TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO


FERNANDO CORDEIRO -TSBCP
JOAQUIM SIMÕES NETO -ASBCP
LUCIA CÂMARA CASTRO OLIVEIRA -TSBCP
MAURO PINHO -TSBCP
STHELA MARIA MURAD REGADAS -TSBCP

CORDEIRO F, SIMÕES NETO J, OLIVEIRA LCC, PINHO M, REGADAS SMM. Tribuna Livre: como eu faço. Rev bras Coloproct, 2003;23(1):41-44

Como sempre, gostaríamos de agradecer aos nossos colegas a participação nesta seção, pois, sem eles, ela não existiria. Lembramos sempre, que o nosso objetivo é favorecer a participação de todos, permitindo assim que emitam suas opiniões livremente.
    Além destes agradecimentos, gostaríamos de colocar aos colegas, que esta é uma TRIBUNA LIVRE e não há necessidade de convites para que sua opinião seja discutida. Enquanto houver distintos posicionamentos dos apresentados, o tema será mantido ou retornará à discussão, porém não serão publicados os textos considerados contestatórios.
    Gostaríamos ainda de solicitar aos colegas que queiram participar, que enviem sugestões de novos temas ou perguntas, bem como suas condutas nos casos discutidos.
    Àqueles interessados em colaborar, manteremos sempre um canal aberto pelo fax 019.32524874 ou e-mail: fernandocordeiro@globo.com   
   
Nesta edição discutiremos o tema: "Fisiologia anorretal - quando e porquê!", com a colaboração de membros da nossa Sociedade:
Joaquim Simões Neto (Campinas-SP)
Lucia Câmara Castro Oliveira (Rio de Janeiro-RJ)
Mauro Pinho (Joinville-SC)
Sthela Maria Murad Regadas (Fortaleza-CE)

    Gostaria de agradecer a opinião dos nossos colegas, deixando sempre aberta esta porta para discussões futuras. Agora passaremos às questões desta edição:

1. Você realiza rotineiramente a manometria anorretal no seu exame coloproctologico? Em quais enfermidades ela é determinante para a sua conduta?

Joaquim Simões Neto - Não. O exame manométrico está indicado em toda enfermidade que possa estar associada com alterações da musculatura esfincteriana ou da sensibilidade anorretal, pois o exame proctológico (toque retal) é semelhante aos achados manométricos em até 86% dos casos. Além de enfermidades orificiais e da incontinência anal, a avaliação da constipação intestinal crônica deve incluir o exame, possibilitando o diagnóstico de diversas enfermidades, principalmente a doença de Hirschsprung e deformidades do assoalho pélvico, como retocele e descenso perineal.

Lucia Câmara Castro Oliveira - Não, a manometria não deve ser considerada como um exame de rotina numa avaliação coloproctológica inicial. Entretanto, nos casos de incontinência anal, a manometria anal faz parte do nosso protocolo de avaliação, juntamente com a ultrassonografia de canal anal, sempre, é claro, precedida de um minucioso exame clínico. Embora também possa ser utilizada para a investigação de outras enfermidades, como a constipação severa, a fissura anal crônica com hipertonia, o prolapso retal, casos de dor retal crônica, não acreditamos que a manometria seja determinante para a nossa conduta em nenhuma dessas situações, com exceção nos casos onde suspeitamos de megacólon congênito, onde a presença do reflexo inibitório exclui a doença e a ausência do reflexo é fortemente indicativa desta patologia. Porém a manometria anal deve ser idealmente associada a outros métodos de fisiologia e, principalmente, de uma avaliação clínica adequada, não sendo capaz de fazer um diagnóstico ou ditar uma conduta isoladamente, devendo ser utilizada de forma criteriosa e objetiva.

Mauro Pinho - Não utilizo a manometria de forma alguma de forma rotineira. Na verdade, tenho realizado o exame manométrico atualmente como um exame de exceção, na maior parte dos casos quando solicitado por outros colegas. Como já sugerido na pergunta, o motivo desta utilização pouco freqüente deve-se justamente à convicção de que apenas em raras situações ela poderá apresentar uma informação realmente relevante para definir a conduta a ser tomada. Em relação a estes casos, poderia lembrar as seguintes situações nas quais a manometria pode ser útil:
• Diagnóstico diferencial de Doença de Hirschprung em crianças acima de 5-6 anos, pois antes disto o exame apresenta elevado risco de erros devido à falta de cooperação do paciente;
• Demonstração objetiva do perfil manométrico quando isto se faz necessário, ou seja em casos de história clínica de incontinência aparentemente incompatível com o exame clínico ou para efeitos jurídicos;
• Embora não seja eu um entusiasta do biofeedback, acredito que exista indicação em alguns casos e, para isto, a manometria representa uma ferramenta importante.

Sthela Maria Murad Regadas - Indicamos a manometria em: Fissura anal, constipação crônica, incontinência fecal, cirurgias proctológicas e colo-proctológicas em que haja necessidade de avaliação esfincteriana (fistulas complicadas, abaixamento, anastomose colorretal muito baixa em idosos, retocele com queixas de incontinência para avaliar necessidade de reparo associado), avaliação de dor anal idiopática para exclusão de diagnósticos, pós-operatório de cirurgia proctológica com fissura residual persistente para descartar hipertonia associada.

2. Os achados manométricos isolados de hipertonia ou hipotonia esfincteriana são indicativos de tratamento cirúrgico?

Joaquim Simões Neto - Como qualquer exame subsidiário, os resultados devem ser correlacionados com o quadro clínico apresentado pelo paciente. Por vezes, a identificação de uma área hipotônica associada a alterações neurológicas pode contra-indicar um procedimento de correção da musculatura esfincteriana, pelo fato da manipulação cirúrgica poder acarretar a piora do quadro. Da mesma forma o simples achado de esfíncter hipertônico pode não justificar um procedimento intervencionista.

Lucia Câmara Castro Oliveira - Não. Mais uma vez, há que se associar os dados clínicos aos achados manométricos e resultados de outros exames. Por exemplo, nos casos de fissura anal crônica recidivante e refratária ao tratamento clínico com hipertonia associada, a confirmação de uma hipertonia anal importante na manometria, associada ao fenômeno de "overshoot", é um dado importante e que pode, nesses casos, indicar um tratamento cirúrgico ou químico, com toxina botulínica. Nesses casos a confirmação manométrica passa a ser um dado importante, que "tranqüiliza" o cirurgião, tornando a chance de uma incontinência menos provável.

Mauro Pinho - Nos casos de incontinência degenerativa, considero que a manometria pode por vezes auxiliar a identificação em termos objetivos dos casos nos quais o tratamento cirúrgico deva ser contra-indicado, devido a uma quase ausência da função esfincteriana ou naqueles em que a contração esteja preservada o suficiente para prever pouco benefício com o reparo. Quanto ao reparo por ruptura esfincteriana, não vejo maior benefício preditivo na utilização da manometria, pois o reparo deverá ser tentado de qualquer forma.

Sthela Maria Murad Regadas - Não. Preferimos tratar a clinica e os exames são complementares.

3. Quais as variáveis que você considera relevantes em uma avaliação manométrica?

Joaquim Simões Neto - O exame manométrico, independente da enfermidade apresentada, deve ser feito de maneira uniforme. Em nosso serviço de manometria, o paciente é posicionado em decúbito lateral esquerdo, e uma sonda de perfusão contínua de 08 canais é introduzida, até 10 cm da margem anal (sempre com o aparelho calibrado). A fase inicial do exame avalia as pressões de repouso (esfíncter interno) e a pressão de contração (zona de alta pressão), e com o auxílio de um extrator automático, é realizada uma análise vetorial da musculatura. Através desse método, a assimetria esfincteriana em determinada percentagem é quantificada e se presente, ocorre à identificação de neuropatias. Após essa avaliação, é estudado o esforço evacuatório, onde é avaliado o relaxamento da musculatura esfincteriana em uma manobra de evacuação.
    A próxima etapa consiste no estudo das contrações voluntária máxima e máxima mantida, aonde o paciente é orientado a realizar, em intervalos regulares, contrações musculares voluntárias (nosso padrão de avaliação consiste em 05 contrações). Em seguida, é observado o tempo máximo de contração do esfíncter (a pressão obtida deve ser superior a 50% da basal por um determinado período de tempo).
    Finalizando o estudo manométrico, é quantificada a sensibilidade retal. Esta é realizada através do estudo do Reflexo Inibitório Reto-anal, onde ocorre uma queda de pressão esfincteriana basal ao estímulo da distensão (não perceptível pelo paciente).Esta avaliação é feita em posições pré-estabelecidas (1, 2, e 3 cm da margem anal, com insuflação de 10, 20, 30, 40 ml de ar dentro de um balão acoplado a sonda retal). Considerada presente e normal em qualquer uma das situações descritas. Em seguida é testada a sensibilidade do canal anal, através da insuflação do balão de forma constante e lenta. Três valores são obtidos: Volume Sensatório Mínimo, Urgência Defecatória e Volume Máximo Tolerado. A última avaliação é da Complacência Retal, obtida através da seguinte fórmula volume máximo tolerado (ml) / (valor pressórico do Volume Máximo Tolerado (mmHg) - valor pressórico externo Volume Máximo Tolerado(mmHg)

Lucia Câmara Castro Oliveira - Nos casos de constipação, a presença do reflexo inibitório é um dado muito importante, principalmente entre os mais jovens. A manometria também pode sugerir a presença de anismo nos pacientes constipados. Entre os incontinentes, além dos gradientes pressóricos, utilizamos hoje novos parâmetros como a presença de fadiga muscular e assimetria esfincteriana. Quando a indicação associa-se ao cólon irritável, temos valorizado a primeira sensação e a capacidade retal e na avaliação pós-operatória de pacientes submetidos a abaixamentos e anastomoses coloanais valorizamos também a complacência retal e a presença do reflexo inibitório.

Mauro Pinho - Embora esteja ainda trabalhando com a medida das pressões máximas de repouso e contração, parece-me bastante promissora a adoção das medidas de volume e curva de fadiga. Não vejo maiores benefícios com a avaliação tridimensional do canal anal.

Sthela Maria Murad Regadas - Dependendo das indicações mas considero todas muito importantes.

4. Quando da realização de um exame manométrico, é necessário algum tipo de preparo intestinal?

Joaquim Simões Neto - Sim. A presença de fezes no canal anal dificulta a realização do exame, pois a perfusão dos cateteres (fluxo contínuo) pode ser interrompida pela presença da mesma, não evidenciando reais alterações da musculatura esfincteriana. Por isso optamos pela realização de 2 frascos de Fleet Enema®, 5 e 4 horas antes da realização do exame. Contudo, em casos especiais, métodos alternativos podem ser utilizados.

Lucia Câmara Castro Oliveira - Em geral recomendamos a utilização de um Fleet Enema® duas horas antes do procedimento, principalmente para os pacientes constipados.

Mauro Pinho - Embora não seja necessário realizar qualquer tipo de preparo de rotina para a manometria, poderão existir alguns casos nos quais a utilização de enemas prévios poderão ser úteis para evitar a presença de fecalomas, impedindo a realização da pesquisa do reflexo inibitório anal e possivelmente influindo sobre a pressão de repouso.

Sthela Maria Murad Regadas - Utilizamos quase que rotineiramente Fleet Enema®, 2h antes do exame. Exceto na fissura anal crônica.

5. Comentários adicionais?

Joaquim Simões Neto - A manometria anorretal realizada no país ainda carece de dados (valores normais), pois a maioria dos mesmos por nós utilizados, são de consensos americanos ou europeus. Deixo aqui uma sugestão para todos os interessados, para que possamos estimular a discussão de casos e ainda, chegar a valores manométricos apropriados para nossa população.

Lucia Câmara Castro Oliveira - Consideramos a manometria como o "carro-chefe" da avaliação fisiológica ano-retal e sabemos que hoje, esta avaliação pode nos auxiliar em diferentes situações, até mesmo sob o ponto de vista legal. Entretanto, deve ser utilizada de forma criteriosa, em centros especializados que trabalhem como referência em distúrbios de motilidade ano-retal, ou seja, jamais substituindo uma boa anamnese e um exame físico completo.

Mauro Pinho - Acredito que a manometria representou um elemento de fundamental importância para a compreensão da fisiologia anorretal normal e patológica. Os resultados frustrantes obtidos com as diferentes formas de abordagem cirúrgica da incontinência anal degenerativa e a ausência de um rigoroso valor preditivo nos casos de reparo esfincteriano fizeram com que seu valor ficasse restrito apenas a alguns casos selecionados, como mencionado acima. Na ausência de uma aplicabilidade prática bem definida, a relação custo-benefício ficou comprometida, considerando-se ainda a relativa complexidade dos equipamentos, em particular aqueles com múltiplos canais e bombas de infusão, necessitando um especial interesse e dedicação por parte do operador, sendo estes mais adequados para fins de pesquisa do que para a utilização na clínica diária.
    Entretanto, parece-me que para esta prática clínica devemos continuar a perseguir nosso objetivo de desenvolver equipamentos mais simplificados e de baixo custo, capazes de tornar a medida objetiva da pressão do canal anal um procedimento fácilmente acessível ao coloproctologista médio, sem a necessidade de um elevado grau de interesse ou especialização no estudo da fisiologia anorretal.

Sthela Maria Murad Regadas - Cada exame de fisiologia anorretal passa a ser melhor interpretado quando associado à clínica e aos demais exames de fisiologia.

Esta rodada de perguntas e respostas encerra esta seção da TRIBUNA LIVRE: COMO EU FAÇO. Agradecemos novamente a inestimável colaboração dos colegas que prontamente responderam à nossa solicitação e tornaram possível a realização de mais uma tribuna.
   
Este tema é amplo e nossa intenção é a de dar um rápido enfoque do tratamento da enfermidade em vários locais alcançados por nossa Sociedade.
   
Se você tem alguma opinião divergente ou gostaria de completar aquilo que foi aqui referido, escreva-nos.
   
Gostaríamos de ter sua participação efetiva independente de sua titulação dentro da sociedade e mais uma vez agradecer àqueles que de maneira tão rápida, gentil e extremamente concisa colaboraram para manter acesa conosco a chama desta TRIBUNA.
   
Novamente, o nosso fax é: 019.32543839 e E-mail: fernandocordeiro@globo.com 

Participe.

Fernando Cordeiro