RELATO DE CASO


AUTO-AMPUTAÇÃO DE INTUSSUSCEPÇÃO INTESTINAL EM ADULTO

ANDRÉ VITÓRIO
ABRIELA LYRA
FRANCISCO A. COELHO SARMENTO FILHO - TSBCP
ROGÉRIO CORREIA LEAL - TSBCP

VITÓRIO A; LYRA A; SARMENTO FILHO FAC; LEAL RC. Auto-Amputação de Intussuscepção Intestinal em Adulto. Rev bras Coloproct, 2003;23(2):105-107

RESUMO: Intussuscepção intestinal é muito mais comum em crianças. Ocorre em 5% dos casos em adultos. Nesta faixa etária geralmente é associada a neoplasmas (malignos e benignos), doenças inflamatórias, divertículo de Meckel, etc. Dor abdominal, acompanhada de sintomatologia de sub ou oclusão intestinal (náuseas, vômitos, alteração do hábito intestinal e abdome distendido) são as queixas mais freqüentes. Tomografia computadorizada do abdome é o exame de maior acurácia para o diagnóstico. Normalmente a cirurgia está indicada quando do diagnóstico e geralmente a redução prévia é contra-indicada. Na presença ou na suspeita de câncer, realiza-se ressecção oncológica. Nos outros casos, ressecção segmentar simples. Os autores apresentam um caso de intussuscepção íleo-cecal, sem lesão orgânica concomitante e apresentação clínica inusitada: desintegração, por inteiro, de intussuscepto necrosado e exteriorização via anal. Houve evolução para peritonite e realizou-se hemicolectomia direita, ileostomia e fístula mucosa, com boa evolução.

Unitermos: intussuscepção, auto-amputação

introdução
Intussuscepção intestinal é a penetração de um segmento proximal do intestino dentro do lúmem de um segmento distal adjacente.
    O objetivo deste trabalho é relatar o caso ocorrido no nosso serviço de uma paciente com esta complicação, e sua inusitada forma de apresentação clínica.

RELATO DO CASO
Paciente M.S.B., feminino, 50 anos, natural e procedente do Recife. Relatava história de dor abdominal recorrente em abdome inferior, mal caracterizada, havia 2 meses. Há aproximadamente 15 dias vinha apresentando vômitos e diarréia com "filetes de sangue". Nas últimas 24 horas, notou aparecimento de "carnosidade escura e mau cheirosa", exteriorizando-se pelo ânus. Apresentava bom estado geral, pulso de 72 bpm, respiração 16 rpm, normocorada, hidratada, afebril, abdome depressível, flácido, pouco doloroso à palpação profunda na região mesogástrica, sem sinais de irritação peritoneal e com ruídos hidroáereos normoativos. Não foi palpada massa abdominal. Ao exame proctológico mostrava tecido necrótico, pardo acinzentado, friável e com odor fétido, exteriorizando-se pelo ânus (Figura-1).

Figura 1 - Material necrótico exteriorizando-se pelo ânus.


    Trazia alguns exames complementares realizados pouco dias antes em outro serviço: leucograma: leucócitos totais 8.600, sem desvio à esquerda. USG abdominal: processo expansivo de textura mixta em mesogástrio, envolvendo segmento de alça intestinal, apresentando líquido livre em torno do mesmo. Foi submetida a exame sob anestesia. Durante a sua realização, após a raquianestesia e devido ao relaxamento esfincteriano, ocorreu saída, à leve tração, do "material necrótico" já relatado, o qual encontrava-se livre e "preso" apenas a pressão muscular (Figura-2). Toque retal e retosigmoidoscopia subseqüentes revelaram-se normais. O exame físico abdominal permanecia inalterado.

Figura 2 - Visão macroscópica completa do material necrótico.


    Optou-se por conduta expectante. Colonoscopia e repetição da USG foram solicitadas.
    No dia seguinte, antes do preparo para estes exames, a paciente referiu forte dor no abdome. À palpação, detectou-se irritação peritoneal e Rx simples de abdome mostrou pneumoperitôneo.
    À laparotomia, encontrou-se peritonite fecal difusa, intussuscepção íleo-ceco-cólica parcialmente reduzida, com íleo terminal apresentando áreas de necrose e algumas perfurações.
    Realizou-se hemicolectomia direita, ileostomia e fístula mucosa. A paciente obteve alta no sexto dia de pós-operatório e o exame histopatológico da peça revelou processo inflamatório inespecífico e ausência de lesões associadas.

DISCUSSÃO
A isquemia intestinal, independente da etiologia (intussuscepção é uma delas), produz níveis variáveis de comprometimento de sua parede, sendo de magnitude decrescente da luz para a periferia. A mucosa é a camada mais vulnerável aos efeitos da hipoxia tecidual, seguida pela submucosa, depois a muscular e por último a camada serosa. Divide-se o grau de acometimento, de acordo com a intensidade e duração do processo isquêmico e baseado na conseqüência final de todo o fenômeno, em três tipos: 1) Reversibilidade funcional e morfológica completas (quando só a mucosa e submucosa sofrem necrose) 2) Seqüela estenótica do segmento comprometido (quando a camada muscular também é atingida) 3) Perfuração seguida de peritonite (todas as camadas são atingidas-gangrena). O desdobramento clínico é gradual e diretamente proporcional a cada fase deste mesmo processo.
    A intussuscepção intestinal (do latim intus: interior e susctio: ação de receber), foi descrita há mais de 300 anos.
    É mais comum em crianças, principalmente entre os 3 meses e 5 anos de idade e representa a principal causa de obstrução intestinal em infantes abaixo dos 2 anos; em apenas 5% dos casos ocorre em adultos. Diferentemente do que ocorre nas crianças, em que raramente existe uma anormalidade anatômica, a intussuscepção em adulto é associada a um processo patológico em mais de 90% dos casos. As lesões mais comumente envolvidas são as neoplasias (malignas e benignas), lesões inflamatórias do intestino e divertículo de Meckel. Em aproximadamente 30% dos casos intussuscepções êntero-entéricas e em aproximadamente 60% das colo-colônicas, a "cabeça" daquelas são representadas pelo adenocarcinoma.
    Os sinais e sintomas em adultos são inespecíficos e podem, ocasionalmente, ser de natureza crônica ou recorrente. Dor abdominal é a queixa proeminente, geralmente associada a uma sintomatologia sugestiva de sub ou mesmo uma oclusão intestinal (náuseas, vômitos, alterações do hábito evacuatório e abdome distendido), enterorragia ocorre em alguns casos. Massa palpável, diferentemente das crianças, é achado incomum no adulto.
    Enema opaco e USG podem ser úteis para o diagnóstico, mas o exame complementar de maior acurácia é, sem dúvida; a tomografia computadorizada. A redução da intussuscepção, na tentativa de uma cirurgia eletiva de menor porte ou até a tentativa de resolução colonoscópica só deve ser tentada na certeza da viabilidade do segmento comprometido e ausência de malignidade, o que geralmente é difícil precisar. Diante desta possibilidade, é desaconselhável tentar a manobra, pelo risco de perfuração ou disseminação de células malignas. Na maioria das vezes é realizada laparotomia.
    Na presença de malignidade ou na dúvida quanto a sua existência, procede-se a ressecção de caráter oncológico; na certeza de lesões benignas, esta pode ser mais econômica. A reconstrução imediata do trânsito intestinal ou a confecção de ostomias dependem das condições gerais do paciente, dos achados locais e da experiência do cirurgião.
    No nosso caso, duas constatações tornaram-se evidentes: a ausência de processo patológico concomitante, como comprovado no anatomopatológico da peça cirúrgica, fugindo à regra e, mais importante, a raríssima condição de desintegração, por inteiro, e exteriorização, via anal, de boa parte do intussuscepto necrosado.
    Apesar de, em adultos, ser muito mais comumente induzida por fatores patológicos, a intussuscepção intestinal pode, como vimos no presente caso, ser completamente idiopática.
    Apesar da isquemia progressiva ter atingido o segmento intestinal intussusceptado e da instalação gradual de necrose da mucosa em direção à serosa, não houve oscilação da sintomatologia durante praticamente toda evolução do processo, em decorrência provavelmente da "proteção" produzida pelo segmento intussusceptante.
    A desintegração do segmento tubular "protegido" e necrosado, de modo uniforme e sincrônico, e a ulterior eliminação, por inteiro, via anal, é teoricamente possível, mas por demais improvável. Analisando, porém, a evolução clínica, o exame proctológico e o achado cirúrgico, não temos dúvidas que esta seqüência verificou-se neste caso.

CONCLUSÃO
Enfatizamos então, que o achado de "material necrótico" exteriorizado pelo ânus, principalmente com a forma tubular, contendo um lúmem e com história semelhante a deste caso, deve tratar-se, até prova em contrário, de "auto-amputação", parcial ou completa, de uma intussuscepção intestinal.

SUMMARY: Intestinal intussusception usually affect the children. Only 5% occur in adults. Generally there is association with organic pathology(neoplasms, inflamatory disease, Meckel´s diverticulum, etc). The mains complaints are abdominal pain and symptoms and signs of bowel obstruction. Bloody diarrhoea my be a feature. Abdominal mass, unlike in children, is uncommon. CT Scan of the abdomen is the diagnostic test of choice. Since the cause is, generally, a malignant tumor or other pathology that must be removed, laparotomy is almost always indicated. Intussusception´s reduction is usually not possible or not desired before surgery. If carcinoma is present or is suspected, standard ressection is indicated. In the others cases, limited ressection. The authors reported a case of ileocaecal intussusception with rare clinical picture, without organic lesion associated. The invaginated segment, with necrosis, developed self-amputation and posterior exteriorization through anus. Irritation peritoneal was observed and laparotomy indicated. Right hemicolectomy, ileostomy and mucosa fistula were performed. The patient presented a good outcome.

Key words: intussusception, self-amputation

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Endereço para Correspondência:
Rogério Correia Leal
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Trabalho realizado no Hospital Barão de Lucena - Serviço de Colo-proctologia - Recife-PE.