CONGRESSO BRASILEIRO DE COLO-PROCTOLOGIA
THAISA BARBOSA SILVA
LEVINDO ALVES DE OLIVEIRA
BRUNO JUSTE WERNECK CÔRTES
CARLOS RENATO DOS REIS LEMOS
ROGÉRIO MONTEIRO DOS SANTOS
ANTÔNIO HILÁRIO ALVES FREITAS - FSBCP
MAGDA MARIA PROFETA DA LUZ -ASBCP
SÉRGIO ALEXANDRE DA CONCEIÇÃO
LUCIANA MARIA PYRAMO COSTA -TSBCP
FÁBIO LOPES DE QUEIROZ
RODRIGO GOMES DA SILVA
ANTÔNIO LACERDA FILHO -TSBCP
RAIMUNDO PESSOA VIEIRA-TSBCP
Resumo: A excisão total do mesorreto (ETM) vem se consolidando como o padrão-ouro do tratamento cirúrgico dos tumores de reto médio e inferior, com elevadas taxas de sobrevida em 5 anos e reduzida incidência de recorrência local, disfunções sexual e vesical1. No presente trabalho, 85 pacientes com neoplasia maligna de reto médio e inferior foram incluídos em um banco de dados para coleta prospectiva de informações. Os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico de acordo com os princípios da técnica de ETM. As complicações mais comuns foram infecção de ferida operatória (22%), fístula anastomótica (12%) e abscesso pélvico (8,5%). A mortalidade operatória foi de 4,7% (4 pacientes). Quatro pacientes (4,7%) apresentaram recorrência locorregional, sendo que dois deles faleceram em decorrência da doença. Vinte e seis pacientes foram avaliados, em um questionário padrão, em relação à qualidade de vida e funções sexual e urinária. Quinze pacientes (79%) apresentaram menos de quatro evacuações por dia. Disfunções sexuais menores como redução da lubrificação vaginal e ejaculação retrógrada ocorreram em 12,5% e 22,2%, respectivamente.
Unitermos: câncer de reto, excisão total do mesorreto, disfunções sexual, vesical e de esfíncter anal
Introdução
O câncer colorretal é a
3a causa mais freqüente de óbitos por doenças malignas no Brasil. O melhor
entendimento da disseminação tumoral tornou a
excisão total do mesorreto (ETM) o tratamento mais
adequado para os pacientes com tumores de reto médio e inferior.
O conceito de Excisão total do
mesorreto (ETM) e a importância da disseminação radial
dos tumores de reto foram introduzidos por R. J. Heald
e colaboradores em 19824. O princípio da cirurgia
de ETM é a completa ressecção de todo tecido
perirretal envolto por sua fáscia intacta, com margem
circunferencial negativa2-4. A ETM comprovadamente
melhorou a sobrevida em 5 anos e reduziu as taxas
de recorrência local e disfunções sexual e vesical
nesses pacientes1;7;9.
A ETM também permitiu uma redução
acentuada do número de amputações
abdominoperineais (AAP) do reto, ao aceitar margens cirúrgicas
menores que os 2 cm preconizados pela cirurgia
convencional1-3.
Além disso, a ETM permite a preservação
da inervação autonômica pélvica, sem comprometer
a radicalidade oncológica. Na cirurgia convencional,
a disfunção erétil ocorre em 5% a 65% dos pacientes
do sexo masculino, com idade menor ou igual a 65
anos. A perda da função ejaculatória ocorre em 14% a
69% dos casos e a bexiga neurogênica em 10% a
17%30. Enker et al.12, em 1997, avaliaram
prospectivamente 148 pacientes submetidos à ETM. A função sexual
estava completamente preservada em 57% dos pacientes submetidos à AAP e em 85% daqueles
submetidos à cirurgia com preservação do
esfíncter12.
O presente estudo analisou os dados
coletados de 85 pacientes submetidos a ETM com intenção
curativa nos últimos 3 anos. Foram determinadas a
mortalidade operatória, a sobrevida global e as
complicações precoces. Além disso, com um questionário
padronizado, os pacientes foram avaliados em relação
à qualidade de vida e disfunções sexuais e urinárias
no pós-operatório.
Pacientes e métodos
Após visita de três dos autores (FLQ,
MMPL, RGS) a Basingstoke, Inglaterra, a ETM passou a
ser utilizada em nossos serviços, conforme
preconizada por R. J. Heald1. Um banco de dados com coleta
prospectiva de informações quanto à morbidade e
mortalidade foi instituído.
No período entre abril de 1999 e junho de
2002, 85 pacientes com câncer de reto médio e inferior,
submetidos a tratamento cirúrgico com ETM, foram
incluídos em um estudo prospectivo. Dos 85
pacientes, 59 foram completamente avaliados em relação ao
estadiamento, morbidade (incluindo disfunções sexuais
e urinárias) e sobrevida. A mortalidade operatória e
a taxa de recorrência pélvica também foram avaliadas.
Foram incluídos pacientes com
diagnóstico histopatológico de adenocarcinoma de reto, com
ou sem evidência de metástase hepática ressecável, e
com a margem inferior do tumor localizada até 12 cm
da borda anal. A definição da localização foi feita em
todos os pacientes com a retossigmoidoscopia rígida,
em posição genu-peitoral. Pacientes com outros
diagnósticos histopatológicos (CCE, melanoma) e com
doença avançada localmente, exigindo ressecção mais
radical, foram excluídos. Os pacientes com tumor de
terço superior foram submetidos a excisão parcial do
mesorreto e não foram incluídos nesse estudo.
O pré-operatório incluiu a anamnese,
exame físico geral e proctológico, colonoscopia, exames
laboratoriais (incluindo o CEA) e um método de
imagem (US e/ou TC). Os pacientes foram acompanhados
ambulatorialmente com intervalo trimestral até o final
do segundo ano e, a partir daí, com intervalo semestral.
Os critérios para definir a recorrência
local foram o exame proctológico com confirmação
histopatológica de biópsia local ou evidência de recidiva
em estudos radiológicos, com subsequente progressão
clínica ou elevação do CEA.
Fatores patológicos adversos, como
margens de ressecção positivas, invasão linfática, sanguínea
e perineural, não foram avaliados neste estudo.
O estadiamento dos pacientes foi feito de
acordo com as classificações de Dukes modificada e TNM.
Durante esse período, nenhum protocolo formal foi
utilizado para indicar o tratamento adjuvante. A
radioterapia, associada ou não à quimioterapia, foi
indicada na maioria dos casos, para as lesões estadiadas
como T3 e T4 no pré - operatório e Dukes B2 e C no
pós-operatório.
Fístula anastomótica foi identificada pelo
exame digital, mostrando deiscência na linha
anastomótica e drenagem purulenta. Fístula radiológica foi
diagnosticada por enema opaco de enchimento, realizado
no terceiro mês pós-operatório. Os pacientes com
abscesso pélvico e anastomose íntegra ao exame digital não
foram considerados como tendo fístula. A
mortalidade operatória foi definida como óbito ocorrido até 30
dias após o procedimento cirúrgico.
Vinte e seis pacientes foram entrevistados,
por telefone, sendo questionados em relação a qualidade
de vida, funções sexual e vesical, no pré-operatório e
após 6 meses de acompanhamento. Foram excluídos os
pacientes submetidos a ETM há menos de 6 meses, aqueles
com impossibilidade de contato no período e os óbitos.
Os resultados foram analisados de acordo
com o teste T de Student e as proporções foram
comparadas usando o teste Qui-quadrado e exato de Fisher.
Os valores de sobrevida foram calculados de acordo
com o método de Kaplan-Meier. A sobrevida dos
pacientes foi avaliada a partir da data da cirurgia até junho
de 2002, (data da conclusão deste estudo), excluindo
a mortalidade operatória. Valores de p < 0,05 foram
aceitos como estatisticamente significativos.
Resultados
Dos 59 pacientes completamente avaliados
no estudo, 31 eram do sexo feminino e 28 do sexo
masculino. A idade variou entre 29 e 82 anos (média 59
anos). A média de duração dos sinais e sintomas, desde o
seu aparecimento até o diagnóstico, foi de 8,5 meses.
Os sinais e sintomas mais freqüentes foram:
sangramento (91,5%), tenesmo (42%), dor ano-retal (34%) e
constipação (30%).
O tempo médio de internação hospitalar foi
de 12 dias (variou entre 7 e 26 dias). Em todos os
pacientes o tipo histológico foi o adenocarcinoma,
predominando o moderadamente diferenciado (92%). A
distribuição dos pacientes segundo a localização do
tumor, tipo de cirurgia e classificação de Dukes modificada
é mostrada no Quadro-1. De acordo com a
classificação TNM, foram encontrados 34% estádio I, 26,4%
estádio II, 11,3% estádio IIIa, 18,7% estádio IIIb e
10,6% no estádio IV.
Quadro 1 - Distribuição dos pacientes por sexo, localização do tumor, tipo de cirurgia e estádio tumoral.
Variáveis | Homens n=28 (47,5%) |
Mulheres n=31 (52,5%) |
Total n=59 (%) |
Distância do tumor em relação à margem anal | |||
< 2 cm | 1 (3,6) | 8 (25,8) | 9 (15,2) |
2 a 5 cm | 17 (60,7) | 8 (25,8) | 24 (40,7) |
5 a 10 cm | 10 (35,7) | 13 (41,9) | 24 (40,7) |
10 a 12 cm | 0 (0) | 2 (6,4) | 2 (3,4) |
Tipo de cirurgia | |||
Amputação abdomino-perinea | l 4 (14,3) | 8 (26,0) | 12 (20,3) |
Ressecção transesfincteriana | 0 (0) | 1 (3,2) | 1 (1,7) |
Ressecção anterior baixa | 24 (85,7) | 21 (64,5) | 45 (74,6) |
Abaixamento endoanal | 0 (0) | 1 (3,2) | 1 (1,7) |
Estádio (classif. de Dukes modificada)* | |||
A | 1 (3,6) | 2 (6,4) | 3 (5,1) |
B1 | 5 (17,8) | 6 (19,3) | 11 (18,6) |
B2 | 8 (28,6) | 8 (25,8) | 16 (27,1) |
B3 | 0 (0) | 4 (12,9) | 4 (6,8) |
C1 | 0 (0) | 1 (3,2) | 1 (1,7) |
C2 | 4 (14,3) | 5 (16,1) | 9 (15,2) |
C3 | 0 (0) | 1 (3,2) | 1 ( 1,7) |
D | 4 (14,3) | 1 (3,2) | 5 (8,5) |
* Os estadiamentos não incluem os pacientes que foram a óbito. |
Nos pacientes submetidos à ressecção
anterior baixa ( RAB ), a anastomose colorretal ou coloanal
foi o método de escolha para a reconstrução do trânsito
intestinal, sendo feita uma estomia protetora em todos.
Dos pacientes com tumores localizados abaixo de 5 cm da borda anal, 67% foram submetidos
a RAB com necessidade de amputação em apenas
33% (p < 0,05). Já nos tumores localizados entre 5 e 12
cm, este procedimento foi realizado em apenas um
paciente (4%).
A reconstrução do trânsito utilizando a
bolsa colônica em J ocorreu em 26 pacientes (55%). No
presente estudo, não encontramos diferença
significativa em relação ao tempo médio de internação hospitalar
e às complicações pós-operatórias nos pacientes com
e sem bolsa em J.
Trinta e sete pacientes apresentaram
complicações no pós operatório, com morbidade de 62%.
Em 15 pacientes ( 23% ) elas foram menores, como
infecção de ferida operatória, retenção urinária
transitória, flebite e infecção urinária. As complicações mais
comuns foram infecção de ferida operatória (22%),
fístula anastomótica (12%), abscesso pélvico (8%) e
síndrome da resposta inflamatória sistêmica (13%). Necrose
do cólon abaixado ocorreu em 2 pacientes, resultando
em óbito de um deles.
No presente estudo, o tipo de cirurgia,
transfusão sanguínea e o uso da radioterapia pré ou
pós-operatória não aumentaram a morbidade de modo
significativo. No entanto, complicações
pós-operatórias foram mais freqüentes nos pacientes cujo tempo
cirúrgico foi maior que 5,5 horas (p = 0,04).
A mortalidade operatória foi de 4,7% (4
pacientes). Dois pacientes apresentaram sepse de
origem abdominal (fístulas); um apresentou fístula
traqueoesofágica com insuficiência respiratória (intubação
orotraqueal prolongada) e o outro, necrose do cólon
abaixado. Dois pacientes faleceram em decorrência da
doença recidivada, sendo que a primeira, classificada
como Dukes C2, apresentou AVC per-operatório com
seqüelas graves, o que contraindicou radio e
quimioterapia. A outra paciente foi, inicialmente, submetida a
RAB e, após a verificação do acometimento da margem
distal no per-operatório, foi feita a AAP.
Quatro pacientes apresentaram
recorrência locorregional (4,7%), sendo que três (75%) foram
submetidos a AAP (p=0.02).
O tempo médio de acompanhamento foi de
13 meses (variou entre 1 e 36 meses).
Na análise da curva de sobrevida de
Kaplan-Meier, 76% dos pacientes estariam vivos em 5
anos (Figura-1).
Figura 1 - Curva de sobrevida de Kaplan-Meier |
Dos 26 pacientes entrevistados, apenas 19
foram avaliados clinicamente quanto à função
intestinal, sendo excluídos os que apresentavam estomia. A
presença de escape fecal foi encontrada em 37% dos
pacientes com lesão situada abaixo de 5 cm e em 18%
dos pacientes com lesão acima de 5cm (p= 0,33).
Urgência evacuatória ocorreu em 2 pacientes (25%) com
lesão abaixo de 5 cm e em 3 (27%) com lesão acima de 5
cm (p=0,66). Quinze pacientes apresentaram menos de
4 evacuações por dia (Quadro-2). Trinta e três por
cento dos pacientes com mais de 60 anos apresentaram
escape fecal e urgência evacuatória, enquanto 14% dos
pacientes com idade menor que 60 anos apresentaram as
mesmas queixas (p= 0,36). Vinte e dois por cento dos
pacientes com bolsa colônica em J apresentaram
urgência evacuatória enquanto 30% dos pacientes sem bolsa
apresentaram o mesmo sintoma (p = 0,55).
Quadro 2 - Avaliação da função esfincteriana segundo a distância do tumor à margem anal.
Variáveis | Distância da lesão até a borda anal | Total | P | |
5 cm n: 11(%) | < 5 cm n: 8(%) | N=19 (%) | ||
Urgência evacuatória | 3 (27,3) | 2 (25) | 5 (26,3) | 0,66 |
Escape fecal | 2 (18,2) | 3 (37,5) | 5 (26,3) | 0,33 |
Necessidade de protetor | 5 (45,4) | 3 (37,5) | 8 (42,1) | 0,55 |
Diferenciação entre gases e fezes | 9 (81,8) | 6 (75) | 15(58,9) | 0,57 |
Sensação de evacuação incompleta | 6 (54,6) | 3 (37,5) | 9 (47,4) | 0,39 |
Incontinência fecal | 5 (45,4) | 3 (37,5) | 8 (42,1) | 0,55 |
> 4 episódios evacuatórios/dia | 1 (9,1) | 3 (37,5) | 4 (21,0) | 0,17 |
Foram avaliados apenas aqueles pacientes cuja estomia havia sido fechada |
Em relação à função sexual , 100% dos
homens mantiveram desejo sexual, enquanto a
ereção normal ocorreu em 55%. A ejaculação retrógrada
ocorreu em 22% dos pacientes. Nos pacientes do sexo
feminino, 87% mantiveram atividade sexual,
lubrificação vaginal e orgasmo normais no pós-operatório.
Dispareunia ocorreu em 12,5% dos casos (Quadro-3).
Quadro 3 - Função sexual em pacientes do sexo
feminino no pós-operatório tardio*
Variáveis | Amostra n=8 (%) |
Lubrificação vaginal normal | 7 (87,5) |
Desejo Sexual | 6 (75) |
Sexualmente ativa | 7 (87,5) |
Dispareunia | 1 (12,5) |
Orgasmo | 7 (87,5) |
* seis meses após o procedimento cirúrgico Foram excluídos os pacientes que não apresentavam vida sexual antes da cirurgia. |
Variáveis | Distância da lesão até a margem anal | Total | P | |
5 cm n=11 (%) | <5cm n=14 cm | N=25 (%) | ||
Dificuldade de esvaziamento da bexiga | 3 (27,3) | 0 (0) | 3 (12) | 0,07 |
Sensação de esvaziamento incompleto | 2 (18,2) | 1 (7,1) | 3 (12) | 0,40 |
Dor, queimação ou desconforto | 1 (9,1) | 2 (14,2) | 3 (12) | 0,59 |
Aumento da freqüência urinária | 3 (27,3) | 3 (21,4) | 6 (24) | 0,54 |
Incontinência urinária | 1 (9,1) | 1 (7,1) | 2 (8) | 0,70 |
Urgência urinária | 2 (18,2) | 1 (7,1) | 3 (12) | 0,41 |
* foram excluídos os pacientes que apresentavam disfunção urinária prévia. |
Na avaliação da qualidade de vida, a
diminuição das atividades profissionais, sociais e de lazer
ocorreram em 17%, 35% e 43% dos pacientes,
respectivamente. Todos os pacientes ficaram satisfeitos após
o fechamento da estomia (Quadro-5).
Quadro 5 - Distribuição dos pacientes segundo a qualidade de vida pós-operatória *
Variáveis | Homens n=11 (%) |
Mulheres n=12 (%) |
Total n=23 (%) |
Depressão | 1 (9,1) | 3 (25) | 4 (17,3) |
Ansiedade | 0 (0) | 1 (6,75) | 1 (4,3) |
Diminuição das atividades sociais | 3 (27,3) | 5 (43,25) | 8 (34,8) |
Diminuição das atividades de lazer | 4 (36,4) | 6 (50) | 10 (43,5) |
Diminuição das atividades profissionais | 3 (27,3) | 1 (6,25) | 4 (17,3) |
Insatisfação com o resultado da cirurgia | 2 (18,2) | 2 (12,5) | 4 (17,3) |
Satisfação após o fechamento da ileostomia** | 19 (100) | ||
* seis meses após a cirurgia ** válido apenas para os pacientes submetidos ao fechamento da ileostomia. Obs: três pacientes não foram avaliados. |
Discussão
A partir dos dois últimos decênios, o
tratamento cirúrgico convencional para os tumores de reto
médio e inferior tem sido substituído pela cirurgia de
ETM. Essa técnica produz a ressecção completa do reto
e sua gordura peri-retal, envoltos pelo folheto
visceral intacto da fáscia endopélvica. Além disso, preserva
a integridade do sistema nervoso autonômico
pélvico.4
A introdução da ETM proporcionou o
aumento de cirurgias conservadoras do esfíncter. A
aceitação da margem distal de 1 cm, desde que associada
à retirada de todo o mesorreto, com margens radiais
negativas, permitiu a preservação de esfíncter em
pacientes com tumores do terço inferior do reto. No
presente trabalho, a AAP foi realizada em apenas
20% dos pacientes. Nos tumores localizados entre 5 e
12 cm da borda anal, esse procedimento foi feito em
apenas um paciente (4%), sem prejuízo dos
princípios oncológicos.
A grande cavidade vazia resultante da completa ressecção do mesorreto e a provável redução
do suprimento sanguíneo do coto retal, sem tecido
mesorretal ao seu redor, são hipóteses levantadas para o
elevado índice de fístula na ETM 30. Heald e cols.,
em 1982, encontraram 17,4% de fístulas nos pacientes
submetidos a ETM, o que definiu a importância da
estomia protetora em todos os pacientes. Além disso,
acredita-se que a reconstrução do trânsito, utilizando-se
a bolsa colônica em J, reduz a taxa de complicação
após a ETM, incluindo fístulas. No presente estudo, 12%
dos pacientes submetidos a RAB apresentaram fístula,
sendo 10,3% de fístulas clínicas e 1,7% de fístulas
radiológicas. No entanto, a taxa de complicações foi
semelhante nos pacientes com e sem bolsa colônica em J.
Além do aumento na incidência de fístulas,
a introdução da ETM aumenta o tempo cirúrgico e a
necessidade de transfusões sanguíneas. No presente
trabalho, as complicações cirúrgicas foram mais
freqüentes nos pacientes cujo tempo cirúrgico foi maior (p
= 0,04), resultado semelhante ao encontrado na
literatura. Não houve diferença significativa na taxa de
complicações entre o grupo de pacientes que recebeu
transfusão sangüínea, quando comparado ao grupo que
não recebeu transfusão.
A incidência de recorrência pélvica
reduziu-se significativamente após a introdução da ETM.
Os dados de Heald et al5. tornaram-se referência do
tratamento cirúrgico do câncer de reto. Em 1986, esses
autores relataram uma taxa de recorrência de 2,6%
para ressecção curativa do câncer de reto. Vários
estudos também documentaram uma elevação na taxa
de recorrência local em pacientes submetidos a AAP
para câncer de reto inferior, quando comparados com
RAB para reto médio. No presente estudo, quatro
pacientes (4,7%) apresentaram recorrência locorregional,
sendo que três (75%) haviam sido submetidos a
AAP (p=0.02). Dentre os quatro pacientes, em um deles
a proposta inicial foi a RAB. No intra-operatório
observou-se que a secção do reto envolveu a margem
distal do tumor, optando-se pela amputação do reto
imediata. Essa secção na margem inferior do tumor foi
como uma ruptura tumoral intra-operatória,
reconhecidamente um fator prognóstico negativo. Outro paciente
era Dukes C2 e não se submeteu ao tratamento
adjuvante proposto devido a isquemia cerebral
intra-operatória. Um paciente apresentava metástase hepática,
potencialmente ressecável, no momento da AAP.
Os grupos de Heald e Enker relataram sobrevida em 5 anos de 80% e 81%,
respectivamente5,12. Quando nossos dados foram colocados na
curva de Kaplan-Meier, a probabilidade de sobrevida em
três e cinco anos dos pacientes estudados foi de 83% e
76%, respectivamente.
A função esfincteriana no pós-operatório
de ETM é influenciada por vários fatores. A altura da
lesão parece ser significativa no aparecimento
de disfunções, como urgência evacuatória, escape
fecal, incapacidade para diferenciar gases e fezes e o
número de evacuações
diárias.14,30,31 Urgência evacuatória
e escape fecal foram observados em 26% dos 19
pacientes entrevistados. Apenas 4 pacientes (21%)
apresentaram um número maior que quatro evacuações
por dia. Esses achados sugerem que, embora a ETM leve
a uma anastomose baixa, com a retirada de todo o
reservatório retal, aproximadamente 80% dos
pacientes mantém um número adequado de evacuações diárias.
A idade mais avançada dos pacientes
contribuiu para um percentual maior de disfunções
esfincterianas no pós-operatório. No presente trabalho,
dos pacientes avaliados com mais de 60 anos, 33%
apresentaram escape fecal e urgência evacuatória,
enquanto 14% daqueles com menos de 60 anos
apresentaram esses sintomas. No entanto, não houve diferença
significativa, provavelmente pelo pequeno número
da amostra (p= 0,37).
A bolsa colônica em J está indicada para
todos os pacientes submetidos a ETM nos quais a
anastomose ficará a aproximadamente 2 cm da linha pectínea.
Hida e cols mostraram que quando a anastomose fica
abaixo de 4 cm da borda anal, a bolsa apresenta
benefícios22,30. Os pacientes com bolsa apresentam menor
número de evacuações por dia, melhor escore de
continência , capacidade de distinguir gases de fezes e
menor utilização de drogas
anti-diarréicas33. Quarenta e nove por cento dos pacientes avaliados
clinicamente, no presente estudo, quanto à função esfincteriana,
foram submetidos a confecção de bolsa colônica em
J. No entanto, esses pacientes não apresentaram
menor taxa de urgência evacuatória e escape fecal,
quando comparados com o grupo de pacientes sem bolsa.
Provavelmente o número pequeno de pacientes
avaliados não permitiu que se detectasse a diferença
observada na literatura.
As disfunções sexual e urinária em
pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para neoplasia
de reto têm sido associadas a lesões da inervação
autonômica. Após as cirurgias convencionais, lesões de
inervação com conseqüente disfunção erétil e a perda
da capacidade ejaculatória podem ocorrer em 65% e
14% a 69% dos pacientes,
respectivamente11. Isso ocorre devido a dissecção às cegas e a rara identificação
dos nervos autonômicos. Entretanto, não há teste
objetivo para avaliar a função sexual. Desse modo, os
resultados obtidos por questionário devem ser
interpretados com cautela.
A disfunção sexual nos pacientes do sexo
masculino tem sido associada com a altura da lesão,
procedimento cirúrgico e idade do paciente. No
presente trabalho, 82% dos pacientes do sexo masculino
eram sexualmente ativos no pré-operatório. Esses
pacientes mantiveram 100% de desejo sexual após o
procedimento cirúrgico. A ejaculação retrógrada foi
encontrada em 22% dos pacientes, uma taxa elevada em
relação aos dados da literatura, que oscilam em torno
de 8,5%. O pequeno número da amostra não permitiu
avaliar as variáveis idade, procedimento cirúrgico ou
altura da lesão.
Após a cirurgia para tumores de reto,
parece haver uma incidência maior de disfunções sexuais
em mulheres. No presente estudo, no grupo de 15
mulheres avaliadas em relação à disfunção sexual,
apenas oito eram sexualmente ativas antes da cirurgia. A
presença de lubrificação vaginal e de vida
sexualmente ativa foi de 87%. Dispareunia foi observada em
12% dos casos. Esses achados são condizentes com
aqueles encontrados por outros autores.
A disfunção urinária é relatada em 8% a
54% dos pacientes submetidos à cirurgia convencional
de reto11. Na ETM, essa taxa cai para
aproximadamente 5%34. A grande maioria dos pacientes que
apresenta disfunção urinária logo após a cirurgia evolui com
melhora do quadro num período médio de 3 meses.
Por isso a maioria dos trabalhos que avalia
disfunção vesical é realizada 6 meses após a cirurgia. No
presente estudo, observamos uma taxa de 8% (2/25
pacientes) de incontinência urinária. A taxa de dificuldade
de esvaziamento da bexiga foi de 12% (3/25 pacientes).
A qualidade de vida é dado subjetivo e de difícil
avaliação. Embora os percentuais de disfunções
intestinais, vesicais e sexuais sejam bem menores que aqueles
relacionados à cirurgia convencional, ainda
encontramos vários pacientes com essas complicações. Outro
fator intimamente relacionado com a queda da qualidade
de vida é a necessidade de realização de ileostomia
temporária em praticamente 100% dos pacientes
submetidos à ETM.
Oitenta e três por cento dos pacientes
encontram-se satisfeitos com o resultado da cirurgia, o
que pode ser devido a perspectiva de cura da
doença neoplásica. O diagnóstico de uma afecção grave, a
invasão da integridade física proporcionada pela
cirurgia, a presença de uma estomia temporária, a
associação de tratamentos como quimioterapia e
radioterapia e, além disso, as complicações como
incontinência fecal e urinária fazem com que encontremos um
percentual significativo de depressão e redução
das atividades diárias como lazer e trabalho. No
presente trabalho, observou-se diminuição das atividades
sociais e de lazer em 34,8% e 43,5%, respectivamente.
A introdução de uma técnica cirúrgica
resulta na necessidade de uma avaliação contínua dos
resultados obtidos. Para esse fim, foi instituído um banco
de dados com coleta prospectiva de informações
referentes a morbidade e mortalidade. Os resultados
encontrados até o presente momento são compatíveis
com aqueles observados na literatura. É de se esperar
que após essa experiência inicial, os índices de
complicações reduzam.
Summary: Total mesorectal excision (TME) was introduced by R.J. Heald in 1982 as a new surgical technique for rectal cancer. TME has been reported to effectively reduce local recurrence and to carry better long-term survival rates. A prospective database of consecutive patients was undertaken to evaluate urinary and sexual dysfunction, local recurrence and survival in patients undergoing TME. Operative mortality was 4,7% ( 4/85 ). Five-year overall survival was 76% (Kaplan-Meier ). The overall local recurrence rate was 4,7 per cent. Urinary dysfunction was encountered in 8% of patients. Sexual function was preserved in 100% of male patients.
Key words: rectal cancer, Total mesorectal excision, sexual and urinary functions
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Endereço para correspondência:
Rodrigo Gomes da Silva
Instituto Alfa de Gastroenterologia
Av. Alfredo Balena, 110 - 20 andar - Ala oeste
30130-100 - Belo Horizonte ( MG)
E-mail: Rodrigogsilva@uol.com.br
Tel: (31) 32489403
Trabalho realizado pelos Serviços:
. Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais: Grupo de Coloproctologia do Instituto Alfa
de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de
Minas Gerais
. Serviço de Coloproctologia do Hospital dos Servidores do Estado de
Minas Gerais (IPSEMG)
. Serviço de Coloproctologia do Hospital Felício Rocho, Minas Gerais
. Serviço de Coloproctologia da Santa Casa de Misericórdia de
Minas Gerais
. Serviço de Coloproctologia do Hospital Evangélico, Minas Gerais