ARTIGOS ORIGINAIS


LIMPEZA DO COLO INTRA-OPERATÓRIO

HÉLIO MOREIRA - TSBCP
JOSÉ PAULO T. MOREIRA - ASBCP
HÉLIO MOREIRA JÚNIOR - FSBCP


MOREIRA H; MOREIRA JPT; MOREIRA JÚNIOR H. Limpeza do colo intra-operatório. Rev bras Coloproct, 2003;23(3):187-191

RESUMO: O preparo ou limpeza mecânica do colo durante uma intervenção cirúrgica de urgência, como no caso de uma oclusão intestinal, é um dos grandes desafios enfrentados pelo cirurgião. Existem muitas técnicas propostas para este desiderato, porém, nenhuma delas satisfaz plenamente, quer seja pelas dificuldades técnicas ou pela pouca segurança que as mesmas proporcionam no sentido de se evitar a contaminação da cavidade abdominal. Os autores propõem uma nova técnica que acreditam ser segura, de fácil realização e principalmente, pode ser utilizada na maioria dos centros cirúrgicos durante uma emergência. Baseia-se, fundamentalmente, na utilização do apêndice vermiforme, que será liberado da sua vascularização e seccionado ao nível da sua extremidade distal; através deste pertuito é introduzida uma sonda de Foley, que após a insuflação do seu balão, a mesma é fixada firmemente ao corpo do apêndice por duas ou três ligaduras. Secção do colo, entre clamps, proximalmente à lesão que o estava ocluindo, isolando-se com esta manobra o segmento distal que vai ser posteriormente ressecado. Introdução de uma sonda "tipo traquéia" na extremidade distal do colo; esta manobra é facilitada pelo uso das chamadas "luvas ou capas assépticas para laparoscopia", que, semelhantemente ao que é realizado naqueles procedimentos, o cirurgião "enluvará" a sonda traquéia e à medida que a mesma começa a ser introduzida no colo, este também acabará por ser recoberto. Seqüencialmente são dadas três a 4 ligaduras nos gomos da traquéia, envolvendo e fixando nesta manobra todo este conjunto - luva-colo-traquéia. Finalmente a drenagem é recolhida em um balde colocado aos pés da mesa de cirurgia.A irrigação é feita adaptando-se um equipo com soro fisiológico à sonda de Foley na quantidade que for necessária, até que o líquido que estava sendo eliminado se apresentar com aspecto claro, sem resíduo. Isto acontecendo, retira-se a sonda de Foley e o conjunto "traquéia-luva asséptica"; faz-se apendicectomia e finaliza-se o ato operatório com ressecção do colo na extensão que havia sido programada; limpeza do coto retal remanescente e restabelecimento do transito intestinal com anastomose imediata.

Unitermos: preparo do colo, colo, irrigação intra-operatória

INTRODUÇÃO
O preparo ou limpeza mecânica do colo, previamente a uma cirurgia colorretal, passou a ser popularizado na década de 50; paulatinamente foi-se verificando que este procedimento seria um passo necessário em todas as cirurgias coloproctológicas que envolvessem a necessidade de anastomose, pela possível diminuição de infecção e deiscência de suturas e também pela preservação da beleza estética do ato cirúrgico1,2,3.
    Existem muitas técnicas propostas para este desiderato4-10, algumas delas, inclusive, já abandonadas.
    Por outro lado, uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo cirurgião é a tentativa de se promover a limpeza mecânica do colo na vigência de uma oclusão intestinal.
    Várias técnicas têm sido propostas na tentativa de se conseguir este objetivo: realizar a limpeza durante o intra-operatório, algumas delas até engenhosas11-14; no entanto, quando tentamos utilizá-las na prática, observamos algumas dificuldades, quer seja pelo despreparo dos centros cirúrgicos em não conseguirem suprir com os instrumentais, às vezes necessários, ou pela pouca segurança que o procedimento propriamente dito oferece, com riscos de contaminação da cavidade abdominal durante a sua realização.
    No sentido de obviar estes inconvenientes, estamos propondo uma nova técnica de preparo intestinal intra-operatório que acreditamos ser segura, de fácil realização e, principalmente, pode ser utilizada na maioria dos centros cirúrgicos durante uma emergência.
    Não requer, como algumas propostas anteriores, uso de material sofisticado nem tampouco de instrumentais que não são rotineiramente utilizados nas salas de cirurgia.

Instrumental a ser utilizado:
· Uma sonda "tipo traquéia", destas utilizadas pelos anestesistas (não precisa estar esterilizada);
· Uma sonda vesical tipo Foley, de preferência a de no 14;
· Uma capa asséptica para video-laparoscopia, das utilizadas nas cirurgias laparoscópicas para proteger as conexões não esterilizadas;
· Um balde para receber o conteúdo fecal;
· Soro fisiológico a 0,9 % (Figura-1).


Figura 1 - Desenho esquemático da técnica


TÉCNICA UTILIZADA
Liberação do apêndice vermiforme da sua vascularização.Secção da sua extremidade distal, de modo a permitir a introdução, através deste pertuito, da sonda de Foley; insuflação do balão, com ligeira tração do mesmo no sentido de se 'ocluir" o orifício da sua entrada na luz do ceco. Ligaduras, em número de duas ou três, prendem firmemente o conjunto, corpo do apêndice-sonda; adaptação de um equipo de soro no canal de irrigação desta mesma sonda (Figura-2).

Figura 2 - Ato cirúrgico. Apêndice liberado e seccionado na sua extremidade distal. Sonda de Foley fixada no seu corpo.

    
    Definição da extensão do colo a ser ressecado, respeitando-se, quando for o caso, os princípios oncológicos da cirurgia. Secção do colo, entre clamps, proximalmente à lesão que o estava ocluindo, no nível que o cirurgião definiu como seguro para o caso, isolando-se com esta manobra o segmento distal que vai ser posteriormente ressecado.
    Com manobras de malaxação a partir do clamp que oclui a extremidade distal do colo, deslocamos, no sentido proximal, o conteúdo fecal, em uma extensão de mais ou menos 10cm, de modo a possibilitar a limpeza deste segmento com o auxilio de uma gaze em uma pinça. Colocação de outro clamp ocluindo este segmento e conseqüente retirada daquele que estava localizado na extremidade distal. Acopla-se a sonda traqueal com uma capa ou luva asséptica para video-laparoscopia (semelhantemente ao que fazemos na cirurgia laparoscópica com os cabos da fonte luminosa e de insuflação de ar).
    Introdução de mais ou menos 10 cm da sonda tipo traquéia no interior do colo distal, que foi adredemente preparado, utilizando-se da proteção dada pela capa asséptica, que avançará, recobrindo-o, logo que a sonda começa a ser introduzida na sua luz (Figura-3); portanto, sem contaminação do cirurgião, mesmo que esta sonda não esteja esterilizada, o que, aliás, é o que normalmente acontece na maioria dos centros cirúrgicos.


Figura 3 - Ato cirúrgico. Introdução da sonda tipo traquéia, já recoberta pela luva laparoscópica, na extremidade distal do colo.



    Em seguida são feitas três a quatro ligaduras nos gomos da "traquéia", envolvendo nesta manobra a capa asséptica que cobriu o colo, de modo a fixá-la adequadamente e também para impedir escape de fezes.
    Todo este conjunto, capa asséptica com a sonda no seu interior, é drenado para fora do campo operatório, diretamente para um balde localizado ao "pé da mesa de cirurgia" (Figura-4).

 
Figura 4 - Ato cirúrgico. Sonda tipo traquéia toda recoberta pela luva laparoscópica, sendo direcionada para o balde coletor.

 

IRRIGAÇÃO PROPRIAMENTE DITA
Oclusão temporária do íleo, com uma pinça atraumática , a mais ou menos 10 cm da sua junção com o ceco (a fim de impedir que o líquido a ser irrigado para o ceco não se encaminhe para este segmento).
    Irrigação contínua com soro fisiológico, preferentemente morno, contando com a ajuda de um auxiliar de sala, no sentido de fazer um pouco de pressão no frasco de soro para que o líquido consiga se movimentar com maior rapidez (Figura-5).

 
Figura 5 - Ato cirúrgico. Drenagem para o balde em andamento.

 

    Em algumas oportunidades, naqueles casos em que o ângulo hepático do colo for muito agudo, dificultando a circulação do líquido em direção ao colo transverso, temos procurado liberá-lo, pelo menos parcialmente; esta manobra, além de ser útil, não trará nenhum inconveniente para o paciente. É interessante lembrar que durante todo o tempo da irrigação, tanto o cirurgião como o auxiliar ajudarão na movimentação do líquido no interior do colo, com manobras manuais delicadas sobre o mesmo.
    A irrigação estará terminada quando o líquido que está sendo eliminado se apresentar com aspecto claro, sem resíduos.
    Quando isto acontecer, desinsufla-se o balão da sonda de Foley, soltam-se os pontos que a fixavam ao apêndice e procede-se à sua retirada; manobra semelhante é realizada para a liberação do conjunto "traquéia-capa asséptica". Em seguida é feita a apendicectomia e finalização do ato operatório (ressecção do colo na extensão que havia sido programada, limpeza do coto retal remanescente através do ânus e restabelecimento do trânsito intestinal, com anastomose imediata).

RESUMO
O preparo ou limpeza mecânica do colo durante uma intervenção cirúrgica de urgência, como no caso de uma oclusão intestinal,é um dos grandes desafios enfrentados pelo cirurgião.
    Existem muitas técnicas propostas para este desiderato, porém, nenhuma delas satisfaz plenamente, quer seja pelas dificuldades técnicas ou pela pouca segurança que as mesmas proporcionam no sentido de se evitar a contaminação da cavidade abdominal.
    Os autores propõem uma nova técnica que acreditam ser segura, de fácil realização e principalmente, pode ser utilizada na maioria dos centros cirúrgicos durante uma emergência.
    Baseia-se, fundamentalmente, na utilização do apêndice vermiforme, que será liberado da sua vascularização e seccionado ao nível da sua extremidade distal; através deste pertuito é introduzida uma sonda de Foley, que após a insuflação do seu balão, a mesma é fixada firmemente ao corpo do apêndice por duas ou três ligaduras.
    Secção do colo, entre clamps, proximalmente à lesão que o estava ocluindo, isolando-se com esta manobra o segmento distal que vai ser posteriormente ressecado.
    Introdução de uma sonda "tipo traquéia" na extremidade distal do colo; esta manobra é facilitada pelo uso das chamadas "luvas ou capas assépticas para laparoscopia", que, semelhantemente ao que é realizado naqueles procedimentos, o cirurgião "enluvará" a sonda traquéia e à medida que a mesma começa a ser introduzida no colo, este também acabará por ser recoberto. Seqüencialmente são dadas três a 4 ligaduras nos gomos da traquéia, envolvendo e fixando nesta manobra todo este conjunto - luva-colo-traquéia.
    Finalmente a drenagem é recolhida em um balde colocado aos pés da mesa de cirurgia.A irrigação é feita adaptando-se um equipo com soro fisiológico à sonda de Foley na quantidade que for necessária, até que o líquido que estava sendo eliminado se apresentar com aspecto claro, sem resíduo.
    Isto acontecendo, retira-se a sonda de Foley e o conjunto "traquéia-luva asséptica"; faz-se apendicectomia e finaliza-se o ato operatório com ressecção do colo na extensão que havia sido programada; limpeza do coto retal remanescente e restabelecimento do transito intestinal com anastomose imediata.

SUMMARY: Bowel preparation during emergency surgery for intestinal obstruction is one of the greatest challenges for the surgeon. Several techniques have been proposed; however, none have been entirely satisfactory so far due to potential risk of abdominal contamination. The authors propose a new technique which they believe to be safe, easy to carry out, and most importantly, it can be performed in the majority of operating rooms. The cecal appendix is liberated from its vascularization and transected at its distal tip. A French Foley catheter is then introduced through the appendix. Following the insufflation of the balloon, two or three stitches are used to fix the catheter to the appendix. The colon is divided between clamps proximally to the occluding lesion, to isolate the distal segment which will be resected later. A "trachea-like" cannula is introduced into the distal colon; in order to prevent contamination, the cannula and the last 10 cm of the colon are gloved by a sterile plastic sleeve, in the same way non-sterile instruments such as video-cameras are covered during surgical procedure. Next, three or four stitches are used to firmly attach the whole set - the glove-the colon and the "trachea-like" cannula. Finally, a bucket placed on the floor next to the operation table is used to collect the drainage. The irrigation is performed by adapting an equipment for IV solution to the Foley catheter and the process is continued until the drainage starts to be clear, residue-free. The Foley catheter and the "trachea-like" cannula are then taken out, and appendectomy is performed. The colon is resected at the already established length and intestinal continuity is reconstructed by primary anastomosis.

Key words: bowel preparation, colon

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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13. Donoso A.C, Saad R, Baraviera AC. Lavagem Intestinal anterógrada transoperatória na obstrução do colo E. Rer Col. Bras. Cirurg. 18: 51-54, 1991.
14. Silva JH, Kerzner A, Donoso AC, Saad R, Baraviera AC. Lavagem Intestinal anterógrada trans-operatória na obstrução do colo E. Rev Col .Bras. Cirurg. 18:51-54, 1991.

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Hélio Moreira
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