ATUALIZAÇÃO


NIFEDIPINA TÓPICA VS. GLICERIL TRINITRATO TÓPICO NO TRATAMENTO DA FISSURA ANAL CRÔNICA

fRANCISCO lopes paulo- TSBCP


Erzi T, Susmallian S. Topical Nifedipine vs. Topical Glyceryl Trinitrate for Treatment of Chronic Anal Fissure. Dis Colon Rectum 2003; 46: 805-808.

Lopes Paulo F. Atualização. Nifedipina Tópica vs. Giceril-Trinitrato Tópico no Tratamento da Fissura Anal Crônica. Rev bras Coloproct, 2004; 24(1):68-69


ABSTRATO
A fissura anal crônica é uma patologia orificial comum, associada a hipertonia do esfíncter interno do ânus1. O princípio de seu tratamento consiste em diminuir o tônus esfincteriano, seja por dilatação anal ou por secção da porção inferior do esfíncter interno2. Recentemente têm sido propostas "esfincterotomias" químicas, através de drogas que diminuem o tônus desse esfíncter, sendo a mais conhecida delas o gliceril trinitrato. Este estudo foi realizado para verificar a eficácia da nifedipina, uma droga bloqueadora dos canais de cálcio das células musculares lisas, no tratamento da fissura anal crônica, assim como comparar seus resultados com os do gliceril trinitrato, que já vem sendo utilizado com essa finalidade há algum tempo3.

Pacientes e métodos
Foi realizado um estudo prospectivo duplo cego em 52 pacientes portadores de fissura anal crônica. Aqui foi definida como fissura anal crônica, aquela que apresentasse fibras do esfíncter interno visíveis em sua base ou plicoma sentinela, com evolução mínima de quatro semanas, com o paciente referindo dor anal espontânea, com piora durante e após as evacuações.
    Os pacientes foram aleatoriamente alocados em dois grupos, para receber tratamento tópico com pomada de gliceril trinitrato a 0,2 % ou gel de nifedipina a 0,2 %, aplicados quatro vezes ao dia, até a cicatrização da fissura ou até o término do período de tratamento, que poderia se estender por no máximo até 24 semanas. Foram comparados a idade, sexo, tipo e duração dos sintomas nos dois grupos, intensidade da dor, assim como os resultados do tratamento.

Resultados
Não foi observada diferença significativa na distribuição por idade e sexo, nos sintomas relacionados à fissura e na duração do tratamento, quando comparados os dois grupos. O grupo tratado com nifedipina apresentou maior índice de cicatrização (89 %) quando comparado ao grupo tratado com gliceril trinitrato (58 %) (p < 0,04). Os efeitos colaterais do tratamento, principalmente cefaléia e rubor cutâneo, foram mais freqüentes com gliceril trinitrato (40 %) quando comparados com o grupo tratado com nifedipina (5 %) (p < 0,01). Os índices de dor foram significativamente menores nos dois grupos ao final do tratamento (p< 0,03), porém não diferiam significativamente entre os grupos. A taxa de recidiva foi de 31 % no grupo tratado com gliceril trinitrato e 42 % no grupo tratado com nifedipina, num período de 12 a 18 semanas após terminado o tratamento. Dentre os pacientes cujo tratamento não obteve sucesso ou apresentaram recidiva, três foram tratados por injeção de toxina botulínica no grupo gliceril trinitrato e quatro receberam o mesmo tratamento no grupo nifedipina. Quatro pacientes em cada grupo foram operados após o insucesso do tratamento tópico. Todos os pacientes tratados com toxina botulínica ou cirurgia apresentaram cicatrização completa da fissura. Quatro pacientes do grupo gliceril trinitrato e três do grupo nifedipina foram submetidos a novo tratamento com as mesmas substâncias iniciais, sendo que dois em cada grupo apresentaram cicatrização completa da fissura.

Conclusões
Esse estudo conclui que o uso da nifedipina tópica no tratamento da fissura anal crônica é mais eficaz do que o gliceril trinitrato tópico, apresentando também menor incidência de efeitos colaterais. Conclui ainda que a taxa de recidiva é alta com ambas as medicações.

Comentários
Esse estudo revelou mais uma vez a inconsistência dos resultados da chamada "esfincterotomia química". No entanto mostrou resultados interessantes sobre o uso da nifedipina tópica. São dignos de nota o alto índice de cicatrização (89 %), podendo inclusive ser mais alto, conforme evidenciado em outros estudos, e o baixo índice de efeitos colaterais (5 %). Apesar de uma alta taxa de recidiva (42 %), um número significativo de pacientes (58 %) pode evitar a cirurgia, considerada como tratamento padrão da fissura anal crônica4. É possível que a utilização de outros critérios de seleção de pacientes aumente a eficácia e durabilidade desses resultados. Finalmente faltou a esse estudo a comparação com o tratamento clínico convencional, com amolecedores fecais e pomadas anestésicas, que tem sido usado amplamente como tratamento inicial dessa patologia, com índices de cicatrização em torno de 50%5. Seriam os resultados desse estudo significativamente superiores aos do tratamento clínico convencional ?

Bibliografia Recomendada
1. Watson SJ, Kamm MA, Nicholis RJ, Phillips RK. Topical glyceryl trinitrate in the treatment of chronic anal fissure. Br J Surg 1996;83:771-5.
2. Khubchandani IT, Reed JF. Sequelae of internai sphincterotomy for chronic fissure in ano. Br J Surg 1989;76: 431-4.
3. Wasvary HJ, Hain J, Mosed-Vogel M, Bendick P, Barkel DC, Klein SN. Randomized, prospective, double-blind, placebo-controled trial of effect of nitroglycerin ointment on pain after hemorrhoidectomy. Dis Colon Rectum 2001;44:1069-73.
4. Lewis TH, Corman ML, Prager ED, Robertson WG. Long-term results of open and closed sphincterotomy for anal fissure. Dis Colon Rectum 1988; 31: 368-71.
5. Lock MR, Thomson JPS. Fissure-in-ano: the initial management and prognosis. Br J Surg 1977; 64: 355-8