ARTIGOS ORIGINAIS


VALOR DA DOSAGEM DO ANTÍGENO CARCINOEMBRIONÁRIO, DA FOSFATASE ALCALINA E DA GAMA-GLUTAMIL TRANSPEPTIDASE NO SEGUIMENTO DE PACIENTES COM CÂNCER DE CÓLON E DE RETO

SANDRA PEDROSO DE MORAES - TSBCP
ARNALDO AMSTALDEN NETO
FELIPE LONGO SANCHES
FLÁVIO ANTONIO QUILICI - TSBCP

MORAES SP; AMSTALDEN NETO A; SANCHES FL; QUILICI FA. Valor da dosagem do antígeno carcinoembrionário, da fosfatase alcalina e da gama-glutamil transpeptidase no seguimento de pacientes com câncer de cólon e de reto. Rev bras Coloproct, 2003;23(3):163-167

RESUMO: Os marcadores biológicos representam os exames de primeira linha na investigação das recidivas neoplásicas. No câncer colorretal, a relação custo-benefício da realização simultânea das dosagens séricas de CEA, fosfatase alcalina (FA) e gama-glutamil-transpeptidase (GT) e a validade de se continuar dosando CEA, quando o exame inicial é normal, não estão claras na literatura. Com o objetivo de estudar o comportamento desses marcadores na evolução dos tumores colorretais, foram estudados 100 pacientes, acompanhados no PO por tempo médio de 30 meses, no período de janeiro de 1991 a fevereiro de 1999 (8 anos). Cinqüenta e três eram do sexo masculino e quarenta e sete do feminino, com idade média de 60 anos. Todos os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico, sendo que 12 já apresentavam metástases e 17 apresentaram recidiva durante o seguimento. Os resultados mostraram sensibilidade e especificidade de CEA, FA e GT em detectar metástases na operação de, respectivamente, 75%; 64%; 25%; 93%; 36%; 86% e em recidivas de 93%; 98%; 36%; 76%; 42%; 80%, respectivamente. O CEA quase sempre se elevou meses antes que FA e -GT, exceto em um paciente com metástases e noutro com recidiva. Dos pacientes que apresentaram metástases ou recidivas 45,9% tinham CEA inicial aumentado e somente 19,2% tinham CEA normal. Todos os pacientes que apresentaram CEA normal no Pré-OP, tiveram elevação desse marcador quando se diagnosticou a recidiva, exceto no paciente nº 12. Concluiu-se que não há benefício na dosagem da FA e da dGT para diagnóstico de metástases hepáticas e que o CEA deve fazer parte do rastreamento de metástases, mesmo quando o seu valor inicial for normal.

Unitermos: antígeno carcinoembrionário, fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase

 INTRODUÇÃO
A incidência do câncer colorretal vem apresentando um aumento consistente ao longo das últimas décadas. O Instituto Nacional do Câncer fez previsão de mais 19.000 novos casos para o ano de 20021.
    Graças ao avanço no seu diagnóstico e em sua terapêutica, o número de pacientes acompanhados no período pós-operatório (PO) vem também aumentando progressivamente. Os exames indicados para o rastreamento de sua recidiva devem ter qualidade para detectar metástases e/ou recidivas precoces e com custo acessível para o Sistema de Saúde Nacional. Não se justifica a associação de testes cujos resultados se sobrepõem, ou seja, só acrescentam custos, sem trazer benefícios aos pacientes.
    Há autores que afirmam que dosagens de fosfatase alcalina (FA) e gama-Glutamil-transpeptidase ( -GT) contribuem para seu estadiamento e/ou acompanhamento dos enfermos submetidos à operação colorretal por enfermidades malígnas2,3,4 e vários serviços médicos no nosso meio têm utilizado, rotineiramente, esses exames para detecção de metástases hepáticas e para o acompanhamento PO. No entanto, algumas publicações afirmam que as dosagens dessas enzimas não contribuem para o diagnóstico das recidivas dos tumores colorretais.5,6
   
O antígeno carcinoembrionário (CEA), embora não tenha valor no rastreamento populacional de indivíduos com tumores colorretais, é útil no seu acompanhamento pós-operatório e a elevação de sua dosagem no PO, poderá indicar a presença da recidiva tumoral e orientar a solicitação de exames mais sofisticados para confirmar esse diagnóstico e para localizar essa recidiva.7,8
   
Há indícios de que pacientes que apresentam CEA normal no período pré-operatório (Pré-OP) seriam portadores de neoplasias "escassamente produtoras desse antígeno" 9, e manteriam valores baixos de CEA no acompanhamento PO, tornando inútil o seu uso no rastreamento das recidivas.
    Este trabalho teve como objetivos avaliar:
1) Se a FA e o -GT adicionam dados ao CEA sérico, que poderiam contribuir para o diagnóstico mais precoce de recidivas dos tumores colorretais, e
2) Se, com a dosagem normal de CEA sérico no pré-operatório, o mesmo teria valor no seguimento de pacientes com câncer de cólon e reto.

PACIENTES E MÉTODOS
Foram avaliados 100 pacientes operados no Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Celso Pierro da PUC Campinas, entre janeiro de 1991 a fevereiro de 1999 (oito anos). Destes, 53 eram do sexo masculino e 47 do feminino, com idade variável entre 19 e 94 anos (média de 60 anos). Todos eram portadores de adenocarcinomas colorretais e foram submetidos a tratamento cirúrgico. Os tumores estavam localizados em reto e sigmóide em 72 pacientes (72%) e em cólon em 26 (26%). Apresentaram tumores sincrônicos 2 pacientes (2%).
    O tempo médio de acompanhamento PO foi de 30 meses. Todos realizaram dosagens séricas de CEA, FA e -GT no período pré-operatório e no PO aos 30, 90, 180, 270, 360 dias do 1º ano. No 2º ano, de 6/6 meses e anualmente a seguir. Os valores considerados normais foram CEA 5 ng/ml, FA 240 U/L, -GT 32 U/L.
    No ato operatório foram detectadas metástases em 12 pacientes (12%) e no PO 17 enfermos (17%) apresentaram recidivas (metástases hepáticas e/ou carcinomatose peritoneal) durante seguimento.

RESULTADOS
A sensibilidade e a especificidade dos exames laboratoriais para detectar metástases na data das operações e das recidivas encontram-se na Tabela-1.

Tabela 1 - Sensibilidade (S) e especificidade (E) dos exames laboratoriais para detectar metástases na data das operações (O) e das recidivas (R).

   
 Os valores de CEA, FA e -GT, obtidos das mesmas coletas de sangue, no Pré e no PO dos pacientes com metástases, foram transformados em percentagem de elevação, considerando-se o valor máximo da normalidade do exame como 100%. Esses dados encontram-se na Tabela-2.

Tabela 2 - Porcentagem de elevação de alguns valores dos exames laboratoriais dos pacientes (P) que apresentaram metástases, considerando-se o valor máximo da normalidade como 100%, nos períodos pré-operatório (Pré) e pós-operatório (PO), coletados em data correspondente.

    
    O mesmo foi realizado para os pacientes que apresentaram recidivas, incluindo-se as percentagens calculadas nas datas das recidivas tumorais (Tabela-3).

Tabela 3 - Porcentagem de elevação dos valores dos exames laboratoriais dos pacientes (P) que apresentaram recidivas, considerando-se o valor máximo da normalidade como 100%, nos períodos pré-operatório (Pré), pós-operatório (PO) e nas datas de recidivas (R), coletados em data correspondente.

    
    Para facilitar a visibilização global dos dados alterados nas tabelas, os valores máximos da normalidade foram colocados com "números em negrito" e os valores acima da normalidade foram colocados em "células escuras".
    Em janeiro de 2003, o Sistema Único de Saúde (SUS) repassava aos hospitais os seguintes valores pela realização dos exames laboratoriais: CEA - R$ 13,35 = US$ 3,7; FA - R$ 2,01 = US$ 0,56 e -GT - R$ 3,51 = US$ 0,98.

DISCUSSÃO
Tabagismo e várias moléstias, que não os carcinomas colorretais, podem elevar os valores do CEA e resultar em falso positivo, tais como pancreatite, cirrose hepática, úlcera péptica, retocolite ulcerativa, uremia e neoplasias de outra origem. Bem como, percentagem significante de pacientes com câncer colorretal localizado na mucosa ou na submucosa também apresentam CEA normal. Não se justifica o uso de CEA como técnica de rastreamento populacional para a neoplasia maligna colorretal.10
   
A elevação de CEA no Pré-OP pode ocorrer tanto pela extensão local da neoplasia como pela presença de metástases. A Tabela-1 deste trabalho mostrou que a sensibilidade do CEA foi de 75% e que a sua especificidade para detectar metástases foi baixa (64%). Portanto a dosagem de CEA só é útil para o seguimento PO dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico, com intenção curativa, de neoplasia maligna colorretal.
    No acompanhamento, na suspeita de metástases hepáticas, a elevação de CEA ocorreu com freqüência muito maior que as enzimas hepáticas.5 Nenhum outro marcador sérico, ou mesmo a combinação de marcadores, foi superior ao CEA no diagnóstico da recidiva de tumores colorretais6. Na literatura5,11,12, assim como neste trabalho, a sensibilidade da -GT foi discretamente maior que a da FA; no entanto, ambas foram, no geral, muito baixas. Suas especificidades, apesar de elevadas, não apresentaram vantagens, visto que, nas datas em que os exames foram realizados, as metástases já haviam sido detectadas por exame de imagens ou até mesmo pelo exame físico.
    Avaliando-se as Tabelas 2 e 3, verificou-se que o CEA quase sempre se elevou meses antes da elevação de FA e -GT. Quando estes últimos se elevaram, geralmente o CEA já apresentava valores dez vezes maiores que o limite superior da normalidade.
    Somente dois pacientes com metástases não apresentaram elevação de CEA. O primeiro (nº 12 da Tabela-2), apresentou elevação muito discreta, só de FA no Pré-OP e o segundo (nº 12 da Tabela-3) apresentou elevação maior, de FA e -GT, quando foram detectadas metástases hepáticas no acompanhamento PO. No primeiro paciente, as metástases foram diagnosticadas por exame de ultrassom e confirmadas no intra-operatório, portanto o único paciente que foi beneficiado pelo exame de FA e -G foi segundo paciente (nº 12 da Tabela-3) ou seja 1% do total de pacientes, menor que a freqüência encontrada na literatura, que foi de 2,2%5.
    Segundo Rocklin e cols.5, a exclusão do acompanhamento PO com o FA e o -GT nos Estados Unidos, resultaria em economia de US$ 28.000.000. No Brasil, a solicitação PO desses dois exames causaram um aumento de 42,3% nos custos laboratoriais com marcadores, recursos que poderiam ser aplicados em melhorias da qualidade de aparelhos para diagnóstico por imagem.
    Como a elevação de CEA Pré-OP foi maior nos pacientes com neoplasia mais avançada, de acordo com a classificação de Dukes ou com a fixação por contigüidade,13 a presença de CEA inicial elevado é sinal de mau prognóstico. Estatisticamente é significante a relação dos níveis de CEA elevado com a presença de recidiva.7,9,10,12,13,14,15 Sua elevação não trouxe informações que permitissem selecionar a terapêutica, mas serve de alerta para o risco de recidiva15,16. Neste trabalho apresentaram metástases ou recidivas 45,9% dos pacientes com CEA inicial (Pré-OP) aumentado e somente 19,2% dos enfermos com CEA Pré-OP normal, excluindo-se os 11 pacientes que tiveram extraviados seu valor de CEA inicial.
    Os pacientes submetidos à operação com intenção curativa apresentaram níveis de CEA mais baixos em torno de 3 a 4 semanas do período pós-operatório.7 Nos pacientes deste trabalho a 1ª coleta de sangue para dosagens dos marcadores no PO foi feita nesse período.
    Há relatos de que o carcinoma colorretal escassamente produtor de CEA, ou seja, com nível sérico baixo desse antígeno, não teria nele um bom marcador para acompanhamento PO9. Mas Corman13 relatou que 44% dos pacientes com CEA normal no Pré-OP apresentaram CEA elevado quando foram detectadas recidivas. Todos os pacientes deste trabalho, que apresentaram CEA normal no Pré-OP, tiveram elevação desse marcador quando se diagnosticou a recidiva, em geral, entre 12 e 24 meses após o ato operatório, exceto o paciente nº 12.
    A Sociedade Americana de Oncologia Clínica16, após amplo estudo da literatura, estabeleceu o "colorectal cancer surveillance guidelines" que recomenda o uso exclusivo do CEA, como exame laboratorial, no rastreamento de neoplasia colorretal.
    Portanto, de acordo com os resultados obtidos neste trabalho retrospectivo, pode-se concluir que a dosagem sérica de FA e -GT não deve ser usada rotineiramente para o diagnóstico e acompanhamento pós-operatório de pacientes com câncer de cólon e reto e que o CEA sempre deverá fazer parte dos exames de rastreamento de recidivas PO do câncer colorretal, mesmo quando seus valores iniciais (Pre-OP) estejam normais.

SUMMARY: Prognostic markers are first choice tests to investigate metastatic relapses. In colorectal cancer the cost-effectiveness ratio of carcinoembryonic antigen (CEA), alkaline Phosphatase (FA) and gamma-glutamyl-transpeptidase (GT) and the value of performing ongoing tests of CEA level after normal initial tests remain unclear in the literature. One hundred patients were followed up to study these markers in the outcome of colorectal tumors. Mean post-operative follow up was 30 months from January 1991 through February 1999 (08) years. Fifty-three patients were male and forty-seven were female, mean age was 60 years . All patients had undergone surgery, twelve already had metastasis and 17 relapsed during the follow up. The results found CEA, FA and ?-GT sensitivity in detecting metastasis during surgery, and they were respectively as follows; 75%, 64%; 25%; 93%; 36%; 86% and in relapses they were 93%; 98%; 36%; 76%; 42%; 80%, respectively. Almost always CEA, FA and -GT were increased some months earlier, except for one patient with metastasis and another one that relapsed, 45.9% of the patients had increased initial CEA and only 19.2% had normal CEA. All patients with normal CEA in the post-operative had an increase of this marker if relapse was diagnosed, except for patient No. 12. In conclusion, FA and GT do not provide any benefits to diagnose metastatic liver cancer and CEA should be included in metastatic screening tests even if its initial level is normal.

Key words: carcinoembryonic antigen, alkaline phosphatase, gamma-glutamyltransferase

Referências Biliográficas
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16 American Society of Clinical Oncology. Recommended colorectal cancer surveillance guidelines. Disponível em: < http://www.asco.org >. Acesso em: 12 nov.2002.

Endereço para correspondência:
Sandra Pedroso de Moraes
Rua Boaventura do Amaral, 684 / 131 - Centro
13.015-191 - Campinas (SP)
E-mail: spmoraes@nipnet.com.br 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do Centro de Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Serviço de Colo-Proctologia do Hospital e Maternidade Celso Pierro.