ARTIGOS ORIGINAIS


INCIDÊNCIA DO CÂNCER COLORRETAL NA REGIONAL DE SAÚDE DE JOINVILLE (SC)

MAURO DE SOUZA LEITE PINHO - TSBCP
LUIS CARLOS FERREIRA
MALCON JONES K. BRIGO
ANTÔNIO PEREIRA FILHO
ANNELISE WENGERKIEVICZ 
ALESSANDRA PONATH
LARA SALMORIA


PINHO MSL; FERREIRA LC; BRIGO MJK; PEREIRA FILHO A; WENGERKIEVICZ A; PONATH A; SALMORIA L. Incidência do câncer colorretal na regional de saúde de Joinville (SC). Rev bras Coloproct, 2003;23(2):73-76 

Resumo: O baixo número de registros de câncer no Brasil tem sido uma importante desvantagem para o conhecimento da epidemiologia do câncer. Além disto, a grande extensão territorial e diferenças socioeconômicas entre as diversas regiões do país contribuem para a existência de aspectos epidemiológicos próprios e distintos entre si, impedindo uma correlação direta com estatísticas de outros países ou regiões geográficas. O objetivo deste estudo foi a obtenção de dados epidemiológicos reais sobre a incidência do câncer colorretal na Regional de Saúde de Joinville (SC), conforme definição do Ministério da Saúde. Procedeu-se a um levantamento retrospectivo em todos os laboratórios de anatomia patológica da cidade de Joinville em um período de cinco anos (1995-99), através do qual foram identificados todos os pacientes com diagnóstico de câncer colorretal. Os números obtidos foram analisados nos contextos populacionais anuais e comparados às estimativas do Instituto Nacional do Câncer e de estatísticas internacionais. Foram identificados 251 casos de câncer colorretal com uma incidência anual mediana no período analisado de 13,1 casos por 100.000 habitantes/ano, sendo que houve uma leve predominância no sexo feminino com 54% dos casos. A idade média dos pacientes no momento do diagnóstico foi de 57,3 anos. As lesões em cólon ocorreram em 133 casos (53%), enquanto as de reto em 113 (45%). Conforme estes números, a incidência do câncer colorretal na Regional de Saúde de Joinville (SC) está de acordo com as estimativas do INCa e abaixo de muitos paises da Europa e da América do Norte. Este estudo reforça a necessidade de um conhecimento da epidemiologia do câncer em bases reais nas diferentes regiões do Brasil e apresenta uma metodologia opcional no caso de inexistência de registros populacionais organizados.

Unitermos: colorretal, epidemiologia, câncer no Brasil, câncer

INTRODUÇÃO
A dificuldade de implantação e funcionamento adequado de registros de câncer tem sido um grande obstáculo para uma definição da real incidência das doenças neoplásicas no Brasil. Além disto, a grande extensão territorial e diferenças socioeconômicas entre as diversas regiões do país contribuem para a existência de aspectos epidemiológicos próprios e distintos entre si, impedindo uma correlação direta com estatísticas de outros países ou regiões geográficas. Desta forma, torna-se necessário o estabelecimento de estratégias alternativas, capazes de fornecer dados estatísticos que permitam uma análise epidemiológica consistente com a realidade de cada região e com o objetivo de auxiliar na definição das estimativas da incidência de câncer por parte das instituições oficiais.
    Com este objetivo, o Departamento de Medicina da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) iniciou um trabalho com o objetivo de avaliar a validade de realizar um levantamento junto aos laboratórios responsáveis pelos exames anatomopatológicos de uma Regional de Saúde conforme definida pelo Ministério da Saúde, visando a obtenção de dados reais quanto à incidência de neoplasias malignas na referida região.
    O objetivo do presente trabalho foi a apresentação dos resultados obtidos por este levantamento referentes à incidência do câncer colorretal na região atendida pela Regional de Saúde de Joinville e sua análise comparativa com as estimativas realizadas pelo Instituto Nacional do Câncer para a incidência desta patologia.

MÉTODOS
Procedeu-se a um levantamento retrospectivo de todos os casos de câncer colorretal diagnosticados nos quatro laboratórios de anatomia patológica existentes na cidade de Joinville, durante um período de cinco anos compreendidos entre janeiro de 1995 e dezembro de 1999. Estes dados foram inseridos em um banco de dados informatizado com especial atenção para evitar a existência de duplicidades conseqüentes a múltiplos exames, compreendendo biópsias, espécimes cirúrgicos e reoperações. As informações recolhidas foram referentes ao nome, sexo, idade, data do exame, registro interno do laboratório e laudo histopatológico.
    Os dados obtidos foram utilizados para um estudo epidemiológico da região, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde para a definição da Regional de Saúde de Joinville, a qual é composta por nove municípios atendidos pela cidade de Joinville, a qual contribui com cerca de 70% do total da população. A listagem dos municípios integrantes desta Regional e suas respectivas populações pode ser observada na (Tabela-1).
    Os resultados epidemiológicos obtidos foram confrontados com as estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCa) para a incidência do câncer colorretal a nível nacional, região sul e o estado de Santa Catarina 1.

Tabela 1 - Municípios pertencentes à regional de saúde de Joinville. 
Cidade   População
Joinville  428 011
Araquari  19 367
Barra do Sul 320
Campo Alegre 10 855
Garuva  11 304
Itapoá  6 492
Rio Negrinho 34 839
São Bento do Sul 62 928
São Francisco do Sul  30 624
Total  608 740 



RESULTADOS

Foram identificados 251 casos de câncer colorretal entre janeiro de 1995 e dezembro de 1999, representando um percentual de 4,9 % em relação ao total de tumores malignos diagnosticados no período de cinco anos analisados. A incidência sobre o sexo masculino ocorreu em 116 casos (46%) comparados a 135 casos do sexo feminino (54%). A idade média dos pacientes no momento do diagnóstico foi de 57,3 anos (27 - 89). A incidência anual mediana no período analisado correspondeu a 13,1 casos por 100.000 habitantes/ano. A evolução anual da incidência do câncer colorretal na população integrante da Regional de Saúde de Joinville pode ser observada na (Tabela-2).


Tabela 2 - Incidência de Câncer Colorretal
Ano  População da Regional 
de Saúde de Joinville
Incidência por 
100.000 habitantes
1995 536.038 13,1
1996  562.576 7,8
1997  579.761 6,9
1998  594.241 13,6
1999  608.740 13,2



    Em relação ao segmento comprometido, houve um predomínio das lesões em cólon com 133 casos (53%), quando comparadas com os 113 tumores do reto (45%), sendo que em cinco casos não foi possível determinar a localização exata do tumor.
    No que diz respeito à faixa etária, encontramos uma incidência mais elevada entre a quinta e oitava décadas de vida, conforme demostrado na (Figura-1).

Figura 1 - Incidência do câncer colorretal x faixas etárias (Valores em Percentagem)

 

    Em relação à localização do tumor nos dois sexos, foi observado um equilíbrio entre as mulheres quanto à incidência de lesões colônicas e retais e um predomínio do câncer de cólon entre os homens, conforme demonstrado na (Tabela-3).

Tabela 3 - Incidência Sexo X Localização 
  Cólon  Reto
Homens   74 53
Mulheres   59 60

DISCUSSÃO
A distribuição mundial da incidência do câncer colorretal apresenta-se hoje como um aspecto de grande relevância no estudo dos fatores predisponentes desta doença. Estudos epidemiológicos internacionais revelam um perfil de incidência bastante semelhante ao grau de desenvolvimento econômico de cada país2. Esta correlação é freqüentemente atribuída a padrões dietéticos, os quais podem também, por seu turno, ser bastante influenciados por fatores socio-econômicos. Em extenso estudo de revisão, o Harvard Center for Cancer Prevention3 demonstrou, por exemplo, elevados níveis de evidências de que a ingestão de carne vermelha e obesidade apresentam um risco relativo de aumento da incidência do câncer colorretal de 1.5, sendo ambos fatores relacionados a um maior nível de desenvolvimento e qualidade de vida.
    Na Tabela-4, observamos uma interessante demonstração de que a incidência do câncer colorretal apresenta padrões bastante distintos entre as diferentes regiões do mundo, sugerindo uma forte influência de fatores locais4. É bastante reduzida no continente africano e mostra-se mais elevada nos países asiáticos, atingindo níveis bastante maiores no continente europeu e América do Norte. É interessante notar que, mesmo dentro do continente europeu, observamos uma variação entre a incidência do câncer colorretal entre os lados ocidental e oriental, com um predomínio nos países ocidentais, em sua maioria mais industrializados e com melhor nível de desenvolvimento social. Esta diferença pode ser observada de forma análoga no Brasil, onde as regiões sul e sudeste apresentam uma maior incidência do câncer colorretal do que as regiões norte e nordeste1, possivelmente em conseqüência de diferenças no desenvolvimento sócio-econômico e alimentação.



Tabela 4 - Incidência do câncer colorretal nas diferentes regiões do mundo
Local  Incidência/ 100 000 hab./ ano
Nigéria 2,5 casos
Índia  9,0 casos
Osaka (Japão) 13,2 casos
Alemanha (ex-oriental) 25,6 casos
Hungria  20,1 casos
Connecticut (EUA) 48,3 casos
Detroit (brancos) (EUA)  42,2 casos
Birmingham (Inglaterra)  32,6 casos
Dinamarca  32,9 casos
Modificada de Keighley MRB & Williams NS4


    O achado de uma mediana de 13,1 casos novos de câncer colorretal a cada ano, na Regional de Saúde de Joinville, fornece-nos um indicativo de que a incidência nesta região é equivalente àquela observada nos países asiáticos. Este é um fato bastante interessante, especialmente ao levarmos em conta que a referida Regional abrange uma área geográfica habitada predominantemente por indivíduos de origem alemã e italiana, denotando assim uma aparente ausência de correlação com a incidência observada em seus países de origem.
    Outro aspecto interessante desta incidência, constatada na Regional de Saúde de Joinville, refere-se à comparação com as estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCa) para a incidência do câncer colorretal.
    Conforme observamos na Tabela-2, encontramos no presente estudo uma incidência mediana de 13,1 casos diagnosticados por 100.000 habitantes/ ano na Regional de Saúde de Joinville, variando de 6,9 a 13,6. Nos anos de 1996 e 1997 observamos uma evidente queda na incidência (7,8 e 6.9 casos, respectivamente), sugerindo uma possível falha na coleta de dados ou de arquivamento nos laboratórios de anatomia patológica, cuja causa não nos foi possível detectar. A regularidade observada nos restantes três anos, no entanto, nos serviu de sustentação para a credibilidade do levantamento epidemiológico empregado neste estudo. Com relação aos outros dados obtidos como faixas etárias mais acometidas, distribuição do tumor no cólon e reto e incidência por sexo, os valores observados no presente estudo correspondem àqueles usualmente referidos na literatura internacional.
    Quando confrontados estes números com as estimativas de incidência para o câncer colorretal realizadas pelo INCa, conforme apresentadas na Tabela-5, a incidência encontrada apresentou-se discretamente superior em relação aos índices previstos para a região Sul, estado de Santa Catarina e nacional como um todo.

Tabela 5 - comparação da incidência na regional de Joinville com estimativas nacionais (1999)

Local 

Casos/ 100 000 hab.

Joinville (Presente estudo)

13,1

Santa Catarina (Estimativa) - INCa)

8,4

Região Sul (Estimativa - INCa)

11,64

Brasil (Estimativa - INCa) 

9,65



Concluímos a partir do presente estudo que a incidência do câncer na Regional de Saúde de Joinville é comparável à incidência observada em países asiáticos, não guardando portanto relação direta com a origem da população predominante nesta região.
    Além disto, o levantamento dos dados através dos registros dos laboratórios de anatomia patológica mostrou-se como uma opção boa e confiável para a análise epidemiológica do nosso estudo, podendo ser utilizado como uma alternativa viável para a determinação e estudos comparativos da incidência de câncer em regiões bem delimitadas e de média densidade populacional.

SUMMARY: The low number of cancer registries in Brazil has been an important drawback to the knowledge of epidemiology of cancer. The great geographical extension as well as the major socio-economical differences among regions makes impossible the definition of a unique epidemiological profile and subsequent comparison with other countries. The aim of this study was to obtain the real epidemiological data about the incidence of colorectal cancer in a region defined as Regional of Joinville according to the Health Federal Authority. A review of cases diagnosed as colorectal cancer during a five-year period (1995-99) was performed in all pathology laboratories of the town of Joinville. Further comparison with Brazilian National Institute of Cancer estimative reports and international epidemiological data was also undertaken. Two hundred fifty-one cases of colorectal cancer were identified during that period corresponding to an incidence of 13.1 cases/100 000 habitants/ year. A female predominance was observed with 135 (54%) cases. Mean age at the diagnosis was 57,3 years. Colon cancer occurred in 133 cases (53%) compared to 113 (45%) rectal cancers. According to these numbers, the incidence of colorectal cancer was found to match with Brazilian NCI estimatives and to be lower than in most countries of Europe and in North America. This study reinforces the need of an adequate epidemiological assessment of cancer incidence in Brazil and suggests an alternative method to population based registries.

Key words: colorectal cancer, epidemiology, cancer in Brazil, cancer

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.  Instituto Nacional do Câncer. http://www.inca.org.br
2. Parkin DM, Pisani P, Ferlay J. Estimates of worldwide incidence of eighteen major cancers in 1985. Int J Cancer 1993;54(4):594.
3. Harvard Report on Cancer Prevention. Cancer Causes and Control 1999;10:167-180.
4. Keighley MRB & Williams NS. Surgery of the Anus Rectum and Colon. 1993,London: W.B.Saunders.

Endereço para correspondência:
Mauro de Souza Leite Pinho Av. Getúlio Vargas, 238 -Centro
89202.000 - Joinville - Santa Catarina
E-mail: : mpinho.joi@terra.com.br 

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia - Serviço de Coloproctologia do Hospital Municipal São José - Joinville (Sc). Departamento de Medicina da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE).