OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Resumo: A Ciência evolui rapidamente _ a Medicina, de forma idêntica, absorve o crescimento científico num evidente esforço de não macular os próprios da ciência pura com os impróprios do consumismo da saúde onde perfilam interesses alheios. Nesse contexto, o rigoroso exercício de vigilância sobre a produção científica põe em evidência tanto os aspectos positivos e não contestáveis dos resultados, como aqueles que se tornam em fontes geradoras de discussões e controvertidas opiniões. Nesses casos, a discussão e a controvérsia têm perfis saudáveis pelos quais se estabelecerão os paradigmas orientadores das soluções dos problemas suscitados. Nesse artigo objetivamos rediscutir três tópicos que despertam interesses gerando opiniões diversas. O primeiro tópico diz respeito ao uso das técnicas vídeo-laparoscópicas para o tratamento do câncer colorretal; o segundo versa sobre a conveniência ou não do preparo intestinal mecânico para as operações cirúrgicas no intestino grosso e o terceiro, sobre o conjunto de procedimentos ligados à arte de operar o megacólon chagásico. O aspecto controverso destacável do primeiro é o "espalhamento" de metástases; do segundo é a suposta proteção conferida pelo preparo intestinal mecânico contra as complicações inerentes às intervenções cirúrgicas no intestino grosso e do terceiro, é a insistente idéia de que o tratamento cirúrgico do megacólon está bem definido, mesmo que orientado para técnicas que foram desenvolvidas para contemplar aspectos fisiopatológicos da doença de Hirschsprüng ou independente do caráter mutilante de algumas delas.
Unitermos: vídeolaparoscopia, câncer, intestino grosso, preparo intestinal mecânico, megacólon chagásico, técnica cirúrgica.
Acho que todos estaríamos satisfeitos e
os assuntos, de um modo geral, não seriam
retomados, não fora o espírito inquiridor de cada um. Por esta
razão, entre outras, estamos voltando com os temas
"câncer do intestino grosso
1,2", "megacólon
chagásico3" e "preparo mecânico do intestino grosso".
4,5
Divulgados, para acesso irrestrito pela
Internet 6, os temas tornaram-se alvos de várias questões
que, aliados ao que foi escrito na seção de "Cartas ao
Editor" da revista "Diseases of the Colon & Rectum",
sob o título "Surgical treatment of chagasic
megacolon: Duhamel-Haddad procedure is also a good option,"
de Teixeira 7; ao trabalho de Netinho e
col.8, discutido nessa carta, e por causa de alguns tópicos
discutidos nos últimos Congressos Brasileiros de
Coloproctologia, ensejaram-me a oportunidade para retomar os assuntos.
Método cirúrgico vídeo-laparoscópico e
o câncer colorretal.
Nos temas "câncer do intestino grosso
1,2" não se fez menção sobre as operações
vídeo-laparoscópicas. A omissão foi oportuna porque naquela época,
embora já houvesse firmes decisões em relação ao futuro
do método vídeo-laparoscópico para táticas e
técnicas operatórias, no que se referia ao câncer colorretal
havia críticas e dúvidas que deixavam pouco clara a
definição do método e do seu papel quando usado para a
doença maligna, principalmente para as lesões
potencialmente curáveis.
O ponto da discórdia estava atrelado aos conceitos e aspectos oncológicos dos
procedimentos cirúrgicos, alguns por si só discutíveis do ponto de
vista científico 9, mas de tal modo incômodo que
houve sugestão para que comitês éticos se
manifestassem contra a introdução da operação laparoscópica para
o tratamento de doenças malignas. 9
Os tópicos relevantes do "padrão de
operação oncológica" para o câncer do intestino
grosso destacados eram:
a. dissecção criteriosa e alargada com a
ressecção em bloco do tumor;
b. cuidados que impedissem a soltura de
células neoplásicas;
c. a não manipulação da massa tumoral;
d. ligadura primária, na origem, dos vasos
que irrigam e drenam a área do tumor;
e. escolha do segmento a ser extirpado, com margens periféricas suficientes para a
ampla possibilidade de retirada da drenagem linfática
e dos nódulos regionais.
Não há dúvida que, nos moldes como
era praticada e nos atuais, a operação por via
laparoscópica podia e pode contemplar todas essas
questões, principalmente quando o aparelho é manipulado
por um proctologista, com experiência em
operações coloproctológicas e experimentado em operações
por meio do vídeo; entretanto havia a "impressão" de
que a qualidade dos gases usados e o
pneumoperitônio provocado para a operação facilitariam o implante
peritoneal de células malignas. Além disso, havia
a assinalada desvantagem do aparecimento de tumor
nos orifícios dos trocartes, por mecanismos diversos.
Os relatos iniciais apontavam para
incidência significativa de câncer na ferida operatória,
variando de 1,5 a 21% por causas consideradas multifatoriais
10-12. O implante direto poderia, também, estar
relacionado à técnica cirúrgica
13 e, se assim o fosse, essa complicação deveria diminuir na dependência
da aquisição de maior habilidade e desenvoltura
técnica pelos operadores. 14
Contudo, ficou mais ou menos estabelecido que o método laparoscópico ficaria reservado para
os casos de doenças malignas nas situações em que
o procedimento fosse, apenas, paliativo e, nessa condição, ele deveria ser reservado apenas para
os tumores em estágios mais avançados, qualquer
que fosse a etiologia e o sítio da
neoplasia.12,15-17
Esse aspecto de limitação que fazia
realçar apenas o valor cosmético da operação
recebeu insistente atenção até meados de
200116,18 com estudos que buscavam explicação para as
metástases peritoneais ou portais, vinculando-as à adesão
celular 19 para a qual a pressão era o fator mecânico
importante 17,19; aos aspectos biológicos ligados à natureza do
tumor 12,17 ou aos controvertidos efeitos da pressão e
do CO2, ora incriminando-o,
20 ora inocentando-o. 21
Na mesma época, surgiram, também, observações que davam uma diferente definição
ao método laparoscópico em termos de
exeqüibilidade, custo e efetividade, morbi-mortalidade, recidiva
local;14,22-34 que impunham inovações de apuros
técnicos, objetivando melhores resultados funcionais
e operacionais 35-38 e, sobretudo, que abordavam a
cura da doença maligna, apesar das precauções
expressas por alguns autores,39 mas todos esses
estudos favoreciam e liberavam o método videolaparoscópico.
Como todos os métodos novos, a vídeolaparoscopia operatória teve, numa breve fase
do curso inicial de sua história, os adeptos fervorosos,
os "meio termos" e os contrários contumazes,
todos cumprindo papel importante que favoreceu, é
óbvio, seu desenvolvimento.
Inicialmente usada, no campo da Cirurgia Geral, para as colecistectomias benignas, numa
fase inicial de "aprendizado", e, mais tarde a elas
limitadas, por causa da associação às referidas
metástases,12 ganhou vulto rápido e rapidamente foi
aprimorada, apesar de obstáculos exclusivamente presos
às preocupações de "mercado de trabalho", que logo
teve precisa definição.
Seu desenvolvimento e o "veio para
ficar" abriram caminho para as operações
intra-abdominais de grande porte e de apurado refinamento
técnico,40 inclusive aquelas de ressecções colorretais amplas
com abaixamento colo-anal, principalmente facilitadas
pela introdução dos artifícios dos auxílios manuais e
dos grampeadores. 27,29,31,34,38,41 Além disso,
outros implementos mecânicos decorrentes de avanços
nas técnicas de construção de aparelhos para uso
médico foram sendo acrescentados ao cada vez maior
senso de criatividade e adquirida habilidade dos
cirurgiões para a grande satisfação dos operados, não só no
que diz respeito aos aspectos cosméticos, mas muito
mais às menores interferências com as reações orgânicas
e metabólicas observáveis e decorrentes do
estresse causado pelo trauma dessa modalidade cirúrgica,
aos menores índices de complicações
pós-operatórias,26,28 e mais recentemente ao custo barateado
do procedimento,42 ainda que continue sendo
aconselhado como método operatório mais apropriado para
as afecções benignas.33
Poulin e col.26, em 1999, num estudo prospectivo insistiram com igualdade de
resultados favoráveis, comparando o ato operatório
pela vídeolaparoscopia e pela laparotomia para o
tratamento do câncer colorretal, em pacientes acompanhados
por dois anos. Voltaram ao assunto, em 2002, para
discutir a recorrência local de câncer do reto tratado por
via laparoscópica, com excisão total do mesorreto,
e concluíram pela igualdade de resultados
quando compararam dados coletados na literatura a
respeito de mesmo procedimento feito por laparotomia.
Chung e col.33, num trabalho recente
de revisão, abordaram vários tópicos de interesse sobre
a operação laparoscópica para doenças colorretais,
tais como: benefícios, complicações e limitações de
método _ problemas específicos, contra-indicação,
conversão, duração e custo do ato _ aplicação em doenças
benignas - doença diverticular, doenças intestinais
inflamatórias, enteropexias, reconstrução e derivação do
transito intestinal - e, finalmente, dedicaram especial
atenção ao método, no tratamento do câncer colorretal.
Todos os primeiros itens destacados, a despeito das opiniões divergentes sob vários aspectos
(tempo operatório, complicações imediatas, conversões,
custo, etc) observadas em diferentes publicações,
deixaram os autores seguros para conclusão transparente de
um estável equilíbrio do método, para o qual a
referência foi o procedimento
convencional.33
No tocante ao câncer, sem serem
contundentes e polêmicos como Köhler e
col.9 quando saíram em defesa da vídeolaparoscopia para tumores
malignos potencialmente curáveis, Chung e
col.33, com muito mais cuidado, na última conclusão deixaram clara
a exeqüibilidade do método videolaparoscópico
no tratamento do câncer, assim porque foi possível
operar com segurança, foi possível cumprir os ditames
para uma operação oncologicamente aceita e os
resultados imediatos e os observados em longo prazo foram
todos favoráveis, mostrando que os desacertos iniciais
foram fruto da inexperiência.
De qualquer maneira, não se pode destacar
um grupo, mesmo entre os contras, que, habilitado,
não esteja usando a vídeolaparoscopia para executar
o tratamento do câncer colorretal
11,26,43-50; por outro lado não foi, também, possível encontrar, apesar
dos conselhos em relação a esse tópico, qualquer dado
que o desfavoreça.
Chung e col.33 assinalaram para esse
aspecto; sobretudo comentaram o significativo decréscimo
na incidência de tumor nos orifícios dos trocartes com
a evolução na curva de aprendizado dos
operadores. Numa série compilada de 13 diferentes autores,
num total de 2649 pacientes operados, entre 1996 e 2000
- num mínimo de 83 e máximo de 480, por autor _
a percentagem máxima de metástase portal referida
foi de 1,3% e a média ficou em 0,6%, portanto igual a
que se observa pela via laparotômica.11,51
Com esses problemas aparentemente sanados, as inquietudes em relação ao método
devem desaparecer e, assim, esse procedimento ganha
maior desenvoltura para a satisfação dos que operam e o
maior agrado dos que são operados, o que de fato já
vem observado e ocorrendo 52-54.
Preparo Mecânico do Intestino Grosso para Operações Colorretais
O preparo mecânico do intestino grosso
é imprescindível para procedimentos
endoscópicos, sejam eles para fins diagnósticos ou
terapêuticos, situações em que a limpeza tem que ser suficiente
para a completa remoção dos resíduos fecais e,
de preferência, que no momento do exame não
haja coleção líquida no interior do segmento a
ser examinado. O preparo mecânico do intestino grosso
é importante para a melhor qualidade dos
exames abdominais contrastados (urografia
excretora, tomografia abdominal, na fase do contraste,
clister opaco, ultrassonografia, etc).
Por outro lado, para o cirurgião geral
do passado, principalmente antes dos anos 40, o
preparo mecânico, visando a completa evacuação das
fezes, tinha com primordial objetivo a proteção do
paciente contra o escape do conteúdo, cujo peso seco
representa um apreciável contingente de bactérias da flora
fecal, todas elas capazes de, desenvolvendo no meio
interno, contribuir para a morte do paciente operado.
A infecção cirúrgica, entre outros
problemas vigentes na época, era entrave, de difícil
transposição, para o desenvolvimento da Cirurgia. Não havia
os antibióticos _ a taxa de infecção da ferida era algo
que podia chegar próximo de 50% (média de 30%),
mas, ainda que não houvesse suporte tecnológico,
mudanças simples eram capazes de modificar esse
percentual. Brewer55, no final do século XVII, mostrou que
a incidência da infecção cirúrgica, ao redor de
39%, poderia ser baixada para 9%, depois para 3%,
com modificações exclusivamente endereçadas para
a técnica operatória.55 Assim, não deixa de ficar
claro que há fatores contribuintes que retirados
ou modificados dão resultados surpreendentes, tanto
como por ação médica como por mudanças estranhas
à interferência do médico.
Ilustra esse fato, a curva de evolução
da tuberculose, em épocas diferentes. Na primeira
década de 1800 a taxa de mortalidade, em Nova Iorque, era
de 700 pessoas para cada 100.000 habitantes. Oitenta
anos mais tarde, caiu para 370 e, nessa época, o bacilo
ainda não tinha sido descoberto. Ainda que ocupando
um lugar de destaque como causa de morte (2º. lugar),
em 1904, ocasião da abertura do primeiro sanatório
para tratamento de tuberculosos, a taxa de óbito havia
caído para 180/100.000. Na década de 40, do século
passado _ muitos de nós ainda não haviam nascido - quando
o mundo vivia a II Grande Guerra e os antibióticos
ainda não eram comercializados - a tuberculose (11º.
no "ranking") era responsável por 48 óbitos por
100.000 pessoas.56 Outras doenças infecto-contagiosas
tiveram perfis semelhantes, antes do advento de
tratamentos específicos ou das vacinas.
Nos artigos a que me referi, no inicio, sobre o preparo mecânico
4,5, fizemos breve relato
histórico sobre a incidência de infecção pós-operatória,
inclusive anotando os aspectos socioeconômico e
pessoais decorrentes. Naquela ocasião fizemos menção,
de passagem, à limpeza mecânica do intestino
grosso, como procedimento inoportuno e execução
médica rotineira, até então, cientificamente
insustentável. Nosso raciocino estava alicerçado nos
antecedentes históricos, não analisados nem criticados, que
deram suporte à evacuação dos intestinos como
ato imprescindível para o combate da infecção
pós-operatória, em se tratando de operações
coloproctológicas. Não deixamos claro, no entanto, que
alguns trabalhos somente deveriam ser destacados
como referência para os nossos conhecimentos por
motivos históricos. Para isso há várias razões, a começar
pelo desconhecimento, na época, da dinâmica da
infecção hospitalar, pelo que não se sabia a respeito do
momento em que os antibióticos com fins profiláticos
deveriam ser iniciados 57-60 ou qual a melhor via de
administração a ser usada; os anaeróbios, conhecidos há muitos
anos, não eram isolados como participantes importantes
e, sobretudo, porque não havia, nos arsenais
terapêuticos, antibióticos com eficácia necessária para a
profilaxia da infecção cirúrgica decorrente das
operações coloproctológicas.
Sobre as distorções próprias daquele
momento foram construídos os suportes para a continuidade
do uso do preparo intestinal mecânico.
No inicio da década de 70, quando o padrão
de cuidado pré-operatório para intervenções cirúrgicas
no intestino grosso ainda incluía a associação
de ftalilsulfatiazol e neomicina, dados por via oral,
Hughes61 demonstrava que o preparo mecânico era ineficiente
e dispensável, fato atestado também por Raahave e
col.62. Em 1972, Nichols e
col.63 afirmavam que: "com o objetivo de reduzir a incidência de infecção,
uma variedade de agentes antimicrobianos tem sido administrada antes da cirurgia. Numerosos
estudos clínicos, advogando a limpeza mecânica,
empregada isoladamente ou em combinação com antibióticos,
têm sido publicados nas últimas três décadas, mas
os resultados não são conclusivos porque esses
estudos, na sua maioria, foram retrospectivos. A
completa esterilização do cólon com os antibióticos atuais é
um objetivo impossível. O objetivo real do uso
profilático de drogas é a redução transitória da flora intestinal
até baixas concentrações, de tal modo que, se
a contaminação intraperitoneal ou de outro tecido
ocorrer durante a cirurgia, o pequeno inóculo poderá ser
menos freqüentemente causador de infecção
séria".63
Esses autores sustentaram suas
observações com expressivos resultados, usando esquema
de preparo com a combinação eritromicina e
neomicina, empregada no pré-operatório, após rigoroso método
de limpeza mecânica dos cólons. Seus resultados
eram decorrentes de estudos retrospectivos que tinham,
como destaque, a incidência nula de infecção entre
os pacientes tratados, acrescida da grande vantagem
do regime de preparo ser de curta
duração.64
Em nenhum momento fomos capazes, embora tivéssemos citado dados de resultados de
trabalhos científicos, de afirmar, com destaque, o benefício
do procedimento, a começar dos preparos que
duravam intermináveis 5 dias em que doses altas de
antibióticos não absorvíveis eram acrescentados para ingestão
"per os", até aos mais simples, como a profilaxia
proposta por Nichols e col. 63,64, onde a eritromicina e a
neomicina e, depois, eritromicina e uma cefalosporina de
primeira geração (cefalotina), eram usadas por via oral, em
3 doses consecutivas a cada uma hora a partir das
13 horas, associadas a uma limpeza mecânica
rigorosa, seja por via oral ou por sonda nasogástrica, num
volume não menor que 7 litros, podendo, as vezes, ser de
12 litros, com duração de 3 horas
65 ou ingeridos em volumes pequenos (l litro, em meia hora) para a
catarse osmótica, como o manitol, dados na véspera
da intervenção cirúrgica.
66-69
Há numerosas desvantagens para qualquer
que seja um dos métodos citados, associados ou não
à administração via oral do antibiótico, mas
nenhuma vantagem, exceto para o fator estético, citado por
Hares e col.70, isso porque os outros aspectos destacados
pelos autores, como vantagens, carecem de
comprovação cientifica e, mais, nenhum tipo de preparo se
enquadra no que definem como o preparo ideal, isto é, "o
método ideal de preparo mecânico deveria
esvaziar completamente o intestino grosso sem estresse para
o paciente. Deveria ser barato, usar o mínimo de
tempo da enfermeira, não provocar distúrbios
hidreletrolíticos. O ideal seria que a concentração de bactérias
cólicas fosse de tal forma reduzida que dispensasse a
profilaxia antimicrobiana sistêmica, assim evitando
o desenvolvimento de bactérias resistentes ou o risco
de superinfecção resultando em colites associadas
aos antibióticos. Infelizmente, esse método ideal
não existe", concluem os autores.
70
O preparo mecânico é incomodo para
o paciente, estressante, produtor de gases,
potencialmente perigoso; está associado a dor abdominal,
náusea, vômitos, confusão, medo e fadiga.
71,72 Além disso, o preparo mecânico, em algumas circunstâncias
pode estimular o crescimento bacteriano; pode aumentar
a translação bacteriana que seria responsável
pelas complicações sépticas vistas no pós-operatório
das operações colorretais
73,74, mas a maior translação
não foi observada entre animais preparados e
não preparados no estudo feito por Valarini e
col.75, estudo em que o controle programado recebeu
tratamento completamente diferente dos grupos
experimentais. Ainda como desvantagem, tem sido observado,
em experimentos com animais, efeito deletério do
preparo mecânico na cicatrização das
anastomoses.76-78
Afora tudo isso, em determinadas circunstâncias, o preparo não mais faz do
que transformar as fezes sólidas em fezes líquidas, de
fácil escape durante a execução da anastomose
79,80 ou por entre os pontos, dependendo do tipo de sutura ou
de defeito em sua execução, além de, sabidamente,
não alterar o potencial infectante do conteúdo do
cólon, por causa da persistência da microflora associada
à mucosa. 81,82
Por outro lado, as queixas subjetivas relatadas pelos pacientes persistem mesmo quando se busca
por regime de limpeza mais simples. Oliveira e
col.83 destacam esses fatos num estudo prospectivo,
com amostragem casual, envolvendo 200 pacientes sorteados para dois tipos diferentes de
preparo intestinal mecânico, mostrando que o grupo
de pacientes que ingeriu a solução de fosfato de
sódio tolerou mais o preparo do que o grupo que ingeriu
o polietileno glicol. Mesmo assim 17% dos pacientes
do primeiro e 22% do segundo referiram dificuldades
para a ingestão dos preparados; 12% e 22%, respectivamente, queixaram de dor abdominal.
Fadiga (8 e 17%) e empachamento (7% e 28%) foram as
outras queixas. Além disso, 35% dos pacientes que usaram
o fosfato de sódio não gostariam de repetir a
experiência; resposta semelhante foi dada por 75% dos
pacientes que se submeteram ao polietileno glicol.
Há enorme diferença de aceitação quando
os dois grupos são comparados entre si, mas 35% dos
que repudiaram o "remédio" dentro do grupo de
maior aceitação, a meu ver, tem expressão
significativa. Contudo, em outros estudos essas diferenças
entre grupos não foram relevantes e os resultados do
preparo foram considerados bons pelos
autores.84-86
Outra complicação operatória de
significado mais grave do que a infecção superficial e que
tem sido chamada para incriminar ou justificar o
preparo intestinal é a deiscência de anastomose. Quando se
fala nesse tipo de complicação, um dos artigos citado
e reverenciado é o de Irving
col.87. Trata-se de um estudo retrospectivo, desenvolvido no final de década de
60, do século passado, cujo valor talvez se deva muito
mais pela grandiosidade dos autores que o subscrevem
do que pela qualidade científica do trabalho.
Estudos atuais, implicando deiscência de anastomose em modelos prospectivos com
amostragem casual de pacientes alocados em grupo que recebe
o preparo mecânico e em grupo em que os pacientes
são operados sem o preparo, não tem sido possível
obter resultados que corroborem as afirmações de que
as fezes no interior dos cólons sejam fator de risco para
a cicatrização da anastomose ou que na vigência
da deiscência as conseqüências sejam de maior
gravidade para o paciente que não recebeu o preparo
mecânico.85 Todavia, o contrário foi observado por
nós.89,90
Os números atuais referentes a estudos
sobre o efeito da omissão do preparo intestinal mecânico
nos resultados das operações colorretais, coletados
da literatura e expostos nas Tabelas-1, 2 e 3, são de
vários autores.79,88,89,81-98
Tabela 1 - Dados compilados da literatura reunindo grupos de pacientes sem preparo mecânico e as
complicações relatadas.
Autores | Pacientes | Infecção | Deiscência | Óbitos | Revistas |
Irving AD79 | 72 | 6(8,2%) | 0 | 0 | Br J Surg,1987:74:580 |
Duthie GS, et al.91 | 100 | 7(7%) | 1(1%) | 0 | J R Coll Surg1990;35:169 |
Brownson*et al92 | 93 | 9(10%) | 1 (1,5%) | 0 | Br J Surg 1992;79:461 |
Burke*et al93 | 87 | 3(3,5%) | 4(4,6%) | 0 | Br J Surg,1994;81:907 |
Santos*et al89 | 77 | 9(12%) | 4(5%) | 0 | Br J Surg 1994;81:1673 |
Fillmann*, et al94 | 30 | 3(10%) | 1(%) | 0 | Rev Bras Coloproct 1995;15:70 |
Memon MA,et al95 | 75 | 10(13%) | 2(2,7%) | 0 | Int J Colorect Dis1997;12:298 |
Naraynsingh et al96 | 58 | 7(12%) | 1(1,7%) | 0 | Br J Surg 1999;86:1341 |
Miettinen* et al97 | 129 | 7(3,3%) | 3(2%) | 0 | Dis Colon Rectum 2000;43:669 |
van Geldere et al88 | 243 | 8(3%) | 3(1%) | 0 | J Am Coll Surg 2002;194:40 |
Zamora*et al98 | 193 | 13(6,7%) | 4(2%) | 0 | Ann Surg 2003;237:363 |
Santos99 | 372 | 21(5,6%) | 20(5,6%) | 2(0.5%) | 52º.Cong Bras Coloproct, 2003 |
Total | 1529 | 102(6,7%) | 46(3%) | 2(0,1%) |
Tabela 2 - Complicações em operações eletivas do intestino grosso com e sem o preparo mecânico reunindo dados de estudos casualizados e de estudos prospectivos.
Complicações | Com preparo | Sem preparo | c2 |
n = 656 | n = 1529 | ||
Infecção | 64(10%) | 102(6%) | 5,79 p = 0,016 |
Deiscência | 39(5,7%) | 46(3%) | 9,8 p<0.005 |
Óbito | 4(0,3%) | 2(0,13%) | Fischer - ns |
Total | 107(16%) | 150(9,3%) | 18,07 p < 0,000 |
Tabela 3 - Resultados de complicações em estudos prospectivos casualizados comparando grupos de pacientes operados com preparo mecânico do intestino grosso (CP) e sem o preparo (SP).
Infecção | Deiscência | Óbito |
c2 |
||||
Autores | CP | SP | CP | SP | CP | SP | |
Brownson 92 | 86(13) | 93(9) | 86(8)* | 93(1)* | 86(0) | 93(0) | p<0,05 |
Burke93 | 82(4) | 87(3) | 82(3) | 87(4) | 82(2) | 87(0) | ns |
Santos89 | 72(17)* | 77(9)* | 72(7) | 77(4) | 72(0) | 77(0) | p<0,05 |
Fillmann94 | 30(1) | 30(3) | 30(2) | 30(1) | 30(0) | 30(0) | ns |
Memon95 | 61(7) | 75(10) | 61(6) | 75(2) | 61(2) | 75(0) | ns |
Miettinen97 | 138(8) | 129(8) | 138(6) | 129(3) | 138(0) | 129(0) | ns |
Zamora98 | 187(14) | 193(13) | 187(7) | 193(4) | 187)(0) | 193(0) | ns |
Total | 656(64) | 684(54) | 656(39)* | 684(19)* | 656(4) | 684(0) | p<0,005 |
Os números entre parênteses representam a quantidade de pacientes com a complicação.O sinal * assinala onde houve diferença significativa. Os 4 óbitos anotados ocorreram como conseqüência da deiscência de anastomose e sepse, subseqüente. |
A maioria é de trabalhos prospectivos
que obedecem a uma metodologia em que os grupos _ preparados e não preparados _ foram
formados casualmente. Os resultados extraídos
exclusivamente dos grupos sem o preparo mecânico não diferem
dos oriundos de estudos nos quais os objetivos
foram analisar os mesmos tipos de complicações em
pacientes operados com preparo intestinal prévio.
Na Tabela-2, dos mesmos autores, estão
juntos os grupos com preparo e sem preparo, com as respectivas complicações. Pode-se observar
que, comparados entre si, há elementos favoráveis ao
grupo sem preparo.
A Tabela-3 reúne resultados somente dos estudos casualizados.
No conjunto desses dados não se pode
falar em igualdade nem em diferenças, isto é, o
preparo intestinal mecânico não confere proteção contra
as complicações pós-operatórias assinaladas,
mas, também não é provocador _ suposição imposta
pelos números. Aqui essa observação decorre da
matemática aplicada à biologia que nos dá a razão e o
entendimento para assumir que 4% não é diferente de 7%, pois
os valores são colocados em nível de
significância. Mesmo assumindo que o conjunto 9 em 100 não
é diferente de 5 em 100, em termos de ruindade são 4
a mais.
Esses números não diferentes em
termos matemáticos; mas também não são válidos para
os argumentos práticos. Isto é, na escolha entre
dois caminhos, prefiro o que mata 5 em 100 ao que mata
9 em 100 _ no caso, a diferença está em 4 vivos e
a igualdade fica no teste matemático aplicado. Por
isso persiste a questão: "Para que benefício o
preparo intestinal mecânico tem sido usado?"
Não há intenção de buscar aderências
ao método, embora o considere como um avanço
na prática cirúrgica, principalmente pelo fato de
nos estimular às reconsiderações sobre muito do
que herdamos sem questionar e que norteiam nossas condutas. O que pretendemos é realçar outros
fatores que, escondidos sob as concepções que valorizam
o preparo mecânico, têm as mais
relevantes participações nas etiologias das infecções
e deiscências das anastomoses em
operações colorretais. Por outro lado, não há claras
evidências na literatura médica hodierna que suportem o uso
do preparo mecânico como pode ser observado
em estudos efetuados por meio de revisões
sistemáticas e metanálises
100-102, bem como nos números
que destacamos e com os quais procuramos dar ênfase
às desvantagens do preparo, principalmente aos
maiores riscos inerentes à transformação do bolo fecal
em conteúdo líquido de grave potencial contaminante
e de fácil escape.
Não há resposta para a questão que,
todavia, persiste tal qual todos os questionamentos que
nos prendem aos vícios e aos mitos, ora para testarem,
de fato, o "novo" e nos proteger de uma
inconveniente aceitação prematura, ora para impedir o
precoce abandono do "velho".
O certo e o errado _ discernir entre eles
sempre foi o maior dilema do homem. Essa é a resposta,
já que temos dificuldades para aceitar as evidências.
Durante muitos anos o preparo mecânico intestinal foi usado com base na crença de que
as complicações pós-operatórias, na maioria das
vezes, estavam vinculadas à sua omissão ou ao seu
mau emprego, sem a devida valorização de outros
fatores concorrentes. A assertiva de que o procedimento
era imprescindível para os bons resultados nunca
havia sido devidamente avaliada e comprovada. Hoje sabemos que o preparo pode ser nocivo
em determinadas circunstâncias 70, é
economicamente dispendioso, incomoda o paciente e subtrai tempo
do pessoal de enfermagem, para não acrescentar
benéfico algum.86
O contrário pode ser discutido, a limpeza
pode ser nociva, como observou Platell e
col.100, mas é reportando ao trauma e às mãos do Cirurgião
Geral, que vamos encontrar maiores comprovações para
a hipótese de que o conteúdo normal do intestino
grosso não inviabiliza operações sobre os cólons,
não compromete resultados e nos conduz com
mais segurança ao restabelecimento da saúde do
paciente quando se abandona o complicado procedimento
de lavagem cólica intra-operatória e se faz o
reparo primário do ferimento, sem os outros
artifícios complicadores.103-107
São essas as evidências e esses os
argumentos sustentadores das operações colorretais sem o
preparo intestinal mecânico.
Técnicas cirúrgicas para o tratamento do
megacólon chagásico
Em 5 diferentes congressos _ 48º.
Brasileiro de Coloproctologia, 49º. Brasileiro de
Coloproctologia, junto com o 18º. da Sociedade Internacional
dos Cirurgiões Universitários Cólon Retais, 50º.
Congresso Brasileiro de Coloproctologia, 51º. Brasileiro
de Coloproctologia e o 52º. Brasileiro de
Coloproctologia, junto com o 28º. Latino-americano de
Coloproctologia _ houve um total de 1801 trabalhos apresentados.
No primeiro, foram 266 (166 temas livres, 52 pôsteres
e 48 vídeos) 11(4%) dos quais sobre tratamento
cirúrgico do megacólon e 1 (0,4%) sobre fisiopatologia;
no segundo, 593 trabalhos (327 temas livres, 204
pôsteres e 62 vídeos) e, dentre esses, 16 (2,7%) versavam
sobre o megacólon chagásicos; 1 único (0,17%)
sobre fisiopatologia;108 no terceiro, encontramos
287 apresentações (221 temas livres, 35 pôsteres e
31 vídeos) sendo que destas 9 (3%) foram sobre
o tratamento cirúrgico e 1 (0,35%) sobre a
fisiopatologia;109 no quarto, há 298 exposições
(188 temas livres, 74 pôsteres e 36 vídeos) com 12
(4%) trabalhos sobre o tratamento cirúrgico e 1 (0,3%)
sobre fisiopatologia 110 e no último, encontramos
357 apresentações (244 temas livres, 90 pôsteres, 23
vídeos) sendo 9 (2,5%) delas envolvendo o tema
megacólon chagásico e em apenas 1 (0,25%) há tópicos
referindo à fisiopatologia com menção ao trânsito cólico e
à manometria anorretal. 111
Considerando que o tratamento do
megacólon chagásico, na grande maioria das vezes, está na
mão do proctologista e que a doença de Chagas é
bem reconhecida e tratada nos estados da Bahia,
Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul, tanto no interior como em suas capitais, é de se
estranhar o desinteresse que há, pelo que se expressa
nos Congressos, a respeito dessa doença genuinamente
sul-americana, muito mais portuguesa do que
espanhola, sobretudo considerando que se trata de um
modelo único de denervação específica, no homem, à
espera de estudos que poderiam enriquecer nossas
experiências sobre as drogas e hormônios que agem na
musculatura lisa, mediadas ou não pela integridade do
sistema nervoso autonômico. Além disso, oferecendo
a oportunidade para o conhecimento da fisiopatologia
da moléstia de Chagas, mormente de uma de suas
muitas manifestações que é o megacólon chagásico,
esse modelo natural ofereceria, devidamente explorado,
a oportunidade para auxiliar no melhor
esclarecimento das mal entendidas disfunções gastrintestinais, no
ser humano. Os poucos estudos sobre a farmacologia e
a fisiologia dos "megas" limitam-se ao esôfago e
ao cólon, apesar do conhecimento de que a lesão
neuronal é universal e os "megas" menos comuns
podem aparecer no ureter, no colédoco, no duodeno ou
em outros segmentos do intestino delgado
112; que no tórax, além do coração e do mencionado esôfago,
afeta também os pulmões; que na esfera
urogenital, compromete o gânglio justaprostático, perturbando
o mecanismo da ereção e da ejaculação, etc.
Os segmentos mais acessíveis aos estudos
da fisiopatologia da gastrenterologia chagásica tais
como o esôfago, o estômago, o duodeno, o cólon
esquerdo, o reto e o ânus têm sido pouco explorados e,
não raramente, o são com vícios de metodologia que
dão margem a interpretações equivocadas.
Há tendências no meio médico da
assunção de condutas baseadas no empírico ou em
publicações isoladas que, quando submetidas a estudos
controlados, não se sustentam cientificamente. Um
exemplo próximo de nós são as táticas cirúrgicas usadas
no tratamento do megacólon chagásico. Já
comentamos em outra parte a variedade de modo de expressão
do megacólon e as diferentes técnicas usadas no
seu tratamento cirúrgico e as bases sobre as quais
se sustentam as modalidades operatórias de
tratamento. Outros autores já expressaram o mesmo tipo
de preocupação _ conhecer melhor a fisiopatologia
para maior adequação do
tratamento.113-115
Frase comum de introdução em
discursos sobre o megacólon chagásico que destaca
aquela afirmação, diz: "O tratamento cirúrgico do
megacólon chagásico foi, historicamente, introduzido ou
mudou de acordo com as concepções vigentes, em cada
época, sobre a fisiopatologia da doença".
Ora, as concepções sobre a fisiopatologia
do megacólon chagásico de cada época, de cunho
teórico, às quais se atrelaram diferentes propostas
de tratamento, nem sempre foram definitivamente sustentadas, mesmo depois do conhecimento de
que os sinais e sintomas da doença tinham como
base patológica a desordenada denervação intrínseca
da víscera em questão; mesmo depois dos estudos
sobre a resposta a estímulos químicos de segmentos
isolados da víscera, em ensaios biológicos ou do registro
de atividade motora do colón, ao vivo, por
meios eletromanométricos, sob estímulos e
condições clínicas controlados ou dos registros que
objetivaram estudos do segmento reto-anal, mormente os
que avaliaram os reflexos anais decorrentes de
estímulos retais, desde os mais antigos
113,114,116-123 aos mais recentes.
112,124-128
Embora os dados obtidos desses estudos sejam consistentes com as alterações
histopatológicas observadas e com os sinais e sintomas
apresentados pelos doentes, eles não forneceram
subsídios necessários para suportar as idéias criadoras
ou adaptadoras de técnicas para o tratamento
cirúrgico do megacólon. Aliás, a maioria das técnicas surgiu
e foi praticada antes dos referidos estudos. Kiss e
col.113 fizeram interessante revisão sobre
aspectos histopatológicos e fisiopatológicos, indo até
aos meandros da microscopia eletrônica, para expor o
que se conhecia de alterações ultra-estruturais ligadas
à doença de Chagas, não só afetando o sistema
nervoso visceral como também as estruturas musculares,
capaz de nos remeter a reflexões e reconsiderar os
conceitos que comumente são postos como alicerces
para explicar as técnicas cirúrgicas empregadas
no tratamento do megacólon chagásico.
É oportuno e possível traçar um paralelo
entre o desenvolvimento de técnicas operatórias
para tratar a constipação do chagásico com as que
eram usadas na Europa ou na América do Norte para
resolver definitivamente a obstrução observada
na doença de Hirschsprüng. Todos os tipos de
tratamento para o megacólon congênito, quase sem exceção,
foram "introduzidos" para cuidar do
megacólon chagásico; a simpatectomia pélvica é um
exemplo antigo.
A mais brilhante delas, de abaixamento, descrita por
Duhamel,129 em 1956, e posteriormente publicada com detalhes
130,131, foi adotada no Brasil
para o tratamento do megacólon chagásico com
modificação proposta por Haddad e
col.132 ou com os "passos" técnicos originais.
133 Outras técnicas interessantes,
de abaixamento, foram anteriormente criadas, uma
por Cutait134, outra por Simonsen e
col.135 em que os autores propunham uma anastomose baixa, de
maturação tardia, com o reto distal, expressando cautela para
com a segurança do procedimento e a preocupação com
o reto, como fator etiológico.
Interessados nesse mesmo aspecto, procuramos demonstrar distúrbios na esfera
anorretal que pudessem explicar a constipação do
paciente chagásico. O modelo de estudo envolvia a
estimulação do reto ou receptores extra-retais com o
registro concomitante da sensação subjetiva de conteúdo
retal e da atividade do esfíncter anal. Os resultados, se
de acordo com a idéia de que havia
perturbação fisiológica anorretal, seriam bases para
melhor adaptação do tratamento cirúrgico.
Pacientes chagásicos com megacólon, internados
para tratamento cirúrgico e outros, não chagásicos e
sem queixas na função intestinal, integraram os
grupos para padronização do ensaio. Os resultados
iniciais foram interessantes. Entre os chagásicos, alguns
não apresentavam qualquer sinal de reflexo inibitório
reto-anal, muito menos mencionavam a sensação
de conteúdo retal. Outros tinham resposta idêntica às
dos pacientes normais. Quando fomos discutir esses achados com um professor de Clinica
Médica, dedicado fisiologista do aparelho digestivo,
surgiram as primeiras observações que me fizeram rever
o método e a sua forma de aplicação. Os
primeiros comentários do Professor Renato A Godoy foram:
"-Padronizando e transferindo esses exames para
a avaliação de crianças com megarreto psicogênico,
o que você esperaria encontrar? Qual seria a
resposta esperada?".
Sobrevieram argumentos e discussões e
por fim entendi como deveria o método ser
padronizado para o paciente chagásico cuja dimensão do
reto (diâmetro latero-lateral ou antero-posterior ou
a circunferência) pode ser de tamanho variado,
dando ao segmento terminal do intestino grosso
capacidade volumétrica diferente ou diferente complacência
para cada paciente ou grupo de pacientes.
Feita a revisão do método, reiniciamos
os ensaios. As respostas foram todas diferentes
das anteriormente obtidas.
Prosseguimos com o projeto até o final, sabendo que não iríamos provar o que gostaríamos
_ isto é, que o segmento retal e anal têm
participação relevante no desenvolvimento do megacólon, por
causa da denervação do reto e por causa da perda do
reflexo inibitório reto-anal.
A maioria dos pacientes chagásicos
estudados respondeu de forma semelhante aos normais
com estímulos proporcionais ao diâmetro do reto de
cada um. A sensibilidade esteve preservada, houve relaxamento do canal anal e, no momento em que
o volume usado para o estímulo provocava
desejo incontrolável de evacuar, o balão era expulso do
reto. Isso só não aconteceu com os pacientes que
tinham megacólon e megarreto porque o volume do
balão era de tal ordem que impossibilitava sua
passagem pelo ânus. 123 Enfim, não conseguimos provar que
o reto do paciente chagásico, que sabemos
denervado como são os segmentos mais proximais do
intestino grosso, o íleo e o jejuno, o duodeno
112, a vesícula biliar e o esôfago, etc, ao lado da suposta
alteração do arco reflexo reto-anal têm papel relevante
na gênese do megacólon o que implicaria em sua
retirada cirúrgica quando pretendêssemos melhorar, por
esse método, a função evacuatória do intestino
do chagásico.
A partir desse estudo, de 1977 até 1994, passamos a agrupar os pacientes chagásicos
com megacólon, candidatos ao tratamento cirúrgico,
em pacientes com ou sem megarreto. Os que tinham megarreto recebiam tratamento mais radical, ou
seja, a ressecção mais ampla do reto, situação em que
os abaixamentos eram procedimentos usados, como alternativos. Os que não tinham megarreto
recebiam tratamento menos radical, isto é, anastomose com
o reto feito acima da reflexão do peritônio, evitando
a dissecção posterior e lateral e, assim, evitando
as complicações inerentes às amplas ressecções retais
e às anastomoses muito baixas. Nesse
período, diminuíram as complicações que já foram descritas
em outra parte5, referentes às operações de
abaixamento, sem alterar os resultados funcionais, paliativos,
outrora obtidos.
Contudo, continuamos achando que não
temos para o megacólon chagásico procedimento
cirúrgico ideal, dada a complexidade funcional dos cólons,
do reto e do ânus; dadas as alterações
morfológicas observadas no tubo digestivo dos pacientes
chagásicos e, sobretudo, pelo pouco que se conhece
da fisiopatologia dessa moléstia.
No inicio dessa apresentação mencionamos
o trabalho de Netinho e col.8 sobre a interposição
de segmento de íleo após a retossigmoidectomia
abdominal, principalmente por causa da carta de
Teixeira.7 A proposta de Netinho e
col.8 é, de fato, um novo
método, mas a meu ver, se me permite o autor,
mesmo funcionando bem, pode ser um somador de complicação. Se o íleo do paciente chagásico
fosse normalmente inervado - por exceção, normal -
valeria o risco e o dispêndio com três anastomoses e
a interposição de um segmento pouco adaptado para
a condução de conteúdo sólido. A menção feita à
carta de Teixeira 7 foi pela ênfase que esse autor deu
à operação de Duhamel-Haddad, excelente método
para o tratamento da doença de Hirschsprüng, mas que,
a despeito da preferência nacional, pelos
argumentos usados por Netinho 134 na replica à carta e,
pelas observações atuais, consideramos ser aquele
um método de exceção para o tratamento do
megacólon chagásico.
SUMMARY: The Science development is fast _ the Medicine, as so, absorbers the scientific growth in an evident effort of improving the researches and their results. In this context, the hard exercise of watching the scientific production gets out the positive results as well as controversies ones (those which generate different opinions). On these cases, the discussion or controversie have an important role directing to solve problems. This review was performed to discuss three controversial points. The first is about laparoscopic resection for malignant curable disease; the second is about colorectal surgery without mechanical bowel preparation; and the third is about the surgical technique for treatment of megacolon of Chagas' disease. The controversial feature of the first one is about the so-called ´oncological standards' and tumor cell spillage affording opportunity to port-site metastasis; of the second one, it is on the supposed protection of bowel preparation in elective colorectal surgery; and finally, on the third we discuss the insistent idea that the treatment of megacolon is well defined using techniques to accomplish the physiopathology of Hirschsprüng's disease.
Key words: laparoscopy, colorectal cancer, mechanical bowel preparation, megacolon, Chagas'disease.
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Rectum 2003;46:1576-78
Endereço para correspondência:
Instituto de Medicina
Júlio César M Santos Jr.
Av. Min Urbano Marcondes, 561
12515-230 Guaratinguetá ( SP)