ARTIGOS ORIGINAIS
MARIO JORGE JUCÁ - ASBCP
EDMUNDO GUILHERME GOMES
HUNALDO LIMA DE MENEZES
LUIS EDUARDO PEREIRA
HILTON JOSÉ BARROS
JUCÁ MJ, GOMES EG, MENEZES HL, PEREIRA LÊ, BARROS HJ _
Obstrução Intestinal no
Pós-Operatório Tardio do Tratamento
do Câncer Colorretal. Rev bras Coloproct, 2004;24(1):15-19.
RESUMO : O estudo teve como objetivo estabelecer a incidência de obstrução intestinal em pacientes operados para tratamento do câncer colorretal, analisando o tempo de aparecimento da obstrução no pós-operatório, a natureza desta obstrução, se por aderências benignas ou por crescimento tumoral com envolvimento de alças, topografia do câncer primário e sua correlação com o surgimento da obstrução e a análise da decisão terapêutica adotada. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (62,5%), com média das idades de 62,5 anos. Constatou-se que a maioria das obstruções é decorrente de aderências benignas interalças, devendo ser tratadas adequadamente, clínica ou cirurgicamente, sem que se altere a morbimortalidade. As operações realizadas para tumores do lado esquerdo apresentaram uma maior freqüência de obstrução tardia.
Unitermos: Obstrução intestinal, câncer colorretal, aderências.
INTRODUÇÃO
O paciente com antecedentes de operação
para tratamento do câncer colorretal, que apresenta
quadro clínico de obstrução intestinal (OI), representa
uma situação de difícil abordagem, principalmente,
quando se inicia com
suboclusão1,2. As aderências são
um problema de risco relativo elevado no
pós-operatório para tratamento do câncer colorretal
3,4, porque atinge indivíduos idosos, como também por ser uma
situação de urgência, que exige rápida iniciativa, em que
o cirurgião deve estar preparado para a simples
secção de uma brida , como para promover, se for o caso
de recidiva da doença, uma conduta adequada e
resolutiva, dentro dos princípios oncológicos. As
obstruções intestinais decorrentes da recidiva do câncer
variam em percentuais de 28 a 46% 5,6.
Em pacientes idosos com co-morbidades e reservas funcionais diminuídas e lábil
estabilidade orgânica, a responsabilidade da decisão fica ainda
mais complicada7,8. O atraso diagnóstico pode ser fator
para uma série de complicações pós-operatórias, como
a sepse, síndrome inflamatória sistêmica ou até para
uma catástrofe abdominal, com elevado índice
de mortalidade9,10.
O objetivo deste estudo foi estabelecer a incidência de obstrução intestinal em
pacientes operados para tratamento do câncer
colorretal, analisando o tempo de aparecimento da obstrução
no pós-operatório, a natureza desta obstrução, a
topografia do câncer primário e a análise da decisão
terapêutica adotada.
Pacientes e Método
Trinta e dois pacientes operados entre
setembro de 1997 a agosto de 2002, no Serviço de
Coloproctologia do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Alagoas, foram
retrospectivamente analisados, coletando-se, por meio de uma ficha
de recolhimentos de dados, as informações dos
prontuários referentes ao sexo, idade, tipo de tratamento
inicial realizado para o câncer colorretal, tempo de
evolução da primeira operação para o quadro de
obstrução, terapêutica utilizada na obstrução intestinal e
seus resultados.
O tratamento cirúrgico realizado para o
tumor colorretal dependeu de sua localização e
estadiamento. Foram realizadas nove hemicolectomias
direitas, dezenove resseccões anteriores e quatro
hemicolectomias esquerdas.
A localização do câncer foi
predominantemente a esquerda em vinte e três dos pacientes
desta amostra, sendo que dezessete localizados no
sigmóide, três no ângulo esplênico e três no reto superior. Os
nove restantes estavam localizados no cólon ascendente
e transverso proximal.
O estadiamento do tumor foi feito de
acordo com o que é proposto pelo AJCCS ( American
Joint Committee for Câncer
Staging)11 e o diagnóstico dos trinta e dois casos feito por meio de colonoscopia
e biópsia. A tomografia computadorizada foi
realizada em todos os pacientes, para avaliação
pré-operatória da cavidade abdominal, interessando principalmente
o fígado; todos tinham dosagem do CEA e
radiografia simples do tórax. Estas informações, acrescidas
da avaliação intra-operatória e pelo resultado
anatomopatológico, definiram o estadiamento, que resultou
em dois pacientes no estádio I, onze no estádio II,
dezesseis no estádio III e três no estádio IV.
Pelas biópsias pode _se classificar o grau
de diferenciação celular do tumor, como proposto
por Broders 12. Houve dez pacientes com tumores
de celularidade bem diferenciada, dezessete moderadamente diferenciada, quatro pouco diferenciada
e apenas um indiferenciado.
Além das incidências radiológicas
para abdome agudo, exame proctológico, que
incluiu rotineiramente a realização da
retossigmoidoscopia rígida ou flexível, todos os pacientes foram
submetidos a exames laboratoriais hematimétricos e
bioquímicos Estes exames tiveram como objetivo oferecer
maiores informações sobre as condições clínicas do
paciente, bem como estabelecer o nível de
obstrução13. Foi solicitada ultra-sonografia em alguns pacientes,
como preconizado por Portnoi et al
(2001)14, mas não foi, para este estudo, considerado exame de rotina.
Resultados
A idade variou entre 43 e 96 anos, sendo a média de 62,5 anos. Todos os pacientes
foram submetidos a cirurgia para tratamento de tumor
maligno colorretal, tipo adenocarcinoma, com tempos
de evolução que variaram entre 5 meses a 3 anos.
A maioria dos pacientes era do sexo feminino (62,5%).
Dos 32 pacientes que apresentaram quadro
de obstrução intestinal (OI) no pós-operatório tardio
do tratamento cirúrgico para o tumor maligno
colorretal, sete não foram operados. Estes apresentaram,
como sinais e sintomas, parada de eliminação de
fezes, cólicas abdominais e distensão abdominal e
ruídos hidro-aéreos aumentados. Eles foram
tratados clínicamente com sonda nasogástrica, suspensão
da dieta oral, antiespasmódicos e hidratação
parenteral. Esse tratamento, para os casos de suboclusão,
foi eletivo e o resultado foi a defecação entre 24 e 48
horas, após instituída a terapêutica conservadora.
Houve concomitantemente parada da dor e
desaparecimento da distensão abdominal. Este quadro clínico
foi atribuído às aderências abdominais.
Nos pacientes submetidos ao tratamento conservador foram realizados exames de
seguimento do câncer colorretal, como tomografia
computadorizada do abdome com contraste, colonoscopia
e dosagem do CEA, não se observaram sinais de
recidiva. Em dois casos, por meio da tomografia computadorizada do abdome, houve sugestão
da presença de aderências pela visualização de
fixação de alças à parede abdominal.
Vinte e cinco pacientes foram submetidos
ao tratamento cirúrgico convencional, ou seja,
à laparotomia exploradora, por incisão mediana supra
e infra-umbilical, quando foi detectado o fator
etiológico da obstrução intestinal: vinte e um casos de
aderências por acotovelamento de alças de delgado. Em três
casos (12%) houve abertura de alças durante a dissecção,
mas apenas um caso necessitou de ressecção de cerca
de 60 cm de íleo. Esta paciente era idosa (96 anos),
evoluiu com arritmias cardíacas, insuficiência renal aguda
e derrame pleural bilateral, permanecendo 14 dias
na unidade de terapia intensiva (UTI), recuperando-se
sem seqüelas. Outra paciente de 76 anos
apresentou insuficiência renal e respiratória, sendo internada
na UTI por duas vezes, com tempo de internação de
18 dias, principalmente pelo íleo paralítico
prolongado. Outros três pacientes deste grupo apresentaram
infecção da ferida operatória e foram tratados com
cuidados locais, evoluindo satisfatoriamente.(Tabela-1)
Tabela 1 - Complicações no pós operatório de pacientes com OI.
Sistêmicas | Número de casos |
Insuficiência respiratória | 02 |
Insuficiência renal | 02 |
Arritmias cardíacas | 01 |
Pneumonia e derrame pleural | 01 |
Locais | Número de casos |
Infecção da ferida operatória | 03 |
Evisceração | 01 |
Todas estas complicações foram observadas em duas pacientes idosas. |
Dos vinte e cinco pacientes operados, 4 eram diabéticos e hipertensos, 6 hipertensos e 1 com
seqüelas de acidente vascular cerebral. Estas
co-morbidades estavam presentes no pré-operatório de forma
descompensada.
As aderências foram mais freqüentes
em procedimentos realizados para tumores localizados
no cólon esquerdo, apresentando, quando
comparados com o cólon direito, uma diferença
estatisticamente significante (p<0,001).
Dois casos de OI foram decorrentes da
recidiva tumoral pélvica com comprometimento de alças
de delgado e formação de massa, o que dificultou
a dissecção. Desfeitas as aderências, todos os pontos
do peritônio foram ressecados junto com algumas
lesões nodulares da superfície das alças intestinais de
delgado, que foram confirmadas como sendo espécime
tumoral pelo exame anatomopatológico. Nestes dois
casos foram realizadas ileostomias e a evolução dos
dois casos foi para óbito, determinando uma
mortalidade global de 6,25%. Os óbitos ocorreram um no
quarto dia de pós-operatório e o outro com quarenta e
sete dias. Em dois casos havia recidiva do tumor no
local da anastomose íleocólica, sendo a causa da
obstrução da luz intestinal. Foram devidamente ressecados
e ampliada a extensão da ressecção. O trânsito
foi reconstruído no mesmo tempo com a realização
de ileorretoanastomose.
Estes dois últimos casos estavam em
seguimento pós-operatório, livres de doença, até agosto de
2002, sendo que um paciente tem vinte e oito meses de
pós-operatório da primeira cirurgia e cinco da
reoperação, e o outro, cinqüenta e dois meses da primeira
cirurgia e onze meses da reoperação.(Tabela-2)
Tabela 2 - Tratamento e etiologia da OI nos pacientes operados anteriormente por câncer colorretal
Clínico (conservador) | Número de casos |
Suspeita de aderências | 07 |
Cirúrgico | |
Aderências benignas | 21 |
Aderência por neoplasia maligna | 04 p<0,005 |
Nos casos de suspeita de aderências, não foram detectados sinais de recidiva, até agosto de 2002 os pacientes continuavam
em acompanhamento ambulatorial.
|
Discussão
O paciente com antecedente de cirurgia
para tratamento de câncer colorretal, que apresenta
quadro de obstrução intestinal, constitui um problema para
o cirurgião, que na situação de urgência precisa saber
se se trata de uma recidiva tumoral ou obstrução
intestinal por aderências3. Isto se torna mais preocupante
diante da suboclusão, pois o atraso diagnóstico, poderá
trazer conseqüências graves para a evolução do
paciente9,10.
Neste estudo a média das idades aponta que
a faixa etária dos pacientes com o quadro de OI é
elevada, o que está de acordo com as experiências de
outros autores4,10. O sexo feminino foi o mais acometido
pela OI, sendo a diferença entre a distribuição por
sexo estatisticamente significativa ( p<0,00), semelhante
ao que foi apresentado por Borie et al
(2002)15.
A obstrução intestinal no pós-operatório
de pacientes tratados de câncer colorretal,
com procedimentos curativos, foi decorrente de
aderências de natureza benigna, na grande maioria dos
casos (65,6%), o que está de acordo com os estudos de
Parker et al (2001)4. Estes autores demonstraram que
as aderências foram os principais fatores etiologicos
pós cirurgicos de operações abdominais por outras
doenças além do câncer, principalmente quando realizados
no abdome inferior 4.
A indicação da operação não deve ser
retardada para justificar realização de exames, se as
condições do paciente não permitem
esperar15. O diagnóstico clínico de OI, com a história e minucioso exame
físico, complementado pela rotina radiológica para
abdome agudo e a avaliação do tumor pelo exame digital
e retossigmoidoscopico13,16, parece ser suficiente
na situação de emergência.
Os casos de suboclusão têm evolução
favorável nas primeiras vinte e quatro horas, diferente dos
casos de obstrução completa. O tratamento conservador
pode ser uma opção segura, mas o cirurgião não deve
manter a terapêutica clínica, quando as condições do
paciente demonstram claramente deteriorização do estado
geral, comumente agravado pelos vômitos, que
podem provocar o desequilíbrio hidroeletrolítico e
ácido-básico, com agravamento das condições
respiratórias já prejudicadas pela restrição causada pela distensão.
A opção do tratamento cirúrgico,
geralmente uma laparotomia exploradora para lise de
aderências, dependendo da extensão pode ser um
procedimento simples, ou desastroso quando as alças
adelgaçadas rompem-se nos procedimentos de dissecção,
nas tentativas de descolamento das alças, aumentando
a morbidade17,18, principalmente quando se trata
de pacientes idosos com co-morbidades
sistêmicas variadas, como diabetes, hipertensão,
insuficiência vascular cerebral e doenças osteo-articulares
degenerativas, e mesmo com reservas funcionais
diminuídas decorrentes da própria
idade7,8.
Sempre que possível o tratamento das OI
de natureza maligna, deve ser realizado observando-se
a qualidade de vida do paciente, muito embora este estudo tenha demonstrado que, quando os
casos avançados de recidiva são o fator etiológico da OI,
a sobrevida é mínima. Comportamento
semelhante observado por Beck et al
(1999)19, em recidivas limitadas, que o crescimento do tumor ocorreu para
a luz do órgão, a possibilidade de ressecção curativa
não pode ser descartada, devendo o cirurgião proceder
no ato cirúrgico de forma que a ressecção seja
realizada na extensão que for necessária, salvo em casos que
o estado clínico não autorize um tempo
cirúrgico alargado, ou que se trate apenas de um
procedimento paliativo 20,21.
Conclusão
A abordagem da OI no pós-operatório
tardio de ressecções de tumores malignos colorretais,
não deve ser estigmatizada como quadro de
mau prognóstico, já que a maioria dos casos é
decorrente de aderências benignas, tendo uma
evolução satisfatória. A decisão entre tratamento conservador
e cirúrgico é problemática, mas se criteriosa,
não constitui fator agravante à morbimortalidade.
Os tumores do lado esquerdo foram mais responsáveis
pelo quadro de obstrução por bridas e o tratamento
cirúrgico foi o mais utilizado com boa evolução, com
apenas dois óbitos, ocorridos em recidivas em
estádio avançado de carcinomatose.
SUMMARY: The study aimed to establish the incidence of intestinal obstruction in patients operated on for treatment of colo-rectal cancer, analyzing the time of appearance of the intestinal obstruction in the postoperative, the nature of this obstruction, if for benign adheresions or tumoral growth with envolvement of intestinal loops, topography of the primary cancer and its correlation with obstruction and the analysis of the adopted therapeutical management. The majority of the patients was of the female sex with median age of 62,5 years. It was evidenced that the majority of the obstruction is due to benign adherensions. The patients have been treated adequately, clinic or surgically, without modification of the morbimortality. The operations carried out for tumors of the left side had presented a greater frequency of delayed obstruction.
Key words: intestinal obstruction, colo-rectal câncer, adheresions.
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Endereço para correspondência:
Mario Jucá
Adelaide de Melo Mota, Lote 2 Serraria
57046-020 - Maceió ( AL)
E-mail: mario.juca@uol.com.br
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia da Universidade Federal de Alagoas. Instituto de Gastroenterologia de Maceio.