ARTIGOS ORIGINAIS
JOSÉ ALFREDO DOS REIS NETO -TSBCP
FLAVIO ANTONIO QUILICI -TSBCP
FERNANDO CORDEIRO -TSBCP
JOSÉ ALFREDO DOS REIS JÚNIOR -TSBCP
ODORINO HIDEROSHI KAGOHARA -TSBCP
JOSÉ SIMÕES NETO -ASBCP
RICARDO DUTRA SUGAHARA -ASBCP
REIS NETO JA, QUILICI FA, CORDEIRO F, REIS JUNIOR JA, KAGOHARA O, SIMÕES
NETO J, SUGAHARA RD - Macroligadura alta: Um novo conceito no tratamento
ambulatorial das hemorroidas.
Rev bras Coloproct, 2003;23(1):9-14
RESUMO : Baseados no conceito de que a doença hemorroidária é conseqüência de alterações que ocorrem na porção cefálica do canal anal (enfraquecimento dos meios que sustentam a mucosa e os coxins vasculares submucosos), é descrito um método alternativo de ligadura elástica. As diferenças fundamentais para o tratamento convencional consistem em se realizar a ligadura na parte alta do canal anal ( 3 a 4 cm acima da linha pectínea) e apreensão de volume maior de mucosa (Macroligadura). A análise dos resultados obtidos em 115 pacientes portadores de hemorróidas internas classificadas como de graus III e IV revelou um índice de recidiva dos sintomas de 7% ( prolapso e hemorragia) que, no entanto, puderam ser tratados por nova Macroligadura. A incidência de complicações (dor intensa em 7,8%, hemorragia copiosa em 0,8% e tromboflebite e hematoma perianal em 4,3% dos enfermos) é similar às verificadas com os diversos tratamentos cirúrgicos descritos.
Unitermos: hemorróidas, doença hemorroidária, tratamento hemorroidário, ligadura elástica
INTRODUÇÃO
As hemorróidas são coxins de tecido
vascular localizados na submucosa do canal anal. Estes
coxins vasculares situam-se acima da zona de transição
que une o epitélio escamoso do anoderma ao epitélio
colunar do reto, sendo alimentados pela artéria
hemorroidária superior, que termina na submucosa logo
acima da linha pectínea 1.
Estudos de saturação de oxigênio do
sangue hemorroidário e o exame angiográfico seletivo das
artérias hemorroidárias têm demonstrado a existência
de anastomoses artériovenosas no interior destes
coxins vasculares 1.
Estes coxins vasculares funcionam como
verdadeiras almofadas submucosas durante a evacuação,
facilitando a continência quando repletos de sangue.
Estas almofadas de tecido vascular constituem,
portanto, parte da anatomia normal do canal anal.
A doença hemorroidária se manifesta
quando ocorrem alterações patológicas nestes coxins, com
o aparecimento de sintomas, resultantes de uma
combinação de congestão vascular e de deslocamento
deste coxim no sentido ab-oral. O substrato anatômico,
deste modo observado, resulta da degeneração do
estroma de tecido elástico e do tecido colágeno das
estruturas de suporte submucoso do coxim vascular. Vários
autores destacam que a deficiência de fixação do
músculo de Treitz, por degeneração de seu tecido
conjuntivo de suporte, seria causa importante neste
deslocamento do coxim 2. Talvez a ação combinada destes dois
fatores citados acima deveria ser considerada como as
causas mais importantes para o aparecimento da
doença hemorroidária 1, 2,
3.
A etiopatogenia destes distúrbios tem
causa variada 1, 3:
1. esforço excessivo e repetitivo da
evacuação (ou da tentativa de evacuação)
determinando o descenso anormal dos coxins vasculares;
2. dificuldade do esvaziamento venoso dos coxins vasculares em evacuações
realizadas em atitude e posição anormal com fezes
irregulares;
3. dieta pobre em resíduos (fibras) e com
pouca ingestão de água, acarretando o
endurecimento das fezes e um maior esforço defecatório;
4. hábitos errôneos de evacuar;
5. predisposição familiar, sem hereditariedade;
6. fatores desencadeantes ou agravantes como constipação intestinal, diarréia
crônica, gravidez e uso excessivo de laxativos.
O reconhecimento desta fisiopatologia é
muito importante para o correto tratamento da
doença hemorroidária. A escolha de uma forma de
tratamento deve fundamentar-se na natureza e na severidade
dos sintomas 1, 3, 4.
Uma série de métodos conservadores tem
sido aplicada com a finalidade de promover em maior
ou menor grau a fixação da mucosa no canal anal por
meio da efetivação de uma fibrose submucosa,
conseguida através de necrose isquêmica (ligadura elástica), de
um frio intenso (crioterapia) ou de calor localizado
(fotocoagulação)1, 4, 5. A meta-análise de todos estes
métodos demonstra, todavia, que, apesar dos bons
resultados conseguidos, a sua aplicação é restrita a
determinados graus da doença.
Baseados na fisiopatologia descrita, de um mecanismo duplo de degeneração do tecido de
sustentação (elástico e conectivo/muscular) no canal anal
em seu limite cefálico, surgiu o conceito da retirada de
um anel de mucosa/submucosa de canal anal, dois a
três cm acima da linha pectínea como tratamento da
doença hemorroidária interna: hemorroidectomia
mecânica, conseguida por meio de um aparelho de
sutura mecânica circular 6, 7. Os resultados até esta
data descritos são interessantes. Todavia, tal desiderato
também poderia ser alcançado ao se provocar uma
necrose isquêmica alta, desde que o volume de tecido
abarcado seja suficiente para fixar a mucosa. Esta
necrose seria conseguida por meio de uma ligadura elástica
mais alta (3 a 4 centímetros acima da linha pectínea) e
com a apreensão de um volume maior de mucosa, de
forma a se conseguir uma maior necrose e uma
conseqüente maior fixação mucosa.
Este estudo tem por finalidade apresentar
os resultados obtidos com a denominada Macroligadura alta.
MATERIAL E MÉTODO
Foram incluídos neste estudo:
1. Pacientes com doença hemorroidária interna,
classificada como de III ou IV, sem doença
hemorroidária externa e sem outras enfermidades
anais concomitantes.
2. Não houve discriminação de sexo, de raça ou
de idade.
Todos pacientes foram acompanhados após
o procedimento por um período mínimo de doze meses.
Foram, portanto, considerados como fatores de
exclusão:
1. Enfermos portadores de doenças
associadas que contra-indicaram a ligadura elástica;
2. Pacientes com doença hemorroidária
interna de I ou II graus;
3. Enfermos com doença hemorroidária
externa;
4. Pacientes com acompanhamento pós-procedimento, menor que doze meses.
De acordo com estes critérios foram
tratados na Clínica Reis Neto, em regime ambulatorial,
no período de Maio de 2.000 a Setembro de 2001,
115 pacientes portadores de doença hemorroidária
interna de graus III ou IV.
Dos 115 enfermos, 83 (72%) eram do sexo masculino e 32 (28%) do feminino, com idade
entre 20 e 84 anos (média de 51,5 anos).
O número de mamilos hemorroidários
internos de III ou IV graus por paciente foi: 11 (9,5%) com
um mamilo, 28 (24,5%) com dois e 76 (66%) com
três mamilos (Figura-1).
Figura 1 - Número de mamilos hemorroidários encontrados por paciente. |
Técnica:
· Paciente em decúbito lateral esquerdo (Sims),
sem preparo intestinal prévio e sem medicação
pré-operatória.
· Dilatação delicada do canal anal, utilizando-se
de um Dilatan (*) médio por um minuto ou da
própria dilatação digital.
· Introdução de anuscópio com a extremidade
em bisel e rotativa, de modo a expor os mamilos
com boa definição. Identificação das hemorróidas
internas, selecionando-se o local para colocação
da Macroligadura. Esta identificação é
facilitada quando o paciente realiza um pequeno esforço
para evacuar enquanto com o anuscópio.
· Identificados os mamilos a serem tratados,
realiza-se a ligadura por sucção da mucosa retal aos
três ou quatro centímetros acima da linha pectínea.
O aparelho de sucção deve ser postado
paralelamente à parede do anuscópio para que se aboque
no aparelho apenas mucosa e submucosa do canal anal. É interessante realizar-se primeiramente a
aspiração do mamilo sem a colocação do anel,
para se avaliar o volume total de mucosa a ser
apreendido. Nos pacientes mais tensos, a
infiltração submucosa de 0,5 ml de xilocaina ou
Cytanest(*) no local a ser aspirado e ligado, diminui o
tenesmo provocado pela aspiração.
· São realizadas duas ou três Macroligaduras
altas por paciente, numa mesma sessão, dependente
do número de mamilos internos existentes e das
condições de se conseguir colocar as ligaduras.
Com esta finalidade e para evitar estenose no local
das ligaduras, as mesmas devem ser dispostas em diferentes alturas do canal anal (Figura-2).
· Os sintomas relatados/verificados durante o
tratamento são anotados.
Figura 2 - Esquema de Macroligadura. Observar que a Macroligadura é realizada 3 a 4 cm acima da linha pectínea. |
Terminada a sessão de colocação das
Macroligaduras, por meio de uma sonda de plástico
número 8, injetam-se 10 mililitros de Lidocaina a 2%,
sem adrenalina, no interior da ampola retal.
Como medida suplementar, aplica-se 100 mg de Diclofenaco de potássio por via intramuscular.
Os pacientes são instruídos a seguir as
seguintes orientações:
· Evitar evacuar nas primeiras horas após o
tratamento.
· Utilizar por quatro dias consecutivos um
antiinflamatório não hormonal: movatec na dose
de 15 mg/dia.
· Entrar em contacto com a equipe médica
quando do aparecimento de quaisquer sintomas
(principalmente dor e hemorragia).
· Retorno para avaliação decorridos trinta dias
da Macroligadura.
Ao primeiro retorno, avaliam-se as condições
do canal anal e em pacientes nos quais foram apostas
apenas duas Macroligaduras, realiza-se uma terceira
Macroligadura. Nos pacientes ainda sintomáticos, uma
vez avaliada a causa, refaz-se o tratamento se necessário.
A dor relatada pós-Macroligadura é
mensurada em:
I. sem dor: paciente não teve necessidade de
tomar analgésicos.
II. moderada: necessidade de analgésicos orais
além do antiinflamatório prescrito.
III. intensa: necessidade de analgésicos
parenterais ademais do antiinflamatório prescrito.
RESULTADOS
Dos 115 pacientes tratados, 76 (66%) foram submetidos a três Macroligaduras na primeira
sessão, 37 (32,2%) a duas e 2 (1,8%) a apenas uma
Macroligadura na sessão inicial.
Foi realizada somente uma sessão de Macroligadura em 103 (89,5%) pacientes e duas
sessões em 12 (10,5%); destes, 10 haviam realizado
apenas 2 Macroligaduras na primeira sessão(Figura-3).
Figura 3 - Sessões de Macroligaduras realizadas por paciente |
Dos 115 enfermos, nas revisões
posteriores entre três e doze meses, 8 (7%) apresentaram
recidiva dos sintomas com necessidade de nova sessão
de Macroligadura.
No ato do tratamento 110 (95,7%) pacientes não referiram dor, três (2,6%) apresentaram
discreto desconforto e 2 (1,7%) apresentaram dor intensa
(Figura-4).
Figura 4 - Dor relatada durante o ato de Macroligadura |
Após o tratamento 72 (62,5%) enfermos
não tiveram dor, 34 (29,5%) apresentaram tenesmo retal
e dor anorretal moderada e 9 (8%) tiveram dor
intensa (Figura-5).
Figura 5 - Dor relatada após o tratamento. |
Ocorreu sangramento discreto, durante algumas evacuações, em 54 (46%) enfermos, dentro
dos primeiros 15 dias após a ligadura alta. No entanto,
um enfermo (0,8%) apresentou sangramento intenso,
12 dias após o procedimento, que necessitou
atendimento de urgência. A revisão do local demonstrou a queda
da escara cicatricial, não sendo necessário tratamento
algum complementar. A hemorragia cessou espontaneamente.
Quatro pacientes (3,5%) apresentaram hematoma perianal, entre 8 e 22 dias após o procedimento
e um enfermo (0,8%) apresentou tromboflebite hemorroidária. Todos foram tratados clinicamente
com semicúpios mornos e antiinflamatórios orais, com
regressão rápida dos sintomas.
Dos 24 (21%) enfermos que apresentavam plicomas perianais prévios, somente em quatro
(3,5%) houve necessidade de ressecção dos mesmos.
DISCUSSÃO
O conceito de que a doença
hemorroidária dependa de fatores que proporcionam o
enfraquecimento dos meios que sustentam a mucosa e os
coxins vasculares submucosos do canal anal, embora antigo
1, 2, 6, 7, somente recentemente foi reaproveitado para
a utilização da denominada hemorroidectomia mecânica.
A ligadura elástica, como método
conservador para tratamento da doença hemorroidária de
segundo e mesmo de terceiro graus, tem merecido uma
atenção especial dos médicos, principalmente em virtude
dos resultados obtidos, da simplicidade do tratamento e
dos custos do mesmo. Entretanto, as ligaduras
executadas logo acima da linha pectínea proporcionam a
fixação da mucosa em uma zona muito baixa do canal
anal, permanecendo o descenso da mucosa e dos
coxins vasculares da parte superior do canal anal, fatos
que podem resultar em recidiva a longo prazo ou impedir
o seu uso em hemorróidas de III e IV graus.
Desta forma o desenvolvimento de uma ligadura realizada mais alta no canal anal e com a
inclusão de um volume maior de mucosa, resultando em
uma fixação mais firme e na origem do descenso dos
coxins vasculares poderia resultar em um resultado
mais abrangente e de melhor prognóstico. Ao mesmo
tempo, uma ligadura em uma porção mais alta do
canal anal, afastada da linha pectínea e portanto longe
das terminações nervosas, deveria resultar em um
procedimento menos doloroso.
No entanto, para se obter tais resultados
foram necessárias duas modificações da técnica usual de
ligadura:
Projetar um anuscópio um pouco mais longo,
com a extremidade distal em bisel, que facilitasse a
exposição dos mamilos em sua origem (Figura-6).
Adequar um aparelho para ligadura por sucção
que incluísse um volume maior de mucosa e
submucosa, sem incluir a muscular. A finalidade de
um aparelho de aspiração é para facilitar a tomada
da mucosa em posição mais alta dentro do canal
anal (Figura-7).
Figura 6 - Anuscópio utilizado para a
Macroligadura com a extremidade em bisel, que roda.
Figura 7 - Aparelho utilizado para a Macroligadura, comparado ao convencional. |
Uma vez projetado, o método foi utilizado
em 115 pacientes, com o devido consentimento dos
mesmos, e os resultados obtidos avaliados não só
quanto ao desaparecimento dos sintomas mas também
quanto às complicações decorrentes do tratamento.
A análise a curto e a médio prazos
mostrou que o método foi de resultado efetivo quanto à
cura dos sintomas, essencialmente quanto ao prolapso e
ao sangramento. Dos 7% de pacientes (8) que
resultaram em recidiva de alguns sintomas (7 deles com
novos episódios de sangramento), uma nova sessão de
Macroligadura resultou na eliminação dos mesmos.
A presença de plicomas não foi óbice para
a utilização da Macroligadura, em especial quando
os mesmos são pequenos. Dos 24 (21%) enfermos
que apresentavam plicomas perianais prévios, somente
em quatro (3,5%) houve necessidade de ressecção
dos mesmos.
Da mesma forma, a avaliação das
complicações observadas, em particular a dor, foi
bastante promissor:
dor intensa em 7,8%,
hemorragia copiosa em 0,8%,
tromboflebite e hematoma perianal em 4,3%
dos enfermos (Figura-8).
Figura 8 - Complicações observadas em 115 pacientes submetidos a Macroligadura. |
SUMMARY: The concept that the hemorrhoidal disease is a consequence of disorders of the cephalic portion of the anal
canal (weakness of the vascular cushions and the connective tissue) is the basis to modify the usual technique of rubber band ligation.
The two main differences of the method described are: the rubber band ligation is performed 3 to 4 cm from the pectinate line and
the volume of mucosa ligated is 3 to 4 times superior to the usual one. The technique is called high Macro-rubber band. The analysis
of the results observed in 115 patients with internal hemorrhoids classified as grade III and IV showed a recurrence rate of 7%. A
new Macroligature treated all the patients with recurrence. The incidence of observed complications (12,9% of the patients: intense
pain in 7,8%, anal haematoma in 4,3% and hemorrhage in 0,8%)) was not different from those observed with other surgical procedures.
Key words: hemorroids, rubber band ligation, treatment
Referências Biliográficas
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Reis Neto JA, New Trends
in Coloproctology. Ed. Revinter, Brasil, 2000, p207
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of mucosa and hemorrhoidal prolapse with circular suturing device; a new procedure. 6th
World Congress of Endoscopy Surgery, Rome, 1998, p777.
Endereço para correspondência:
José Alfredo dos Reis Neto
Rua General Osório, 2273
Campinas - São Paulo
CEP.: 13010-112
Trabalho realizado na Clínica Reis Neto - Campinas - SP.