VÍDEO-CIRURGIA COLO-RETAL - ENFOQUES ATUAIS & CONTROVÉRSIAS
FÁBIO GUILHERME C. M. DE CAMPOS - TSBCP
Dando continuidade a esta seção intitulada
"Vídeo-Cirurgia Colo-Retal - Enfoques Atuais e
Controvérsias", neste número enfocamos um assunto de extrema importância que é o tratamento do câncer colo-retal.
A finalidade desta secção é divulgar novidades e tendências, apresentar propostas técnicas e discutir
temas controversos, promovendo a atualização sobre os rumos da vídeo-cirurgia em nossa especialidade.
Conclamo os leitores a enviarem sugestões de temas de interesse nesta área para
fgmcampos@terra.com.br
Fábio Guilherme Campos
Introdução
O tratamento das doenças colo-retais
por vídeo-laparoscopia (VL) começou na década de
90, apenas quatro anos após a introdução da
colecistectomia laparoscópica. Progressivamente,
demonstraram-se várias vantagens associadas à VL,
especialmente no tratamento de doenças benignas
4,12.
Como as ressecções intestinais requerem
um grande número de casos para obter proficiência,
esses procedimentos ainda não alcançaram grande
popularidade, mesmo entre cirurgiões colo-retais, fazendo
com que as indicações de colectomias laparoscópicas
variem de maneira significativa entre as instituições.
No contexto do tratamento do câncer
colo-retal (CCR), o acesso laparoscópico oferece
perspectivas bastante atraentes, como o estadiamento de lesões
avançadas e o manuseio paliativo de pacientes com
CCR incurável46 . Entretanto, o aspecto mais
controverso reside na utilização da VL em ressecções
curativas, questionando-se a possibilidade de violação de
princípios oncológicos e a ocorrência de recidiva
tumoral precoce (especialmente o fenômeno de metástases
em portais).
Ao longo dos anos, os argumentos
contrários criaram um cenário de ceticismo que limitou as
indicações da VL, levando à seleção prévia de
pacientes. Tem-se recomendado, inclusive, que o tratamento
do CCR seja feito apenas no contexto de estudos
controlados e randomizados2,60.
Questionário enviado aos membros das
Sociedades Americanas de Cirurgiões Gastrointestinais
Endoscópicos (SAGES) e Colo-Retais (ASCRS)
mostrou que apenas 48% daqueles que responderam
realizam cirurgias laparoscópicas colo-retais, em 21% de
seus pacientes34. Desses cirurgiões, apenas 15%
operam carcinomas com finalidade curativa (16% da
SAGES e 11% da ASCRS), enquanto 8,5% e 7% operam
tumores do reto superior e reto baixo,
respectivamente. Apenas 9% dos cirurgiões aceitariam ser submetidos
a tratamento laparoscópico de tumor do reto distal.
Neste levantamento foram reportados 80 casos de
recidiva parietal.
O presente trabalho visou enfocar o
tratamento cirúrgico paliativo do CCR e dados relativos à
incidência e prevenção de recidiva parietal.
Critérios na seleção dos pacientes
A seleção minuciosa de pacientes
candidatos à vídeo-cirurgia colo-retal é fundamental para os
resultados
pré-operatórios31,53. Critérios de
seletividade baseados na experiência do cirurgião são
desejáveis na medida em que se espera obter índices
adequados de morbi-mortalidade, conversão e bons
resultados oncológicos7,33,39.
A necessidade de conversão é um problema
inerente aos procedimentos laparoscópicos e, embora
esta não seja considerada uma complicação da
cirurgia laparoscópica, reconhece-se que o curso
pós-operatório após conversão está associado a resultados
apreciavelmente mais pobres em termos de complicações e
permanência hospitalar. Em estudo
prospectivo multicêntrico realizado em 33 instituições da
Alemanha, Marusch et al 33 reuniram 1658 pacientes,
identificando como principais fatores de risco para
conversão o índice de massa corpórea, ressecções retais (20.9
vs 13%) e número (> 100) de casos operados (4.3 vs 6.9%).
Problemas oncológicos associados à
cirurgia laparoscópica colo-retal com finalidades curativas
incluem radicalidade inadequada, técnica cirúrgica
incorreta e falha na observância das limitações
técnicas e/ou oncológicas aplicáveis a certas
características tumorais, como estadiamento tumoral e localização
da neoplasia. Em portadores de CCR, esta seleção tem
se baseado, também, na presença de condições
clínicas específicas.
Não se considera ideal a indicação na
presença de situação clínica emergencial como obstrução
intestinal, a não ser quando a finalidade do
tratamento for realizar uma derivação intestinal. Restringe-se,
também, a indicação de pacientes com tumores
associados a aneurismas de aorta, hérnias incisionais,
cirurgias prévias múltiplas ou
obesos22.
Outra contra-indicação relativa é
representada por pacientes com massas tumorais grandes,
com ou sem evidência de invasão
local36,39. Como tumores localmente avançados (T4) devem ser ressecados
em bloco com os tecidos envolvidos e com margens
negativas, acredita-se que a via laparoscópica não seja
a ideal para verificar de maneira apropriada a
ressecabilidade nessas circunstâncias, além de requerer a
confecção de grande incisão para retirada da
peça10.
O tamanho do tumor também tem sido
valorizado nas indicações. Em estudo clínico-patológico
realizado no Japão, Adachi et
al1 avaliaram 59 pacientes Dukes A com tamanho médio de 2,86 cm,
concluindo que todos os tumores menores que 2 cm e os
tumores colônicos bem diferenciados menores que 3 cm são
os melhores candidatos para VL. Outros acreditam
que tumores colônicos maiores que 8 cm não devem
ser abordados por via
laparoscópica50.
Do ponto de vista de localização, pode-se
esperar maiores dificuldades técnicas em tumores
no transverso ou reto médio, por motivos óbvios. A
secção do reto baixo (ao nível do assoalho pélvico) é uma
das maiores limitações na dissecção pélvica e,
enquanto se aguarda o desenvolvimento de equipamentos
que permitam fazer esta secção baixa, tal dificuldade
tem sido contornada com a introdução de
grampeadores "convencionais" através de pequenas incisões
suprapúbicas. Por outro lado, carcinomas do cólon
direito, do retossigmóide e reto distal determinam
ressecções laparoscópicas mais
fáceis50.
A realização de laparotomias em pacientes
com idade avançada está associada a maior risco
operatório, devido à maior prevalência de condições
mórbidas neste grupo. Entretanto, ainda é controverso
considerar-se isoladamente a idade como fator de risco
na ausência de doenças concomitantes, havendo
aqueles que sugerem que o acesso laparoscópico em idosos
é vantajoso52, não deve ser considerado uma
contra-indicação formal
9,44 ou apresenta maior risco de complicações
pós-operatórias48.
Em 18 pacientes portadores de câncer
colo-retal com mais de 70 anos e considerados de alto
risco cirúrgico para cirurgia convencional (ASA
III-IV), Vara-Thorbeck et al55 não observaram óbitos e a
morbidade operatória foi baixa (28%), apesar das
condições associadas.
O fato de não se contra-indicar uma
ressecção laparoscópica eletiva baseado somente na idade
não exclui a necessidade de averiguar se as condições
cárdio-respiratórias gerais do paciente são compatíveis com
a manutenção de pneumoperitônio prolongado. Desta
forma, uma vez asseguradas a avaliação apropriada dos
riscos e a instituição dos devidos cuidados
perioperatórios, a realização de procedimentos laparoscópicos é
possível e segura em pacientes
idosos7.
Estadiamento
No pré-operatório é fundamental a
avaliação completa de todo o cólon e o adequado
estadiamento. Sabe-se que a avaliação laparoscópica da eventual
presença de lesões sincrônicas não apresenta a
mesma efetividade que a palpação intra-operatória em
cirurgia convencional. Assim, quando o cirurgião
antecipar dificuldades na localização intra-operatória de
pequenos tumores, pode-se proceder à prévia tatuagem
com corantes ou marcação com
clipes12,26,36.
Por outro lado, a identificação
pré-operatória de tumores adjacentes à válvula íleo-cecal permite
a realização de colectomia direita sem marcação,
enquanto lesões do reto superior podem ser avaliadas
por retoscopia intra-operatória. Quando for necessária
a colonoscopia intra-operatória, deve-se clampear o
cólon proximal para evitar excessiva distensão.
O uso da laparoscopia como método de
estadiamento tumoral é pouco empregado antes do
tratamento cirúrgico. A laparoscopia diagnóstica pode ser
considerada em certos pacientes com tumores retais que sejam candidatos a terapia adjuvante
pré-operatória ou ressecção local como tratamento definitivo e
que apresentem alterações não devidamente
esclarecidas por exames radiológicos convencionais.
O emprego da tomografia computadorizada pode detectar 70 a 80% das metástases hepáticas
que são demonstradas pela ultrassonografia e
palpação intra-operatórias em laparotomia. Nesse sentido,
pode-se atingir maior acurácia com a adição de técnicas
de ultrassonografia laparoscópica, e a comparação
com métodos de imagem convencionais tem obtido
resultados animadores20.
O ultrassom (US) intra-operatório é o
método mais preciso para detectar metástases hepáticas,
com acurácia ao redor de 90%, e sua realização por VL
atinge o mesmo objetivo de maneira ainda mais
eficiente, estendendo a eficácia das duas
técnicas41. Além de ser rápido, o US intra-operatório permite o
escaneamento do parênquima hepático através de um probe
introduzido por uma das
cânulas20,32,35.
Recomenda-se a realização deste exame
em casos de diagnóstico incerto devido a resultados
contraditórios de técnicas de imagem, quando houver
suspeita radiológica sem visualização laparoscópica
correspondente e na vigência de dados
laparoscópicos insuficientes para determinar a
ressecabilidade29. A principal contribuição do US por VL não reside
apenas no diagnóstico da lesão hepática, mas também
no esclarecimento do diagnóstico diferencial e do
estadiamento tumoral.
O estadiamento laparoscópico pode
também prover uma melhor identificação de lesões
intra-abdominais e peritoniais diminutas que freqüentemente
escapam à visualização por tomografia
computadorizada, facilitando ainda a obtenção de biópsias de tecidos
suspeitos.
Conseqüentemente, identificam-se melhor
os pacientes com doença local ou à distância passível
de ressecção, enquanto outros com doença
localmente invasiva ficam livres de uma laparotomia
desnecessária. Ainda mais, a avaliação de metástases ocultas
pode mudar a tática operatória e o prognóstico da
doença primária.
Tratamento Paliativo
& Derivação Intestinal
Aproximadamente 20 a 30% dos pacientes com CCR terão doença no estádio IV por ocasião do
diagnóstico. Sugere-se que este grupo de pacientes
contitui uma indicação ideal para a ressecção
laparoscópica, uma vez que as preocupações relativas ao
comprometimento de princípios oncológicos adquirem menor
relevância.
Em pacientes com câncer incurável, o
acesso laparoscópico oferece as vantagens de permitir a
completa inspecção da cavidade evitando a laparotomia,
a realização de ressecções limitadas ou derivações
intestinais e a inserção de catéteres arteriais para
infusão regional de drogas
quimioterápicas35.
Assim, como as técnicas laparoscópicas
estão associadas a menor morbidade e rápida
recuperação, diversos procedimentos paliativos com o recurso
da laparoscopia vêm sendo executados em portadores
de neoplasias malignas avançadas. Koea et
al27 relataram o tratamento de 14 pacientes com tumores retais
na iminência de obstrução, utilizando a VL para
estadiamento ou derivação intestinal. Em quatro
pacientes diagnosticou-se carcinomatose peritonial difusa
não definida previamente por tomografia. Outros 10
pacientes fizeram quimio-irradiação pré-operatória e
foram operados após 12 semanas.
Esses dados evidenciam que a laparoscopia pode acrescentar dados importantes ao
estadiamento dos pacientes e ajudar na confecção de estomas
com morbidade mínima, permitindo aos pacientes
realizar tratamento adjuvante previamente às ressecções.
Em estudo prospectivo envolvendo 30 pacientes com CCR em estádio IV, Milsom et al 37
realizaram ressecção em 15 e derivação intestinal em
outros 11, fazendo conversão para laparotomia em 4
casos. Não houve complicações intra-operatórias.
Dois pacientes já previamente debilitados morreram no
pós-operatório e não se observou recidiva em portais
durante o seguimento. Concluem que a via
laparoscópica em pacientes com câncer incurável provê paliação
efetiva, evitando a laparotomia na maioria dos casos.
Nossa experiência pessoal com derivações
intestinais por VL nos permite afirmar que a
confecção de estomas intestinais por VL é um procedimento
simples, seguro e que permite reproduzir detalhes
técnicos importantes da cirurgia convencional, como
a mobilização adequada da alça e a manutenção de
sua irrigação. Além disso, facilita a inspecção da
cavidade abdominal, a verificação da orientação e vitalidade
das alças intestinais, o estadiamento de neoplasias e
acrescenta as vantagens potenciais de um procedimento
minimamente invasivo8.
Por esses motivos, o desvio do trânsito
intestinal por VL constitui o método ideal nas
derivações paliativas, seja em portadores de lesões
neoplásicas obstrutivas ou irressecáveis, carcinomatose,
"pelve congelada", recidiva pélvica e também naqueles
com tumores retais ou anais que receberão abordagem
inicial por radio e quimioterapia5,22.
Há que se considerar, também, que
pacientes com neoplasias avançadas requerem intervenções
mínimas, por terem expectativa de vida limitada e
apresentam grande risco de complicações, devido às
condições nutricionais e reservas funcionais comprometidas.
Recidiva em portais & na incisão
Após um curto período de entusiasmo no
início da década de 90, relatos alarmantes sobre a
ocorrência de metástases incisionais e nos locais de
introdução dos trocartes suscitaram preocupações na
comunidade científica, limitando de maneira
importante a aceitação e a indicação de ressecções
laparoscópicas no tratamento do
CCR15,34,58.
As principais inquietações sobre este tema
residem na ocorrência de recidivas em portais
diferentes de onde a peça cirúrgica foi extraída, em
portais em que se protegeu a ferida com sacos plásticos e
em pacientes com doença não avançada. Hoje se sabe,
também, que a disseminação parietal em
cirurgias laparoscópicas é um problema complexo e
multifatorial, ocorrendo também em procedimentos
ginecológicos, cirurgia geral e
torácica58.
Essas preocupações geraram numerosas
pesquisas clínicas e experimentais para verificar sua
incidência, mecanismos e causas, para desenvolver
medidas preventivas e para responder se esta
ocorrência realmente é uma desvantagem inerente à
cirurgia laparoscópica para câncer.
Postula-se que os mecanismos
responsáveis por sua gênese estejam relacionados
ao pneumoperitônio (exfoliação e aerolização de
células tumorais, perda repentina do pneumoperitônio
gerando gradiente de pressão e efeitos da pressão
abdominal levando células malignas para os sistemas vascular
e linfático), à manipulação tecidual (implante local
direto durante a remoção da peça, manipulação do
tecido tumoral e contaminação instrumental) e a fatores
biológicos (aderência de células tumorais a
tecidos traumatizados mediada pelo aumento de
fibronectina e laminina)23,25.
Em vídeo-cirurgia, a incidência reportada
de recidiva parietal na literatura varia entre 0,25% e
21%. Berends et al3 reportaram índice de 21% em 14
ressecções, mas esta série pequena provavelmente reflete
a experiência preliminar deste grupo, e pode ter sido
influenciada pela curva de aprendizado. Contudo,
dados recentes de centros com grande experiência (séries
individuais com mais de 100 casos e estudos
multicêntricos com mais de 400 casos) apresentam cifras
situadas entre 1 e 2% (Tabela-1).
Tabela 1 - Incidência de recidiva parietal em vídeo-cirurgia colo-retal
Autores | Número de casos | RecidivaParietal | Registro | |
N | % | |||
Ramos et al 1994 | 252 | 3 | 1,1 | Multicêntrico |
Vukasin et al, 1996 | 451 | 5 | 1,1 | Estados Unidos |
Fleshman et al, 1996 | 372 | 4 | 1,1 | COST Study Group |
Schiedeck et al, 2000 | 399 | 1 | 0,25 | Alemanha |
Gibson et al, 2000 | 285 | 2 | 0,7 | Individual |
Zmora, 2001 | 1731 | 18 | 1,0 | Revisão de literatura |
Campos et al, 2001 | 652 | 3 | 0,5 | Brasil |
Silecchia et al, 2002 | 1753 | 16 | 0,9 | Itália |
Ing et al, 2002 | 280 | 4 | 1,4 | Individual |
Lujan et al, 2002 | 102 | 2 | 2,0 | Individual |
Patankar et al, 2003 | 172 | 3 | 1,7 | Individual |
Em publicação com seguimento superior a
60 meses, Lujan et al30 reportaram a incidência de 2%
em 102 casos operados, mas ressaltaram que a
exclusão de 2 pacientes com carcinomatose reduziria este
índice para apenas 0,7%. Nesta série, uma recidiva
portal ocorreu em paciente no estádio IV e outra recidiva
na incisão para retirada da peça em paciente no estádio
II (lesão Dukes B2). O mesmo grupo já havia
reportado cifra de 1,4% em 280 casos18.
Mais recentemente, o grupo liderado por
Sérgio Larach na
Flórida40 publicou a ocorrência de 3
casos (1,7%) dentre 172 pacientes seguidos por
período médio de 52 meses. Dois desses pacientes já
apresentavam disseminação peritonial por ocasião do
tratamento e outro desenvolveu recidiva na ferida em que
se extraiu a peça (estádio II).
Séries nacionais com grande número de
pacientes indicam que a magnitude deste problema é
menor do que se imaginava no início. O registro de
cirurgia laparoscópica da Sociedade Americana de
Cirurgiões Colo-retais56 apresentou incidência de 1,1%, com
recidivas ocorrendo em intervalos de 2 a 21 meses. Em
levantamento feito em 5 centros da Alemanha,
Schiedeck et al47 reportaram apenas uma recidiva em porta
(0,25%) em 399 pacientes operados com finalidade curativa
após 30 meses de seguimento; recidiva local foi
detectada em 6 pacientes (1,5%) e metástases em 25 (6,25%).
No registro italiano de cirurgia
laparoscópica colo-retal51, detectaram-se 16 pacientes (0,9%)
com evidência histológica de recidiva parietal entre
1753 portadores de adenocarcinoma. Dez desses
pacientes apresentavam estádio avançado (III e IV) e 11
tinham sido operados durante a curva de aprendizado
(primeiros 50 casos consecutivos). A sobrevida média
desses pacientes foi de 16 meses (12 a 60).
A sugestão de que as recidivas possam ser
resultantes da curva de aprendizado também foi
levantada em revisão da literatura onde se encontrou
incidência de 1% entre 1737 pacientes operados com
diferentes métodos e critérios de
seleção62. Entretanto,
esses autores ressaltam a necessidade de se aguardar os
resultados de estudos randomizados em larga escala antes
de se estabelecer conclusões definitivas sobre este tema.
Na série brasileira9 reunindo quase 2 mil
pacientes operados por VL, o câncer foi a indicação
de tratamento em 652 (40%) casos. Na análise
retrospectiva da evolução desses pacientes, constatou-se
recidiva tumoral em 14% dos doentes, a maioria nos 2
primeiros anos de seguimento, sugerindo que os
padrões de recidiva tumoral não diferiram daqueles
observados em procedimentos abertos. Recidiva parietal
foi detectada em apenas 0,45% dos pacientes, índice
semelhante ao de outras séries laparoscópicas.
Dados experimentais sugerem que a composição do material introduzido nos portais pode influir
na aderência de células tumorais, tendo-se
demonstrado maior aderência e deposição de células tumorais
em instrumentos de metal (e nos locais onde foram
introduzidos) quando comparados a instrumentos
plásticos6.
Em cirurgia convencional, os índices de
recidiva parietal têm variado na dependência da
forma como se faz seu diagnóstico (Tabela-2). Em séries
com mais de 1500 pacientes, o seguimento clínico
revelou incidências de 0,5%28,
0,6%43 e 0,8%24. Reilly et
al43 sugeriram que a incidência em cirurgia aberta é
baixa, mas provavelmente subestimada, e a inclusão de
pacientes Dukes D nesta análise poderia aumentar
esses números26. Welch e
Donaldson57 encontraram 24 recidivas na ferida em 145 autópsias de pacientes
que morreram por recidiva (16,5%). Em cirurgias de "second look", Gunderson
et al17 da Mayo Clinic reportaram implantes tumorais na ferida em 3.3% e
5,3% dos pacientes Dukes B e C, respectivamente.
Tabela 2 - Incidência de recidiva parietal em cirurgia colo-retal convencional
Autores | Número de casos | Recidiva Parietal | Forma de diagnóstico | |
N | % | |||
Cass et al, 1976 | 280 | 7 | 2,5 | clínico |
Welch & Donaldson, 1979 | 145 | 24 | 16,5 | autópsia |
Hughes et al, 1983 | 1603 | 13 | 0,8 | clínico |
Gunderson et al, 1985 | 166 | 7 | 4,2 | "second look operation" |
Reilly et al, 1996 | 1711 | 11 | 0,6 | clínico / cirúrgico |
Koea et al, 2000 | 6463 | 31 | 0,5 | clínico / cirúrgico |
Segundo observações do Memorial
Sloan-Kettering Cancer Center28, a doença recidivada na
parede abdominal está freqüentemente relacionada
à recorrência tumoral intra-abdominal. Dentre 6463
pacientes pacientes tratados nesta instituição,
31(0,5%) desenvolveram recidivas parietais que se
manifestaram em período variável (7 a 183 meses) após a
cirurgia primária. Desses pacientes, 19% tinham
tumores perfurados, 45% eram pouco diferenciados,
92% transmurais (T3 ou T4) e 51% tinham
metástases linfonodais.
Desta maneira, acredita-se que o
estadiamento avançado da doença, a experiência do cirurgião e
técnica cirúrgica inadequada sejam os principais
fatores determinantes de recidiva
parietal21,35,54. Os dados apresentados e algumas revisões da literatura mostram
que a incidência desta complicação em VL (< 1%), não
difere de maneira significativa da observada em
cirurgia aberta45, reconhecendo-se, também que este
problema não é específico da laparoscopia. Ainda mais,
evidências experimentais dão indícios que a cirurgia aberta
exerce um maior efeito sobre crescimento tumoral no
pós-operatório do que o pneumoperitônio por
CO259.
As medidas preventivas aventadas para
evitar esta complicação são fixar os trocárteres na parede,
evitar o manuseio do tumor, proteger a incisão
auxiliar, colocar a peça cirúrgica em
"endobags", esvaziar lentamente o pneumoperitônio através dos trocáteres,
lavar os trocárteres e as incisões com solução de
povidine-iodine antes de sua remoção, substituir o
CO2 por outro gás ou excisar a ferida do
trocárte14,47,61. Estudos em
animais mostraram que a irrigação peritonial com
soluções citostáticas como povidine-iodine,
heparina, methotrexate e 5-FU pode reduzir a incidência
de metátases, mas esses agentes são potencialmente
perigosos, não se aceitando seu uso corrente na
cavidade11,38.
Considerações Finais
Muitas das evidências apresentadas
indicam que a cirurgia laparoscópica é tão segura quanto a
convencional, com vantagens relacionadas a dor,
recuperação pós-operatória e menor agressão respiratória.
A longo prazo, acredita-se que benefícios adicionais
incluam menor incidência de obstrução por
aderências, menor incidência de hérnias incisionais e
melhores resultados em decorrência da menor
imunossupressão no momento do
tratamento4,31.
A cirurgia laparoscópica colo-retal também
tem desafiado muitos dos cuidados pós-operatórios
rotineiros em colectomias, seja pela apreciação da rápida
recuperação que esses pacientes experimentam, ou
pelo fato de que a deambulação e o avanço nos
regimes dietários devem ser precocemente
estimulados49.
Quanto ao tratamento do CCR, as
características de um procedimento minimamente invasivo
tornam a vídeo-cirurgia a via de acesso preferencial
no manuseio paliativo de tumores avançados,
possibilitando a complementação do estadiamento
pré-operatório e permitindo a realização de derivações
e ressecções intestinais sem risco e com melhor
evolução pós-operatória.
Reconhece-se, também, que a evolução
oncológica a curto prazo após operações
potencialmente curativas não é comprometida, onde as taxas
de sobrevida e recidiva precoces parecem ser similares
às observadas em laparotomias. Também não diferem
os padrões de recidiva tumoral, incluindo os riscos
de implantes tumorais em peritônio e portais.
Considera-se que este risco não seja exclusivo de
ressecções laparoscópicas, mas sim uma conseqüência infeliz
da curva de aprendizado e/ou doença avançada,
assumindo menor proporção quando há treinamento
adequado e habilidade técnica.
Devido à escassez de dados concernentes
à sobrevida a longo prazo avaliada por estudos
prospectivos randomizados, o uso de técnicas
laparoscópicas no tratamento curativo dos carcinomas
colo-retais ainda é controverso. Este tema será,
portanto, abordado na próxima edição de
"Vídeo-Cirurgia Colo-Retal - Enfoques Atuais e
Controvérsias".
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