ARTIGOS ORIGINAIS
HÉLIO MOREIRA - TSBCP
JOSÉ PAULO T. MOREIRA - ASBCP
HÉLIO MOREIRA JÚNIOR - FSBCP
Unitermos: preparo do colo, colo, irrigação intra-operatória
INTRODUÇÃO
O preparo ou limpeza mecânica do colo,
previamente a uma cirurgia colorretal, passou a ser
popularizado na década de 50; paulatinamente foi-se
verificando que este procedimento seria um passo necessário
em todas as cirurgias coloproctológicas que envolvessem
a necessidade de anastomose, pela possível
diminuição de infecção e deiscência de suturas e também pela
preservação da beleza estética do ato
cirúrgico1,2,3.
Existem muitas técnicas propostas para
este desiderato4-10, algumas delas, inclusive, já abandonadas.
Por outro lado, uma das grandes
dificuldades enfrentadas pelo cirurgião é a tentativa de se
promover a limpeza mecânica do colo na vigência de
uma oclusão intestinal.
Várias técnicas têm sido propostas na
tentativa de se conseguir este objetivo: realizar a
limpeza durante o intra-operatório, algumas delas até
engenhosas11-14; no entanto, quando tentamos utilizá-las na
prática, observamos algumas dificuldades, quer seja
pelo despreparo dos centros cirúrgicos em não
conseguirem suprir com os instrumentais, às vezes
necessários, ou pela pouca segurança que o procedimento
propriamente dito oferece, com riscos de contaminação
da cavidade abdominal durante a sua realização.
No sentido de obviar estes inconvenientes, estamos propondo uma nova técnica de preparo
intestinal intra-operatório que acreditamos ser segura, de
fácil realização e, principalmente, pode ser utilizada na
maioria dos centros cirúrgicos durante uma emergência.
Não requer, como algumas propostas
anteriores, uso de material sofisticado nem tampouco de
instrumentais que não são rotineiramente utilizados
nas salas de cirurgia.
Instrumental a ser utilizado:
· Uma sonda "tipo traquéia", destas
utilizadas pelos anestesistas (não precisa estar
esterilizada);
· Uma sonda vesical tipo Foley, de
preferência a de no 14;
· Uma capa asséptica para
video-laparoscopia, das utilizadas nas cirurgias
laparoscópicas para proteger as conexões não esterilizadas;
· Um balde para receber o conteúdo fecal;
· Soro fisiológico a 0,9 % (Figura-1).
Figura 1 - Desenho esquemático da técnica |
TÉCNICA UTILIZADA
Liberação do apêndice vermiforme da
sua vascularização.Secção da sua extremidade distal,
de modo a permitir a introdução, através deste
pertuito, da sonda de Foley; insuflação do balão, com
ligeira tração do mesmo no sentido de se 'ocluir" o orifício
da sua entrada na luz do ceco. Ligaduras, em número
de duas ou três, prendem firmemente o conjunto,
corpo do apêndice-sonda; adaptação de um equipo de
soro no canal de irrigação desta mesma sonda (Figura-2).
Figura 2 - Ato cirúrgico. Apêndice liberado e seccionado na sua extremidade distal. Sonda de Foley fixada no seu corpo. |
Definição da extensão do colo a ser
ressecado, respeitando-se, quando for o caso, os
princípios oncológicos da cirurgia. Secção do colo, entre
clamps, proximalmente à lesão que o estava ocluindo, no
nível que o cirurgião definiu como seguro para o caso,
isolando-se com esta manobra o segmento distal que
vai ser posteriormente ressecado.
Com manobras de malaxação a partir do
clamp que oclui a extremidade distal do colo,
deslocamos, no sentido proximal, o conteúdo fecal, em uma
extensão de mais ou menos 10cm, de modo a possibilitar
a limpeza deste segmento com o auxilio de uma gaze em uma pinça. Colocação de outro clamp ocluindo
este segmento e conseqüente retirada daquele que
estava localizado na extremidade distal. Acopla-se a
sonda traqueal com uma capa ou luva asséptica para
video-laparoscopia (semelhantemente ao que fazemos na
cirurgia laparoscópica com os cabos da fonte luminosa
e de insuflação de ar).
Introdução de mais ou menos 10 cm da
sonda tipo traquéia no interior do colo distal, que foi
adredemente preparado, utilizando-se da proteção dada pela
capa asséptica, que avançará, recobrindo-o, logo que a
sonda começa a ser introduzida na sua luz (Figura-3);
portanto, sem contaminação do cirurgião, mesmo que esta
sonda não esteja esterilizada, o que, aliás, é o que
normalmente acontece na maioria dos centros cirúrgicos.
Figura 3 - Ato cirúrgico. Introdução da sonda tipo traquéia, já recoberta pela luva laparoscópica, na extremidade distal do colo. |
Em seguida são feitas três a quatro ligaduras
nos gomos da "traquéia", envolvendo nesta manobra a
capa asséptica que cobriu o colo, de modo a fixá-la
adequadamente e também para impedir escape de fezes.
Todo este conjunto, capa asséptica com a
sonda no seu interior, é drenado para fora do campo
operatório, diretamente para um balde localizado ao
"pé da mesa de cirurgia" (Figura-4).
Figura 4 - Ato cirúrgico. Sonda tipo traquéia toda recoberta pela luva laparoscópica, sendo direcionada para o balde coletor. |
IRRIGAÇÃO PROPRIAMENTE DITA
Oclusão temporária do íleo, com uma
pinça atraumática , a mais ou menos 10 cm da sua junção
com o ceco (a fim de impedir que o líquido a ser
irrigado para o ceco não se encaminhe para este segmento).
Irrigação contínua com soro fisiológico,
preferentemente morno, contando com a ajuda de um
auxiliar de sala, no sentido de fazer um pouco de
pressão no frasco de soro para que o líquido consiga se
movimentar com maior rapidez (Figura-5).
Figura 5 - Ato cirúrgico. Drenagem para o balde em andamento. |
Em algumas oportunidades, naqueles casos
em que o ângulo hepático do colo for muito agudo,
dificultando a circulação do líquido em direção ao
colo transverso, temos procurado liberá-lo, pelo menos
parcialmente; esta manobra, além de ser útil, não
trará nenhum inconveniente para o paciente. É
interessante lembrar que durante todo o tempo da irrigação, tanto
o cirurgião como o auxiliar ajudarão na
movimentação do líquido no interior do colo, com manobras
manuais delicadas sobre o mesmo.
A irrigação estará terminada quando o
líquido que está sendo eliminado se apresentar com
aspecto claro, sem resíduos.
Quando isto acontecer, desinsufla-se o balão
da sonda de Foley, soltam-se os pontos que a fixavam
ao apêndice e procede-se à sua retirada; manobra
semelhante é realizada para a liberação do conjunto
"traquéia-capa asséptica". Em seguida é feita a apendicectomia
e finalização do ato operatório (ressecção do colo na
extensão que havia sido programada, limpeza do coto
retal remanescente através do ânus e restabelecimento do
trânsito intestinal, com anastomose imediata).
RESUMO
O preparo ou limpeza mecânica do colo
durante uma intervenção cirúrgica de urgência, como
no caso de uma oclusão intestinal,é um dos grandes
desafios enfrentados pelo cirurgião.
Existem muitas técnicas propostas para
este desiderato, porém, nenhuma delas satisfaz
plenamente, quer seja pelas dificuldades técnicas ou pela
pouca segurança que as mesmas proporcionam no sentido
de se evitar a contaminação da cavidade abdominal.
Os autores propõem uma nova técnica
que acreditam ser segura, de fácil realização e
principalmente, pode ser utilizada na maioria dos centros
cirúrgicos durante uma emergência.
Baseia-se, fundamentalmente, na utilização
do apêndice vermiforme, que será liberado da sua
vascularização e seccionado ao nível da sua
extremidade distal; através deste pertuito é introduzida uma
sonda de Foley, que após a insuflação do seu balão, a
mesma é fixada firmemente ao corpo do apêndice por duas
ou três ligaduras.
Secção do colo, entre clamps,
proximalmente à lesão que o estava ocluindo, isolando-se com
esta manobra o segmento distal que vai ser
posteriormente ressecado.
Introdução de uma sonda "tipo traquéia"
na extremidade distal do colo; esta manobra é
facilitada pelo uso das chamadas "luvas ou capas assépticas
para laparoscopia", que, semelhantemente ao que é
realizado naqueles procedimentos, o cirurgião "enluvará"
a sonda traquéia e à medida que a mesma começa a
ser introduzida no colo, este também acabará por
ser recoberto. Seqüencialmente são dadas três a 4
ligaduras nos gomos da traquéia, envolvendo e fixando
nesta manobra todo este conjunto - luva-colo-traquéia.
Finalmente a drenagem é recolhida em
um balde colocado aos pés da mesa de cirurgia.A
irrigação é feita adaptando-se um equipo com soro
fisiológico à sonda de Foley na quantidade que for
necessária, até que o líquido que estava sendo eliminado
se apresentar com aspecto claro, sem resíduo.
Isto acontecendo, retira-se a sonda de Foley
e o conjunto "traquéia-luva asséptica"; faz-se
apendicectomia e finaliza-se o ato operatório com
ressecção do colo na extensão que havia sido programada;
limpeza do coto retal remanescente e restabelecimento
do transito intestinal com anastomose imediata.
SUMMARY: Bowel preparation during emergency surgery for intestinal obstruction is one of the greatest challenges for the surgeon. Several techniques have been proposed; however, none have been entirely satisfactory so far due to potential risk of abdominal contamination. The authors propose a new technique which they believe to be safe, easy to carry out, and most importantly, it can be performed in the majority of operating rooms. The cecal appendix is liberated from its vascularization and transected at its distal tip. A French Foley catheter is then introduced through the appendix. Following the insufflation of the balloon, two or three stitches are used to fix the catheter to the appendix. The colon is divided between clamps proximally to the occluding lesion, to isolate the distal segment which will be resected later. A "trachea-like" cannula is introduced into the distal colon; in order to prevent contamination, the cannula and the last 10 cm of the colon are gloved by a sterile plastic sleeve, in the same way non-sterile instruments such as video-cameras are covered during surgical procedure. Next, three or four stitches are used to firmly attach the whole set - the glove-the colon and the "trachea-like" cannula. Finally, a bucket placed on the floor next to the operation table is used to collect the drainage. The irrigation is performed by adapting an equipment for IV solution to the Foley catheter and the process is continued until the drainage starts to be clear, residue-free. The Foley catheter and the "trachea-like" cannula are then taken out, and appendectomy is performed. The colon is resected at the already established length and intestinal continuity is reconstructed by primary anastomosis.
Key words: bowel preparation, colon
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Endereço para correspondência:
Hélio Moreira
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