ARTIGOS ORIGINAIS


AVALIAÇÃO COMPUTADORIZADA DO ESVAZIAMENTO RETAL EM VOLUNTÁRIOS ASSINTOMÁTICOS

CARLOS WALTER SOBRADO JÚNIOR -TSBCP
CARLOS EDUARDO FONSECA PIRES
SERGIO EDUARDO ALONSO ARAÚJO-TSBCP
EDSON AMARO JÚNIOR
ANGELITA HABR-GAMA-TSBCP
DESIDÉRIO ROBERTO KISS-TSBC
P


SOBRADO JÚNIOR CW; PIRES CEF; ARAÚJO SEA; AMARO JÚNIOR E; HABR-GAMA A; KISS DR. Avaliação computadorizada do esvaziamento retal em voluntários assintomáticos. Rev bras Coloproct, 2003;23(1):5-8

Resumo: O esvaziamento retal adequado, proporcionando satisfação do paciente, é o principal objetivo no processo de defecação, daí a grande importância de sua mensuração durante o exame de defecografia. Tal parâmetro é normalmente avaliado apenas de forma qualitativa e o presente trabalho propõe método objetivo de quantificação do esvaziamento retal por computador, a partir de imagens digitalizadas da fluoroscopia, e analisa os valores obtidos em vinte voluntários assintomáticos. A média do percentual de esvaziamento retal foi de 58,2 % (13,9), o tempo de evacuação médio foi de 43,3 ( 27,3) segundos e o número médio de contrações foi de 4,6 ( 2,2). Esses resultados foram discutidos e comparados com resultados obtidos em outros trabalhos na literatura. O método computadorizado descrito neste trabalho permite a avaliação do esvaziamento retal, de forma quantitativa, sem a necessidade de radiografias e os resultados obtidos em indivíduos assintomáticos são comparáveis aos da literatura.

Unitermos: esvaziamento retal, defecografia, videodefecografia

INTRODUÇÃO
Lennart Walldén, em 1952, descreveu pela primeira vez o método de registro radiográfico da pelve no processo de evacuação 1. Posteriormente, Mahieu et al. (1984) foram os responsáveis pela padronização do método desse exame, difundindo a defecografia no meio médico 2.
    A defecografia tem grande importância na avaliação da dinâmica pélvica e da função ano-retal. A técnica convencional consiste em registrar de forma dinâmica, por fluoroscopia, todo o processo de evacuação e, além disso, radiografias registram cada uma das fases do exame de forma estática. Variações na técnica podem ser observadas nos diferentes serviços, incluindo material de contraste utilizado, posição do paciente durante o exame, número de radiografias realizadas dentre outros 3, 4, 5, 6.
    Os parâmetros comumente avaliados na defecografia incluem ângulo anorretal, comprimento do canal anal, posição do períneo, comprimento do músculo puborretal e abertura do canal anal. Além disso, o esvaziamento retal, por vezes avaliado apenas de forma qualitativa, constitui parâmetro importante para avaliação desses pacientes, os quais freqüentemente queixam-se de esforço exagerado às evacuações, sensação de defecação obstruída ou esvaziamento incompleto do conteúdo retal 7.
    Motivados pelos benefícios e resultados promissores da utilização da informática na defecografia, constatados em trabalhos anteriores, propomos no presente trabalho método computadorizado de cálculo do esvaziamento retal, a partir da avaliação desse parâmetro em voluntários normais 8, 9.

Casuística e Métodos
O estudo foi aprovado pelos comitês de ética médica do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP e do Hospital das Clínicas da FMUSP e os participantes assinaram um termo de consentimento esclarecido, após terem sido detalhadamente orientados a respeito do exame ao qual se submeteriam, dos seus riscos e da publicação dos dados do estudo, preservando suas identidades.
    Vinte indivíduos voluntários assintomáticos foram submetidos ao exame de defecografia. Entende-se por assintomático o fato de apresentar evacuações diárias, não ter doença anorretal constatada em exame proctológico, não fazer uso de laxantes ou medicamentos que alterem o trânsito intestinal, não ter sido submetido a cirurgia pélvica prévia e não apresentar queixas de incontinência ou obstipação.
    Os exames foram aplicados de forma padronizada, sempre pela mesma equipe especializada e em local apropriado, no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O aparelho utilizado foi da marca CGR (Compagnia Generale di Radiologia Spa), modelo TILTIX, acoplado a monitor de vídeo e videocassete profissional Intermed Vídeo Technologies Inc., modelo GXR-70U HI-FI. A composição, densidade e volume da pasta de contraste utilizada em todos os exames foram padronizados.
    Em todos os exames foram calculados, pelo método de videodefecografia computadorizada, os parâmetros de ângulo anorretal, comprimento e abertura do canal anal, distância da junção anorretal, comprimento do músculo puborretal e esvaziamento do conteúdo retal. Esse último parâmetro, bem como o tempo de duração da evacuação (TE) e o número de contrações necessárias para exoneração do conteúdo intestinal (C), foram os dados utilizados para análise neste trabalho.
    O esvaziamento do conteúdo retal (ER) foi obtido com o cálculo da diferença de áreas, nas fases de repouso e após evacuação, por meio de programa de computação gráfica denominado PYTHON, desenvolvido no Laboratório de Sistemas Integrados (LSI) do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP, sob a coordenação do Prof. Dr. Marcelo Zuffo. Tal programa permite o cálculo da área de superfície, das mais variadas formas, em pixels (unidade de medida correspondente a um ponto de uma imagem na tela do computador).
    Para análise estatística da comparação da idade, percentual de esvaziamento retal, tempo de evacuação e número de contrações conforme o sexo, foi utilizado o teste de significância de Kruskal-Wallis e considerados significativos valores de p menores ou iguais a 0,05.

Resultados
Cada um dos voluntários foi submetido a apenas um exame de videodefecografia. Dos vinte voluntários estudados, 7 eram do sexo feminino (35 %). A idade variou entre 18 e 75 anos, sendo a média de 34,6 ± 14,32 anos.
    O percentual de esvaziamento retal variou de 34,79 a 79,79 %. A média do esvaziamento retal entre todos os voluntários foi 58,24 ± 13,9 % e o tempo médio da evacuação do contraste foi de 43,3 ± 27,28 segundos (Tabela-1).


Tabela 1 - Médias da idade, esvaziamento retal, tempo de evacuação e número de contrações dos vinte voluntários assintomáticos estudados.
   Média  Desvio Padrão
Idade (anos) 34,60 14,32
Esvaziamento retal (%) 58,24 13,90

Tempo de evacuação (segundos)

43,30 27,28
Número de contrações 4,60  2,21

 

    A comparação da idade, percentual de esvaziamento retal e tempo de evacuação entre os voluntários do sexo feminino e masculino não mostraram diferença estatística significante. Esses resultados estão resumidos na Tabela-2.

Tabela 2 - Idade, esvaziamento retal, tempo de evacuação e número de contrações conforme sexo.
  Feminino  Masculino  p
Idade (anos) 35,43 34,15 0,474
  (±11,33) (±16,12)  
Esvaziamento retal (%) 56,67 59,09 0,782
  (±15,95)  (±13,29)  
Tempo de evacuação (segundos) 48,57 40,46 0,579
(±30,77) (±26,09)
Número de contrações 4,14 4,85 0,872
  (±0,69) (±2,70)  

     

Discussão
Atualmente, na análise da defecografia valoriza-se muito mais o exame dinâmico registrado pela fluoroscopia, restando às radiografias apenas a importância no cálculo de distâncias e ângulos que constituem os parâmetros clássicos da defecografia 9. Sobrado Júnior et al. (2002) descreveram método computadorizado para o cálculo desses parâmetros, ratificando a superfluidade das radiografias no exame 8. Em outro trabalho, os mesmos autores ressaltam a importância do método computadorizado para diminuir a exposição à radiação, além da simplificação da técnica de exame 10.
    O grau de esvaziamento retal, freqüentemente avaliado de forma subjetiva. representa dado importante na avaliação de pacientes portadores de diferentes distúrbios colorretais submetidos à defecografia 7. Portanto, deve ser valorizado e preferencialmente avaliado de forma quantitativa.
    As grandes variações dos resultados observados na literatura são atribuídas principalmente a fatores relacionados à técnica do exame que influenciariam o esvaziamento retal, como as características físicas do meio de contraste, o uso de lavagem retal prévio ao exame, o volume injetado para o exame (determinando maior ou menor distensão retal) e a aderência do contraste à mucosa 7, 11, 12.
    Diferentes métodos foram descritos na literatura para avaliação do esvaziamento retal: expulsão de balão, medidas do tempo evacuatório, cintilografia, cálculos de áreas, peso e volumes 7, 11, 12, 13.
    Bartram et al (1988) propuseram o cálculo da área retal antes e depois da evacuação, a fim de se obter avaliação mais precisa quanto ao esvaziamento retal. Uma desvantagem desse método é que assume valor constante para o diâmetro transversal lateral do reto 13. Halligan et al (1995) observaram correlação entre a diferença de áreas, antes e após a evacuação, com o peso do contraste retal eliminado 14. Chia-Bin et al, em 1997, estudaram o esvaziamento retal em 21 indivíduos normais por meio de comparação da área da imagem de contraste em radiografias realizadas nas fases de repouso e após a evacuação e observaram ampla variação nos resultados 7.
    Recentemente, Karlbom et al (1999) também confirmaram a correlação entre o peso e a diferença das áreas de contraste calculadas através de programa computacional, com validação do método 11.
    O mesmo princípio foi utilizado no presente trabalho, sendo a área calculada por programa computacional a partir de imagens digitalizadas do vídeo da fluoroscopia, o que dispensou o uso das radiografias. A partir da seleção da imagem do contraste no computador, o programa calcula a área de superfície de cada uma das imagens (repouso e após a evacuação) em pixels - unidade de medida de pontos de uma imagem digitalizada 3. E, com a diferença desses valores, obtém-se de forma instantânea a porcentagem de contraste eliminado calculada pelo computador.
    Dessa forma, utilizamos o método computadorizado de comparação das áreas de contraste, já validado por outros estudos, a fim de estudar indivíduos não portadores de doenças colorretais 11, 15.
    A comparação do esvaziamento do conteúdo retal entre os sexos não se mostrou significativa na amostra estudada. O mesmo foi observado na comparação do número de contrações e tempo de evacuação.
    Sabemos que indivíduos satisfeitos e assintomáticos, do ponto de vista de doenças colorretais, referem evacuações com alto grau de esvaziamento, em tempo curto e com o menor número de contrações. No entanto, novos estudos com amostras maiores e mais específicas, como divisão por faixa etária e/ou gênero, bem como estudos com pacientes portadores de distúrbios colorretais, devem ser realizados, utilizando-se métodos objetivos de quantificação do esvaziamento retal. Daí poder-se-á concluir quanto aos valores de normalidade e, então, aumentar a aplicabilidade desses parâmetros da defecografia para a prática clínica.
    Somos favoráveis ao uso do método de avaliação do esvaziamento retal por computador, por simplificar o cálculo comparado àqueles métodos baseados em peso ou volume do contraste eliminado, além da precisão em calcular áreas das mais variadas formas e garantir maior padronização. Tudo isso somado ao fato de não necessitar de radiografias.
    A avaliação computadorizada do esvaziamento retal, aplicada junto ao método descrito anteriormente de videodefecografia computadorizada para cálculo de ângulos e distâncias (parâmetros da defecografia), dispensa completamente as radiografias, diminuindo sobremaneira a exposição à radiação dos pacientes submetidos ao exame 10, 16, 17.
    Em suma, descrevemos método de cálculo por computador do esvaziamento retal na videodefecografia e apresentamos os valores obtidos com o estudo de voluntários normais.
    O esvaziamento retal adequado, proporcionando satisfação do paciente, é o principal objetivo do mecanismo fisiológico de defecação, daí a grande importância de sua mensuração, e que ao nosso ver se constitui num dos principais parâmetros a ser avaliado e estudado na defecografia.

SUMMARY: A normal rectal evacuation with patient satisfaction is the main purpose of the defecation act and that's the importance of its assessment during the defecography examination. This parameter is normally evaluated by qualitative methods and the aim of this study is to propose an objective and quantitative computerized method for the rectal emptying assessment, through digitalized images from fluoroscopy videotape. We also evaluate the results obtained from the exam of twenty assymptomatic volunteers.
   
The mean of the rectal emptying was 58,2% ( 13,9), the mean of the defecation time was 43,3 seconds ( 27,3) and the mean of efforts during defecation was 4,6 ( 2,2). These results were discussed and compared with those of other studies.
   
The described computadorized method permits an objective assessment of the rectal emptying without radiographs and the obtained results were similar to those of the literature.

Key words: rectal emptying, rectal evacuation, defecography, videodefecograhy

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Endereço para correspondência:
Carlos Walter Sobrado Júnior
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Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da USP. Disciplina de Coloprocotologia