DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS


IDENTIFICAÇÃO DOS GRUPOS DE RISCO PARA AS DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMITIDAS

SIDNEY ROBERTO NADAL -TSBCP
CARMEN RUTH MANZIONE - TSBCP


NADAL, SR; MANZIONE, CR. Identificação dos Grupos de Risco para as Doenças Sexualmente Transmitidas. Rev bras Coloproct, 2003;23(2):128-129

As doenças sexualmente transmitidas (DST) são conhecidas desde a mais remota antiguidade, fazendo parte do cotidiano de profissionais responsáveis pela manutenção da saúde desde então. Até o século XVI eram chamadas de doenças dos indecentes, quando surgiu o termo doenças venéreas, em homenagem a Vênus, deusa do templo do amor, pois se imaginava que a transmissão poderia ser sexual, embora não se conhecessem os agentes. Mas somente no século XIX os microorganismos relacionados à transmissão começaram a ser identificados. A faixa de maior incidência estava entre os 20 e os 30 anos de idade. Naquela ocasião, as doenças foram divididas em venéreas, quando a transmissão era exclusivamente sexual, tais como a gonorréia, sífilis, cancróide, linfogranuloma venéreo e a de Nicholas-Favre; e em paravenéreas, não consideradas exclusivamente sexuais, como herpes, balanite, condiloma, molusco e tricomoníase. No período pós-guerras, a incidência dessas afecções aumentou, provavelmente devido às mudanças do comportamento sexual e à descoberta de outras formas de contaminação. Passaram então a ser divididas em essencialmente, freqüentemente e eventualmente venéreas. A partir de 1983, adotou-se o nome doenças sexualmente transmitidas (DST) para as afecções de transmissão sexual, de caráter endêmico e múltipla expressão.
    Outro aspecto interessante é que no século XX as doenças bacterianas predominavam e o tratamento com antimicrobianos era eficaz. Todavia, atualmente predominam as doenças virais, como o herpes, o condiloma acuminado, as hepatites B e C e a AIDS, sem cura disponível até o momento, de difícil controle e associadas a situações colaterais que incluem o câncer. Durante os últimos anos, a faixa etária mais acometida atinge a adolescência e o segmento anorretal tem sido utilizado cada vez mais para proporcionar prazer erótico. Como conseqüência, temos notado aumento da incidência das DST na região.
    Doenças clássicas como gonorréia, sífilis e cancróide estavam quase desaparecidas na maioria dos países industrializados devido ao advento dos antimicrobianos e das campanhas de prevenção. Entretanto, têm aumentado em taxas epidêmicas em decorrência da pobreza, desinformação, desintegração social, prostituição e promiscuidade sexual que é com freqüência associada, de maneira equívoca, apenas ao estilo de vida dos homossexuais masculinos e dos profissionais do sexo. Infelizmente, os antimicrobianos e os quimioterápicos de baixo custo não têm mais a alta taxa de cura que apresentavam, provavelmente devido ao uso impróprio e à auto-medicação que induzem à resistência ao medicamento. Aliada a estes fatores, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) influencia na aquisição, na gravidade, na transmissão e na resposta do hospedeiro para uma ampla variedade de DST que, por sua vez, auxiliam na contaminação pelo agente da AIDS.
    Entre outras causas do aumento da incidência, estaria o aumento da população de pouco poder sócio-econômico que não tem informação por não receber educação específica sobre o problema. A família que poderia ser responsável pelas noções iniciais, também não foi convenientemente orientada, ou sente-se incapaz por tratar-se de temática considerada como tabu para boa parcela da população, ou ainda é desagregada, com dificuldade de diálogo. Mesmo para os profissionais de saúde, que deveriam estar preparados para orientar sobre o assunto, os aspectos que envolvem o sexo, o amor, a anticoncepção e as doenças decorrentes são constrangedores e proibitivos. Mesmo em algumas escolas médicas, as DST são tratadas de maneira superficial e raras são as que dispõem de ambulatório especializado para tal, mostrando o desinteresse pelo assunto.
    Quanto ao doente, muitos se automedicam ou procuram atendimento por profissional não qualificado (balconistas de farmácia), motivados pelo sentimento de culpa e vergonha de estarem infectados. A falha ou retardo no diagnóstico perpetua a doença, permitindo seu alastramento e o tratamento incorreto promove o aparecimento de complicações muitas vezes graves, além da criação de agentes resistentes à medicação usual. A multiplicidade de parceiros, incentivada pelo grupo social e proporcionada pela facilidade de locomoção nas grandes cidades ou das cidades satélites para as metrópoles, dissemina a doença. Vale a pena lembrar que facilidade das viagens intercontinentais transformou a AIDS numa epidemia global. Também, com a venda sem controle e com o uso indiscriminado de anticoncepcionais, muitos se acreditam protegidos e não utilizam os métodos de barreira, disponíveis sob as formas de preservativos masculino e feminino.
    Neste aspecto, em que a gravidez parece ser mais temida que as DST, o risco do sexo anal é subestimado e o uso de preservativos é relegado entre heterossexuais, que se acreditam imunes às DST, além de suporem que o preservativo seria útil apenas para evitar uma gravidez indesejada. Estatísticas norte-americanas sugerem, em números absolutos, que as mulheres praticam sexo anal sem proteção numa proporção de 7:1 em relação aos homossexuais masculinos. Estudos sobre a transmissão heterossexual do HIV revelaram que o sexo anal é fator altamente preditivo para seroconversão. Pesquisa entre subpopulações de mais alto risco, incluindo homens bissexuais, usuários de drogas injetáveis, prostitutas, adolescentes moradores em grandes cidades e casais heterossexuais com serodiscordância, indica que as pessoas com risco de infecção ou de transmissão de HIV praticam mais sexo anal. Considerando esse achado, junto com a maior eficácia para infecção pelo HIV bem como os baixos índices de uso de preservativo, significante proporção da transmissão heterossexual em muitas populações é devida ao sexo anal. Essa pratica sexual estigmatizada e não revelada deve receber ênfase na prevenção do DST/AIDS, saúde da mulher e outros programas preventivos de saúde.
    Do exposto, podemos concluir que a multiplicação dos grupos de risco para aquisição de DST/AIDS fez com que praticamente toda a população sexualmente ativa possa se contagiar. Além disso, acredita-se que o termo "grupo de risco", além de discriminatório, está desatualizado, e que as chances de infecção são relacionadas mais ao comportamento que à opção sexual. Desta forma, faz-se necessário substituir o "grupo de risco" para "comportamento de risco" ao se avaliar as chances de contaminação pelas DST.
    O aumento da incidência de DST em pessoas que usam o anorreto como forma de obter prazer sexual torna o especialista em Coloproctologia responsável pela orientação quanto às maneiras de prevenir, tratar e evitar a disseminação dessas afecções.

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Endereço para correspondência:
Sidney Roberto Nadal
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