DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
SIDNEY ROBERTO NADAL -TSBCP
CARMEN RUTH MANZIONE - TSBCP
As doenças sexualmente transmitidas
(DST) são conhecidas desde a mais remota antiguidade,
fazendo parte do cotidiano de profissionais
responsáveis pela manutenção da saúde desde então. Até o
século XVI eram chamadas de doenças dos indecentes,
quando surgiu o termo doenças venéreas, em homenagem
a Vênus, deusa do templo do amor, pois se
imaginava que a transmissão poderia ser sexual, embora não
se conhecessem os agentes. Mas somente no século XIX
os microorganismos relacionados à transmissão
começaram a ser identificados. A faixa de maior
incidência estava entre os 20 e os 30 anos de idade. Naquela
ocasião, as doenças foram divididas em venéreas,
quando a transmissão era exclusivamente sexual, tais como
a gonorréia, sífilis, cancróide, linfogranuloma
venéreo e a de Nicholas-Favre; e em paravenéreas, não
consideradas exclusivamente sexuais, como herpes,
balanite, condiloma, molusco e tricomoníase. No período
pós-guerras, a incidência dessas afecções aumentou,
provavelmente devido às mudanças do
comportamento sexual e à descoberta de outras formas de
contaminação. Passaram então a ser divididas em
essencialmente, freqüentemente e eventualmente venéreas. A
partir de 1983, adotou-se o nome doenças sexualmente
transmitidas (DST) para as afecções de transmissão
sexual, de caráter endêmico e múltipla expressão.
Outro aspecto interessante é que no século
XX as doenças bacterianas predominavam e o
tratamento com antimicrobianos era eficaz. Todavia,
atualmente predominam as doenças virais, como o herpes,
o condiloma acuminado, as hepatites B e C e a
AIDS, sem cura disponível até o momento, de difícil
controle e associadas a situações colaterais que incluem o
câncer. Durante os últimos anos, a faixa etária mais
acometida atinge a adolescência e o segmento
anorretal tem sido utilizado cada vez mais para
proporcionar prazer erótico. Como conseqüência, temos notado
aumento da incidência das DST na região.
Doenças clássicas como gonorréia, sífilis
e cancróide estavam quase desaparecidas na maioria
dos países industrializados devido ao advento
dos antimicrobianos e das campanhas de prevenção.
Entretanto, têm aumentado em taxas epidêmicas em
decorrência da pobreza, desinformação,
desintegração social, prostituição e promiscuidade sexual que é
com freqüência associada, de maneira equívoca, apenas
ao estilo de vida dos homossexuais masculinos e dos
profissionais do sexo. Infelizmente, os antimicrobianos
e os quimioterápicos de baixo custo não têm mais a
alta taxa de cura que apresentavam, provavelmente
devido ao uso impróprio e à auto-medicação que induzem
à resistência ao medicamento. Aliada a estes fatores,
a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana
(HIV) influencia na aquisição, na gravidade, na
transmissão e na resposta do hospedeiro para uma ampla
variedade de DST que, por sua vez, auxiliam na
contaminação pelo agente da AIDS.
Entre outras causas do aumento da
incidência, estaria o aumento da população de pouco poder
sócio-econômico que não tem informação por não
receber educação específica sobre o problema. A família
que poderia ser responsável pelas noções iniciais,
também não foi convenientemente orientada, ou sente-se
incapaz por tratar-se de temática considerada como
tabu para boa parcela da população, ou ainda é
desagregada, com dificuldade de diálogo. Mesmo para os
profissionais de saúde, que deveriam estar preparados para
orientar sobre o assunto, os aspectos que envolvem o
sexo, o amor, a anticoncepção e as doenças decorrentes
são constrangedores e proibitivos. Mesmo em
algumas escolas médicas, as DST são tratadas de maneira
superficial e raras são as que dispõem de
ambulatório especializado para tal, mostrando o desinteresse
pelo assunto.
Quanto ao doente, muitos se automedicam ou procuram atendimento por profissional não
qualificado (balconistas de farmácia), motivados pelo
sentimento de culpa e vergonha de estarem infectados. A falha
ou retardo no diagnóstico perpetua a doença,
permitindo seu alastramento e o tratamento incorreto promove
o aparecimento de complicações muitas vezes graves,
além da criação de agentes resistentes à medicação usual.
A multiplicidade de parceiros, incentivada pelo grupo
social e proporcionada pela facilidade de locomoção
nas grandes cidades ou das cidades satélites para as
metrópoles, dissemina a doença. Vale a pena lembrar que
facilidade das viagens intercontinentais transformou
a AIDS numa epidemia global. Também, com a venda
sem controle e com o uso indiscriminado de
anticoncepcionais, muitos se acreditam protegidos e não utilizam
os métodos de barreira, disponíveis sob as formas de
preservativos masculino e feminino.
Neste aspecto, em que a gravidez parece
ser mais temida que as DST, o risco do sexo anal é
subestimado e o uso de preservativos é relegado entre
heterossexuais, que se acreditam imunes às DST, além
de suporem que o preservativo seria útil apenas para
evitar uma gravidez indesejada. Estatísticas
norte-americanas sugerem, em números absolutos, que as
mulheres praticam sexo anal sem proteção numa
proporção de 7:1 em relação aos homossexuais masculinos.
Estudos sobre a transmissão heterossexual do HIV
revelaram que o sexo anal é fator altamente preditivo
para seroconversão. Pesquisa entre subpopulações de
mais alto risco, incluindo homens bissexuais, usuários
de drogas injetáveis, prostitutas, adolescentes
moradores em grandes cidades e casais heterossexuais
com serodiscordância, indica que as pessoas com risco
de infecção ou de transmissão de HIV praticam mais
sexo anal. Considerando esse achado, junto com a
maior eficácia para infecção pelo HIV bem como os
baixos índices de uso de preservativo, significante
proporção da transmissão heterossexual em muitas populações
é devida ao sexo anal. Essa pratica sexual
estigmatizada e não revelada deve receber ênfase na prevenção
do DST/AIDS, saúde da mulher e outros programas
preventivos de saúde.
Do exposto, podemos concluir que a
multiplicação dos grupos de risco para aquisição de
DST/AIDS fez com que praticamente toda a população
sexualmente ativa possa se contagiar. Além disso, acredita-se
que o termo "grupo de risco", além de discriminatório,
está desatualizado, e que as chances de infecção são
relacionadas mais ao comportamento que à opção
sexual. Desta forma, faz-se necessário substituir o "grupo
de risco" para "comportamento de risco" ao se avaliar
as chances de contaminação pelas DST.
O aumento da incidência de DST em
pessoas que usam o anorreto como forma de obter prazer
sexual torna o especialista em Coloproctologia
responsável pela orientação quanto às maneiras de prevenir,
tratar e evitar a disseminação dessas afecções.
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Endereço para correspondência:
Sidney Roberto Nadal
Rua Dr. Martinico Prado, 26 - grupo 35
Vila Buarque
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