ARTIGOS ORIGINAIS
RESUMO : A manometria ano retal é um importante método de avaliar a continência anal através do estudo do
mecanismo esfincteriano. A avaliação manométrica é capaz de fornecer dados objetivos da pressão de repouso e de contração voluntária
do canal anal, a zona de alta pressão, o registro do reflexo da tosse e o tempo de contração voluntária do esfincter anal externo.
Técnicas adjuvantes usando um balão intra retal permitem estudar o reflexo inibitório reto anal, a sensibilidade
retal, assim como também sua capacidade e complacência.
Estas informações são de grande valor no diagnóstico da constipação intestinal crônica e da incontinência anal. A
manometria ano retal é também considerada um bom método de avaliar pré operatoriamente pacientes que irão ser submetidos a
cirurgia abdominal ou ano retal, nos quais o "Status" da continência fecal deve ser conhecido antes da execução do procedimento.
O objetivo do presente trabalho é demonstrar os principais achados manométricos nas Doenças Ano Reto Cólicas
através da análise de 582 manometrias realizadas no Departamento de Fisiologia da Clínica de Proctologia do Maranhão, no período
entre 10/11/98 a 03/03/01.
Unitermos: Achados Manométricos, Doenças Ano Reto Cólicas
INTRODUÇÃO
Desde a última década tem havido
uma significativa expansão no campo da Fisiologia
Ano Retal. Isto tem sido acompanhado por trocas significativas no entendimento da Fisiologia
dos Esfincteres Anais e Assoalho Pélvico, em
pessoas normais e em pacientes com desordens da função ano retal.
Tem se tornado também aparente que
a Fisiologia Ano Retal é muito mais complexa do
que se pensava originalmente. Antigos conceitos determinavam a zona de alta pressão e o ângulo
agudo do reto com o canal anal uma barreira ativa e
passiva (movimento valvular) ao egresso das fezes vindas
do reto. Porém, tem sido considerado que o ângulo
ano retal não atua como mecanismo valvular como
se pensava originalmente e que a continência para
líquidos e fezes depende de vários fatores, incluindo a zona
de alta pressão e a capacidade do canal anal
em permanecer fechado involuntariamente.
Por isso a manutenção da continência anal
está intrinsecamente relacionada à integridade dos
músculos esfincterianos (interno e externo) que envolvem o
canal anal e que são responsáveis pelas pressões,
de repouso (esfincter interno) e de contração
voluntária (esfincter externo).
De acordo com os estudos de LESTER E COL, a pressão de repouso do canal anal é mantida 55%
pelo esfincter interno, sendo por maior atividade
nervosa que miogênica pura. Desta maneira este músculo
pode ser considerado como um importante fator natural
de impedimento para perda involuntária de material
fecal. O esfincter externo é responsável pela pressão
basal em apenas 30%, sendo contudo, juntamente com o
pubo retal, responsável pela pressão de contração
voluntária do canal anal. O restante da pressão de repouso
(15%) é mantida pelos coxins anais (plexos hemorroidários).
Diferentes técnicas têm sido
desenvolvidas para o estudo da Fisiologia Ano Retal, aqui se
incluindo a manometria, a qual tem a propriedade de
fornecer informações significativas a respeito das
pressões musculares acima referidas.
Através de técnicas adjuvantes de
introdução de um balão no reto é possível avaliar o reflexo
inibitório reto anal, o qual é descrito como uma
rápida contração reflexa do esfincter externo seguida de
um prolongado relaxamento do esfincter interno ao
se promover a distenção do reto com +/- 30 ml de ar
no balão.
Finalmente, a manometria também
permite avaliar a sensibilidade retal, alcançada com +/-
30ml de ar no balão, a capacidade retal (normal com
valores entre 100 a 300 ml de ar no balão intra retal) e a
complacência retal, que se caracteriza pela manutenção
de pressões independentes da variação de volume
fecal chegado ao reto, depende da integridade do
sistema nervoso intrínseco e tem seu valor normal entre 2 a
6 CCH2O / mmH9.
MÉTODO E CASUISTICA
No presente estudo foram examinados 582 pacientes através de manometria com balão
fechado, preenchido com ar ou água e adaptado a um
transdutor. O sistema de enchimento com água deve ter o
mínimo de espaço morto afim de evitar alterações nas
pressões encontradas. Deve ser enfatizado que alguns
detalhes, durante a medida das pressões, são
importantes. Movimentar o catéter dentro do canal anal
proporciona variações pressoricas. Por esta razão, a
manometria estática pode induzir ao encontro de valores que
não reflitam o verdadeiro comportamento dos
esfincteres. Após a inserção do catéter deve-se esperar
alguns minutos para que haja estabilização da
função esfincteriana e a pressão de repouso possa ser
medida. Do mesmo modo, um pequeno período de
recuperação deve ser permitido após uma ativa contração antes
que nova mensuração seja efetivada. Os
valores considerados normais são: pressão de repouso
variando entre 40 a 60 cm H2O e a pressão de
contração voluntária entre 100 a 150 cm H2O
Para que seja avaliado o reflexo inibitório
reto anal (RIRA), a sensibilidade retal, a capacidade
retal e sua complacência, um balão é introduzido no reto
e distendido suavemente com ar, sendo que três
volumes são notados, o volume de ar infundido quando
o paciente primeiro percebe o balão (Threshold), o
volume quando o paciente normalmente sente a
vontade de evacuar e o volume máximo tolerado.
Valores normais destas medidas são algo em torno de
30cc, 90cc e 150cc, respectivamente.
O reflexo inibitório reto anal é
observado quando o reto é distendido com um volume médio
de 30 ml e se caracteriza por uma rápida contração
do esfincter externo seguida por um prolongado
relaxamento do esfincter interno.
Durante o período compreendido entre
10/11/98 a 03/03/01 foram realizados no Departamento
de Fisiologia da Clínica de Proctologia do Maranhão
582 manometrias, sendo 190 em homens e (32,7%)
e 392 em mulheres (67,3%). A idade variou entre 11
e 79 anos.
As indicações estão abaixo discriminadas:
· Fissura Anal
®100 ( 17,18%)
· Defecação Obstruída
® 90 ( 15,46%)
· Outros ® 75 ( 12,88%)
· Dor ano retal
· Estenose Anal
· Lesão Pélvica
· Lesão Medular
· Tenesmo Retal
· Tumor Anal
· Incontinência Fecal
® 70 (12,02%)
· Alteração do Funcionamento Intestinal® 60 (10,30%)
· Doença Hemorroidária
® 62 (10,65%)
· Hipertonia Anal
® 42 ( 7,21%)
· Fístula Ano Retal
® 18 ( 3,09%)
· Hipotonia Anal
® 10 ( 1,71%)
· Prolapso Retal
® 08 ( 1,37%)
· Retite Actínica
® 02 ( 0,34%)
· Avaliação Pós Operatória
® 45 ( 7,73%)
· Esfincterorrafia (overlapping)
® 6
· Hemorroidectomia
® 10
· Fistulectomia Anal
® 5
· Reparo Pós Anal
® 2
· Cloaca Perianal
® 2
· Ressecção Anterior Baixa
® 4
· Histerectomia
® 6
· Esfincterotomia Lateral ®
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No grupo de pacientes relacionados como portadores de alteração do funcionamento
intestinal foram reunidos casos de Constipação
Intestinal Crônica, Síndrome do Intestino Irritável e
Reto Colite Ulcerativa. Os pacientes avaliados após
a realização de Esfincterorrafias tiveram
lesões musculares produzidas por trauma obstétrico,
em sua maioria. Alguns pacientes com quadro de Hipotonismo Anal foram vítimas de abuso
sexual. As Esfinterotomias Laterais foram praticadas
para o tratamento de Fissura Anal com Hipertonismo
(6) e hipertonismo anal sem Fissura (4). Alguns pacientes com Incontinência Fecal
Neurogênica foram também avaliados com a medicação
de Latência Motora do Nervo Pudendo.
RESULTADOS
Achados Manométricos
Abaixo relacionamos os principais resultados encontrados nas Manometrias Ano Retais, objetivo
do presente estudo.
Idade
Existe uma diminuição da pressão de
repouso e da contração voluntária com o avanço de
idade, principalmente nas mulheres, podendo ou não
estar presente diminuição também da complacência retal.
Fissura Anal
Usualmente a pressão de repouso está
elevada, porém a de contração voluntária é normal,
algumas vezes, o reflexo inibitório reto anal está mal definido.
Cirurgia Anal
A pressão basal do canal anal pode estar
diminuída e o reflexo inibitório reto anal pode estar
ausente, especialmente após esfincterotomia interna total.
Anismus
É uma condição definida como uma
contração paradoxical do músculo esfincter externo e/ou
pubo retal quando o paciente se esforça para
defecar. Observa-se um aumento de pressão, não somente
no reto mas também na parte alta e/ou baixa do canal
anal. A sensibilidade do volume retal necessário para
induzir o desejo de evacuar é anormalmente alta.
Paraplegia
A pressão de repouso do canal anal é
usualmente normal nesta situação.
Lesões por Irradiação (Actínicas)
A sensibilidade retal é aumentada induzindo
o desejo de evacuar com pequenas quantidades de
fezes na ampola retal.
Prolapso Total do Reto
A pressão de repouso é normal se o paciente
é continente, porém diminuída se o paciente é
incontinente. Existe uma ativação do reflexo inibitório
reto anal e a pressão voluntária de contração é diminuída.
Síndrome do Instestino Irritável
Existe aumento de sensibilidade retal,
diminuição da complacência e aumento da
contratilidade retal. As pressões esfincterianas usualmente
estão normais.
Doença Hemorroidaria
Pacientes portadores de hemorróidas
sem prolapso registram pressão de repouso mais
elevada que o grupo controle, assim como também um
aumento na sensibilidade retal.
Miopatia do Esfincter Interno
O esfincter anal interno é hipertrófico
e hipertônico. Existe relaxamento incompleto após
alto grau de distensão retal.
Megacolon Congênito ( Hirschsprung )
O principal achado é a ausência do
reflexo inibitório reto anal.
Incontinência Fecal
Freqüentemente existe uma diminuição
nas pressões de repouso e de contração voluntária.
Pode haver um aumento no relaxamento espontâneo
na pressão de repouso do canal anal. O volume retal
para induzir relaxamento esfincteriano é reduzido e
existe também uma diminuição no volume retal
máximo tolerado. O tempo de contração voluntária do
esfincter externo (tempo de sustentação muscular) é
usualmente baixo.
Ressecção Anterior Baixa
Após ressecção anterior baixa, existe
uma diminuição na complacência retal que pode
se normalizar com o tempo.
Megarreto
Nesta situação, existe um aumento
na complacência retal e no volume máximo tolerado:
A sensação retal é reduzida e pode não existir o
reflexo inibitório reto anal. Algumas vezes a duração
deste reflexo é diminuída assim como a pressão basal
do canal anal.
Abuso Sexual
Pode existir uma diminuição na pressão
de contração voluntária do esfincter anal externo e
um pequeno aumento na pressão anal sob esforço.
Anismus ou outra manifestação de dissinergia abdômino
pélvica podem estar presentes.
Trauma Obstétrico
Pode haver uma fraca pressão de repouso
do canal anal e falta total de pressão de
contração voluntária.
Após Histerectomia
Pode ser encontrada uma diminuição
da sensibilidade retal, associada à diminuição também
da atividade contratil da sigmóide.
Neuropatia do Pudendo
Provavelmente é o resultado de longos
períodos de realização de esforços exagerados contra um
ânus anormalmente fechado e parte da Síndrome do
Períneo Caído. Existe uma diminuição da pressão basal do
canal anal e uma fraca e consciente contração do
esfincter externo. Observa-se também diminuição da pressão
de contração reflexa (reflexo da tosse) e no tempo
de sustentação muscular.
Ulcera Solitária do Reto
Obrigatoriamente, o prolapso retal deve
ser pesquisado. Existe uma diminuição de pressão basal
e de contração voluntária do canal anal. A
sensibilidade retal é freqüentemente aumentada e a
complacência retal anormalmente baixa.
Colite Ulcerativa
Existe um aumento de sensibilidade retal e
baixa complacência. A sustentação do relaxamento do
músculo esfincter interno é induzido por baixos volumes retais.
Síndrome de Relaxamento do Esfincter Externo
O músculo esfincter externo não
contrai reflexamente ou voluntariamente à distensão retal.
CONCLUSÃO
A Manometria Ano Retal é um
método objetivo de determinação da pressão de repouso,
com vários volumes dentro do reto e durante a
realização de esforços voluntários de contração. Além disso,
a capacidade retal, a complacência e sensibilidade
podem ser determinadas.
Por isso, muitos dos fatores que
contribuem para a continência anal podem ser
quantitativamente avaliados usando este procedimento, o que
certamente promoverá o estabelecimento de racionalização
do nosso entendimento dos seus mecanismos
psicológicos ou fisiológicos.
Finalmente, podemos afirmar que a manometria ano retal é um meio seguro de
avaliar a resistência à defecação espontânea
promovida pelos músculos esfincterianos e a capacidade
sensorial do reto de explicitar sentimentos de
iminente defecação.
SUMMARY: The ano rectal manometry is an important method of assessing the anal continence through the study of the
sphincteric mecanism. The manometric avaliation is capable of providing objective information of the resting pressure and
voluntary contraction of the anal canal, the high pressure zone, the cough reflex registration and the external sphincter voluntary
contraction time.
Adjuvants techniques using an intra rectal ballon permit the study of the recto anal inibitory reflex, the rectal
sensitivity as well as its capacity and compliance.
These informations are of great value in the diagnosis and management of
Cronic Constipation and Anal
Incontinence. As far as ano rectal manometry is concerned it is also considered to be a good method of pré operative avaliation in patients
undergoing abdominal or ano rectal procedure where the
status of continence has to be known ahead of time.
The aim of this present study is to demonstrate the main manometric findings in some Colon Recto Anal Diseases
through the analysis of 582 manometric examinations performed in the Fisiology Departament of the
Clinic of Proctology of Maranhão
during the period of november 10th, 98 to March
3rd, 01.
Key words: Manometric Finding, Colon Recto Anal Diseases
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Endereço para correspondência:
José Ribamar Baldez
Clínica de Proctologia do Maranhão
Rua do Apicum, 104 - Centro
65.025-070 - São Luís (MA)
E-mail: cpm@elo.com.br
Trabalho realizado na Clínica de Proctologia do Maranhão.