ARTIGOS ORIGINAIS
Geraldo Magela Gomes da Cruz -
TSBCP
Renata Magali Ribeiro Silluzio Ferreira - FSBCP
Peterson Martins Neves
Cruz GMG, Ferreira RMRS, Neves PM . Estenose Anal Pós-Hemorroidectomia com Indicação Cirúrgica _ Experiência 75 Casos. Rev bras Coloproct, 2004;24(1):20-32.
RESUMO : O autor apresenta uma casuística de 34.000 pacientes em consulta proctológica, dos quais 9.289 eram portadores
de hemorróidas, 2417 dos quais submeteram-se à hemorroidectomia, decorrendo 44 casos de estenose anal, aos quais foram
acrescentados outros 31 casos de estenose pós-hemorroidectomia de pacientes operados em outros serviços, totalizando 75 casos de estenose anal.
O autor estuda os 75 casos de estenose, analisando-os sob os seguintes prismas: incidência, sexo, idade, sintomas, exame
proctológico, tempo decorrido entre a hemorroidectomia e o diagnóstico da estenose e o ato cirúrgico corretivo, as técnicas cirúrgicas
corretivas usadas e os resultados obtidos.
A opção pelo tratamento cirúrgico das hemorróidas foi de 26,0%, mais comum entre mulheres (55,0%), com a média etária de
41,3 anos. A incidência de estenose anal pós-hemorroidectomia de indicação cirúrgica foi de 1,8%, mais comum entre as mulheres
(2,0%) que entre os homens (1,6), com média etária de cirurgia corretiva de 37,3 anos. O exame proctológico revelou ausência de
hipertonia anal em 72,0% e ausência de fissura anal em 66,0%, sendo de 72,0% a incidência da forma anatômica de estenose anular. A
cirurgia corretiva de estenose mais usada foi a anotomia com e sem esfincterotomia (90,8%), tendo sido de 5,3% o índice de
recidiva, independente da técnica cirúrgica usada para correção.
Os resultados de nossa casuística foram comparados com os disponíveis na literatura.
Unitermos: Estenose anal pós-hemorroidectomia, estenose anal, hemorroidectomia, complicações de cirurgia anal.
INTRODUÇÃO
Conceito: A estenose anal (EA) é uma das mais desagradáveis complicações da cirurgia anal ou de doenças anais. Entre as primeiras destacam-se as hemorroidectomias, as fissurectomias, as fistulectomias, as ressecções de tumores e condilomas anais e as eletrocauterizações extensas; e entre as segundas merecem citações os tumores, as doenças anais inflamatórias, a doença de Crohn anoperineal, as anomalias congênitas como anus imperfurado e anus ectópico, o uso abusivo de laxativos ou supositórios de paracetamol, as doenças sexualmente transmissíveis como o linfogranuloma venéreo e traumas. Este trabalho enfoca apenas as estenoses anais (EA) pós-hemorroidectomia (EAPH) com indicação cirúrgica (EAPHIC), deixando-se de lado as EA genéricas e as EAPH de indicação de tratamento clínico.
FISIOPATOLOGIA DAS EAPHIC: Há vários fatores que facilitam o desenvolvimento da EAPH, merecendo destaque os seguintes: (a) ressecções de mamilos muito ampliadas com pontes cutâneas estreitas gerando um leito cicatricial amplo, dificultando uma cicatrização normal; (b) dissecação subcutânea de esvaziamento com sofrimento das pontes cutâneas; (c) ressecções circunferenciais totais do anoderma com retração cicatricial (Técnica de Whitehead); (d) trauma operatório leva a desvascularização e necrose das pontes cutâneas, ampliando o leito cicatricial, levando à retração e estenose anal; e (e) espasmo esfincteriano pós-operatório, com fibrose substituindo o espasmo, transformando a estenose funcional em orgânica, de forma permanente.
sintomatologia: Os principais sintomas que os pacientes com EAPH _ considerada a realização recente da operação _ apresentam são a dificuldade e a dor anal aguda para defecar, dos quais resultam outros sintomas secundários, como sangramento nas fezes, diminuição do calibre das fezes, cólicas abdominais, constipação intestinal, puxos, sensação de evacuação incompleta, mamilo anal sentinela ou mamilo de Brodie, pressão retal e medo do ato defecatório, fato este que agrava todos os outros sintomas. O medo e a dor levam ao espasmo esfincteriano e induzem o paciente a usar laxativos ou enemas.
Exame proctológico: Sendo doloroso ou impossível o toque retal, não há motivo para se tentar retossigmoidoscopia convencional. O exame proctológico corrobora a história clínica do paciente, egresso de uma cirurgia para hemorróidas: canal anal estreito e não elástico, sangue vivo no dedo de luva, com o toque retal muito doloroso e nem sempre permitido pelo paciente em decorrência da dor. Se o proctologista detecta uma estenose franca, com as paredes do canal anal endurecidas e deformadas, a propedêutica está finalizada. Algumas vezes é difícil distinguir uma EAPH de um espasmo esfincteriano associado ou não à fissura anal Se há dúvidas o proctologista pode tentar dilatação com velas de calibres crescentes, progredindo com as mesmas caso note resposta positiva. Banhos quentes de assento, pomadas antiinflamatórias e analgésicas e administração de medicamentos analgésicos e relaxantes musculares, administração de óleos minerais para lubrificação das fezes, além de uma abordagem psicossomática e ouvir muito o paciente, podem ajudar, e muito, a progressão das tentativas de dilatação com velas de Hegar ou com toques retais. A anestesia local, caso tentada, não tem nenhum efeito sobre o diâmetro anal em um paciente com EAPH. A experiência do médico é extremamente importante: há uma tendência de o médico que operou o paciente de hemorróidas negar a existência da EAPH, gerando atritos entre ambos _ médico e paciente _ o que, não raro, leva o paciente a se indispor com o médico, transferindo-se para outro profissional que, não comprometido com o resultado da primeira cirurgia, imediatamente faz o diagnóstico correto.
Características anatomofisiológicas da EAPHIC: As EAPHIC apresentam-se sob cinco aspectos morfofuncionais: (a) EAPHIC com hipertonia anal (HA) e sem fissura anal (FA); (b) EAPHIC com HA e com FA; (c) EAPHIC anular com FA; (d) EAPHIC anular sem FA; (e) e EAPHIC tubular. Nas quatro primeiras não se caracteriza perda de tecido anodérmico, o que é a característica básica da última. É muito importante esta caracterização, pois as várias técnicas cirúrgicas descritas abordam as EAPHIC de acordo com estas características.
Tratamento preventivo da EAPH:Evitar que uma EA se forme após uma cirurgia de
hemorróidas é o mais importante e é neste fato que o médico
deve se apoiar, seguindo algumas normas para o ato
cirúrgico e após o ato cirúrgico.
Em relação ao ato cirúrgico, evitar
ressecções muito ampliadas com pontes cutâneas muito
estreitas; deixar apenas 1 ou 2 pontes cutâneas; deixar
leito cicatricial de ressecção de mamilo muito amplo;
evitar leitos cicatriciais profundos que podem
desvascularizar as pontes cutâneas necrosando-as;
dissecação subcutânea de esvaziamento vascular com
sofrimento das pontes cutâneas; excessos de ligaduras
e cauterizações; ressecções circunferenciais do
anoderma com retração cicatricial (Whitehead);
estabelecimento de espasmo que origina fibrose com
conseqüente estenose orgânica.
Em relação ao pós-operatório,
acompanhar adequadamente o paciente até completa
cicatrização dos leitos cruentos, ouvindo-o, trocando idéias
sobre seus medos e preocupações e fazendo
dilatações sempre que necessárias.
Tratamento clínico da EAPH:
Todos
os fatos considerados no tratamento preventivo devem
ser incluídos, sobretudo o acompanhamento do
paciente, tanto sob o ponto de vista da cirurgia _ o ânus _
quanto o paciente como um todo, devendo o médico
tomar imediatas providências terapêuticas aos
primeiros sinais de EAPH: persistência de dor e
dificuldade excessivas para defecar, afilamento das fezes e
toque retal pós-operatório dificultado, seja por
espasmo esfincteriano (hipertonia anal) seja pela diminuição
do calibre do canal anal (EAPH). Em ambos os casos
três áreas devem ser abordadas: o paciente enquanto
pessoa, os cuidados com o funcionamento intestinal e
os cuidados locais.
Em relação ao paciente o médico deve
conhecê-lo bem: idade, personalidade, condições econômicas
e profissionais, perfil psicológico, estados
fisiológicos, vivências de fatos incompatíveis com a cirurgia,
etc., evitando que problemas particulares sejam
canalizados para a parte orgânica; deve o médico evitar operar
o paciente quando considerar que o momento não
é oportuno. Em relação aos medos e receios do
paciente, ouvir tudo com a maior atenção, pois atrás de um
medo ou um receio pode estar escondido um fato médico
a ser considerado, incluindo-se neste eixo o relato
de ocorrência de estenose anal em um parente
próximo, que pode levar a se pensar, e.g., em distúrbios
de cicatrização ou metabólicos. Havendo
necessidade, podem ser introduzidos ansiolíticos e antidepressivos.
Em relação ao funcionamento intestinal
devem ser evitados tanto meios que prendam o intestino
quanto os que o soltam, pois tanto fezes ressecadas
quanto fezes liquefeitas prejudicam uma
cicatrização fisiológica, as primeiras pelo trauma físico e
as segundas pelo trauma químico da acidez. Além da
dieta e da administração de fibras naturais e sintéticas,
podem ser administrados oleaginosos, agentes
higroscópicos e umectantes, além da aplicação de supositórios
e mesmo pequenos clisteres visando facilitar o ato defecatório.
Em relação ao ânus o paciente deve ser
visto com freqüência, sendo a passagem de velas e
toques retais o ponto crucial do tratamento não cirúrgico, e
é, a partir das observações do médico no tocante a
estas duas manobras, que a EA seguida pelo
profissional pode ser caracterizada como uma EAPHIC.
Quanto mais cedo o médico chegar à conclusão de que a
EAPH é uma EAPHIC, tanto mais precocemente
deve conversar com o paciente, colocando-o ao par
da necessidade de uma intervenção cirúrgica.
Esta comunicação deve ser permeada de
segurança, cordialidade e disposição de resolver o problema
o quanto antes. O paciente está pronto e receptivo ao
ato de coragem e de respeito do médico ao reconhecer
uma complicação. Todavia, fato contrário _ prolongar
o sofrimento do paciente com toques e velas,
assegurando a ele que está melhorando _ somente trará revolta e
desconfiança do paciente em relação ao médico.
A otimização da relação médico-paciente é
fundamental para que a confiança e o respeito não sofram abalo,
o que certamente levará o paciente a procurar
outro profissional.
Tratamento cirúrgico da EAPHIC: As EAPHIC totalmente estabelecidas e que se enquadram nas características mencionadas anteriormente por implicarem em perdas acentuadas de tecido cutâneo-mucoso do canal anal _ anoderma _, somente respondem aos convenientes tratamentos cirúrgicos, sendo vãs quaisquer tentativas de abordagens clínicas ou através de manobras de dilatação.
Finalidades da cirurgia corretiva de
EAPHIC:
As várias técnicas disponíveis para abordagem das
EAPH têm como escopo:
(a) aumentar o diâmetro do canal anal;
(b) aumentar a elasticidade do canal anal, facilitando
a defecação e mantendo a continência;
(c) remover a lesão fissuróide calosa (se presente)
e que impede a elasticidade;
(d) evitar a recidiva da estenose através da
cobertura mucosa e/ou cutânea sobre a área operada
e cuidados pós-operatórios.
Extensões do ato cirúrgico: Fazer ou não preparo intestinal; internar ou não o paciente na véspera ou no momento da cirurgia; realizar anestesia de bloqueio, local com ou sem analgesia; adotar posição em canivete, ginecológica, de Lloyd-Davies ou lateral de Sims; fazer ou não antibioticoterapia, curativa ou profilática, parenteral ou oral; quando começar as dilatações pós-operatórias, com toques digitais ou velas e por quanto tempo; são questões sem resposta uníssona.
Técnicas cirúrgicas racionalizadas para
abordagem das EAPH: São as seguintes as técnicas
cirúrgicas racionalizadas para abordagem das EAPH
(a) Anotomia simples e dupla e excisão de área
de fibrose e/ou fissurectomia sem esfincterotomia: pratica-se uma incisão radial lateral no
quadrante posterior desde a linha denteada até a margem
anal, comprometendo toda a espessura da pele; verificando-se absoluta facilidade para se fazer
o toque e anoderma suficiente, a cirurgia pode ser dada por terminada; eventualmente pode-se
repetir a mesma incisão do anoderma contralateral;
não havendo hipertonia anal é desnecessário
fazer esfincterotomia em pacientes jovens e
arriscado em pacientes multíparas e pacientes idosos
_ Corman (1996) 6 , Cruz (2000)
8 , Freeman (1996) 10 e Mallman (2000)
15 , Medeiros & Coy 1999)
17 e Rebel (1984) 24 - . É uma técnica
indicada sobretudo para pacientes que apresentam
estenoses semianulares ou anulares distais, que
envolvem apenas a pele, não adentrando pelo canal anal
e sem hipertonia esfincteriana.
(b) Anotomia simples e dupla e excisão de área de fibrose e/ou fissurectomia com esfincterotomia anal interna (e da porção subcutânea do esfíncter externo): pratica-se uma incisão radial lateral esquerda no quadrante posterior desde a linha denteada até a margem anal, comprometendo toda a espessura da pele, fazendo-se a esfincterotomia lateral ou posterior interna até a linha denteada. A seguir pratica-se dilatação do canal anal com os dedos ou instrumentos, excisando-se o tecido fibroso, e ampliando-se a área cruenta, finalizando-se em um triângulo de base externa de mais ou menos dois centímetros _ Corman (1996) 6 , Cruz (2000) 8 , Freeman (1996) 10 -. Não havendo insuficiência de anoderma tornam-se desnecessárias confecções de retalhos cutâneos, dando-se a cirurgia por terminada. É uma técnica indicada sobretudo para pacientes que apresentam estenoses semianulares ou anulares distais, que envolvem apenas a pele, não adentrando pelo canal anal associadas à hipertonia esfincteriana.
(c) Anoplastia com retalho cutâneo: Várias técnicas foram descritas, entre estas podemos citar: plástica em S de Ferguson (1959) 9; retalho posterior de Sarner (1996) 28; plástica em Y-V de Ramanujan et al. (1988) 23 e Gingold & Arvanitis (1986) 11; plástica em C de Oh & Zinberg (1982)19; plástica com avanço de retalho de Rosen (1988) 25; plástica do retalho "caseiro" de Christensen et al. (1992) 4 e Sentovich et al. (1989) 30; retalho em "diamante" de Caplin & Kodner (1986) 3 ; e retalho "insular em U" de Pearl et al. (1990) 21 e Pidala et al. (1994) 22. As estenoses variam em extensão e grau, devendo-se utilizar as diferentes técnicas de acordo com as características das lesões individualizadas para cada paciente, devendo portanto o proctologista conhecer estas técnicas para aplicá-las corretamente. São técnicas indicadas sobretudo para pacientes que apresentam estenoses tubulares parciais ou totais de canal anal, casos em que certamente há insuficiência de anoderma; sendo a estenose distal o avanço de retalho em Y-V fornece suficiente pele para aliviar a estenose - Aitola et al. (1997) 1; Ramanujan et al. (1988) 23 -; entretanto, nos casos de estenoses proximais ou que envolvem toda a extensão do canal anal, o retalho em V não é suficiente, sendo mais indicados os retalhos retangulares, em forma de diamante ou em U, ou em outras formas semelhantes e que ensejam extremidade proximal ampla e não em vértice, promovendo melhores resultados cirúrgicos - Caplin & Kodner (1986) 3, Christensen et al. (1992) 4, Pearl et al. (1990) 21 e Rosen (1988) 26 -.
(d) Anoplastia com retalho mucoso, ou abaixamento mucoso: Tem por princípio: corrigir a estenose através da ressecção de tecido cicatricial e esfincterotomia; avanço mucoso de 3 a 5 cm para prevenir recorrência; e diminuição do ectrópio pelo avanço da mucosa até a margem anal - Khubchandani (1985) 14 -. Nesta técnica faz-se uma incisão na linha média posterior, seguida da excisão do tecido cicatricial, esfincterotomia e o avanço mucoso com esfincterotomia anal lateral sob anestesia local. Promove-se a excisão do tecido cicatricial e a esfincterotomia. A esfincterotomia interna corrige a estenose, ao cobrir a porção distal com mucosa, previne-se a formação cicatricial. O ectrópio mucoso é minimizado pelo avanço até a margem anal. Dependendo da gravidade da estenose pode ser realizada bilateralmente.
(e) Anoplastia com duplo retalho ou retalho misto
ou retalhos cutâneo e mucoso: Alguns autores preferem associar os retalhos cutâneo e o
mucoso, com resultados satisfatórios - Reis Neto (1987)
25, Tagliolatto (1989) 31, Wee & Joseph (1989)
32 - . A anoplastia com duplo retalho foi proposta por
Reis Neto et al. (1987) 25 que recomendam o
formato trapezóide com a largura mínima de um cm
e dissecação criteriosa, mantendo-se a
maior quantidade possível de tecido celular
subcutâneo, conforme Reis Neto (1987)
25 e Tagliolatto (1989) 31.
As estenoses severas determinadas por
causas específicas incluindo-se doenças de Crohn,
Paget, Bowen, e condilomas gigantes, podem, segundo
Wee & Joseph (1989) 32, necessitar de anoplastias
com rotação de retalhos, tais como o pudendo interno.
A complicação mais comum dos retalhos é
a isquemia parcial e necrose seguida de deiscência
do retalho, principalmente quando não se
realizou esfincterotomia. Complicações adicionais,
afirmam Aitola et al. (1997) 1 e Tagliolatto (1989)
31 incluem hematomas, infecções da ferida operatória e
infecção urinária.
Indicações cirúrgicas para diferentes casos
de EAPHIC, pelo autor: Em tese são as seguintes
as opções cirúrgicas para as respectivas características
das EAPHIC seguidas por nós:
EAPHIC semianular com Fissura Anal sem
Hipertonia Anal: Anotomia simples e excisão de área de
fibrose e/ou fissurectomia sem esfincterotomia
EAPHIC anular com Fissura Anal sem Hipertonia Anal: Anotomia dupla e excisão de área de fibrose e/ou fissurectomia sem esfincterotomia
EAPHIC semianular com Fissura Anal com Hipertonia Anal: Anotomia simples e excisão de área de fibrose e/ou fissurectomia com esfincterotomia anal interna (e da porção subcutânea do esfíncter externo)
EAPHIC anular com Fissura Anal com Hipertonia Anal: Anotomia dupla e excisão de área de fibrose e/ou fissurectomia com esfincterotomia anal interna (e da porção subcutânea do esfíncter externo)
EAPHIC com carência de anoderma principalmente distal com ou sem hipertonia anal: Anoplastia com retalho cutâneo em "V" ou Y com ou sem esfincterotomia interna lateral
EAPHIC com carência de anoderma em quase toda extensão do canal anal com ou sem hipertonia anal: Anoplastia com retalhos cutâneos retangulares, com ou sem esfincterotomia interna lateral
EAPHIC com carência de anoderma principalmente proximal e em quase toda a extensão do canal anal com ou sem hipertonia anal: Anoplastia com retalho mucoso, ou abaixamento mucoso, com ou sem esfincterotomia
EAPHIC com carência de anoderma em toda extensão do canal anal com ou sem hipertonia anal Anoplastia com duplo retalho ou retalho misto ou retalhos cutâneo e mucoso, com ou sem esfincterotomia
Objetivo
O objetivo deste trabalho é estudar 75
casos de pacientes que desenvolveram EAPHIC (sexo
idade, sintomas, exame proctológico, tempo decorrido
entre a hemorroidectomia, cirurgias corretivas,
técnicas cirúrgicas empregadas e resultados obtidos) - e
que foram abordados por intervenções cirúrgicas.
casuística - pacientes e métodos
No decurso de 36 anos de profissão com
prática totalmente centrada em Coloproctologia, tivemos
a oportunidade de formar um fichário constituído
de 34.000 pacientes, tendo feito diagnóstico
de hemorróidas como a doença de fundo e motivo
da consulta em 9.289 pacientes (27,32%), tendo
2417 (26,0%) deles sido submetidos à hemorroidectomia
por mim, sendo que 44 deles (1,8%) desenvolveram estenose anal pós-hemorroidectomia (EAPH)
com indicação cirúrgica e que ficaram comigo para
a correção da complicação. Ignoramos quantos
pacientes podem ter desenvolvido EAPH e que
simplesmente "desapareceram" do meu consultório, da mesma
forma que 31 pacientes que amargaram EAPHIC
decorrentes de cirurgias praticadas por outros profissionais e
que me procuraram para a correção. Destarte,
abordamos, no meio de 34.000 pacientes, um total de 75
portadores de EAPHIC, o que significa uma EAPHIC operada
por mim a cada 6 meses de profissão O presente trabalho
é uma análise dos 75 pacientes que
desenvolveram EAPHIC, caracterizando-os por sexo e
idade, analisando os sintomas desenvolvidos, os achados
do exame proctológico, o tempo decorrido entre
a hemorroidectomia e a cirurgia corretiva, as
técnicas cirúrgicas empregadas e os resultados obtidos.
Resultados
Incidência absoluta de hemorróida
e de eaphic em 2417 hemorroidectomias: A incidência de doença
hemorroidária como diagnóstico principal entre 34.000 pacientes
foi de 27,32% (9.289 pacientes). A incidência de
pacientes submetidos à hemorroidectomia foi de 26,0%
(2417 pacientes). A incidência de ocorrências de estenose
anal pós-hemorroidectomia de indicação
cirúrgica (EAPHIC) foi de (1,8%) (44 pacientes).
Como o tempo de exercício profissional
em que foram inseridos os 34.000 pacientes foi de 38
anos, significa que o autor atendeu 894 consultas por
ano, ou 74 pacientes ao mês ou 16 pacientes por
semana. Significa, ainda, que o autor diagnosticou um caso
de hemorróidas em cada 3,6 pacientes
atendidos. Significa, ainda, que o autor praticou
uma hemorroidectomia em cada 3,8 pacientes em que fez
o diagnóstico de hemorróidas. E significa,
finalmente, que de cada 55 pacientes operados de
hemorróidas resultou uma EAPHIC como complicação.
Sexo: Foram os seguintes os achados relacionados aos pacientes operados de hemorróidas e os que desenvolveram a EAPHIC:
Incidência relativa de EAPHIC aos 2417 pacientes operados pelo
autor: Preponderou, de forma estatisticamente
significativa, a incidência da doença hemorroidária operada entre
as mulheres, com 55,0% dos casos (1330 pacientes),
em comparação com os homens, que responderam
com 1087 casos (45,0%) (Tabela-1). Observa-se na
mesma tabela que a incidência de EAPHIC decorrente
destas cirurgias foi mais elevada entre as mulheres
operadas de hemorróidas (27 casos de EAPHIC em
1330 hemorroidectomias, ou seja, 2,0%) que entre os
homens (17 casos de EAPHIC em 1087
hemorroidectomias, ou seja, 1,6%), para a média geral de 1,8%.
Tabela 1 - Incidência, por sexo, de 2417 casos de hemorroidectomia e de 44 casos de estenose anal
pós-hemorroidectomia de indicação cirúrgica (EAPHIC) decorrentes.
Hemorróidas | EAPHIC | |||
Sexo | N | % | N | % |
Feminino | 1330 | 55,0 | 27 | 2,0 |
Masculino | 1087 | 45,0 | 17 | 1,6 |
Total | 2417 | 100,0 | 44 | 1,8 |
Incidência absoluta de EAPHIC relacionados aos 44 casos do autor, aos 31 casos de operados por outros profissionais e à somatória de 75 pacientes: Como se pode constatar na Tabela-2 dos 44 pacientes operados pelo autor 27 (61,4%) eram do sexo feminino e 17 do sexo masculino (38,6%); dos 31 pacientes operados por outros profissionais 17 (54,8%) eram do sexo feminino e 14 do sexo masculino (45,2%); da somatória dos 75 pacientes, 44 (58,7%) eram do sexo feminino e 31 do sexo masculino (41,4%).
Tabela 2 - Incidência absoluta, por sexo, 44 casos de EAPHIC em pacientes operados pelo autor, 31 casos de EAPHIC em pacientes operados por outros profissionais e soma dos 75 casos de EAPHIC.
44 casos de EAPHIC em pacientes operados pelo autor | 31 casos de EAPHIC em pacientes operados por outros profissionais | Soma dos 75 casos de EAPHIC | ||||
Sexo | N | % | N | % | N | % |
Feminino | 27 | 61,4 | 17 | 54,8 | 44 | 58,7 |
Masculino | 17 | 38,6 | 14 | 45,2 | 31 | 41,4 |
Total | 44 | 100,0 | 31 | 100,0 | 75 | 100,0 |
Idade: A doença hemorroidária operada foi
mais comum entre pacientes da terceira (502 casos
ou 20,8%), quarta (688 casos ou 28,5%) e quinta
décadas (543 casos ou 22,5%), que nas demais, respondendo
a primeira década com 137 pacientes (5,6%), a
sexta década com 274 pacientes, a sétima década com
110 pacientes (4,5%) e a oitava década com 11
pacientes (4,5%), sendo a média etária de 41,3 anos. A
EAPHIC ocorreu em 75 pacientes (3,1%), mostrando a
Tabela-3 as incidências por faixas etárias: segunda
década, 2,9%; terceira década, 3,8%; quarta década,
3,8%; quinta década, 2,8%; sexta década, 2,2%;
sétima década, 2,0%; oitava década, 1,8%; e nona década,
0%. A média etária de incidência de EAPHIC entre os
75 pacientes foi 37,3 anos.
Tabela 3 - Incidência, por décadas etárias, de 2417 casos de hemorróidas e de 75 casos de estenose anal pós-hemorroidectomia de indicação cirúrgica (EAPHIC).
Hemorróidas | EAPHIC | |||
Faixas etárias | N | % | N | % |
1 _ 10 | 000 | |||
11 _ 20 | 137 | 5,6 | 04 | 2,9 |
21 _ 30 | 502 | 20,8 | 19 | 3,8 |
31 _ 40 | 688 | 28,5 | 26 | 3,8 |
41 _ 50 | 543 | 22,5 | 15 | 2,8 |
51 _ 60 | 274 | 11,3 | 06 | 2,2 |
61 _ 70 | 152 | 6,3 | 03 | 2,0 |
71 _ 80 | 110 | 4,5 | 02 | 1,8 |
81 _ 90 | 011 | 0,5 | 00 | |
91 _ 100 | 000 | |||
Total | 2417 | 100,0 | 75 | 3,1 |
Sintomas desenvolvidos: Sem exceção todos os 75 pacientes portadores de EAPHIC apresentaram três queixas comuns: afilamento de fezes, dificuldade para defecar, dor anal às evacuações, além do achado ao exame proctológico do estreitamento anal, na maioria dos casos impossibilitando o toque retal. Sintomas secundários e corolários, como sangramento nas fezes, cólicas abdominais, constipação intestinal, puxos, sensação de evacuação incompleta, mamilo anal sentinela ou mamilo de Brodie, pressão retal e medo do ato defecatório, o uso de laxantes e enemas, constituíram sintomas apresentados aleatoriamente pela maioria dos pacientes.
Achados do exame proctológico: O exame proctológico encontrou (Tabela-4) hipertonia anal em 21 pacientes (28,0%) que desenvolveram EAPHIC, dos quais 16 (21,3%) apresentavam fissura anal e apenas 5 (6,7%) não apresentavam a doença fissurária; enquanto isto 54 pacientes (72,0%) tinham estenose sem hipertonia anal, mas mesmo assim, 33 deles (44,0%) apresentavam fissura anal. Ao exame proctológico, ainda, no tocante à extensão do processo estenótico, foram os seguintes os achados (Tabela-4): a grande maioria das EAPHIC _ 54 casos, 72,0% era constituída de estenoses anulares, enquanto as estenoses tubulares, mais graves, responderam com 13 casos (17,3%), restando apenas 8 casos (10,7%) de estenoses semianulares.
Tabela 4 - Resultados de exame proctológico em 75 pacientes portadores de estenose anal pós-hemorroidectomia de indicação cirúrgica (EAPHIC).
EAPHIC | N | % |
Com Hipertonia Anal e sem Fissura Anal | 05 | 6,7 |
Com Hipertonia Anal e com Fissura Anal | 16 | 21,3 |
Com Hipertonia Anal | 21 | 28,0 |
Sem Hipertonia Anal e com Fissura Anal | 33 | 44,0 |
Sem Hipertonia Anal e sem Fissura Anal | 21 | 28,0 |
Sem Hipertonia Anal | 54 | 72,0 |
Total | 75 | 100,0 |
EAPHIC | N | % |
Semi-anulares | 08 | 10,7 |
Anulares | 54 | 72,0 |
Tubulares | 13 | 17,3 |
Total | 75 | 100,0 |
Tempo decorrido entre a hemorroidectomia e o diagnóstico da
EAPH: A Tabela-5 mostra os períodos de tempo decorridos,
em dezenas, entre a cirurgia para hemorróidas e
o diagnóstico da EAPH _ não à indicação cirúrgica -:
Vê-se, na Tabela-5 que 12 pacientes (16,0%) tiveram
o diagnóstico da EAPH feito antes de 10 dias após
a hemorroidectomia; 33 pacientes (44,0%) entre 11 e
20 dias; 17 pacientes (22,7%) entre 21 e 30 dias; 4
pacientes (5,3%) com mais de 30 dias; sendo
impossível determinar-se este período em 9
pacientes (12,0%).
Tabela 5 - Tempo decorrido entre a hemorroidectomia e o diagnóstico da EAPH.
Tempo decorrido | N | % |
Menos de 10 dias | 12 | 16,0 |
11 - 20 dias | 33 | 44,0 |
21 - 30 dias | 17 | 22,7 |
Mais de 30 dias | 4 | 5,3 |
Ignorado | 9 | 12,0 |
Total | 75 | 100,0 |
Tempo decorrido entre a hemorroidectomia e a cirurgia
corretiva para a EAPHIC: A Tabela-6 mostra os períodos
de 30 dias (meses), o tempo decorrido entre a cirurgia
para hemorróidas e a cirurgia corretiva para a EAPHIC:
Vê-se na Tabela-6 que 22 pacientes (29,3%) tiveram
a cirurgia corretiva da EAPHIC realizada antes de 1
mês após a hemorroidectomia; 23 pacientes (30,7%)
entre 1 e 2 meses; 17 pacientes (22,7%) entre 2 e 3
meses; 13 pacientes (17,3%) com mais de 3 meses. A
média de dias decorridos entre a hemorroidectomia e a
cirurgia corretiva para a EAPHIC foi de 56 dias, com
os extremos de 18 dias e 143 dias.
Tabela 6 - Tempo decorrido entre a hemorroidectomia e a cirurgia corretiva para a EAPHIC.
Tempo decorrido | N | % |
Menos de 1 mês | 22 | 29,3 |
Entre 1 e 2 meses | 23 | 30,7 |
Entre 2 e 3 meses | 17 | 22,7 |
Mais de 3 meses | 13 | 17,3 |
Ignorado | 0 | 0 |
Total | 75 | 100,0 |
Técnicas cirúrgicas empregadas e resultados: A Tabela-7 mostra as várias técnicas cirúrgicas empregadas na abordagem dos 75 pacientes portadores de EAPHIC: em 12 pacientes (16,0%) foi feita anotomia simples e excisão de área de fibrose sem esfincterotomia; em 20 pacientes (26,7%), anotomia dupla e excisão de área de fibrose sem esfincterotomia; em 8 pacientes (10,7%), anotomia simples e excisão de área de fibrose com esfincterotomia anal interna (e da porção subcutânea do esfíncter externo); em 14 pacientes (18,7%), anotomia dupla e excisão de área de fibrose com esfincterotomia anal interna (e da porção subcutânea do esfíncter externo); em 14 pacientes (18,7%), anoplastia com retalho cutâneo em "V"; em 7 pacientes (9,2%), anoplastia com retalho cutâneo retangular; e nenhum caso de anoplastia com retalho mucoso, ou abaixamento mucoso e anoplastia com duplo retalho ou retalho misto ou retalhos cutâneo e mucoso. A mesma Tabela-7 mostra os níveis de recidiva da estenose anal relacionados às técnicas usadas: uma recidiva (8,3%) com o uso da "anotomia simples e excisão de área de fibrose sem esfincterotomia"; duas recidivas (10,0%) com o uso da "anotomia dupla e excisão de área de fibrose sem esfincterotomia"; e uma recidiva (7,1%) com o uso da "anoplastia com retalho cutâneo em "V"; com o percentual de recidiva de 5,3% (4 pacientes em 75 operados).
Tabela 7 - Técnicas cirúrgicas empregadas na abordagem de 75 pacientes portadores de estenose anal pós-hemorroidectomia de indicação cirúrgica (EAPHIC) e recidivas.
Técnica cirúrgica | N | % | Recidiva (%) |
Anotomia simples e excisão de área de fibrose e/ou fissurectomia sem esfincterotomia | 12 | 16,0 | 1 (8,3) |
Anotomia dupla e excisão de área de fibrose e/ou fissurectomia sem esfincterotomia | 20 | 26,7 | 2 (10,0) |
Anotomia simples e excisão de área de fibrose e/ou fissurectomia com esfincterotomia anal interna (e da porção subcutânea do esfíncter externo) | 8 | 10,7 | 0 (0) |
Anotomia dupla e excisão de área de fibrose com esfincterotomia anal interna (e da porção subcutânea do esfíncter externo) | 14 | 18,7 | 0 (0) |
Anoplastia com retalho cutâneo em "V" | 14 | 18,7 | 1 (7,1) |
Anoplastia com retalho cutâneo retangular | 7 | 9,2 | 0 (0) |
Anoplastia com retalho mucoso, ou abaixamento mucoso | 0 | ||
Anoplastia com duplo retalho ou retalho misto retalhos cutâneo e mucoso | 0 | ||
Total | 75 | 100,0 | 4 (5,3) |
discussão
Incidência absoluta de hemorróidaS em 34.000 pacientes atendidos
e incidência de eaphic em 2.417 hemorroidectomias:
A incidência de doença hemorroidária como diagnóstico principal
entre 34.000 pacientes foi de 27,32% (9.289
pacientes), o que fala, por si só, como hemorróidas constituem
a doença mais comum em consultórios de
proctologistas. A incidência de pacientes submetidos
à hemorroidectomia foi de 26,0% (2.417
pacientes), certamente em decorrência de dois motivos:
a possibilidade de tratamentos não cirúrgicos e o
medo, por parte de muitos pacientes, pelo ato cirúrgico.
A incidência de ocorrências de estenose anal
pós-hemorroidectomia de indicação cirúrgica
(EAPHIC) foi de (1,8%) (44 pacientes), o que mostra a
segurança da cirurgia, pois esta incidência corresponde a um
caso de estenose cirúrgica para cada 55 pacientes
submetidos à hemorroidectomia.
À primeira vista estes números parecem
ser exorbitantes, mas, na verdade, não são: como o
tempo de exercício profissional em que foram inseridos
os 34.000 pacientes foi de 38 anos, significa que o
autor atendeu 894 consultas por ano, ou 74 pacientes ao
mês ou 16 pacientes por semana. Significa, ainda, que
o autor diagnosticou um caso de hemorróidas em
cada 3,6 pacientes atendidos. Significa, ainda, que o
autor operou um paciente de hemorróidas de cada
3,8 pacientes em que fez o diagnóstico, com um ritmo
de 63 cirurgias ao ano ou uma hemorroidectomia por semana durante a vida profissional. E
significa, finalmente, que de cada 55 pacientes operados
de hemorróidas resultou uma EAPHIC como
complicação, ou seja, uma estenose anal operada em cada 8,3
meses de exercício profissional.
Em sua dissertação de Mestrado, em
1986, sobre "Análise dos Resultados do Tratamento
Cirúrgico da Estenose Anal Pós-Operatória", Quilici (1986)
20 mostra, em uma tabela, bem elaborada, composta
por vários autores, em detalhes, que a incidência média
de estenose anal pós-operatória de cirurgias anais
situa-se entre 3% e 12%. Como nossa casuística de
estenoses anais se refere apenas às decorrentes de
hemorroidectomias (1,8% ou 44 pacientes em 2417
hemorroidectomias), uma tentativa de comparação com
os relatos da literatura (3% a 12% de estenoses em cirurgias orificiais) pode cair em erro
grosseiro. Todavia, mesmo com tal disparidade qualitativa,
nosso achado de 1,8% destoa dos relatos da literatura.
Infelizmente, desde a tese de Quilici -
Quilici (1986)20 - não encontramos trabalhos
enfocando incidências relativas de estenoses anais decorrentes
de hemorroidectomias e diversificações de
técnicas corretivas de estenose usadas, embora Reis Netto -
Reis Neto et al. (1987) 25 - informe que dos seus 115 casos
de estenose anal em pacientes operados de doenças do
ânus, em 107 (92,1%) a doença abordada tinha
sido hemorróidas. Literalmente os trabalhos revistos
referem-se ao uso de uma determinada técnica cirúrgica (e
não das várias técnicas existentes, de forma a se
traçarem dados comparativos), ora aplicada a um número
variável de pacientes portadores de estenoses anais de
várias etiologias (e não apenas cirúrgicas), ora aplicada a
um número variável de estenoses anais decorrentes de
várias doenças anais operadas (e não apenas de
hemorróidas). Este fato dificulta um estudo comparativo de
nossa casuística com a de outros autores, o que faz, em
parte, com que este enfoque dado ao trabalho seja
original, uma vez que ele se refere às várias técnicas
cirúrgicas empregadas na abordagem terapêutica de
estenoses exclusivamente decorrentes de hemorroidectomias.
Sexo: Incidência relativa de EAPHIC aos 2417 pacientes operados pelo autor: Observa-se na mesma tabela que a incidência de EAPHIC decorrente destas cirurgias foi mais elevada entre as mulheres operadas de hemorróidas (27 casos de EAPHIC em 1330 hemorroidectomias, ou seja, 2,0%) que entre os homens (17 casos de EAPHIC em 1087 hemorroidectomias, ou seja, 1,6%), para a média geral de 1,8% (Tabela-1). Não encontramos dados na literatura alusivos às incidências de estenoses pós-operatórias, relacionadas e corrigidas em relação ao número de homens e mulheres operados de hemorróidas.
Incidência absoluta de EAPHIC relacionados aos 44 casos do autor, aos 31 casos de operados por outros profissionais e à somatória de 75 pacientes: A incidência absoluta de EAPHIC de nossa casuística inclui 44 pacientes operados pelo autor, 27 (61,4%) eram do sexo feminino e 17 do sexo masculino (38,6%); dos 31 pacientes operados por outros profissionais 17 (54,8%) eram do sexo feminino e 14 do sexo masculino (45,2%); da somatória dos 75 pacientes, 44 (58,7%) eram do sexo feminino e 31 do sexo masculino (41,4%) (Tabela-2). Literalmente todos os autores afirmam ser a estenose anal pós-operatória mais comum entre as mulheres, chegando Reis Neto - Reis Neto et al. (1987) 25 - a relatar 81 casos (70,4%) de mulheres e apenas 34 casos (29,6%) de homens em uma casuística de 115 pacientes portadores de estenose anal de várias causas cirúrgicas.
Idade: A doença hemorroidária operada foi mais comum entre pacientes da terceira (502 casos ou 20,8%), quarta (688 casos ou 28,5%) e quinta décadas (543 casos ou 22,5%), que nas demais, respondendo a primeira década com 137 pacientes (5,6%), a sexta década com 274 pacientes, a sétima década com 110 pacientes (4,5%) e a oitava década com 11 pacientes (4,5%), sendo a média etária de 41,3 anos. A EAPHIC ocorreu em 75 pacientes (3,1%), mostrando a Tabela-3 as incidências por faixas etárias: segunda década, 2,9%; terceira década, 3,8%; quarta década, 3,8%; quinta década, 2,8%; sexta década, 2,2%; sétima década, 2,0%; oitava década, 1,8%; e nona década com 0%. A média etária de incidência de EAPHIC entre os 75 pacientes foi 37,3 anos. Em seus 115 pacientes portadores de estenoses anais de várias etiologias, Reis Neto - Reis Neto et al. (1987) 25 -afirma uma maior incidência entre30 e 49 anos, com o mais jovem contando 19 anos e o mais idoso contando 75 anos de idade. Nossos achados diferem dos de Reis Neto - Reis Neto et al. (1987) 25 - e de outros autores _ Freeman & Corman (1996) 10, Gonzalez et al. (1995) 13, Medeiros & Coy (1999) 17, Rasmujan et al. (1988) 23, Shouten et al. (1996) 29 - pois as incidências mais elevadas de nossos pacientes foram na terceira (21 a 30 anos) com 19 casos, 3,8%, e quarta décadas (31 a 40 anos) com 26 casos, 3,8%, totalizando 45 em um universo de 75, o que equivale a uma incidência absoluta de 60,0% de todos os casos de EAPHIC.
Sintomas desenvolvidos: Os 75 pacientes portadores de EAPHIC apresentaram três queixas comuns: afilamento de fezes, dificuldade para defecar, dor anal às evacuações, além do achado ao exame proctológico do estreitamento anal, na maioria dos casos impossibilitando o toque retal. Sintomas secundários e corolários, como sangramento nas fezes, cólicas abdominais, constipação intestinal, puxos, sensação de evacuação incompleta, mamilo anal sentinela ou mamilo de Brodie, pressão retal e medo do ato defecatório, uso de laxantes e enemas, constituíram sintomas apresentados aleatoriamente pela maioria dos pacientes. Estes achados qualitativos coincidem com os de outros autores 10, 13, 17, 23, 29 estudados, embora que também não eles caracterizem suas amostras quantitativamente.
Achados do exame proctológico: Como se pode ver na Tabela-4, o exame proctológico encontrou hipertonia anal em 21 pacientes (28,0%) que desenvolveram EAPHIC, dos quais 16 (21,3%) apresentavam fissura anal e apenas 5 (6,7%) não apresentavam a doença fissurária; enquanto isto 54 pacientes (72,0%) tinham estenose sem hipertonia anal, mas mesmo assim, 33 deles (44,0%) apresentavam fissura anal. Ao exame proctológico, ainda, no tocante à extensão do processo estenótico, foram os seguintes os achados (Tabela-4): a grande maioria das EAPHIC _ 54 casos, 72,0% era constituída de estenoses anulares, enquanto as estenoses tubulares, mais graves, responderam com 13 casos (17,3%), restando apenas 8 casos (10,7%) de estenoses semianulares. Não encontramos, na literatura pesquisada, referências quantitativas relacionadas ao exame proctológico.
Tempo decorrido entre a hemorroidectomia e o diagnóstico da EAPH: Vê-se na Tabela-5 que 12 pacientes (16,0%) tiveram o diagnóstico da EAPH feito antes de 10 dias após a hemorroidectomia; 33 pacientes (44,0%) entre 11 e 20 dias; 17 pacientes (22,7%) entre 21 e 30 dias; 4 pacientes (5,3%) com mais de 30 dias; sendo impossível determinar-se este período em 9 pacientes (12,0%). Nota-se, destarte, um intervalo muito curto entre a hemorroidectomia e o diagnóstico de estenose, o que permite a concepção que esta complicação é muito precoce, ocorrendo logo após a cirurgia causadora. Não encontramos, na literatura pesquisada, referências quantitativas relacionadas a este item.
Tempo decorrido entre a hemorroidectomia e a cirurgia corretiva para a EAPHIC: Vê-se na Tabela-6 que 22 pacientes (29,3%) tiveram a cirurgia corretiva da EAPHIC realizada antes de 1 mês após a hemorroidectomia; 23 pacientes (30,7%) entre 1 e 2 meses; 17 pacientes (22,7%) entre 2 e 3 meses; 13 pacientes (17,3%) com mais de 3 meses. A média de dias decorridos entre a hemorroidectomia e a cirurgia corretiva para a EAPHIC foi de 56 dias, com os extremos de 18 dias e 143 dias. Referência específica sobre este item somente vimos no trabalho de Reis Neto - Reis Neto et al. (1987) 25 -, que relata um período de 6 meses a 1 ano decorrido entre a primeira cirurgia anal e a cirurgia corretiva da estenose anal. Verifica-se, assim, que nossos dados discordam dos dados de Reis Neto - Reis Neto et al. (1987) 25 -.
Técnicas cirúrgicas empregadas
e resultados: Como mostra a Tabela-7, em 12 pacientes (16,0%) foi feita anotomia simples e
excisão de área de fibrose sem esfincterotomia; em 20
pacientes (26,7%), anotomia dupla e excisão de área de
fibrose sem esfincterotomia; em 8 pacientes (10,7%),
anotomia simples e excisão de área de fibrose
com esfincterotomia anal interna (e da porção
subcutânea do esfíncter externo); em 14 pacientes
(18,7%), anotomia dupla e excisão de área de fibrose
com esfincterotomia anal interna (e da porção
subcutânea do esfíncter externo); em 14 pacientes
(18,7%), anoplastia com retalho cutâneo em "V"; em 7
pacientes (9,2%), anoplastia com retalho cutâneo retangular;
e nenhum caso de anoplastia com retalho mucoso, ou abaixamento mucoso e anoplastia com duplo
retalho ou retalho misto ou retalhos cutâneo e
mucoso. Atentando-se para os resultados dos exames proctológicos caracterizando os tipos de
EAPHIC (Tabela-4) e das cirurgias executadas
(Tabela-7), verifica-se que todos os 13 pacientes
(17,3%) portadores de EAPHIC do tipo "tubular"
foram submetidos a anoplastia com retalhos em "V"
ou "retangular"; mas como estes retalhos
foram executados em 21 pacientes (27,9%), conclui-se
que mais 8 pacientes foram submetidos a anoplastia
com retalhos, certamente entre os 54 pacientes
portadores de EAPHIC do tipo "anular". Certamente nos
13 pacientes portadores de EAPHIC do tipo "tubular"
e em 8 dos 54 portadores de EAPHIC do tipo
"anular", submetidos a anoplastia com retalhos em "V"
(14 casos) e "retangular", foi constatado, durante
as cirurgias, que havia carência de anoderma, pois
a finalidade dos retalhos é suprir o canal anal do
tecido em falta. Não encontramos relatos na literatura
de experiências de autores com EAPHIC
independentemente das técnicas cirúrgicas
utilizadas. Encontramos relatos de uso de uma única
técnica, visando estenoses independentes das
etiologias, como as anoplastias com retalhos
cutâneos,como anoplastia com retalho cutâneo "em S"
(Ferguson, 1959 9), anoplastia com retalho cutâneo "de
Sarner" (Sarner, 1996 28), anoplastia com retalho cutâneo
"Y-V" (Ramanujan et al. , 1988) 23
e Gingold & Arvanitis, 1986
11), anoplastia com retalho
cutâneo em "C" (Oh & Zinberg, 1982
19), anoplastia com avanço de retalho cutâneo "de Rosen" (Rosen,
1988 25), anoplastia com retalho cutâneo
"caseiro" (Christensen et al., 1992
4 e Sentovich et al., 1989
29), anoplastia com retalho cutâneo em
"diamante" (Caplin & Kodner, 1986
3), anoplastia com retalho cutâneo "insular em U" (Pearl et al., 1990
21 e Pidala et al., 1994 22); as anoplastias com retalhos
mucosos (Khubchandani, 1985 14 ); e as anoplastias
com retalhos cutâneo-mucosos (Reis Neto et al. 1987
25, Tagliolatto, 1989 30 e Wee & Joseph, 1989
31); todos eles admitindo bons resultados com as técnicas
de preferência de cada um. Relatam tempo de cicatrização em um período de 4 a 6 semanas,
à exceção de (Reis Neto et al. 1987
25), que observou um tempo menor (média de 18 dias). Recidivas
são assinaladas em números muito baixos, como
Reis Neto et al. 1987 25, que informam uma única
recidiva (0,8%) com os retalhos trapezóide
cutâneo-mucoso em 115 pacientes portadores de estenose anal.
Os níveis de recidiva da estenose
anal relacionados às técnicas usadas foram de uma
recidiva (8,3%) com o uso da "anotomia simples e excisão
de área de fibrose sem esfincterotomia"; duas
recidivas (10,0%) com o uso da "anotomia dupla e excisão
de área de fibrose sem esfincterotomia"; e uma
recidiva (7,1%) com o uso da "anoplastia com retalho
cutâneo em "V"; com o percentual de recidiva de 5,3%
(4 pacientes em 75 operados). Da mesma forma
não encontramos referências, na literatura, de níveis
de recidivas em casuística não relacionada com
uma única técnica.
Conclusões
A observação de nossa casuística
(34.000 pacientes; 9.289 casos de hemorróidas; 2417 casos
de hemorroidectomia; 75 casos de EAPHIC (estenose
anal pós-hemorroidectomia de indicação cirúrgica),
dos quais 44 decorrentes da casuística)
permite-nos concluir que:
1. A incidência de doença hemorroidária
em consultório de Coloproctologia foi de
27,32% (9.289 pacientes), e a opção pelo
tratamento cirúrgico foi de 26,0% (2.417 pacientes),
mais comum entre mulheres (55,0%, 1.330 pacientes) que entre homens (45,0%, 1.087 pacientes),
sendo a média etária de 41,3 anos, tendo sido mais
comum em pacientes da terceira (502 casos ou
20,8%), quarta (688 casos ou 28,5%) e quinta décadas
(543 casos ou 22,5%).
2. A incidência de EAPHIC foi de 1,8%, tendo sido esta complicação mais comum entre as mulheres (2,0%) que entre os homens (1,6) e entre pacientes mais jovens, com média etária (37,3 anos) inferior à média etária por ocasião da hemorroidectomia (41,3 anos).
3. A EAPHIC foi mais comum em pacientes sem hipertonia anal (54 pacientes, 72,0%) e sem fissura anal (42 pacientes, 66,0%), sendo a forma anatômica de estenose anular a mais comum (54 pacientes, 72,0%).
4. O tempo decorrido entre a hemorroidectomia e o diagnóstico da EAPHIC foi inferior a um mês em 82,7% dos casos; e o tempo decorrido entre a hemorroidectomia e a cirurgia corretiva da estenose foi inferior a 3 meses em 82,7%.
5. A cirurgia corretiva mais usada foi a anotomia simples e dupla, com e sem esfincterotomia (54 casos, 72,1%), realizada em todos os casos de EAPHIC sem falta de anoderma, ou seja, em 8 casos de "semianulares" e em 46 de 54 casos de "anulares".
6. As cirurgias corretivas de EAPHIC com falta de anoderma usadas foram a anoplastia com retalho em "V" (14 casos, 18,7%) e a anoplastia com retalho "retangular" (7 casos, 9,2%), em 13 casos de EAPHIC "tubulares" e em 8 dos 54 casos de EAPHIC "anulares".
O índice de recidiva foi de 5,3% (3 casos), independente da técnica cirúrgica usada para correção (2 recidivas em 54 casos de anotomia e 1 recidiva em 21 casos de anoplastia com retalhos).
SUMMARY: The author had the opportunity to attend 34,000 patients being 9,289
cases of hemorrhoids, having 2,417 of them undergone hemorrhoidectomy, having 44
patients developed anal stenosis as an important complication due to the surgery.
The author added 31 more cases of patients operated on by other surgeons totaling
75 cases of anal stenosis.
The main purpose of this study was to collect data concerning
75 patients who underwent surgical treatment for anal stenosis as far as gender,
age, symptoms, proctologic examination, elapsing time between hemorroidectomy and
diagnosis of stenosis and the corrective surgery for anal stenosis, surgical techniques
carried out and results of the surgical treatment.
26.0% of the patients underwent surgical treatment for
their hemorrhoids, mainly women (55.0%), being 41.3 years the mean age. The incidence
of post hemorrhoidectomy anal stenosis requiring surgical approach was 1.8%, more
common among women (2.0%) than men (1.6%) and the mean age was 37.3 years. Absence
of hypertonic anal sphincter was found in proctologic examination in most of the
patients (72.0%) and anal fissure was present only in 66.0% of the patients. The
most used surgical procedure for anal stenosis was anotomy with and without sphincterotomy,
being 5.3% the recurrence rate despite the surgical technique carried out.
All data and results were analyzed and comparison with
reports of several authors in the world literature was discussed.
Key words: anal stenosis, hemorrhoidectomy, anal complications
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Endereço para correspondência:
Geraldo Magela Gomes da Cruz
Rua Rio de Janeiro, 2017 ap 1401
Lourdes
30160-042 - Belo Horizonte - MG
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia da Santa Casa de Belo Horizonte e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.