RELATO DE CASO
RESUMO: Intussuscepção intestinal é muito mais comum em crianças. Ocorre em 5% dos casos em adultos. Nesta faixa etária geralmente é associada a neoplasmas (malignos e benignos), doenças inflamatórias, divertículo de Meckel, etc. Dor abdominal, acompanhada de sintomatologia de sub ou oclusão intestinal (náuseas, vômitos, alteração do hábito intestinal e abdome distendido) são as queixas mais freqüentes. Tomografia computadorizada do abdome é o exame de maior acurácia para o diagnóstico. Normalmente a cirurgia está indicada quando do diagnóstico e geralmente a redução prévia é contra-indicada. Na presença ou na suspeita de câncer, realiza-se ressecção oncológica. Nos outros casos, ressecção segmentar simples. Os autores apresentam um caso de intussuscepção íleo-cecal, sem lesão orgânica concomitante e apresentação clínica inusitada: desintegração, por inteiro, de intussuscepto necrosado e exteriorização via anal. Houve evolução para peritonite e realizou-se hemicolectomia direita, ileostomia e fístula mucosa, com boa evolução.
Unitermos: intussuscepção, auto-amputação
introdução
Intussuscepção intestinal é a penetração de
um segmento proximal do intestino dentro do lúmem de
um segmento distal adjacente.
O objetivo deste trabalho é relatar o caso
ocorrido no nosso serviço de uma paciente com esta
complicação, e sua inusitada forma de apresentação clínica.
RELATO DO CASO
Paciente M.S.B., feminino, 50 anos, natural
e procedente do Recife. Relatava história de dor
abdominal recorrente em abdome inferior, mal caracterizada,
havia 2 meses. Há aproximadamente 15 dias vinha
apresentando vômitos e diarréia com "filetes de
sangue". Nas últimas 24 horas, notou aparecimento de
"carnosidade escura e mau cheirosa", exteriorizando-se pelo
ânus. Apresentava bom estado geral, pulso de 72 bpm,
respiração 16 rpm, normocorada, hidratada, afebril,
abdome depressível, flácido, pouco doloroso à palpação
profunda na região mesogástrica, sem sinais de irritação
peritoneal e com ruídos hidroáereos normoativos. Não foi
palpada massa abdominal. Ao exame proctológico mostrava
tecido necrótico, pardo acinzentado, friável e com odor
fétido, exteriorizando-se pelo ânus
(Figura-1).
Figura 1 - Material necrótico exteriorizando-se pelo ânus. |
Trazia alguns exames complementares
realizados pouco dias antes em outro serviço:
leucograma: leucócitos totais 8.600, sem desvio à esquerda.
USG abdominal: processo expansivo de textura mixta
em mesogástrio, envolvendo segmento de alça
intestinal, apresentando líquido livre em torno do mesmo. Foi
submetida a exame sob anestesia. Durante a sua
realização, após a raquianestesia e devido ao relaxamento
esfincteriano, ocorreu saída, à leve tração, do
"material necrótico" já relatado, o qual encontrava-se livre e
"preso" apenas a pressão muscular (Figura-2). Toque retal
e retosigmoidoscopia subseqüentes revelaram-se
normais. O exame físico abdominal permanecia inalterado.
Figura 2 - Visão macroscópica completa do material necrótico. |
Optou-se por conduta expectante.
Colonoscopia e repetição da USG foram solicitadas.
No dia seguinte, antes do preparo para
estes exames, a paciente referiu forte dor no abdome. À
palpação, detectou-se irritação peritoneal e Rx simples
de abdome mostrou pneumoperitôneo.
À laparotomia, encontrou-se peritonite
fecal difusa, intussuscepção íleo-ceco-cólica
parcialmente reduzida, com íleo terminal apresentando áreas de
necrose e algumas perfurações.
Realizou-se hemicolectomia direita,
ileostomia e fístula mucosa. A paciente obteve alta no sexto dia
de pós-operatório e o exame histopatológico da peça
revelou processo inflamatório inespecífico e ausência de
lesões associadas.
DISCUSSÃO
A isquemia intestinal, independente da
etiologia (intussuscepção é uma delas), produz níveis
variáveis de comprometimento de sua parede, sendo de
magnitude decrescente da luz para a periferia. A mucosa é
a camada mais vulnerável aos efeitos da hipoxia
tecidual, seguida pela submucosa, depois a muscular e por
último a camada serosa. Divide-se o grau de
acometimento, de acordo com a intensidade e duração do
processo isquêmico e baseado na conseqüência final de todo
o fenômeno, em três tipos: 1) Reversibilidade funcional
e morfológica completas (quando só a mucosa
e submucosa sofrem necrose) 2) Seqüela estenótica
do segmento comprometido (quando a camada muscular também é atingida) 3) Perfuração seguida de
peritonite (todas as camadas são atingidas-gangrena). O
desdobramento clínico é gradual e diretamente proporcional
a cada fase deste mesmo processo.
A intussuscepção intestinal (do latim intus:
interior e susctio: ação de receber), foi descrita há mais
de 300 anos.
É mais comum em crianças,
principalmente entre os 3 meses e 5 anos de idade e representa a
principal causa de obstrução intestinal em infantes abaixo
dos 2 anos; em apenas 5% dos casos ocorre em
adultos. Diferentemente do que ocorre nas crianças, em que
raramente existe uma anormalidade anatômica, a
intussuscepção em adulto é associada a um processo
patológico em mais de 90% dos casos. As lesões mais
comumente envolvidas são as neoplasias (malignas e benignas),
lesões inflamatórias do intestino e divertículo de
Meckel. Em aproximadamente 30% dos casos
intussuscepções êntero-entéricas e em aproximadamente 60% das
colo-colônicas, a "cabeça" daquelas são representadas
pelo adenocarcinoma.
Os sinais e sintomas em adultos são
inespecíficos e podem, ocasionalmente, ser de natureza
crônica ou recorrente. Dor abdominal é a queixa
proeminente, geralmente associada a uma sintomatologia
sugestiva de sub ou mesmo uma oclusão intestinal
(náuseas, vômitos, alterações do hábito evacuatório e
abdome distendido), enterorragia ocorre em alguns casos.
Massa palpável, diferentemente das crianças, é
achado incomum no adulto.
Enema opaco e USG podem ser úteis para
o diagnóstico, mas o exame complementar de
maior acurácia é, sem dúvida; a tomografia
computadorizada. A redução da intussuscepção, na tentativa de
uma cirurgia eletiva de menor porte ou até a tentativa de
resolução colonoscópica só deve ser tentada na certeza
da viabilidade do segmento comprometido e ausência
de malignidade, o que geralmente é difícil precisar.
Diante desta possibilidade, é desaconselhável tentar a
manobra, pelo risco de perfuração ou disseminação de células
malignas. Na maioria das vezes é realizada laparotomia.
Na presença de malignidade ou na dúvida
quanto a sua existência, procede-se a ressecção de
caráter oncológico; na certeza de lesões benignas, esta pode
ser mais econômica. A reconstrução imediata do
trânsito intestinal ou a confecção de ostomias dependem
das condições gerais do paciente, dos achados locais e
da experiência do cirurgião.
No nosso caso, duas constatações
tornaram-se evidentes: a ausência de processo patológico
concomitante, como comprovado no anatomopatológico da
peça cirúrgica, fugindo à regra e, mais importante, a
raríssima condição de desintegração, por inteiro, e
exteriorização, via anal, de boa parte do intussuscepto
necrosado.
Apesar de, em adultos, ser muito mais comumente induzida por fatores patológicos, a
intussuscepção intestinal pode, como vimos no presente caso, ser
completamente idiopática.
Apesar da isquemia progressiva ter atingido
o segmento intestinal intussusceptado e da instalação
gradual de necrose da mucosa em direção à serosa, não
houve oscilação da sintomatologia durante praticamente
toda evolução do processo, em decorrência provavelmente
da "proteção" produzida pelo segmento intussusceptante.
A desintegração do segmento tubular
"protegido" e necrosado, de modo uniforme e sincrônico, e
a ulterior eliminação, por inteiro, via anal, é
teoricamente possível, mas por demais improvável. Analisando,
porém, a evolução clínica, o exame proctológico e o
achado cirúrgico, não temos dúvidas que esta seqüência
verificou-se neste caso.
CONCLUSÃO
Enfatizamos então, que o achado de
"material necrótico" exteriorizado pelo ânus, principalmente
com a forma tubular, contendo um lúmem e com história
semelhante a deste caso, deve tratar-se, até prova
em contrário, de "auto-amputação", parcial ou completa,
de uma intussuscepção intestinal.
SUMMARY: Intestinal intussusception usually affect the children. Only 5% occur in adults. Generally there is association with organic pathology(neoplasms, inflamatory disease, Meckel´s diverticulum, etc). The mains complaints are abdominal pain and symptoms and signs of bowel obstruction. Bloody diarrhoea my be a feature. Abdominal mass, unlike in children, is uncommon. CT Scan of the abdomen is the diagnostic test of choice. Since the cause is, generally, a malignant tumor or other pathology that must be removed, laparotomy is almost always indicated. Intussusception´s reduction is usually not possible or not desired before surgery. If carcinoma is present or is suspected, standard ressection is indicated. In the others cases, limited ressection. The authors reported a case of ileocaecal intussusception with rare clinical picture, without organic lesion associated. The invaginated segment, with necrosis, developed self-amputation and posterior exteriorization through anus. Irritation peritoneal was observed and laparotomy indicated. Right hemicolectomy, ileostomy and mucosa fistula were performed. The patient presented a good outcome.
Key words: intussusception, self-amputation
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Endereço para Correspondência:
Rogério Correia Leal
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Graças - Recife (PE)
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Trabalho realizado no Hospital Barão de Lucena - Serviço de Colo-proctologia - Recife-PE.