ARTIGOS ORIGINAIS


TRATAMENTO CIRÚRGICO DE FERIMENTOS DO CÓLON: ANÁLISE DE 432 PACIENTES

WILMAR ARTUR KLUG - TSBCP
FANG CHIA BIN - TSBCP
ANTONIO CARLOS VALEZI
PERETZ CAPELHUCHNIK- TSBCP


KLUG WA; BIN FC; VALEZI AC; CAPELUCHINICK P.Tratamento cirúrgico de ferimentos do cólon: Análise de 432 pacientes. Rev bras Coloproct, 2003;23(2):82-88

RESUMO: Analisamos os resultados de duas décadas no tratamento dos ferimentos do cólon na Santa Casa de São Paulo, em consequência de agressões por arma branca ou de fogo, além de contusões abdominais. Três séries foram comparadas (71/74,76/88, 88/92), sendo os pacientes avaliadas e tratados por diferentes equipes de cirurgiões plantonistas do hospital, segundo as rotinas à época empregadas. Foram excluídos os ferimentos do reto extraperitoneal. Não houve seleção para inclusão no estudo e as operações foram realizadas segundo os critérios do próprio cirurgião. Os cuidados pré e pós-operatórios pouco variaram, sendo rotineira a antibioticoterapia de largo espectro. Resultados: Observamos aumento progressivo de ressecções e indicações de colostomias ao longo do tempo. Apesar de ter ocorrido aumento na incidência de fístulas e da mortalidade, não ficou claro que as diferenças de conduta operatória tivessem interferido nos resultados. Contudo, as infecções de parede, fístulas e deiscências foram mais comuns após ressecções no cólon direito e as colostomias não contribuíram para proteção contra deiscências. As mortes foram provocadas por lesões associadas (fígado) e infecção e relacionadas com a presença de choque hemorrágico. Como conclusão, observamos que não houve melhora nos resultados do tratamento dos ferimentos do cólon durante o período estudado.

Unitermos: cólon, ferimentos, sutura

INTRODUÇÃO
Os ferimentos do cólon, do ponto de vista histórico, são exemplo elucidativo da evolução das técnicas cirúrgicas e da contribuição que as terapias de suporte proporcionaram aos feridos. Antes da primeira guerra mundial, tratavam-se os ferimentos do intestino grosso conservadoramente e a letalidade superava 90%1, caindo posteriormente, ao ser generalizada a sutura, a 60%. Na segunda guerra mundial a letalidade diminuiu para 40% com a introdução da colostomia sistemática, proposta por Ogilvie em 19442. Nas guerras da Coréia e Vietnam, com o aprimoramento dos meios de transporte e do acréscimo de meios mais sofisticados de suporte, sangue, hemoderivados, complemento nutricional e antibióticos, deu-se nova queda nas taxas de letalidade, que passaram a oscilar entre 10 e 15% 3, 4. De modo geral, nos ferimentos de guerra, a partir da segunda guerra mundial recomendou-se a exteriorização do ferimento ou a colostomia de proteção proximal ao ferimento suturado, como táticas preferidas5.
    Os ferimentos civis não são tão graves quanto os produzidos por armas de guerra, pois seus projéteis possuem menor energia cinética e determinam menos lesão tecidual6,7. Nestes casos a colostomia em geral não é necessária, pois implica em acrescentar procedimento que, ele próprio, é objeto de morbidez8-10.
    Ao longo das três últimas décadas houve progressiva tendência a tratar dos ferimentos do cólon por sutura primária, existindo estudos prospectivos que asseguram o acerto dessa orientação. Por outro lado, além da orientação geral de praticar a sutura preferencialmente a realizar colostomia, há dúvidas sobre ressecções serem oportunas quando há lesões mais extensas ou múltiplas, bem como se os procedimentos ressectivos são mais ou menos seguros nas diversas localizações11-16.
    No Brasil os trabalhos apresentados seguiram a mesma ordem de idéias das publicações internacionais, sendo as casuísticas representadas por ferimentos civis, tanto os provocados por arma branca quanto por armas de fogo17- 27. Como há diferenças importantes na gravidade das lesões produzidas por armas de guerra e por armas de uso corrente em nosso país, não há como estabelecer comparações diretas entre estas modalidades de lesão intestinal.
    Com o objetivo de apresentar os resultados e indicar as alternativas mais seguras para o tratamento dos ferimentos do intestino grosso em nosso meio, analisamos retrospectivamente casuística da Santa Casa de São Paulo. As séries levantadas surgem de estudos anteriormente feitos por nós em diferentes períodos, ao longo de duas décadas, e visam mostrar as diferenças ou progressos, com base nos resultados de cada período.

PACIENTES E MÉTODOS
No período compreendido entre abril de 1971 e março de 1992 foram tratados 432 pacientes acometidos de ferimentos de cólon, que ingressaram na Santa Casa de São Paulo. Nesse período de 22 anos foram preenchidos três protocolos de avaliação que, somados, constituem a casuística.
    O método de trabalho consistiu na aferição dos dados registrados nos prontuários, comparando-os entre si ou totalizando-os, de acordo com o ítem a ser estudado. Os levantamentos de dados reuniram pacientes dos períodos 1971/1974, 1976/1988 e 1988/1992.
    O modo de atendimento e o tratamento instituído variou conforme as rotinas estabelecidas em cada época, sendo executados por equipes diferentes de médicos plantonistas e residentes, sendo os resultados avaliados por pesquisadores da mesma equipe, de modo a tornar possível apreciar a eficácia de cada procedimento, isoladamente, ao longo do tempo. Por outro lado, pela própria natureza dinâmica do atendimento em serviços de emergência, não houve estrita uniformidade nas condutas tomadas pelas diferentes equipes.
    Foram avaliados nas várias séries sexo, idade, agentes determinantes das lesões, sua localização, ferimentos associados, operações realizadas, as complicações e as causas da letalidade, sendo salientada em análise estatística a importância dos ferimentos do cólon direito na gênese da morbidez. Para tanto aplicou-se o teste exato de Fisher na avaliação das variações amostrais no sentido de encontrar possíveis correlações entre as causas de morte.

RESULTADOS
Trezentos e noventa pacientes eram homens (90,3%), sendo 42 as mulheres (9,7%). Em todos os levantamentos houve predominância de feridos do sexo masculino, e a maior prevalência ficou concentrada em jovens. A faixa de idade em que predominaram os ferimentos foi na segunda década, com 208 pacientes (48%), sendo os mais novos de 20 anos e os da terceira década acometidos em 187 vezes (43%). Pessoas mais velhas só raramente foram afetadas.
    Os projéteis de arma de fogo foram sempre os agentes mais importantes, sem haver diferença significante nesse dado. Constituíram, respectivamente, 65%, 62% e 61%, nas três séries. Contusão do abdome com lesão cólica ocorreu em 5%, incluindo quatro pacientes com ferimentos provocados por cinto de segurança. A importância relativa dos agentes que determinaram os ferimentos manteve constância ao longo do tempo, de modo que observa-se persistência nas razões que levam à lesão do cólon (Tabela-1).

Tabela 1 - Agentes determinantes das lesões do cólon. Santa Casa de São Paulo, 1971/1992.
Agente  71/74 76/88 88/92
Arma de fogo 58 (65%) 104(62%) 57(61%)
Arma branca   23 (25%) 74 (29%) 27 (29%)
Contusão 5 (6%) 10 (4%) 5 (5%)
Não especificado 3 63 3


    A localização dos ferimentos foi a mesma nas três séries, predominando nos segmentos mais expostos aos agentes vulnerantes, os cólons transverso e sigmóide. O cólon transverso, em especial, por ser mais longo e móvel e projetar-se nas regiões centrais do abdome foi claramente o mais atingido (Tabela-2). Em um dos levantamentos (71/74) procurou-se correlação entre a posição do ferimento externo e o segmento lesado. Observou-se que os ferimentos na parede abdominal guardavam distribuição uniforme entre os quadrantes, que não serviu para orientar a localização da lesão intestinal.

Tabela 2 - Segmentos atingidos em ferimentos do cólon. Santa Casa São Paulo, 1971/1992
Segmento 71/74 76/88   88/92
Ceco  11 33 5
Cólon ascendente 8 23 11
Flexura hepática 6 12 8
Cólon transverso  35 101 38
Flexura esplênica 4 20  9
Cólon descendente 8   24 13
Cólon sigmóide 17  38  8
Ferimentos múltiplos 13  15    4
Total de pacientes 89  251  92


    O tempo médio para o atendimento oscilou em torno de 2,5 horas.
    Em relação ao diagnóstico dos ferimentos associados, eles foram frequentes e com distribuição percentual similar nas três séries. Predominaram os do intestino delgado e o fígado, sendo outras estruturas comprometidas em número variável porém menor, nas três séries.
    As operações praticadas nos pacientes variaram entre sutura simples das lesões a ressecções segmentares com anastomose primária, predominando a sutura primária simples, realizada em 72,7% dos pacientes. Houve queda progressiva nos porcentuais de sutura primária e incremento de ressecções nas séries mais recentes. As ressecções, acompanhadas ou não de colostomia, só foram realizadas raramente na série mais antiga, porém aumentaram para 20% e 9% nas séries mais recentes, indicando uma liberalização das operações mais agressivas.
    As complicações foram comparadas nos diversos levantamentos e observamos predominância de processos infecciosos por infecções de parede (7,8 a 11,9%), deiscências e fístulas (4,3 a 9,7%), pneumonias e abscessos de cavidade. Eviscerações e necroses de colostomias ocorreram em bem menor proporção. Na última série foi realizado estudo mais detalhado das circunstâncias em que ocorreram as deiscências e fístulas, separadas por segmento de cólon acometido e tipo de reparação (sutura simples primária ou ressecção com anastomose). Houve empenho em relacionar o local do ferimento com a incidência de morbidez, a fim de verificar se a localização da lesão interfere no porcentual de complicações (Tabelas 6 e 7). Observou-se número significativamente maior de fístulas e deiscências no tratamento das lesões do cólon direito em comparação com o esquerdo, bem como aumento da morbidez nos ferimentos do cólon direito e diminuição no cólon esquerdo na terceira série, quando comparada às demais.
    Morreram nove pacientes (9,75%) na série de 71/74 ,dos quais quatro em consequência de peritonite secundária a deiscência de sutura e a contaminação pelo ferimento e os demais das lesões vasculares. Na segunda série a mortalidade foi de 22 pacientes (8,7%) , em consequência de sepse e lesões associadas, em que predominaram os ferimentos graves do fígado, em nove casos. Na série final (88/92) morreram 12 pacientes (13% ), em consequência de sepse relacionada a ferimento do cólon (três) ou outras lesões associadas em fígado (cinco) com choque hemorrágico em três. Análise mais minuciosa das diferentes lesões permitiu correlações nas causas de morte. Assim, não foram significantes as lesões associadas em geral (p=0,37), embora o choque hemorrágico (p=0,03) e as lesões hepáticas (p=0,0006) foram importantes fatores relacionados com letalidade. A localização dos ferimentos do cólon não interferiu na mortalidade (cólon direito: p=0,29; cólon transverso p=0,54; cólon esquerdo: p=0,41).

DISCUSSÃO
Os ferimentos do cólon, decorrentes da violência urbana, têm sido descritos com frequência cada vez maior nas grandes cidades. Em São Paulo, em particular, foram relatadas grandes séries. Em virtude da natureza social do problema, a população masculina na segunda década da vida é envolvida de forma quase exclusiva17, 18, 21-27. Esta constatação demonstra haver um padrão comportamental neste tipo de ferimento, em que os homens jovens são os mais agredidos. A criminalidade é referida na maior parte das vezes e os ferimentos são em geral provocados por armas de fogo. Teoricamente, na medida em que ocorre evolução dos recursos da sociedade, a proporção relativa de feridos por arma de fogo deve supostamente aumentar em detrimento das armas brancas, entendidas como mais simples e utilizadas por sociedades carentes ou primitivas. No entanto, em nossas séries observamos ter havido o inverso, com aumento crescente do uso de facas às expensas das armas de fogo. As diferenças não foram grandes, mas o uso das armas de fogo diminuiu progressivamente. Contusões abdominais, por outro lado, seja por atropelamento ou queda de grande altura, não variaram em número.
    As armas utilizadas são usualmente de porte civil, de menor poder invasivo, determinando lesões de poder destrutivo menor que os descritos na guerra, quando a enorme velocidade e energia cinética acarretam graves danos. Isso implica em reconhecer a natureza diversa de lesões de guerra em confronto com as do ambiente civil, não justificando aplicar procedimentos recomendados na guerra em ferimentos de menor porte5, 6, 12. Só ocasionalmente armas de grande poder destrutivo são usadas em nosso meio. No material analisado persistiu incidência de quase um terço de ferimentos determinados por faca, mais benignos por acasionarem lesões menores em extensão e número, além de normalmente não acometerem múltiplas vísceras. As lesões múltiplas são usualmente ocasionadas por arma de fogo24.
    Os locais mais feridos são os mesmos referidos em outros autores22-25, predominando nos segmentos mais expostos do intestino grosso (transverso, sigmóide e ceco), o mesmo valendo para as outras estruturas do abdome. A suposição de que pode ocorrer maior incidência de lesões à direita pela reação natural de defesa, que faz com que o agredido exponha mais frequentemente este flanco não se observou, talvez porque o predomínio da agressão por arma de fogo não desencadeie esta reação específica.
    Os procedimentos iniciais de atendimento seguiram os métodos prevalentes em cada época, sendo rotineiras as medidas utilizadas para o diagnóstico e tratamento das intercorrências. Com o tempo, agregaram-se novos e mais eficientes meios para diagnóstico,em especial métodos de imagem, na urgência. Tais fatores não foram capazes de alterar os resultados.
    Os fatores de risco comumente considerados como relevantes em cirurgia de cólon na urgência como idade, tempo de transporte do ferido, presença ou ausência de contaminação grosseira da cavidade, número e extensão dos ferimentos, lesões associadas, choque hemorrágico ou séptico, agente do ferimento, foram avaliados diante dos dados disponíveis, pois constituem elemento fundamental na decisão pela tática terapêutica. Por infelicidade, como ocorre em trabalhos desse tipo, por não terem sido coletados de maneira uniforme, alguns desses dados deixaram de constituir elementos de análise mais pormenorizada, neste estudo.
    Não há habitualmente dificuldade diagnóstica, visto que os ferimentos penetrantes constituem a maioria. Contudo, em traumatismo abdominal fechado a demora em se estabelecer a conduta operatória pode ser fator determinante de morbidez. A pequena incidência de contusões abdominais, no entanto, não nos permitiu verificar esta possibilidade. É referido o tempo de atendimento como condição importante para obtenção dos melhores resultados15, 16.
    As lesões associadas ocorreram na maior parte dos pacientes (Tabela-3) e atingiram vários órgãos. Foram mais comuns no intestino delgado e fígado. As lesões do intestino delgado, embora numerosas, não contribuíram para a morbidez e letalidade; as hepáticas, porém, foram causa importante de morte por hemorragia. O motivo da alta incidência das lesões do fígado explica-se pela ampla projeção desse órgão no quadrante superior do abdome, a ser ferido concomitantemente com a flexura hepática ou os cólons ascendente ou transverso. Nesta projeção situam-se também o duodeno, rim direito, veia cava e porta, situação em que predominam as complicações dos órgãos lesados associadamente sobre o próprio intestino grosso. Estes dados sugerem que quadros hemorrágicos associados a ferimentos do cólon apresentam a dupla morbidez potencial da hemorragia e infecção. Lesões em grandes vasos só ocorrem ocasionalmente, mas podem ser a causa direta da morte.

Tabela 3 - Ferimentos associados em 342 pacientes com lesões do cólon. Santa Casa de São Paulo,1971/1992.
Lesões em outros órgãos 71/74 76/88 88/92 N. %
Intestino delgado 15  47  16  78  22
Fígado  6 27  11  44  13
Rins  4 13  6 23  7
Duodeno  12  5 23    7
Diafragma  4 11  5 20  6
Estômago  3 9 6 18 5
Lesões em vasos 2 5 1 8 2
Bexiga - 5 2 7 2
Vesícula biliar - 4 1 5 2
Pâncreas  1 4 - 5 2
Outras estruturas       29 8
Totalização        260  


    A orientação cirúrgica e as decisões sobre a conduta a tomar em cada caso seguiram os critérios do cirurgião e as prioridades a serem tratadas em cada paciente específico. Os cuidados pós-operatórios seguiram as rotinas estabelecidas, sendo comuns as drenagens e sistemática a utilização de antibióticos de largo espectro por pelo menos cinco dias.
    A Tabela-4 relaciona as operações realizadas nas três séries. Sempre predominou a sutura simples das lesões, embora nos últimos levantamentos houve aumento na indicação de colostomias e ressecções. Essa questão merece comentários em vista da opinião geralmente veiculada da necessidade de realizar colostomias de proteção após reparação de ferimentos colônicos por arma de fogo, com base na experiência relatada por Ogilvie2 em feridos de guerra. Na verdade, na maioria dos casos os ferimentos civis são adequadamente tratados por simples sutura7, 21. Existem trabalhos bem conduzidos mostrando a impropriedade das colostomias em termos de proteção das complicações15, 16, 28, e em trabalhos realizados no Brasil tais considerações também foram feitas21, 23-26. A necessidade de ressecar ou proteger com colostomias é frequentemente hiperestimada, havendo quem refira ser possível realizar reparação primária em qualquer ferimento29, 30, 31. A questão é importante, pois foi formulada a hipótese de que qualquer ferimento de cólon é eficazmente protegido por colostomia. O conceito advindo da cirurgia de guerra não deve ser imediatamente transferido para outros em condições menos adversas. Ainda, as colostomias desnecessárias são, elas próprias, fatores de complicação seja na sua feitura, seja no seu fechamento21, 26- 28.

Tabela 4 - Operações realizadas em 432 pacientes com ferimentos do cólon. Santa Casa de São Paulo, 1971/1992
Procedimento  71/74  76/88 88/92
Sutura primária   75 (84%) 169 (67%) 70 (76%)
Sutura + colostomia   9 (10%) 27 (10%) 13 (14%)
Ressecção + anastomose 1 ( 1%) 17 ( 7%)  5 (5%)
Ressecção + colostomia 1 ( 1%)  33 (13%) 4 (4%)
Colostomia com exteriorização do ferimento 3 5 -
Totalização  89 251 92


    Entre as complicações, chama atenção a ocorrência de infecções em percentuais progressivamente elevados, ao longo do tempo (Tabela-5). Embora tenha havido grande evolução nos esquemas de medicação antibiótica em duas décadas, não houve daí evolução em termos de reultados. Observamos também que as fístulas ocorrem com maior probabilidade no cólon direito (Tabela-6), mas tal fato não contribui para aumento da mortalidade. Contudo, embora não tenhamos encontrado uma correlação positiva, aventamos a possibilidade de a coincidência de aumento de ressecções do cólon, em particular à direita, responder por alguns casos dessa morbidez específica. Como há quem refira evolução melhor dos ferimentos do cólon direito32, poderia supor-se que dessa forma as ressecções e anastomoses aí realizadas extensivamente fossem mais seguras4, 32. Ainda, seguindo a mesma linha de idéias, seriam mais graves as lesões à esquerda, onde a presença de fezes sólidas poderia ser fator de maior contaminação. Ocorre que este conceito, largamente difundido entre cirurgiões de emergência, os leva a realizar ressecções desnecessárias do cólon direito, supostamente mais seguras, mas propiciando maior índice de complicações. Estudos experimentais e clínicos29 demonstraram que os ferimentos do cólon direito não apresentam menor risco que os localizados no lado esquerdo, o que também observamos em nossa casuística, onde houve aumento progressivo das complicações dos ferimentos do lado direito e proporcional diminuição à esquerda (Tabela-7). Portanto, os mesmos critérios para sutura primária devem ser usados indiferentemente em qualquer lado do cólon, bem como quando da indicação de colostomias31.

Tabela 5 - Complicações observadas em 432 pacientes com ferimentos do cólon. Santa Casa de São Paulo, 1971/1992
Complicações  71/74 76/88 88/92
Infecção de parede 7 (7,8) 29 (11,5%) 11 (11,(%)
Deiscências e fístulas   4 (4,3%) 16 (6,9%) 9 (9,7%)
Abscesso intra-abdominal - 9 2
Pneumonia  - 5 4
Evisceração  3 5 1
Necrose da colostomia - 2 -
Outras  5 4 4


Tabela 6 - Fístulas e deiscências conforme localização e procedimento cirúrgico realizado. Santa Casa de São Paulo, 88/92
  Total de casos com fístula ou deiscência Fístulas no reparo primário (sutura ou anastomose)
Cólon direito 6/24 (25%)* 6/23 (26%)**
Transverso 3/38 (8%) 3/33 (9%)
Cólon esquerdo 1/30 (3%)* 1/19 (5%)**
Total  10/92 (11%) 10//75 (13%)
Comparação do cólon D X E aplicando o teste de Fisher: *p=0,036 **p=0,105

 

Tabela 7 - Número e porcentuais de morbidez dos ferimentos consoante sua localização. Santa Casa de São Paulo,1971/1992
Localização  71/74 76/88 88/92
Cólon direito 6/24 (25%) 31/99 (31%) 9/21 (43%)
Transverso  3/37 (14%) 11/40 (27%)  
Cólon esquerdo 8/22 (36%) 39/141 (28%) 5/26 (20%)

    Na apreciação das causas de morte observamos que há alto índice de complicações consecutivo às deiscências e fístulas, em particular quando a elas segue-se sepse generalizada. Em segundo lugar, os pacientes morreram das lesões associadas hemorrágicas e por fim das complicações pulmonares ainda decorrentes. Fica claro que a localização das lesões no cólon não interfere na letalidade
    A interpretação dos resultados nas três séries, apesar das dificuldades inerentes a um estudo desta natureza, com material multiforme e frequentemente carente de dados concretos para análise das várias circunstâncias envolvidas, permitiu distinguir mudanças nas táticas terapêuticas e dos recursos disponíveis para diagnóstico e tratamento.
    Em conclusão, apesar dos progressos na cirurgia e nas medidas de suporte para doentes traumatizados, não houve melhora dos índices de letalidade ao longo do tempo, pois os óbitos parecem decorrer frequentemente de graves lesões associadas. Por outro lado, parece preferível insistir na conduta mais simples da reparação primária dos ferimentos, evitando ressecções e colostomias desnecessárias, bem como tratar com o mesmo critério ferimentos de qualquer localização.
  

SUMMARY: A twenty-year experience with the treatment of civilian colon injuries at Santa Casa de São Paulo was analysed. Three periods (71/74, 76/88, 88/92) were compared. Most of the injuries were caused by gunshot or stabwound and primary repair without diverting colostomy was performed. Patients with rectal injuries below the peritoneal reflection were excluded. The cause of the wound, sex and age, and general conditions at admission in emergency room were similar in all three series. There were no selection criteria and patients were treated preoperatively according to each surgical team. Postoperatively, all patients were treated with antibiotics over a period of five days. Results: The frequency of primary anastomosis after resections and colostomies has increased with the time, not clearly related to adverse outcomes. In the last period morbidity and mortality was higher, related to fistulas and peritonitis occured more frequently in the right colon than in the left side, probably associated to primary resections. Colostomy did not prevent against dehiscence of suture. The mortality rates were associated with other organs injuries (liver), presence of shock at the time of admission and sepsis. In conclusion, this analysis shows no progress in results over the time.

Key words: Colon, injuries, suture

Referências Biliográficas
1. Elkins D C & Ward W C - Gunshot wound of abdomen: a survay of 238 cases. Ann Surg 1943; 118: 480-487.
2. Ogilvie W H - Abdominal wounds in the western desert. Surg Gynecol Obstet 1944; 78(3): 225-238.
3. Lavenson G S & Cohen A - Management of rectal injuries. Am J Surg 1971; 135: 122-126.
4. Quarantillo E P & Nemhauser G M - Survey of cecal and ascending colon injuries among Vietnam casualties in Japan. Am J Surg 1973; 125: 607-610.
5. Mason III J M - Surgery of the colon in the forward battle area. Surgery 1945;111: 78-80.
6. Gordon-Taylor G - The abdominal injuries of warfare. Br Med J 1939; 2: 235-238.
7. Woodhall J P & Ochner A - The management of perfurating injuries of the colon and rectum in civilian practice. Surgery 1951; 29: 305-320.
8. Parks E & Hastings P R- Complications of colostomy closure.Am J Surg 1985; 149: 672-675.
9. Crass R A; Salbi F; Trunkey D D- Colostomy closure after colon injury: a low morbidity procedure. J Trauma 1987; 27: 1237-1239.
10. Pachter L; Hoballah JJ; Corocran TA; Hofstetter ST- The morbidity and finantial impact of colostomy closure in trauma patients. J Trauma 1990; 30: 1510-1513.
11. Stone H H & Fabian T C -Management of perfurating colon trauma: randomization between primary closure and exteriorization. Ann Surg 1979; 190: 430-434.
12. Nelken N & Lewis F - The influence of injury severity on complication rates after primary closure or colostomy for penetrating colon trauma. Ann Surg 1989; 209:439-442.
13. Bugis S P; Blair N P; Letwin E R - Management of blunt and penetrating colon injuries. Am J Surg 1992; 163: 547-551.
14. Falcone RE; Wanamaker SR; Santanello S A- Colorectal trauma: primary repair or anastomosis with intracolonic bypass v.s. ostomy. Dis Colon Rectum 1992; 35: 957961.
15. Sasaki L S; Mittal V K; Allaben R D - Primary repair of colon injuries: a retrospective analysis. Am Surg 1994; 60: 522-526.
16. Sasaki L S; Allaben R D; Golwala R; Mittal VK- Primary repair of colon injuries: a prospective randomised study. J Trauma 1995; 39: 895-901.
17. Correa Neto A ; Etzel E; Cerruti F- Cirurgia de guerra no Hospital do Sangue de Cruzeiro. An Fac Med Univ São Paulo 1934; 10:59-111.
18. Raia A.- Contusões e feridas do abdomen e das vísceras abdominais. Rev Med 1942;21-45.
19. Santos H C - Tática operatória em certos ferimentos do reto. Rev Bras Cir 1948; 17: 57-62.
20. D'Assumpção E A - Considerações sobre ferimentos de cólon e do reto. Rev Ass Méd Minas Gerais 1963; 14: 75-79.
21. Vasconcelos E; Hossne W S; Mello JB - Lesões traumáticas dos cólons em cirurgia de urgência: tratamento pela sutura primária, sem colostomia. Análise de 180 casos. Rev Ass Méd Bras 1963; 9:80-90.
22. Haddad J; Simonsen O; Godoy AC; Raia A; Correa Neto A- Tratamento cirúrgico dos ferimentos dos cólons, reto e canal anal. Rev Ass Méd Bras 1966; 12: 164-170.
23. Haddad J- Contribuição para o estudo do tratamento cirúrgico dos ferimentos de cólon, do reto e do canal anal. São Paulo, 1972. Tese- Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
24. Klug W A; Nakamura T; Pereira M L S; Bailone S M- Traumatismos do cólon e reto. Ciênc Méd S Paulo 1974; 7: 61-90.
25. Nahas S C- Ferimentos do cólon-estudo do tratamento de 313 doentes. São Paulo, 1985. Tese-Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
26. Costa O I; Colombo C A; Oliveira J H; Motta MR; Yoshida O S; Faintuch J- Lesões traumáticas do cólon. Sutura primária ou colostomia? Rev Hosp Clín Fac Med S Paulo 1989; 44(1):25-28.
27. Fang CB; Fonoff A M; Caram HAS; Klug WA; Rasslan S; Capelhuchnik P- Análise da morbilidade e mortalidade dos ferimentos do cólon. Rev bras Coloproct 1995; 15(1): 25-28.
28. Nance M L & Nance F C-A stake trough the heart of colostomy. J Trauma 1995; 39:811-812.
29. Fallon Jr. WF-The present role of colostomy in management of trauma. Dis Colon Rectum, 1992; 35:1094-1112.
30. Narynsigh V; Ariyanayagam D ;Pooram S -Primary repair of colon injuries in a developing country. Br J Surg , 1991; 78:319-320.
31. Stone, HH & Fabian, TC- Management of perfurating colon trauma. Randomization between primary closure and exteriorization. Am Surg, 1979; 190:430-436.
32. Schrock,T R & Christensen, N - Management of perfurating injuries of colon. Surg Gynec Obstet, 1972; 135:65-68.

Endereço para correspondência:
Wilmar Artur Klug
ARua Teixeira da Silva, 34 - conj. 23
04002-030 - São Paulo (SP)

Trabalho realizado na Área de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo