ARTIGOS ORIGINAIS
SERGIO ALBUQUERQUE FREDERES - TSBCP
CHARLY FERNANDO GENRO CAMARGO
FREDERES SA; CARMARGO CFG. Trauma penetrante de cólon: manejo embasado em
evidências. Rev bras Coloproct,
2002;22(4):284-289
RESUMO : Os autores, neste trabalho, procuram enfocar o tratamento das lesões traumáticas do cólon (FPC) sob o prisma da Medicina Baseada em Evidências (MBE), mostrando a sua experiência coletada junto à unidade de tratamento do trauma do Hospital Cristo Redentor (HCR) pertencente ao Grupo Hospitalar Conceição (GHC) em Porto Alegre, RS. Embasam suas conclusões em trabalhos de nível de evidência I, apresentam seu protocolo adotado e aprovado pela instituição, bem como ressaltam ao final a importância do cirurgião no manejo adequado com as lesões.
Unitermos: Ferimento penetrante de cólon, Medicina Baseada em Evidências, protocolo, sutura primária.
INTRODUÇÃO
O manejo das lesões colônicas penetrantes
tem evoluído ao longo das últimas décadas. Antes disso,
a maioria dessas lesões era tratada, na população
civil, através da exteriorização das mesmas ou pela
feitura de uma colostomia proximal, devido ao receio de
uma alta taxa de deiscência, caso fosse efetuada
somente sutura das referidas lesões.
Nos últimos vinte anos, tem havido uma
tendência progressista no sentido de repará-las
primariamente. As vantagens do reparo primário (RP) são evitar
uma colostomia com sua inerente morbidade (1) e
reduzir os custos associados aos cuidados que requer
tal colostomia e à hospitalização subseqüente para
seu fechamento. Os prejuízos potenciais do RP são
a morbidade e mortalidade associadas, quando ocorre falha do procedimento (deiscência de sutura).
Portanto, não havendo diferença quanto à morbidade entre
os dois manejos, o RP deve ser o preferido. Em
anos recentes, vários estudos prospectivos apóiam
esta conduta (2), (3), (4), (5).
A magnitude do problema ferimento penetrante de cólon (FPC) pode ser avaliada através da
freqüência dessa lesão no Hospital Cristo Redentor (HCR)
onde, entre 520 laparotomias realizadas por trauma, em
1995, ocorreram 92 lesões de cólon, correspondendo a
18% desses 520 pacientes (6), e, em 1997/1998,
quando, entre 985 laparotomias exploradoras efetivadas,
113 traumas colônicos ou 11,5% pacientes desse
grupo apresentaram FPC (7).
A transcendência do FPC é evidenciada
pela sua morbimortalidade, a despeito dos bons
resultados do seu tratamento no HCR: 5 óbitos em 113 casos
ou 4,4% de taxa de mortalidade, com apenas 0,8%
dessa mortalidade sendo cólon-relacionada (7), enquanto
as publicações internacionais têm a taxa de 5%
como limite máximo tolerável para óbitos
cólon-relacionados, no paciente traumatizado(8).
A vulnerabilidade do FPC, quanto à
redução da morbidade e custos, pode ser dimensionada
quando se constata que no grupo do ano 1995, 20 (22,5%)
de 89 pacientes foram colostomizados (6) e, entre os
113 de 1997/1998, vítimas de FPC semelhantes quanto
à gravidade às do grupo inicial, conforme
classificação da American Association for The Surgery of
Trauma (AAST), elaborada por Moore et alii em 1990
(8), somente 10%, taxa compatível com as
publicações internacionais (9), tiveram que ser submetidos a
esse procedimento.
Material e Métodos
Através das palavras-chaves foi realizada
busca na literatura, valendo-se da web, tendo sido relacionados os trabalhos que tratavam do assunto
FPC e que apresentavam os mais elevados níveis
de evidência, conforme classificação adotada no
Hospital Cristo Redentor do Grupo Hospitalar
Conceição (HCR/GHC) (Quadro 1), quanto à conduta
médica mais adequada em relação ao manejo deste tipo
de lesão. Tais condutas são graduadas de acordo com
os níveis de evidência que as geraram (Quadro 2) e
são, também, apresentadas em forma de algoritmo
(Figura 1) com símbolos padronizados e definições (Quadro
3).
Cada símbolo ou figura geométrica
do algoritmo é numerado seqüencialmente e,
quando necessário, mostra uma letra "A", significando
haver uma anotação ou comentário, relacionados ao
conteúdo dessa figura. Estas anotações são
apresentadas, posteriormente, na discussão do presente
trabalho, referidas com o número da figura correspondente.
Da mesma forma, a presença de uma letra "D" na
figura, significa haver uma discussão sobre o conteúdo
da mesma.
Resultados
Figura 1 - Algoritmo: Manejo do Ferimento Penetrante de Cólon |
Quadro 1 - Qualificação adotada no
Hcr/Ghc das evidências clínico-epidemiológicas
Nível de Evidência | Características |
I | Ensaio clínico randomizado com resfechos clinicamente relevantes, com
adequado poder e mínima possibilidade de erro alfa. Metanálises de ensaios clínicos de nível II comparáveis e com validade interna, com adequado poder final e mínima possibilidade de erro alfa. |
II | Ensaio clínico randomizado com desfechos substitutos. Análise de hipóteses secundárias de estudo de nível I. |
III | Estudo quase-experimental com controles contemporâneos selecionados
por método sistemático independente de julgamento clínico. Análise de subgrupos de ensaios clínicos randomizados. |
IV | Estudo quase-experimental com controles históricos. Estudos de coorte. |
V | Estudos de casos e controles. |
VI | Séries de casos. |
FONTE: adaptado de Silva OB, Stein AT. Medicina baseada em evidências: uma visão sobre o novo paradigma da prática médica (10). |
Quadro 2 - Graus de recomendações de condutas médicas
Grau de Recomendação | Características |
A | Pelo menos um estudo de nível I |
B | Pelo menos um estudo de nível II |
C | Pelo menos um estudo de nível III ou dois de nível IV ou V |
D | Somente estudos de nível VI Recomendações de especialistas |
FONTE: adaptado de Silva OB, Stein AT. MBE: uma visão sobre o novo paradigma da prática médica (10). |
Quadro 3 - Símbolos padrões e definições para os algoritmos
Símbolo | Significado |
Oval | Cada algorítmo começa com um desenho oval representando uma população de pacientes com uma característica definida, sintomas e queixas. O desenho oval também é chamado de "quadro clínico". |
Hexagonal | As decisões clínicas mais importantes são representadas nos hexágonos, nos quais há somente 2 desfechos possíveis (pontos dicotômicos ou decisões chaves: yes-no decision point) |
Retângulo | Representa grupo específico do processo do atendimento no qual as intervenções diagnósticas ou terapêuticas devem ser realizadas (do boxes). |
Círculo pequeno | Permite vínculo com outra parte da diretriz clínica. Elimina a seta com sentido retrógrado ou em entrecruzamentos de setas. |
FONTE: Stein AT. Manual de elaboração de protocolos do GHC, 2002 (11). NOTA: os símbolos são conectados por flechas, uma única flecha deixa um oval, indo para um hexágono ou retângulo. Duas flechas deixam um hexágono (ponto de decisão chave): uma indo para a direita, habitualmente indicando uma resposta "sim", e outra, indo para baixo, habitualmente indicando uma resposta "não". |
Quadro 4 - Classificação das lesões colônicas
Grau | Tipo de Lesão | Descrição da Lesão |
I | Hematoma | Contusão ou hematoma sem desvascularização e sem perfuração |
II | Laceração | Laceração < 50% da circunferência |
III | Laceração | Laceração > 50% da circunferência |
IV | Laceração | Secção completa, sem desvascularização |
V | Laceração | Secção completa e/ou desvascularização |
FONTE: Moore EE. Organ injury scale, II. J Trauma
1990; 30:1427 (12).
|
Discussão
São as seguintes as anotações, indicadas
nas figuras geométricas numeradas do algoritmo, pela
letra "A":
1) Considera-se trauma penetrante de cólon
aquele resultante de violação da cavidade peritoneal devida
a arma de fogo, arma branca ou outro objeto corto-contuso. Excluem-se as lesões colônicas secundárias
a trauma abdominal fechado.
2) Considera-se estável hemodinamicamente
todo paciente com pressão arterial sistólica (PAS) >
90 mmHg, conforme preconizado pelo curso Advanced Trauma Life Support (ATLS) do Colégio
Americano de Cirurgiões.
3) Utiliza-se a classificação das lesões colônicas
da American Association for The Surgery of Trauma (AAST) _ Colon Injury Scale _ CIS, elaborada
por Moore et alii (12)
4, 5) Lesões de graus I, II e III têm indicação de RP
que pode ser feito com qualquer tipo de fio, desde que
seja de absorção lenta ou inabsorvível, em 1 ou 2 planos
a critério do cirurgião. Recomendação de grau
A, evidência de nível I (2), (3), (5) e (13).
6, 7) As lesões IV e V são aquelas que
requerem ressecção ou reparo dos bordos e anastomose
completa primária (AP), que pode ser feita com qualquer tipo
de fio, desde que seja de absorção lenta ou
inabsorvível, em um ou dois planos a critério do cirurgião. A
utilização do grampeamento mecânico, igualmente, é
opcional. Recomendação de grau A, evidência de nível I (14).
8) Está indicado o controle temporário do dano
colônico, quando outras lesões associadas (p.e. lesão
hepática, lesões de grandes vasos), por si só o indicam, em
razão da gravidade do quadro, manifestada por
instabilidade hemodinâmica. Recomendação de grau C,
evidência de nível III (15).
9) A cerclagem pode ser feita com a utilização de
fita de algodão branca (fita cardíaca), envolvendo o
cólon proximal e distalmente à lesão ou com o emprego
de grampeador mecânico. Recomendação de grau
C, evidência de nível III (15).
10) Após recuperação do estado hemodinâmico,
está indicada a ressecção com anastomose primária,
se estiverem preservadas todas as condições ideais
para realização de uma anastomose. Caso contrário,
está indicada a realização de colostomia em dupla boca
ou à Hartmann, a critério do cirurgião. Salientamos
que, até o momento não existem publicações que
suportam as condutas acima referidas, são
considerações embasadas na experiência do autor e
nas recomendações da literatura clássica na área da
cirurgia coloproctológica.
Discussão da conduta anotada na Figura
-7 do algoritmo:
Em relação à conduta após a ressecção que
se efetua no tratamento das lesões de graus IV e V,
muito se debateu sobre: colostomia versus
anastomose primária.
Em defesa da colostomia existiriam os seguintes argumentos:
- a baixa incidência desses graus de lesão,
observada em praticamente todos os trabalhos da
literatura mundial
- menos de 10% dos casos tratados
no HCR (7) _ determina menor experiência do cirurgião geral do trauma, para
executar procedimento mais complexo como a AP na situação de um paciente em estado grave;
- presença de lesões associadas a outros órgãos
ou sistemas determinando maior gravidade do paciente o que contra-indicaria a execução
de procedimento mais demorado como a AP;
- existência de algumas séries que apontavam
para um maior número de fístulas colo-cutâneas, 7
a 14%, quando comparadas as AP colônicas, realizadas no paciente do trauma, às da
cirurgia colônica eletiva (2-3%) (16);
- falta de cirurgião geral do trauma, no
manejo freqüente das anastomoses mais baixas ao
nível da pelve, principalmente em pacientes
portadores de obesidade mórbida ou com
sobrepeso considerável.
Em resposta, em defesa da AP, argumenta-se que:
- o advento das suturas mecânicas por
grampeamento (17), as anastomoses tornaram-se mais fáceis
na sua execução, agilizando-as e padronizando
de certa forma os resultados, além de
reduzir, consideravelmente, o tempo cirúrgico (19),
(20), (21).
- a partir de publicação do The Journal of
Trauma 2001, 50; 765-775, sob o título Penetrating
cólon injuries requiring ressection: diversion or
primary anastomosis? An AAST prospective
multicenter study (22), conclui-se que, independente
de qualquer fator de risco, a anastomose primária
no trauma colônico deve ser considerada para
todos os pacientes. Recomendação de grau A,
evidência de nível I.
Conclusão
As evidências científicas disponíveis
sepultam, em definitivo, as dúvidas que ainda restavam sobre
o tema. Cabe apenas, como desfecho, salientar que
a experiência do cirurgião é fundamental para avaliar
a boa irrigação e a ausência de tensão e edema
dos segmentos a serem tratados pela AP. Estes são
conceitos permanentemente válidos e dos quais dependem
os resultados de todo e qualquer protocolo a ser
adotado (23),(24),(25),(26),(27).
SUMMARY: In this work, the authors look for to focus the treatment of the traumatic injuries of colon (FPC) on the prism of the Medicine Based on Evidences (MBE), showing to its collected experience together the unit of treatment of the trauma of the Hospital Cristo Redentor (HCR), pertaining to Grupo Hospitalar Conceição (GHC) in Porto Alegre, RS. They base its conclusions in works of level of evidence I, present its protocol adopted and approved for the institution, as well as stand out to the end, the importance of the surgeon in the handling adjusted with the injuries.
Key words: Penetrating wound of cólon, Medicine Based on Evidences, protocol, primary suture.
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Endereço para correspondência:
Sergio Albuquerque Fréderes
Av. Projetada, 294 - Jardim do Lago
92020-020 - Canoas( RS)
Trabalho realizado no Hospital Cristo Redentor - Porto Alegre - RS.