ARTIGOS ORIGINAIS
CARLOS WALTER SOBRADO JÚNIOR -TSBCP
CARLOS EDUARDO FONSECA PIRES
SERGIO EDUARDO ALONSO ARAÚJO-TSBCP
EDSON AMARO JÚNIOR
ANGELITA HABR-GAMA-TSBCP
DESIDÉRIO ROBERTO KISS-TSBCP
Resumo: O esvaziamento retal adequado, proporcionando satisfação do paciente, é o principal objetivo no processo de defecação, daí a grande importância de sua mensuração durante o exame de defecografia. Tal parâmetro é normalmente avaliado apenas de forma qualitativa e o presente trabalho propõe método objetivo de quantificação do esvaziamento retal por computador, a partir de imagens digitalizadas da fluoroscopia, e analisa os valores obtidos em vinte voluntários assintomáticos. A média do percentual de esvaziamento retal foi de 58,2 % (13,9), o tempo de evacuação médio foi de 43,3 ( 27,3) segundos e o número médio de contrações foi de 4,6 ( 2,2). Esses resultados foram discutidos e comparados com resultados obtidos em outros trabalhos na literatura. O método computadorizado descrito neste trabalho permite a avaliação do esvaziamento retal, de forma quantitativa, sem a necessidade de radiografias e os resultados obtidos em indivíduos assintomáticos são comparáveis aos da literatura.
Unitermos: esvaziamento retal, defecografia, videodefecografia
INTRODUÇÃO
Lennart Walldén, em 1952, descreveu pela
primeira vez o método de registro radiográfico da
pelve no processo de evacuação
1. Posteriormente, Mahieu et al. (1984) foram os responsáveis pela
padronização do método desse exame, difundindo a defecografia
no meio médico 2.
A defecografia tem grande importância na
avaliação da dinâmica pélvica e da função ano-retal.
A técnica convencional consiste em registrar de
forma dinâmica, por fluoroscopia, todo o processo de
evacuação e, além disso, radiografias registram cada
uma das fases do exame de forma estática. Variações
na técnica podem ser observadas nos diferentes
serviços, incluindo material de contraste utilizado, posição
do paciente durante o exame, número de radiografias
realizadas dentre outros 3, 4, 5, 6.
Os parâmetros comumente avaliados na defecografia incluem ângulo anorretal,
comprimento do canal anal, posição do períneo, comprimento
do músculo puborretal e abertura do canal anal. Além
disso, o esvaziamento retal, por vezes avaliado apenas
de forma qualitativa, constitui parâmetro importante
para avaliação desses pacientes, os quais
freqüentemente queixam-se de esforço exagerado às evacuações,
sensação de defecação obstruída ou esvaziamento
incompleto do conteúdo retal 7.
Motivados pelos benefícios e resultados
promissores da utilização da informática na
defecografia, constatados em trabalhos anteriores, propomos no
presente trabalho método computadorizado de cálculo
do esvaziamento retal, a partir da avaliação
desse parâmetro em voluntários normais
8, 9.
Casuística e Métodos
O estudo foi aprovado pelos comitês de
ética médica do Departamento de Gastroenterologia
da FMUSP e do Hospital das Clínicas da FMUSP e
os participantes assinaram um termo de
consentimento esclarecido, após terem sido detalhadamente
orientados a respeito do exame ao qual se submeteriam,
dos seus riscos e da publicação dos dados do estudo,
preservando suas identidades.
Vinte indivíduos voluntários
assintomáticos foram submetidos ao exame de defecografia.
Entende-se por assintomático o fato de apresentar
evacuações diárias, não ter doença anorretal constatada
em exame proctológico, não fazer uso de laxantes ou
medicamentos que alterem o trânsito intestinal, não
ter sido submetido a cirurgia pélvica prévia e não
apresentar queixas de incontinência ou obstipação.
Os exames foram aplicados de forma padronizada, sempre pela mesma equipe especializada e
em local apropriado, no Instituto de Radiologia do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
O aparelho utilizado foi da marca CGR
(Compagnia Generale di Radiologia Spa), modelo
TILTIX, acoplado a monitor de vídeo e videocassete
profissional Intermed Vídeo Technologies
Inc., modelo GXR-70U HI-FI. A composição, densidade e volume da
pasta de contraste utilizada em todos os exames
foram padronizados.
Em todos os exames foram calculados, pelo método de videodefecografia computadorizada,
os parâmetros de ângulo anorretal, comprimento e
abertura do canal anal, distância da junção anorretal,
comprimento do músculo puborretal e esvaziamento
do conteúdo retal. Esse último parâmetro, bem como
o tempo de duração da evacuação (TE) e o número
de contrações necessárias para exoneração do
conteúdo intestinal (C), foram os dados utilizados para
análise neste trabalho.
O esvaziamento do conteúdo retal (ER)
foi obtido com o cálculo da diferença de áreas, nas
fases de repouso e após evacuação, por meio de
programa de computação gráfica denominado PYTHON,
desenvolvido no Laboratório de Sistemas Integrados
(LSI) do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola
Politécnica da USP, sob a coordenação do Prof. Dr.
Marcelo Zuffo. Tal programa permite o cálculo da área
de superfície, das mais variadas formas, em pixels
(unidade de medida correspondente a um ponto de
uma imagem na tela do computador).
Para análise estatística da comparação da
idade, percentual de esvaziamento retal, tempo de
evacuação e número de contrações conforme o sexo, foi
utilizado o teste de significância de Kruskal-Wallis e
considerados significativos valores de p menores ou
iguais a 0,05.
Resultados
Cada um dos voluntários foi submetido a
apenas um exame de videodefecografia. Dos vinte
voluntários estudados, 7 eram do sexo feminino (35 %).
A idade variou entre 18 e 75 anos, sendo a média de
34,6 ± 14,32 anos.
O percentual de esvaziamento retal variou
de 34,79 a 79,79 %. A média do esvaziamento retal
entre todos os voluntários foi 58,24 ± 13,9 % e o tempo
médio da evacuação do contraste foi de 43,3 ± 27,28
segundos (Tabela-1).
Tabela 1 - Médias da idade, esvaziamento retal,
tempo de evacuação e número de contrações dos
vinte voluntários assintomáticos estudados.
Média | Desvio Padrão | |
Idade (anos) | 34,60 | 14,32 |
Esvaziamento retal (%) | 58,24 | 13,90 |
Tempo de evacuação (segundos) |
43,30 | 27,28 |
Número de contrações | 4,60 | 2,21 |
A comparação da idade, percentual de
esvaziamento retal e tempo de evacuação entre os
voluntários do sexo feminino e masculino não mostraram
diferença estatística significante. Esses resultados
estão resumidos na Tabela-2.
Tabela 2 - Idade, esvaziamento retal, tempo de
evacuação e número de contrações conforme sexo.
Feminino | Masculino | p | |
Idade (anos) | 35,43 | 34,15 | 0,474 |
(±11,33) | (±16,12) | ||
Esvaziamento retal (%) | 56,67 | 59,09 | 0,782 |
(±15,95) | (±13,29) | ||
Tempo de evacuação (segundos) | 48,57 | 40,46 | 0,579 |
(±30,77) | (±26,09) | ||
Número de contrações | 4,14 | 4,85 | 0,872 |
(±0,69) | (±2,70) |
Discussão
Atualmente, na análise da defecografia
valoriza-se muito mais o exame dinâmico registrado
pela fluoroscopia, restando às radiografias apenas a
importância no cálculo de distâncias e ângulos que
constituem os parâmetros clássicos da defecografia
9. Sobrado Júnior et al. (2002) descreveram método
computadorizado para o cálculo desses parâmetros,
ratificando a superfluidade das radiografias no exame
8. Em outro trabalho, os mesmos autores ressaltam a importância
do método computadorizado para diminuir a exposição
à radiação, além da simplificação da técnica de exame
10.
O grau de esvaziamento retal,
freqüentemente avaliado de forma subjetiva. representa dado
importante na avaliação de pacientes portadores de
diferentes distúrbios colorretais submetidos à defecografia
7. Portanto, deve ser valorizado e preferencialmente
avaliado de forma quantitativa.
As grandes variações dos resultados
observados na literatura são atribuídas principalmente a
fatores relacionados à técnica do exame que
influenciariam o esvaziamento retal, como as características
físicas do meio de contraste, o uso de lavagem retal
prévio ao exame, o volume injetado para o exame
(determinando maior ou menor distensão retal) e a
aderência do contraste à mucosa 7, 11,
12.
Diferentes métodos foram descritos na
literatura para avaliação do esvaziamento retal: expulsão
de balão, medidas do tempo evacuatório,
cintilografia, cálculos de áreas, peso e volumes
7, 11, 12, 13.
Bartram et al (1988) propuseram o cálculo
da área retal antes e depois da evacuação, a fim de se
obter avaliação mais precisa quanto ao esvaziamento
retal. Uma desvantagem desse método é que assume
valor constante para o diâmetro transversal lateral do reto
13. Halligan et al (1995) observaram correlação entre
a diferença de áreas, antes e após a evacuação, com
o peso do contraste retal eliminado 14. Chia-Bin
et al, em 1997, estudaram o esvaziamento retal em 21
indivíduos normais por meio de comparação da área
da imagem de contraste em radiografias realizadas
nas fases de repouso e após a evacuação e
observaram ampla variação nos resultados
7.
Recentemente, Karlbom et al (1999)
também confirmaram a correlação entre o peso e a
diferença das áreas de contraste calculadas através de
programa computacional, com validação do método
11.
O mesmo princípio foi utilizado no
presente trabalho, sendo a área calculada por
programa computacional a partir de imagens digitalizadas
do vídeo da fluoroscopia, o que dispensou o uso das
radiografias. A partir da seleção da imagem do
contraste no computador, o programa calcula a área de
superfície de cada uma das imagens (repouso e após a
evacuação) em pixels - unidade de medida de pontos de
uma imagem digitalizada 3. E, com a diferença desses
valores, obtém-se de forma instantânea a porcentagem
de contraste eliminado calculada pelo computador.
Dessa forma, utilizamos o método
computadorizado de comparação das áreas de contraste,
já validado por outros estudos, a fim de estudar
indivíduos não portadores de doenças colorretais
11, 15.
A comparação do esvaziamento do
conteúdo retal entre os sexos não se mostrou significativa
na amostra estudada. O mesmo foi observado na
comparação do número de contrações e tempo de evacuação.
Sabemos que indivíduos satisfeitos e
assintomáticos, do ponto de vista de doenças colorretais,
referem evacuações com alto grau de esvaziamento,
em tempo curto e com o menor número de contrações.
No entanto, novos estudos com amostras maiores e
mais específicas, como divisão por faixa etária e/ou
gênero, bem como estudos com pacientes portadores de
distúrbios colorretais, devem ser realizados,
utilizando-se métodos objetivos de quantificação do
esvaziamento retal. Daí poder-se-á concluir quanto aos valores
de normalidade e, então, aumentar a aplicabilidade
desses parâmetros da defecografia para a prática clínica.
Somos favoráveis ao uso do método de
avaliação do esvaziamento retal por computador, por
simplificar o cálculo comparado àqueles métodos
baseados em peso ou volume do contraste eliminado, além
da precisão em calcular áreas das mais variadas formas
e garantir maior padronização. Tudo isso somado ao
fato de não necessitar de radiografias.
A avaliação computadorizada do
esvaziamento retal, aplicada junto ao método descrito
anteriormente de videodefecografia computadorizada para
cálculo de ângulos e distâncias (parâmetros da
defecografia), dispensa completamente as radiografias,
diminuindo sobremaneira a exposição à radiação
dos pacientes submetidos ao exame 10, 16,
17.
Em suma, descrevemos método de cálculo
por computador do esvaziamento retal na videodefecografia e apresentamos os valores obtidos com o
estudo de voluntários normais.
O esvaziamento retal adequado,
proporcionando satisfação do paciente, é o principal objetivo
do mecanismo fisiológico de defecação, daí a grande
importância de sua mensuração, e que ao nosso ver
se constitui num dos principais parâmetros a ser
avaliado e estudado na defecografia.
SUMMARY: A normal rectal evacuation with patient satisfaction is the main purpose of the defecation act and that's the
importance of its assessment during the defecography examination. This parameter is normally evaluated by qualitative methods and the aim
of this study is to propose an objective and quantitative computerized method for the rectal emptying assessment, through
digitalized images from fluoroscopy videotape. We also evaluate the results obtained from the exam of twenty assymptomatic volunteers.
The mean of the rectal emptying was 58,2% ( 13,9), the mean of the defecation time was 43,3 seconds ( 27,3) and the mean of
efforts during defecation was 4,6 ( 2,2). These results were discussed and compared with those of other studies.
The described computadorized method permits an objective assessment of the rectal emptying without radiographs and the
obtained results were similar to those of the literature.
Key words: rectal emptying, rectal evacuation, defecography, videodefecograhy
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Endereço para correspondência:
Carlos Walter Sobrado Júnior
Rua Teodoro Sampaio, 352, Conj. 76.
05406-000 - Pinheiros - São Paulo (SP)
Fone: (11) 3082-3800 ou (11) 3068-8704
Fax: (11) 3068-8703
E-mail: sobrado@iconet.com.br
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da USP. Disciplina de Coloprocotologia