ATUALIZAÇÃO


ALTERAÇÕES DA CONTINÊNCIA ANAL APÓS TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS FÍSTULAS INTERESFINCTÉRICAS: ESTUDO FUNCIONAL E MANOMÉTRICO

Renato Araújo Bonardi - TSBCP


SHIH-CHING CHANG, JEN-KOU LIN. Change in anal canal continence after surgery for intersphincteral anal fistula: a functional and manometric study. Int. J Colorectal Dis (2003) 18:111-115.  

BONARDI RA .Atualização. Alterações da continencia anal após tratamento cirúrgico das fistulas interesfinctéricas: Estudo funcional e manométrico. Rev bras Coloproct, 2003;23(1):30-31

ABSTRATO
Seccionar completamente o esfíncter anal ou simplesmente abrir a porção anterior do trajeto fistuloso de uma fístula interesfincteriana é simples e eficiente no tratamento definitivo desta afecção, e geralmente com um risco de complicações relativamente baixo, porém pouco se conhece a respeito do resultado funcional e manométrico. O presente estudo avalia os efeitos clínicos e manométricos desta cirurgia sobre o esfíncter anal.

Casuística e Método
O estudo examinou 45 pacientes adultos submetidos a tratamento cirúrgico de fístula interesfincteriana. Os autores enviaram um questionário de avaliação de continência e realizaram manometria pré-operatória pelo menos 6 meses após a cirurgia. A técnica cirúrgica foi de abrir o trajeto fistuloso e ressecar os bordos cutâneos redundantes para melhor drenagem da ferida operatória em todos os casos.

Resultados
Houve um decréscimo significativo na pressão máxima de repouso ao longo dos 2 cm distais do esfíncter anal após o tratamento cirúrgico. A pressão máxima de contração após a cirurgia foi semelhante à do pré-operatório. O controle da continência foi significativamente pior nas mulheres e nos pacientes que apresentavam uma pressão de repouso baixa no pré operatório. A análise multivariada demonstrou uma pressão de repouso pré operatória como o único fator independente do controle da continência após a cirurgia da fístula anal.

Conclusão
Embora a abertura simples do trajeto fistuloso seja eficaz no tratamento da fístula interesfinctérica, deverá ser mais conservadora em pacientes com pressão de repouso abaixo dos níveis considerados normais no pré operatório.

Comentários
A abertura do trajeto fistuloso é um procedimento comum bastante difundido entre os cirurgiões gerais e coloproctologistas. O critério para se avaliar o sucesso do tratamento cirúrgico é o da incidência de recidiva e incontinência anal. Os índices de recidiva de 0% a 33% e distúrbios da continência de até 54% tem sido publicados na literatura. Outros fatores relacionados a incidência de recidiva após o tratamento da fístula anal são o tipo da fístula, identificação do orifício interno do trajeto fistuloso, cirurgia prévia e as fístulas em ferradura. O presente estudo demonstrou um índice de recidiva de 6.6%. A razão deste baixo índice é em função de que somente fístulas interesfinctéricas foram incluídas no protocolo. Estes resultados são semelhantes aos encontrados por Garcia-Aguilar e colaboradores.
    A contração involuntária do esfíncter anal interno mantém o anus fechado. A distensão da ampola retal produz o reflexo inibitório reto-anal, aumentando o contato do conteúdo fecal com a mucosa retal, de tal forma que se podem diferenciar flatos de fezes sólidas, garantindo a continência anal. No presente estudo, a alteração mais acentuada da função anal foi da diminuição da pressão anal de repouso, particularmente da porção mais distal do canal anal. Estes achados foram também comprovados por Belliveau e colaboradores.
    No trabalho de Garcia-Aguilar e colaboradores, o sexo feminino foi o maior fator preditivo de alteração da continência anal após o tratamento cirúrgico da fístula anal. No presente estudo os autores encontraram uma dificuldade da continência em 38%, comparável aos achados do trabalho de Garcia-Aguilar. Além disto os autores observaram que pacientes do sexo feminino apresentaram um maior grau de incontinência do que os do sexo masculino (p=0.048); e a pressão máxima de contração voluntária não se modificou após a cirurgia, como era de se esperar.
    Este trabalho é bastante interessante porque demonstra que pacientes com esfíncter anal hipotônico ou com comprovada pressão de repouso diminuída podem se tornar incontinentes com lesões esfincterianas pequenas e principalmente porque o esfíncter externo não compensa a lesão do esfíncter interno.
    A realização da manometria anal tem sido bastante solicitada pelos cirurgiões especialistas em pacientes com indicação cirúrgica de lesões anais. È um teste eficaz e de grande valia na avaliação pré-operatória. Somente o toque retal pode nos fornecer informações quando o esfíncter é hipotônico, porém nos pacientes com esfincteres normotônicos a secção do esfíncter interno pode resultar em dano permanente para a continência anal, principalmente em pacientes femininas.
    Temos realizado a manometria anal para avaliar o resultado de diferentes técnicas cirúrgicas no tratamento das hemorróidas. Sugerimos que os testes de manometria devam ser mais utilizados pelos cirurgiões gerais menos afeitos às conseqüências da fistulotomia cirúrgica.

Bibliografia recomendada
Belliveau P, Thomson JPS, Parks AG. Fístula in ano: a manometric study. Dis Colon Rectum 1983, 26:152-154.

Garcia-Aguilar J, Belmonte C, Wong WD, Goldberg SM, Madoff RD. Anal fistula surgery. Factors associated with recurrence and incontinence. Dis Colon Rectum 1996, 39:723-729.

Miller R, Bartolo DC, Cervero F, Mortensen NJ. Anorectal sampling: a comparison of normal and incontinent patients. Br J Surg 1988,75:44-47.