RELATO DE CASO
RESUMO: Os autores relatam o caso de um paciente de 61 anos, com queixas de fortes cólicas e vômitos. Informava apresentar essa sitnomatologia há 30 anos, com várias internações hospitalares. Trazia consigo uma tomografia abdominal e radiografias de trânsito intestinal realizadas 30 dias antes, que sugeriam claramente o "Sinal da Roda" ou da "Via Láctea". Indicamos laparotomia exploradora onde confirmamos a presença do volvo jejuno ileal, que uma vez desfeito revelou a presença de má rotação entérica. A evolução pós-operatória foi satisfatória e o acompanhamento realizado até o oitavo mês, o paciente permanecia assintomático.
Unitermos: Volvo crônico jejuno ileal, Má, rotação intestinal
INTRODUÇÃO
O volvo jejuno ileal é definido como uma
torção do intestino delgado sobre si mesmo ao longo do
eixo longitudinal dos vasos mesentéricos superiores.
Esta torção pode ser decorrente de alguma brida
(adquirida ou congênita) ou de má rotação intestinal.
Uma vez estabelecido, o volvo costuma apresentar-se como um quadro de obstrução
entérica com elevado potencial de risco de necrose visceral
em curto espaço de tempo. Portanto, é muito
pouco freqüente que se manifeste com longa evolução.
Por isso, relatar um caso de um paciente adulto com torção crônica do intestino delgado, secundária
a má rotação intestinal, constitui o principal objetivo
deste trabalho.
RELATO DO CASO
R.P.C., branco, 61 anos, deu entrada no Serviço de Emergência do Hospital
Universitário Antônio Pedro (BE 39385) com queixas de
dores abdominais em cólicas que se exacerbaram há 8
horas, passando a apresentar vômitos esverdeados.
Relatava apresentar esta sintomatologia há cerca de 30
anos, com várias internações hospitalares (pelo menos
uma por mês); algumas delas com até 5 dias de
duração, sem conseguir um diagnóstico preciso. Dentre
os vários exames que trazia, uma tomografia computadorizada abdominal com contraste
oral (Figura-1) e radiografias de trânsito intestinal
(Figura-2) realizados 30 dias antes, mostravam
claramente sinais sugestivos de volvo de intestino delgado.
Figura 1 - Tomografia computadorizada de abdômen, mostrando o "Sinal da Roda" ou da "Via Láctea". |
Figura 2 - Trânsito intestinal contrastado, sugerindo volvo de intestino delgado e ceco em topografia subhepática. |
Ao exame apresenta com "facies" de dor.
O abdome era flácido com distensão do
mesogástrio, doloroso à palpação profunda nesta topografia e
sem sinais de irritação peritoneal. O peristaltismo
era aumentado em freqüência, mas com timbre
normal. Os sinais vitais encontravam-se dentro da normalidade. A rotina radiológica para abdome
agudo revelava sinais sugestivos de níveis hidroaéreos
de intestino delgado. Os exames bioquímicos
não apresentavam alterações, enquanto o
hemograma indicava leucometria global de 7200 cel/ml, com
8 bastões e sem eosinófilos.
Com impressão diagnóstica de volvo
de intestino delgado, indicamos laparotomia
exploradora, realizada através de acesso mediano supra e
infra umbilical por onde encontramos:
1o) volvo do intestino delgado com quatro torções no sentido horário,
tendo como eixo os vasos mesentéricos superiores (Figura-
3); 2o) inúmeros divertículos de vários tamanhos
na borda mesentérica do jejuno proximal.
Figura 3 - Volvo intestinal exteriorizado. |
Optamos por apenas desfazer as
torções intestinais sem realizar nenhuma manobra de
fixação do mesentério ou entérica. Após verificarmos
a viabilidade de todo o intestino, constatamos que
o ceco encontrava-se em situação subhepática e que
a válvula ileocecal era próxima ao ângulo
duodeno jejunal, ambos à direita da coluna vertebral.
Com boa evolução no pós operatório
recebeu alta hospitalar no 3o dia. O acompanhamento,
feito até o 8o mês, mostrava o paciente assintomático.
COMENTÁRIOS
Os defeitos de rotação originam-se a
partir do desenvolvimento embriológico do intestino
médio (nutrido pela artéria mesentérica superior) e
são muito raros que ocorram no intestino anterior
ou posterior.
A má rotação intestinal acarreta ausência de
fixação do mesentério na parede posterior do
abdome, transformando-o em meso único. Esse fato
propicia em muito o aparecimento da torção intestinal sobre
o eixo da artéria mesentérica superior, o que por sua
vez parece ser uma das complicações mais freqüentes
das anomalias de rotação.
Os sinais e sintomas decorrentes de complicações da má rotação do intestino, geralmente
ocorrem no período neonatal 3,5. Em cerca de 20% dos
casos manifestam-se na fase adulta.
O paciente por nós operado apresentava
meso único, assim como ceco em topografia subhepática.
A válvula ileocecal e o ângulo duodeno-jejunal
se posicionavam muito próximos e à direita da
coluna vertebral, caracterizando claramente um defeito
de rotação intestinal.
A má rotação intestinal não
apresenta sintomatologia característica, porém uma
vez estabelecido o volvo, as queixas de dor abdominal
e vômitos se tornam presentes e a possibilidade de
necrose intestinal é a maior ameaça à vida dos
pacientes.
A apresentação clínica crônica do
nosso paciente, sugerida por sinais e sintomas há 30 anos
e comprovados por exames de imagem realizados um mês antes, parece ser exceção à regra da
rápida evolução para necrose intestinal e peritonite nos
casos de volvo.
O diagnóstico de volvo intestinal é
bastante facilitado quando a tomografia computadorizada
do abdome revela o "sinal da roda"
1,2,4,7, que demonstra perfeitamente as torções entéricas,
conforme apresentou o nosso relato de caso. Para nós, este
aspecto tomográfico mais lembra a imagem da Via Láctea.
Aventada a hipótese diagnóstica de volvo
de intestino delgado, a opção por tratamento cirúrgico
de urgência se impõe.
No ato operatório, todo o conjunto de
alças envolvidas nas torções pode ser
facilmente exteriorizado, devido à ausência de fixação entérica
e mesentérica. Desta forma, é possível
desfazer facilmente as torções intestinais no eixo dos
vasos mesentéricos superiores e verificar se existe
necessidade de ressecção intestinal por necrose.
Vencidas estas etapas, inicia-se o dilema
de realizar ou não alguma tática operatória que possa
fixar o intestino ou mesentério. Todas estas alternativas
são bastante controvertidas.
De acordo com Parc e col 6 todas as
tentativas de fixação êntero mesentéricas são ineficazes
e perigosas, pois além de não impedirem recidivas
das obstruções, tornam muito difíceis as
reoperações quando estas se fizerem necessárias.
Concluímos que a apresentação crônica do
volvo jejuno-ileal é excepcional e, apesar do risco
de recidivas, o tratamento cirúrgico sem fixação
do intestino ou do mesentério seria a melhor
alternativa para a abordagem operatória destes pacientes.
SUMMARY: The authors present a case report of a sixty-one maale patient, with cramping pain and vomiting that he related to feel in a intermitate way for almost thirty years. Barium X-rays and abdominal computer tomography dated from 30 days before this symptoms suggest the " Whirl Sign". Immediate diagnostic laparotomy was perfomed and jejunoileal volvulus was found associated with intestinal malrotation. The intestine was untwisted and pos operative out come was without complications. After eight months follow-up no more symptoms were related by the patient.
Key words: Small bowel chronic vovulus, Instestinal malrotation
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Endereço para correspondência:
Italo Accetta
Rua Mariz e Barros no 51 / 1201 - Icaraí
24220-120 - Niterói (RJ)
Tel.: (21) 2710-3691
E-mail: italo@urbi.com.br
Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro pela Disciplina de Cirurgia de Urgência da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense e pela Disciplina de Clínica Cirúrgica 2 da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho.