ARTIGOS ORIGINAIS
MAURO DE SOUZA LEITE PINHO - TSBCP
LUIS CARLOS FERREIRA
MALCON JONES K. BRIGO
ANTÔNIO PEREIRA FILHO
ANNELISE WENGERKIEVICZ
ALESSANDRA PONATH
LARA SALMORIA
Resumo: O baixo número de registros de câncer no Brasil tem sido uma importante desvantagem para o conhecimento da epidemiologia do câncer. Além disto, a grande extensão territorial e diferenças socioeconômicas entre as diversas regiões do país contribuem para a existência de aspectos epidemiológicos próprios e distintos entre si, impedindo uma correlação direta com estatísticas de outros países ou regiões geográficas. O objetivo deste estudo foi a obtenção de dados epidemiológicos reais sobre a incidência do câncer colorretal na Regional de Saúde de Joinville (SC), conforme definição do Ministério da Saúde. Procedeu-se a um levantamento retrospectivo em todos os laboratórios de anatomia patológica da cidade de Joinville em um período de cinco anos (1995-99), através do qual foram identificados todos os pacientes com diagnóstico de câncer colorretal. Os números obtidos foram analisados nos contextos populacionais anuais e comparados às estimativas do Instituto Nacional do Câncer e de estatísticas internacionais. Foram identificados 251 casos de câncer colorretal com uma incidência anual mediana no período analisado de 13,1 casos por 100.000 habitantes/ano, sendo que houve uma leve predominância no sexo feminino com 54% dos casos. A idade média dos pacientes no momento do diagnóstico foi de 57,3 anos. As lesões em cólon ocorreram em 133 casos (53%), enquanto as de reto em 113 (45%). Conforme estes números, a incidência do câncer colorretal na Regional de Saúde de Joinville (SC) está de acordo com as estimativas do INCa e abaixo de muitos paises da Europa e da América do Norte. Este estudo reforça a necessidade de um conhecimento da epidemiologia do câncer em bases reais nas diferentes regiões do Brasil e apresenta uma metodologia opcional no caso de inexistência de registros populacionais organizados.
Unitermos: colorretal, epidemiologia, câncer no Brasil, câncer
INTRODUÇÃO
A dificuldade de implantação e
funcionamento adequado de registros de câncer tem sido um
grande obstáculo para uma definição da real incidência
das doenças neoplásicas no Brasil. Além disto, a
grande extensão territorial e diferenças socioeconômicas
entre as diversas regiões do país contribuem para a
existência de aspectos epidemiológicos próprios e
distintos entre si, impedindo uma correlação direta com
estatísticas de outros países ou regiões geográficas.
Desta forma, torna-se necessário o estabelecimento de
estratégias alternativas, capazes de fornecer dados
estatísticos que permitam uma análise epidemiológica
consistente com a realidade de cada região e com o
objetivo de auxiliar na definição das estimativas da
incidência de câncer por parte das instituições oficiais.
Com este objetivo, o Departamento de Medicina da Universidade da Região de Joinville
(UNIVILLE) iniciou um trabalho com o objetivo de avaliar a
validade de realizar um levantamento junto aos
laboratórios responsáveis pelos exames anatomopatológicos
de uma Regional de Saúde conforme definida pelo
Ministério da Saúde, visando a obtenção de dados
reais quanto à incidência de neoplasias malignas na
referida região.
O objetivo do presente trabalho foi a
apresentação dos resultados obtidos por este levantamento
referentes à incidência do câncer colorretal na
região atendida pela Regional de Saúde de Joinville e
sua análise comparativa com as estimativas realizadas
pelo Instituto Nacional do Câncer para a incidência
desta patologia.
MÉTODOS
Procedeu-se a um levantamento
retrospectivo de todos os casos de câncer colorretal
diagnosticados nos quatro laboratórios de anatomia patológica
existentes na cidade de Joinville, durante um período de
cinco anos compreendidos entre janeiro de 1995 e
dezembro de 1999. Estes dados foram inseridos em um banco
de dados informatizado com especial atenção para evitar
a existência de duplicidades conseqüentes a
múltiplos exames, compreendendo biópsias, espécimes
cirúrgicos e reoperações. As informações recolhidas foram
referentes ao nome, sexo, idade, data do exame,
registro interno do laboratório e laudo histopatológico.
Os dados obtidos foram utilizados para um estudo epidemiológico da região, segundo critérios
estabelecidos pelo Ministério da Saúde para a
definição da Regional de Saúde de Joinville, a qual é
composta por nove municípios atendidos pela cidade de
Joinville, a qual contribui com cerca de 70% do total da
população. A listagem dos municípios integrantes desta
Regional e suas respectivas populações pode ser
observada na (Tabela-1).
Os resultados epidemiológicos obtidos
foram confrontados com as estimativas do Instituto
Nacional do Câncer (INCa) para a incidência do câncer
colorretal a nível nacional, região sul e o estado de Santa Catarina
1.
Tabela 1 - Municípios pertencentes à regional de saúde de Joinville.
Cidade | População |
Joinville | 428 011 |
Araquari | 19 367 |
Barra do Sul | 320 |
Campo Alegre | 10 855 |
Garuva | 11 304 |
Itapoá | 6 492 |
Rio Negrinho | 34 839 |
São Bento do Sul | 62 928 |
São Francisco do Sul | 30 624 |
Total | 608 740 |
RESULTADOS
Foram identificados 251 casos de
câncer colorretal entre janeiro de 1995 e dezembro de
1999, representando um percentual de 4,9 % em relação
ao total de tumores malignos diagnosticados no
período de cinco anos analisados. A incidência sobre o
sexo masculino ocorreu em 116 casos (46%) comparados
a 135 casos do sexo feminino (54%). A idade média
dos pacientes no momento do diagnóstico foi de 57,3
anos (27 - 89). A incidência anual mediana no período
analisado correspondeu a 13,1 casos por 100.000
habitantes/ano. A evolução anual da incidência do
câncer colorretal na população integrante da Regional de
Saúde de Joinville pode ser observada na (Tabela-2).
Tabela 2 - Incidência de Câncer Colorretal
Ano | População da
Regional de Saúde de Joinville |
Incidência por 100.000 habitantes |
1995 | 536.038 | 13,1 |
1996 | 562.576 | 7,8 |
1997 | 579.761 | 6,9 |
1998 | 594.241 | 13,6 |
1999 | 608.740 | 13,2 |
Em relação ao segmento comprometido,
houve um predomínio das lesões em cólon com 133 casos
(53%), quando comparadas com os 113 tumores do reto (45%), sendo que em cinco casos não foi
possível determinar a localização exata do tumor.
No que diz respeito à faixa etária,
encontramos uma incidência mais elevada entre a quinta e oitava
décadas de vida, conforme demostrado na (Figura-1).
Figura 1 - Incidência do câncer colorretal x faixas etárias (Valores em Percentagem) |
Em relação à localização do tumor nos
dois sexos, foi observado um equilíbrio entre as mulheres
quanto à incidência de lesões colônicas e retais e
um predomínio do câncer de cólon entre os homens,
conforme demonstrado na (Tabela-3).
Tabela 3 - Incidência Sexo X Localização
Cólon | Reto | |
Homens | 74 | 53 |
Mulheres | 59 | 60 |
DISCUSSÃO
A distribuição mundial da incidência do
câncer colorretal apresenta-se hoje como um aspecto
de grande relevância no estudo dos fatores
predisponentes desta doença. Estudos epidemiológicos
internacionais revelam um perfil de incidência bastante
semelhante ao grau de desenvolvimento econômico de cada
país2. Esta correlação é freqüentemente atribuída a
padrões dietéticos, os quais podem também, por seu turno,
ser bastante influenciados por fatores
socio-econômicos. Em extenso estudo de revisão, o Harvard Center
for Cancer Prevention3 demonstrou, por exemplo,
elevados níveis de evidências de que a ingestão de
carne vermelha e obesidade apresentam um risco relativo
de aumento da incidência do câncer colorretal de 1.5,
sendo ambos fatores relacionados a um maior nível
de desenvolvimento e qualidade de vida.
Na Tabela-4, observamos uma interessante
demonstração de que a incidência do câncer
colorretal apresenta padrões bastante distintos entre as
diferentes regiões do mundo, sugerindo uma forte influência
de fatores locais4. É bastante reduzida no continente
africano e mostra-se mais elevada nos países asiáticos,
atingindo níveis bastante maiores no continente europeu
e América do Norte. É interessante notar que, mesmo
dentro do continente europeu, observamos uma
variação entre a incidência do câncer colorretal entre os
lados ocidental e oriental, com um predomínio nos países
ocidentais, em sua maioria mais industrializados e
com melhor nível de desenvolvimento social. Esta
diferença pode ser observada de forma análoga no Brasil, onde
as regiões sul e sudeste apresentam uma maior
incidência do câncer colorretal do que as regiões norte e
nordeste1, possivelmente em conseqüência de diferenças no
desenvolvimento sócio-econômico e alimentação.
Tabela 4 - Incidência do câncer colorretal nas
diferentes regiões do mundo
Local | Incidência/ 100 000 hab./ ano |
Nigéria | 2,5 casos |
Índia | 9,0 casos |
Osaka (Japão) | 13,2 casos |
Alemanha (ex-oriental) | 25,6 casos |
Hungria | 20,1 casos |
Connecticut (EUA) | 48,3 casos |
Detroit (brancos) (EUA) | 42,2 casos |
Birmingham (Inglaterra) | 32,6 casos |
Dinamarca | 32,9 casos |
Modificada de Keighley MRB & Williams NS4 |
O achado de uma mediana de 13,1 casos novos de câncer colorretal a cada ano, na Regional
de Saúde de Joinville, fornece-nos um indicativo de
que a incidência nesta região é equivalente àquela
observada nos países asiáticos. Este é um fato bastante
interessante, especialmente ao levarmos em conta que
a referida Regional abrange uma área geográfica
habitada predominantemente por indivíduos de origem
alemã e italiana, denotando assim uma aparente
ausência de correlação com a incidência observada em seus
países de origem.
Outro aspecto interessante desta
incidência, constatada na Regional de Saúde de Joinville,
refere-se à comparação com as estimativas do Instituto
Nacional do Câncer (INCa) para a incidência do
câncer colorretal.
Conforme observamos na Tabela-2,
encontramos no presente estudo uma incidência mediana
de 13,1 casos diagnosticados por 100.000 habitantes/
ano na Regional de Saúde de Joinville, variando de 6,9
a 13,6. Nos anos de 1996 e 1997 observamos uma evidente queda na incidência (7,8 e 6.9 casos,
respectivamente), sugerindo uma possível falha na coleta de
dados ou de arquivamento nos laboratórios de
anatomia patológica, cuja causa não nos foi possível detectar.
A regularidade observada nos restantes três anos, no
entanto, nos serviu de sustentação para a
credibilidade do levantamento epidemiológico empregado neste
estudo. Com relação aos outros dados obtidos como
faixas etárias mais acometidas, distribuição do tumor
no cólon e reto e incidência por sexo, os valores
observados no presente estudo correspondem àqueles
usualmente referidos na literatura internacional.
Quando confrontados estes números com as
estimativas de incidência para o câncer colorretal
realizadas pelo INCa, conforme apresentadas na Tabela-5,
a incidência encontrada apresentou-se discretamente
superior em relação aos índices previstos para a
região Sul, estado de Santa Catarina e nacional como um todo.
Tabela 5 - comparação da incidência na regional
de Joinville com estimativas nacionais (1999)
Local |
Casos/ 100 000 hab. |
Joinville (Presente estudo) |
13,1 |
Santa Catarina (Estimativa) - INCa) |
8,4 |
Região Sul (Estimativa - INCa) |
11,64 |
Brasil (Estimativa - INCa) |
9,65 |
Concluímos a partir do presente estudo que
a incidência do câncer na Regional de Saúde de
Joinville é comparável à incidência observada em países
asiáticos, não guardando portanto relação direta com a
origem da população predominante nesta região.
Além disto, o levantamento dos dados
através dos registros dos laboratórios de anatomia
patológica mostrou-se como uma opção boa e confiável para
a análise epidemiológica do nosso estudo, podendo
ser utilizado como uma alternativa viável para a
determinação e estudos comparativos da incidência de
câncer em regiões bem delimitadas e de média
densidade populacional.
SUMMARY: The low number of cancer registries in Brazil has been an important drawback to the knowledge of epidemiology of cancer. The great geographical extension as well as the major socio-economical differences among regions makes impossible the definition of a unique epidemiological profile and subsequent comparison with other countries. The aim of this study was to obtain the real epidemiological data about the incidence of colorectal cancer in a region defined as Regional of Joinville according to the Health Federal Authority. A review of cases diagnosed as colorectal cancer during a five-year period (1995-99) was performed in all pathology laboratories of the town of Joinville. Further comparison with Brazilian National Institute of Cancer estimative reports and international epidemiological data was also undertaken. Two hundred fifty-one cases of colorectal cancer were identified during that period corresponding to an incidence of 13.1 cases/100 000 habitants/ year. A female predominance was observed with 135 (54%) cases. Mean age at the diagnosis was 57,3 years. Colon cancer occurred in 133 cases (53%) compared to 113 (45%) rectal cancers. According to these numbers, the incidence of colorectal cancer was found to match with Brazilian NCI estimatives and to be lower than in most countries of Europe and in North America. This study reinforces the need of an adequate epidemiological assessment of cancer incidence in Brazil and suggests an alternative method to population based registries.
Key words: colorectal cancer, epidemiology, cancer in Brazil, cancer
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Instituto Nacional do Câncer. http://www.inca.org.br
2. Parkin DM, Pisani P, Ferlay J. Estimates of
worldwide incidence of eighteen major cancers in 1985. Int J
Cancer 1993;54(4):594.
3. Harvard Report on Cancer Prevention. Cancer Causes
and Control 1999;10:167-180.
4. Keighley MRB & Williams NS. Surgery of the Anus
Rectum and Colon. 1993,London: W.B.Saunders.
Endereço para correspondência:
Mauro de Souza Leite Pinho Av. Getúlio Vargas, 238 -Centro
89202.000 - Joinville - Santa Catarina
E-mail: : mpinho.joi@terra.com.br
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia - Serviço de Coloproctologia do Hospital Municipal São José - Joinville (Sc). Departamento de Medicina da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE).