereditário
grave é de 4 x 10-3 por
Sievert. 11 Portanto, se
considerarmos a dose absorvida nas regiões representativas das
gônadas como sendo a mesma dose de exposição do
órgão em si, calcula-se um risco aproximado de 4,36
x 10-5 para os pacientes submetidos à defecografia
com radiografias e de 2,47 x 10-5 para aqueles
submetidos ao exame com apenas fluoroscopia. Mesmo
considerando que tais riscos são ainda menores que o
risco natural de mutações genéticas, a adoção de um
método mais inócuo é justificada pela preocupação em
expor o paciente à menor quantidade de radiação
possível (diminuição de 43% do risco).
A partir dos dados expostos, recomenda-se
a simplificação da técnica de exame radiográfico da
dinâmica defecatória atualmente utilizada,
utilizando-se apenas a fluoroscopia gravada em vídeo, uma vez
que é disponível tecnologia em informática que
permite avaliação adequada e confiável dos parâmetros
na defecografia, não justificando o uso de
radiografias adicionais no exame.
SUMMARY: There has been increased interest in defecography as an exam for evaluation and diagnosis of colorectal disorders. Therefore, concern about the radiation exposure has also increased, since mostly young patients are submitted to this exam. The studies of this subject are limited to discussion about the amount of radiation exposure without purpose of any change for diminishing it. In this article, the doses of radiation exposure in assymptomatic volunteers were compared between two techniques of the exam: the conventional technique of defecography and a new computadorized videodefecography technique. The doses of radiation absorbed in eight representative regions of the body (thyroid, xiphoid process, nipples, lateral regions of the pelvis and gonads) were lower in the volunteers submitted to the computadorized videodefecography. Those differences were statistically significant in all compared regions, except the right lateral region of pelvis. The radiographs in the defecography are used only for obtaining measures as anorectal angle, anal canal length, anal canal opening, length of puborretalis muscle and perineal descend. However, the proposed method of computadorized videodefecography, which is equally effective on calculating those parameters by computer and dismissing radiographs, has the benefit of diminishing the radiation exposure as shown. We concluded that the computadorized videodefecography significantly diminishes the radiation exposure. And so, the use of this new technique should be recommended.
Key words: defecography, constipation, pelvic disorder, radiation exposure, videodefecography
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adulti sottoposti a studio defecografico con acquisizione
radiografica digitale o tradizionale. Radiol
Med 1997; 94(5): 520-3.
Endereço para correspondência:
Carlos Walter Sobrado Júnior
Rua Teodoro Sampaio 352, Conj. 76 - Pinheiros
05406-000 - São Paulo (Capital)
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da USP. Disciplina de Coloproctologia.