ARTIGOS ORIGINAIS
WILMAR ARTUR KLUG - TSBCP
FANG CHIA BIN - TSBCP
ANTONIO CARLOS VALEZI
PERETZ CAPELHUCHNIK- TSBCP
Unitermos: cólon, ferimentos, sutura
INTRODUÇÃO
Os ferimentos do cólon, do ponto de vista
histórico, são exemplo elucidativo da evolução das
técnicas cirúrgicas e da contribuição que as terapias de
suporte proporcionaram aos feridos. Antes da
primeira guerra mundial, tratavam-se os ferimentos do
intestino grosso conservadoramente e a letalidade superava
90%1, caindo posteriormente, ao ser generalizada
a sutura, a 60%. Na segunda guerra mundial a
letalidade diminuiu para 40% com a introdução da
colostomia sistemática, proposta por Ogilvie em
19442. Nas guerras da Coréia e Vietnam, com o aprimoramento
dos meios de transporte e do acréscimo de meios mais
sofisticados de suporte, sangue, hemoderivados,
complemento nutricional e antibióticos, deu-se nova
queda nas taxas de letalidade, que passaram a oscilar
entre 10 e 15% 3, 4. De modo geral, nos ferimentos de
guerra, a partir da segunda guerra mundial recomendou-se
a exteriorização do ferimento ou a colostomia de
proteção proximal ao ferimento suturado, como táticas
preferidas5.
Os ferimentos civis não são tão graves
quanto os produzidos por armas de guerra, pois seus
projéteis possuem menor energia cinética e determinam
menos lesão tecidual6,7. Nestes casos a colostomia em
geral não é necessária, pois implica em acrescentar
procedimento que, ele próprio, é objeto de
morbidez8-10.
Ao longo das três últimas décadas houve
progressiva tendência a tratar dos ferimentos do cólon
por sutura primária, existindo estudos prospectivos
que asseguram o acerto dessa orientação. Por outro
lado, além da orientação geral de praticar a sutura
preferencialmente a realizar colostomia, há dúvidas
sobre ressecções serem oportunas quando há lesões
mais extensas ou múltiplas, bem como se os
procedimentos ressectivos são mais ou menos seguros nas
diversas
localizações11-16.
No Brasil os trabalhos apresentados
seguiram a mesma ordem de idéias das publicações
internacionais, sendo as casuísticas representadas por
ferimentos civis, tanto os provocados por arma branca quanto
por armas de fogo17- 27. Como há diferenças importantes
na gravidade das lesões produzidas por armas de guerra
e por armas de uso corrente em nosso país, não há
como estabelecer comparações diretas entre estas
modalidades de lesão intestinal.
Com o objetivo de apresentar os resultados
e indicar as alternativas mais seguras para o tratamento
dos ferimentos do intestino grosso em nosso meio,
analisamos retrospectivamente casuística da Santa Casa
de São Paulo. As séries levantadas surgem de estudos
anteriormente feitos por nós em diferentes períodos, ao
longo de duas décadas, e visam mostrar as diferenças
ou progressos, com base nos resultados de cada período.
PACIENTES E MÉTODOS
No período compreendido entre abril de
1971 e março de 1992 foram tratados 432 pacientes
acometidos de ferimentos de cólon, que ingressaram na
Santa Casa de São Paulo. Nesse período de 22 anos
foram preenchidos três protocolos de avaliação que,
somados, constituem a casuística.
O método de trabalho consistiu na aferição
dos dados registrados nos prontuários, comparando-os
entre si ou totalizando-os, de acordo com o ítem a
ser estudado. Os levantamentos de dados reuniram
pacientes dos períodos 1971/1974, 1976/1988 e 1988/1992.
O modo de atendimento e o tratamento
instituído variou conforme as rotinas estabelecidas em
cada época, sendo executados por equipes diferentes de
médicos plantonistas e residentes, sendo os resultados
avaliados por pesquisadores da mesma equipe, de modo
a tornar possível apreciar a eficácia de cada
procedimento, isoladamente, ao longo do tempo. Por outro
lado, pela própria natureza dinâmica do atendimento em
serviços de emergência, não houve estrita
uniformidade nas condutas tomadas pelas diferentes equipes.
Foram avaliados nas várias séries sexo,
idade, agentes determinantes das lesões, sua
localização, ferimentos associados, operações realizadas, as
complicações e as causas da letalidade, sendo
salientada em análise estatística a importância dos ferimentos
do cólon direito na gênese da morbidez. Para tanto
aplicou-se o teste exato de Fisher na avaliação das
variações amostrais no sentido de encontrar possíveis
correlações entre as causas de morte.
RESULTADOS
Trezentos e noventa pacientes eram homens (90,3%), sendo 42 as mulheres (9,7%). Em todos
os levantamentos houve predominância de feridos do
sexo masculino, e a maior prevalência ficou
concentrada em jovens. A faixa de idade em que predominaram os
ferimentos foi na segunda década, com 208
pacientes (48%), sendo os mais novos de 20 anos e os da
terceira década acometidos em 187 vezes (43%).
Pessoas mais velhas só raramente foram afetadas.
Os projéteis de arma de fogo foram sempre
os agentes mais importantes, sem haver diferença
significante nesse dado. Constituíram,
respectivamente, 65%, 62% e 61%, nas três séries. Contusão do
abdome com lesão cólica ocorreu em 5%, incluindo
quatro pacientes com ferimentos provocados por cinto de
segurança. A importância relativa dos agentes que
determinaram os ferimentos manteve constância ao
longo do tempo, de modo que observa-se persistência
nas razões que levam à lesão do cólon (Tabela-1).
Tabela 1 - Agentes determinantes das lesões do cólon. Santa Casa de São Paulo, 1971/1992.
Agente | 71/74 | 76/88 | 88/92 |
Arma de fogo | 58 (65%) | 104(62%) | 57(61%) |
Arma branca | 23 (25%) | 74 (29%) | 27 (29%) |
Contusão | 5 (6%) | 10 (4%) | 5 (5%) |
Não especificado | 3 | 63 | 3 |
A localização dos ferimentos foi a mesma
nas três séries, predominando nos segmentos mais
expostos aos agentes vulnerantes, os cólons transverso
e sigmóide. O cólon transverso, em especial, por ser
mais longo e móvel e projetar-se nas regiões centrais do
abdome foi claramente o mais atingido (Tabela-2).
Em um dos levantamentos (71/74) procurou-se
correlação entre a posição do ferimento externo e o
segmento lesado. Observou-se que os ferimentos na
parede abdominal guardavam distribuição uniforme entre
os quadrantes, que não serviu para orientar a
localização da lesão intestinal.
Tabela 2 - Segmentos atingidos em ferimentos do cólon. Santa Casa São Paulo, 1971/1992
Segmento | 71/74 | 76/88 | 88/92 |
Ceco | 11 | 33 | 5 |
Cólon ascendente | 8 | 23 | 11 |
Flexura hepática | 6 | 12 | 8 |
Cólon transverso | 35 | 101 | 38 |
Flexura esplênica | 4 | 20 | 9 |
Cólon descendente | 8 | 24 | 13 |
Cólon sigmóide | 17 | 38 | 8 |
Ferimentos múltiplos | 13 | 15 | 4 |
Total de pacientes | 89 | 251 | 92 |
O tempo médio para o atendimento oscilou
em torno de 2,5 horas.
Em relação ao diagnóstico dos ferimentos
associados, eles foram frequentes e com
distribuição percentual similar nas três séries. Predominaram os
do intestino delgado e o fígado, sendo outras
estruturas comprometidas em número variável porém menor,
nas três séries.
As operações praticadas nos pacientes
variaram entre sutura simples das lesões a ressecções
segmentares com anastomose primária, predominando
a sutura primária simples, realizada em 72,7% dos
pacientes. Houve queda progressiva nos porcentuais
de sutura primária e incremento de ressecções nas
séries mais recentes. As ressecções, acompanhadas ou
não de colostomia, só foram realizadas raramente na
série mais antiga, porém aumentaram para 20% e 9%
nas séries mais recentes, indicando uma liberalização
das operações mais agressivas.
As complicações foram comparadas nos
diversos levantamentos e observamos
predominância de processos infecciosos por infecções de parede
(7,8 a 11,9%), deiscências e fístulas (4,3 a 9,7%),
pneumonias e abscessos de cavidade. Eviscerações
e necroses de colostomias ocorreram em bem menor
proporção. Na última série foi realizado estudo mais
detalhado das circunstâncias em que ocorreram
as deiscências e fístulas, separadas por segmento de
cólon acometido e tipo de reparação (sutura simples
primária ou ressecção com anastomose). Houve
empenho em relacionar o local do ferimento com a
incidência de morbidez, a fim de verificar se a localização
da lesão interfere no porcentual de complicações
(Tabelas 6 e 7). Observou-se número
significativamente maior de fístulas e deiscências no tratamento das
lesões do cólon direito em comparação com o
esquerdo, bem como aumento da morbidez nos ferimentos
do cólon direito e diminuição no cólon esquerdo na
terceira série, quando comparada às demais.
Morreram nove pacientes (9,75%) na série
de 71/74 ,dos quais quatro em consequência de
peritonite secundária a deiscência de sutura e a
contaminação pelo ferimento e os demais das lesões vasculares.
Na segunda série a mortalidade foi de 22 pacientes
(8,7%) , em consequência de sepse e lesões associadas,
em que predominaram os ferimentos graves do fígado,
em nove casos. Na série final (88/92) morreram 12
pacientes (13% ), em consequência de sepse relacionada
a ferimento do cólon (três) ou outras lesões
associadas em fígado (cinco) com choque hemorrágico em
três. Análise mais minuciosa das diferentes lesões
permitiu correlações nas causas de morte. Assim, não
foram significantes as lesões associadas em geral
(p=0,37), embora o choque hemorrágico (p=0,03) e as
lesões hepáticas (p=0,0006) foram importantes fatores
relacionados com letalidade. A localização dos
ferimentos do cólon não interferiu na mortalidade (cólon
direito: p=0,29; cólon transverso p=0,54; cólon
esquerdo: p=0,41).
DISCUSSÃO
Os ferimentos do cólon, decorrentes da
violência urbana, têm sido descritos com frequência
cada vez maior nas grandes cidades. Em São Paulo, em
particular, foram relatadas grandes séries. Em virtude
da natureza social do problema, a população
masculina na segunda década da vida é envolvida de forma
quase exclusiva17, 18, 21-27. Esta constatação demonstra
haver um padrão comportamental neste tipo de
ferimento, em que os homens jovens são os mais agredidos.
A criminalidade é referida na maior parte das vezes e
os ferimentos são em geral provocados por armas de fogo.
Teoricamente, na medida em que ocorre evolução
dos recursos da sociedade, a proporção relativa de
feridos por arma de fogo deve supostamente aumentar em
detrimento das armas brancas, entendidas como mais
simples e utilizadas por sociedades carentes ou
primitivas. No entanto, em nossas séries observamos ter
havido o inverso, com aumento crescente do uso de
facas às expensas das armas de fogo. As diferenças
não foram grandes, mas o uso das armas de fogo
diminuiu progressivamente. Contusões abdominais, por
outro lado, seja por atropelamento ou queda de grande
altura, não variaram em número.
As armas utilizadas são usualmente de
porte civil, de menor poder invasivo, determinando
lesões de poder destrutivo menor que os descritos na
guerra, quando a enorme velocidade e energia cinética
acarretam graves danos. Isso implica em reconhecer a
natureza diversa de lesões de guerra em confronto com
as do ambiente civil, não justificando aplicar
procedimentos recomendados na guerra em ferimentos de
menor porte5, 6, 12. Só ocasionalmente armas de grande
poder destrutivo são usadas em nosso meio. No material
analisado persistiu incidência de quase um terço de
ferimentos determinados por faca, mais benignos
por acasionarem lesões menores em extensão e
número, além de normalmente não acometerem
múltiplas vísceras. As lesões múltiplas são usualmente
ocasionadas por arma de fogo24.
Os locais mais feridos são os mesmos
referidos em outros autores22-25, predominando nos
segmentos mais expostos do intestino grosso
(transverso, sigmóide e ceco), o mesmo valendo para as outras
estruturas do abdome. A suposição de que pode
ocorrer maior incidência de lesões à direita pela reação
natural de defesa, que faz com que o agredido
exponha mais frequentemente este flanco não se observou,
talvez porque o predomínio da agressão por arma de
fogo não desencadeie esta reação específica.
Os procedimentos iniciais de atendimento
seguiram os métodos prevalentes em cada época,
sendo rotineiras as medidas utilizadas para o diagnóstico
e tratamento das intercorrências. Com o tempo,
agregaram-se novos e mais eficientes meios para
diagnóstico,em especial métodos de imagem, na urgência.
Tais fatores não foram capazes de alterar os resultados.
Os fatores de risco comumente
considerados como relevantes em cirurgia de cólon na urgência
como idade, tempo de transporte do ferido, presença ou
ausência de contaminação grosseira da cavidade,
número e extensão dos ferimentos, lesões associadas,
choque hemorrágico ou séptico, agente do ferimento,
foram avaliados diante dos dados disponíveis, pois
constituem elemento fundamental na decisão pela
tática terapêutica. Por infelicidade, como ocorre em
trabalhos desse tipo, por não terem sido coletados de
maneira uniforme, alguns desses dados deixaram de
constituir elementos de análise mais pormenorizada,
neste estudo.
Não há habitualmente dificuldade
diagnóstica, visto que os ferimentos penetrantes constituem a
maioria. Contudo, em traumatismo abdominal fechado
a demora em se estabelecer a conduta operatória
pode ser fator determinante de morbidez. A pequena
incidência de contusões abdominais, no entanto, não
nos permitiu verificar esta possibilidade. É referido o
tempo de atendimento como condição importante
para obtenção dos melhores
resultados15, 16.
As lesões associadas ocorreram na maior
parte dos pacientes (Tabela-3) e atingiram vários
órgãos. Foram mais comuns no intestino delgado e fígado.
As lesões do intestino delgado, embora numerosas,
não contribuíram para a morbidez e letalidade; as
hepáticas, porém, foram causa importante de morte por
hemorragia. O motivo da alta incidência das lesões
do fígado explica-se pela ampla projeção desse órgão
no quadrante superior do abdome, a ser ferido
concomitantemente com a flexura hepática ou os cólons
ascendente ou transverso. Nesta projeção situam-se
também o duodeno, rim direito, veia cava e porta, situação
em que predominam as complicações dos órgãos
lesados associadamente sobre o próprio intestino grosso.
Estes dados sugerem que quadros hemorrágicos
associados a ferimentos do cólon apresentam a dupla
morbidez potencial da hemorragia e infecção. Lesões
em grandes vasos só ocorrem ocasionalmente, mas
podem ser a causa direta da morte.
Tabela 3 - Ferimentos associados em 342 pacientes com lesões do cólon. Santa Casa de São Paulo,1971/1992.
Lesões em outros órgãos | 71/74 | 76/88 | 88/92 | N. | % |
Intestino delgado | 15 | 47 | 16 | 78 | 22 |
Fígado | 6 | 27 | 11 | 44 | 13 |
Rins | 4 | 13 | 6 | 23 | 7 |
Duodeno | 6 | 12 | 5 | 23 | 7 |
Diafragma | 4 | 11 | 5 | 20 | 6 |
Estômago | 3 | 9 | 6 | 18 | 5 |
Lesões em vasos | 2 | 5 | 1 | 8 | 2 |
Bexiga | - | 5 | 2 | 7 | 2 |
Vesícula biliar | - | 4 | 1 | 5 | 2 |
Pâncreas | 1 | 4 | - | 5 | 2 |
Outras estruturas | 29 | 8 | |||
Totalização | 260 |
A orientação cirúrgica e as decisões sobre
a conduta a tomar em cada caso seguiram os critérios
do cirurgião e as prioridades a serem tratadas em
cada paciente específico. Os cuidados pós-operatórios
seguiram as rotinas estabelecidas, sendo comuns as
drenagens e sistemática a utilização de antibióticos
de largo espectro por pelo menos cinco dias.
A Tabela-4 relaciona as operações realizadas
nas três séries. Sempre predominou a sutura simples das
lesões, embora nos últimos levantamentos houve
aumento na indicação de colostomias e ressecções. Essa
questão merece comentários em vista da opinião geralmente
veiculada da necessidade de realizar colostomias de
proteção após reparação de ferimentos colônicos por arma
de fogo, com base na experiência relatada por
Ogilvie2 em feridos de guerra. Na verdade, na maioria dos casos
os ferimentos civis são adequadamente tratados por
simples sutura7, 21. Existem trabalhos bem conduzidos
mostrando a impropriedade das colostomias em termos de
proteção das
complicações15, 16, 28, e em trabalhos realizados no
Brasil tais considerações também foram
feitas21, 23-26. A necessidade de ressecar ou proteger com colostomias é
frequentemente hiperestimada, havendo quem refira ser
possível realizar reparação primária em qualquer
ferimento29, 30, 31. A questão é importante, pois foi formulada a
hipótese de que qualquer ferimento de cólon é eficazmente
protegido por colostomia. O conceito advindo da cirurgia
de guerra não deve ser imediatamente transferido para
outros em condições menos adversas. Ainda, as
colostomias desnecessárias são, elas próprias, fatores de
complicação seja na sua feitura, seja no seu
fechamento21, 26- 28.
Tabela 4 - Operações realizadas em 432 pacientes com ferimentos do cólon. Santa Casa de São Paulo, 1971/1992
Procedimento | 71/74 | 76/88 | 88/92 |
Sutura primária | 75 (84%) | 169 (67%) | 70 (76%) |
Sutura + colostomia | 9 (10%) | 27 (10%) | 13 (14%) |
Ressecção + anastomose | 1 ( 1%) | 17 ( 7%) | 5 (5%) |
Ressecção + colostomia | 1 ( 1%) | 33 (13%) | 4 (4%) |
Colostomia com exteriorização do ferimento | 3 | 5 | - |
Totalização | 89 | 251 | 92 |
Entre as complicações, chama atenção a
ocorrência de infecções em percentuais
progressivamente elevados, ao longo do tempo
(Tabela-5). Embora tenha havido grande evolução nos esquemas de medicação
antibiótica em duas décadas, não houve daí evolução
em termos de reultados. Observamos também que as
fístulas ocorrem com maior probabilidade no cólon
direito (Tabela-6), mas tal fato não contribui para aumento
da mortalidade. Contudo, embora não tenhamos
encontrado uma correlação positiva, aventamos a
possibilidade de a coincidência de aumento de ressecções do
cólon, em particular à direita, responder por alguns casos
dessa morbidez específica. Como há quem refira
evolução melhor dos ferimentos do cólon
direito32, poderia supor-se que dessa forma as ressecções e anastomoses
aí realizadas extensivamente fossem mais
seguras4, 32. Ainda, seguindo a mesma linha de idéias, seriam
mais graves as lesões à esquerda, onde a presença de
fezes sólidas poderia ser fator de maior contaminação.
Ocorre que este conceito, largamente difundido entre
cirurgiões de emergência, os leva a realizar
ressecções desnecessárias do cólon direito, supostamente
mais seguras, mas propiciando maior índice de
complicações. Estudos experimentais e
clínicos29 demonstraram que os ferimentos do cólon direito não apresentam
menor risco que os localizados no lado esquerdo, o que
também observamos em nossa casuística, onde houve
aumento progressivo das complicações dos ferimentos do
lado direito e proporcional diminuição à esquerda
(Tabela-7). Portanto, os mesmos critérios para sutura
primária devem ser usados indiferentemente em qualquer
lado do cólon, bem como quando da indicação
de colostomias31.
Tabela 5 - Complicações observadas em 432 pacientes com ferimentos do cólon. Santa Casa de São Paulo, 1971/1992
Complicações | 71/74 | 76/88 | 88/92 |
Infecção de parede | 7 (7,8) | 29 (11,5%) | 11 (11,(%) |
Deiscências e fístulas | 4 (4,3%) | 16 (6,9%) | 9 (9,7%) |
Abscesso intra-abdominal | - | 9 | 2 |
Pneumonia | - | 5 | 4 |
Evisceração | 3 | 5 | 1 |
Necrose da colostomia | - | 2 | - |
Outras | 5 | 4 | 4 |
Tabela 6 - Fístulas e deiscências conforme localização e procedimento cirúrgico realizado. Santa Casa de São Paulo, 88/92
Total de casos com fístula ou deiscência | Fístulas no reparo primário (sutura ou anastomose) | |
Cólon direito | 6/24 (25%)* | 6/23 (26%)** |
Transverso | 3/38 (8%) | 3/33 (9%) |
Cólon esquerdo | 1/30 (3%)* | 1/19 (5%)** |
Total | 10/92 (11%) | 10//75 (13%) |
Comparação do cólon D X E aplicando o teste de Fisher: *p=0,036 **p=0,105 |
Tabela 7 - Número e porcentuais de morbidez dos ferimentos consoante sua localização. Santa Casa de São Paulo,1971/1992
Localização | 71/74 | 76/88 | 88/92 |
Cólon direito | 6/24 (25%) | 31/99 (31%) | 9/21 (43%) |
Transverso | 3/37 (14%) | 11/40 (27%) | |
Cólon esquerdo | 8/22 (36%) | 39/141 (28%) | 5/26 (20%) |
Na apreciação das causas de morte
observamos que há alto índice de complicações
consecutivo às deiscências e fístulas, em particular quando a
elas segue-se sepse generalizada. Em segundo lugar,
os pacientes morreram das lesões associadas
hemorrágicas e por fim das complicações pulmonares ainda
decorrentes. Fica claro que a localização das lesões no
cólon não interfere na letalidade
A interpretação dos resultados nas três
séries, apesar das dificuldades inerentes a um estudo
desta natureza, com material multiforme e
frequentemente carente de dados concretos para análise das várias
circunstâncias envolvidas, permitiu distinguir
mudanças nas táticas terapêuticas e dos recursos disponíveis
para diagnóstico e tratamento.
Em conclusão, apesar dos progressos na
cirurgia e nas medidas de suporte para doentes
traumatizados, não houve melhora dos índices de
letalidade ao longo do tempo, pois os óbitos parecem
decorrer frequentemente de graves lesões associadas. Por
outro lado, parece preferível insistir na conduta mais
simples da reparação primária dos ferimentos,
evitando ressecções e colostomias desnecessárias, bem
como tratar com o mesmo critério ferimentos de
qualquer localização.
SUMMARY: A twenty-year experience with the treatment of civilian colon injuries at Santa Casa de São Paulo was analysed. Three periods (71/74, 76/88, 88/92) were compared. Most of the injuries were caused by gunshot or stabwound and primary repair without diverting colostomy was performed. Patients with rectal injuries below the peritoneal reflection were excluded. The cause of the wound, sex and age, and general conditions at admission in emergency room were similar in all three series. There were no selection criteria and patients were treated preoperatively according to each surgical team. Postoperatively, all patients were treated with antibiotics over a period of five days. Results: The frequency of primary anastomosis after resections and colostomies has increased with the time, not clearly related to adverse outcomes. In the last period morbidity and mortality was higher, related to fistulas and peritonitis occured more frequently in the right colon than in the left side, probably associated to primary resections. Colostomy did not prevent against dehiscence of suture. The mortality rates were associated with other organs injuries (liver), presence of shock at the time of admission and sepsis. In conclusion, this analysis shows no progress in results over the time.
Key words: Colon, injuries, suture
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Endereço para correspondência:
Wilmar Artur Klug
ARua Teixeira da Silva, 34 - conj. 23
04002-030 - São Paulo (SP)
Trabalho realizado na Área de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo